Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1580/19.2PFLSB.S1
Nº Convencional: 3.ª SECÇÃO
Relator: LOPES DA MOTA
Descritores: RECURSO PER SALTUM
CONCURSO DE INFRACÇÕES
ROUBO
ROUBO AGRAVADO
PENA ÚNICA
MEDIDA CONCRETA DA PENA
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
Data do Acordão: 03/20/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO
Sumário :

I – Estando em causa uma situação de concurso de crimes (artigos 30.º, n.º 1, e 77.º do CP), pode o STJ conhecer, em recurso, de todas as questões de direito relativas à pena única aplicada aos crimes em concurso e às penas aplicadas a cada um deles, englobadas naquela pena única, inferiores àquela medida, se impugnadas (AFJ n.º 5/2017, DR I, de 23.6.2017), como sucede no caso presente.

II – Tendo em conta as conclusões da motivação do recurso, este Tribunal é chamado a apreciar e decidir da adequação e proporcionalidade das penas aplicadas a cada um dos crimes em concurso (penas parcelares) e da pena única, que o recorrente pretende ver reduzidas, por as considerar «excessivas, desadequadas e desproporcionais».

III – O acórdão recorrido concluiu que o arguido praticou 3 crimes de roubo, em coautoria, aplicando-lhe uma pena de 5 anos e 4 meses de prisão por um dos crimes e duas penas de 2 anos e 6 meses de prisão por cada um dos outros dois crimes, e em cúmulo, a pena de 7 anos de prisão.

IV – Os crimes foram cometidos de modo idêntico, pelo arguido e por outra pessoa, agindo em conjunto, sem uso de violência física, com ameaça de arma de fogo – circunstância que apenas releva para a qualificação de um dos crimes, mas já não dos demais, casos em que unicamente constitui circunstância de agravação geral –, causando nos ofendidos receio de lesão da sua integridade física, sem outras consequências para além do desapossamento dos bens (pizzas) e dos valores em dinheiro de que os arguidos se apropriaram.

V - O roubo de que foi vítima o taxista, levado a efeito de noite, durante a prestação de um serviço de transporte solicitado pelos arguidos, revela-se particularmente censurável, pelo modo, tempo e forma de execução dos factos, e com acentuada repercussão negativa gerada pela insegurança associada a crimes desta natureza cometidos neste tipo de situações, em que igualmente se evidenciam caraterísticas de personalidade reveladoras da falta de preparação para manter uma conduta lícita. Manifestam-se, nestas circunstâncias, elevadas necessidades de prevenção especial, também presentes na forma de execução dos demais crimes de roubo.

VI – Das condições económicas, sociais e familiares resulta comprovado o alegado «apoio familiar», como fator favorável à ressocialização, notando-se comportamentos anteriores de indisciplina, nomeadamente no seio da família, sem relevância criminal, que, como tal, não merecem consideração em função do «facto complexivo global» que constitui o substrato de determinação da pena, a requerer conexão com o facto ilícito típico.

VII - Conexão que igualmente se impõe quanto ao comportamento posterior ao crime [al. e) do n.º 2 do artigo 71.º do CP], seja tal comportamento positivo – especialmente se destinado à reparação do mal causado pelo crime –, contribuindo para a atenuação da pena, seja negativo – em particular se destinado a ocultar ou a dificultar a descoberta do crime –, contribuindo para a agravação, em qualquer caso a considerar por via da prevenção, ligada à necessidade da pena. E que não se revela relativamente aos crimes que constam do certificado do registo criminal, todos eles praticados em datas posteriores aos destes autos, pelos quais cumpre pena de prisão, que, no seu conjunto, deverão ser apreciados em sede de concurso de crimes, a constituir objeto de decisão própria (artigo 78.º do CP), que não a destes autos.

VIII - Para além da desvalorização desta circunstância de agravação, de que se extrai não possuir o arguido antecedentes criminais nas datas da prática dos crimes, há ainda que considerar o valor reduzido do objeto do roubo e o valor diminuto dos objetos dos roubos a que se referem os processos apensos, sendo que, tratando-se de crimes contra a propriedade, embora com violência ou ameaça sobre a vítima, os valores dos bens subtraídos assumem particular significado na determinação do grau de ilicitude.

IX - Os valores dos bens e das importâncias em dinheiro que constituem o objeto dos roubos em dois processos determinam que os crimes correspondentes não possam ser qualificados nos termos do artigo 210.º, n.º 2, al. b), do CP, face ao disposto no n.º 4 do artigo 204.º, aplicável ao crime de roubo, segundo o qual «não há lugar à qualificação se a coisa furtada for de diminuto valor», isto é, de valor «que não exceder uma unidade de conta avaliada no momento da prática do facto» [artigo 202.º, al. c), do CP], fixada em 102 euros (artigo 22.º Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de fevereiro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de fevereiro, e Lei n.º 53-B/2006, de 29 de Dezembro valor que se mantinha à data dos factos).

X - Tendo em conta as circunstâncias relevantes e a moldura das penas correspondentes ao crime de roubo por que o arguido vem condenado num processo, de 3 a 15 anos de prisão, e em outros dois processos, de 1 a 8 anos de prisão, conclui-se que as penas aplicadas deverão ser objeto de intervenção corretiva.

XI - A redução das penas aplicadas aos crimes em concurso implica, desde logo, a diminuição dos limites da moldura da pena única aplicável, que passa a ser de 4 anos e 6 meses no seu limite mínimo e de 7 anos e 4 meses no seu limite máximo.

XII – Tendo em conta a moldura da pena aplicável aos crimes em concurso, na consideração, em conjunto, da gravidade dos factos e da personalidade do arguido, julga-se adequado fixar a pena única em 6 (seis) anos de prisão, por, nesta medida, se conformar ao critério de proporcionalidade que deve presidir à determinação das penas.

Decisão Texto Integral:
Proc. n.º 1580/19.2PFLSB.S1

3.ª Secção

ACÓRDÃO

Acordam na 3.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça:

I. Relatório

1. AA, arguido, com a identificação que consta dos autos, interpõe recurso do acórdão de 27.02.2023, proferido pelo tribunal coletivo do Juízo Central Criminal de Lisboa - Juiz 19, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, que o condenou pela prática, em concurso, de:

a) um crime de roubo p. e p. pelo artigo 210.º, n.º 1 e 2, al. b), por referência à al. f) do n.º 2 do artigo 204.º do Código Penal (31 de julho de 2019), na pena de 5 (cinco) anos e 4 (quatro) meses de prisão;

b) um crime de roubo p. e p. pelo artigo 210º, n.º 1 e 2, al. b), por referência à al. f) do n.º 2 e 4 do artigo 204.º do Código Penal (3 de agosto de 2019), na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão;

c) um crime de roubo p. e p. pelo artigo 210º, n.º 1 e 2, al. b), por referência à al. f) do n.º 2 e 4 do artigo 204.º do Código Penal (4 de agosto de 2019), na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão, e

Em cúmulo jurídico, na pena única de 7 (sete) anos de prisão.

2. Discordando do decidido, quer quanto às penas singulares, quer quanto à pena única, apresenta motivação que termina com as seguintes conclusões (transcrição):

«1. Ao longo da motivação do recurso o recorrente insurgiu-se contra as penas parcelares e única aplicadas, com vista à respetiva redução.

2. Assim é, que o arguido foi condenado pela prática, em autoria material e na forma consumada de

(i) um crime de roubo p. e p. pelo artigo 210.º, nº 1 e 2, al. b), por referência à al. f) do nº 2 do artigo 204.º do Código Penal, na pena parcelar de 5 (cinco) anos e 4 (quatro) meses de prisão, pela prática,

(ii) em coautoria material e na forma consumada de um crime de roubo, p. e p. pelo artigo 210.º, nº 1 e 2, al. b), por referência à al. f) do nº 2 e 4 do artigo 204.º do Código Penal, na pena parcelar de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão, pela prática em coautoria material e

(iii) na forma consumada de um crime de roubo, p. e p. pelo artigo 210.º, nº 1 e 2, al. b), por referência à al. f) do nº 2 e 4 do artigo 204.º do Código Penal, na pena parcelar de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão.

3. Ora os crimes em questão têm uma moldura penal abstrata de 1 a 8 anos (crime de roubo simples, art.º 210.º nº 1 do C.P.) e de 3 a 15 anos (crime de roubo qualificado, art.º 210.nº 2 do C.P.).

4. Entende assim o recorrente que as penas parcelares aplicadas aos crimes foram excessivas, desadequadas e desproporcionais.

5. O arguido era muito jovem à data dos factos, no limiar da maioridade, o que lhe retira naturalmente maturidade, na prática de actos.

6. Não obstante o mau comportamento posterior do arguido não justifique a aplicação do Regime Especial para Jovens e Delinquentes, esse facto deve ser sempre considerado como uma atenuante geral, nos termos do art.º 71 nº 2 d) C.P.

7. Acresce que além das atenuantes referidas no Acórdão, o arguido trabalha no estabelecimento prisional e está a frequentar um curso de desporto, que lhe dará equivalência ao 12º ano.

8. Beneficia ainda de apoio familiar.

9. Tais factos, não relevados no Acórdão justificam uma redução das penas parcelares aplicadas que vão muito além do mínimo legal.

10. Devem assim tais penas parcelares serem reduzidas.

11. No que se refere à pena única, devem-se ter em conta a gravidade dos factos e a personalidade do agente.

12. Ora, em nenhum dos factos em análise, decorreram consequências graves para terceiros.

13. Dos crimes que foi posteriormente condenado, pode-se dizer que há mau comportamento, mas não extrair qualquer conclusão negativa em termos de personalidade do arguido.

14. Com efeito, desconhecem-se as concretas situações em que o mesmo praticou tais factos ilícitos.

15. O arguido é ainda muito jovem e manifestava comportamentos imaturos o que, todavia, não quer dizer que possa ser considerado um delinquente nato ou por tendência.

16. Termos em que reduzidas as penas parcelares, deve também reduzir-se a pena única, que já se considerava desadequada, desproporcional e injusta, mesmo em face das penas aplicadas no Acórdão.

17. Devem, pois, reduzir-se as penas parcelares aplicadas e pena única imposta.

Termos em que se requer, que seja dado provimento ao presente recurso e em consequência reduzidas as referidas penas parcelares e a pena única aplicada na dimensão considerada como justa e equitativa (…)»

3. O Ministério Público, pela Senhora Procuradora da República no tribunal recorrido, apresentou resposta, dizendo que:

«(…) Na pena aplicada foram ponderadas todas as circunstâncias que militam a favor e contra o arguido, as quais foram devidamente escalpelizadas no acórdão condenatório, sem que nos mereçam qualquer censura.

É nosso entendimento, porém, que qualquer reação criminal de cariz mais benevolente cremos que não satisfaria já, suficientemente, nem as necessidades de prevenção especial positiva ou de socialização – influência concreta sobre o agente – nem de prevenção geral de tutela do ordenamento jurídico – influência sobre a comunidade, no sentido de “reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança face à violação da norma ocorrida”.

O recorrente na medida em que defende a redução da pena aplicada invoca a desproporcionalidade desta relativamente aos factos cometidos.

No entanto dispensa-se de invocar factos concretos de onde uma tal desproporção resulta, donde, se nos afigure de todo infundada, e por isso manifestamente improcedente, a pretensão do recorrente.»

Pelo que conclui que o recurso não merece provimento.

4. Recebidos, foram os autos com vista ao Ministério Público, tendo o Senhor Procurador-Geral Adjunto neste Tribunal emitido parecer nos termos do artigo 416.º do CPP no sentido da procedência do recurso.

Dando «por integralmente reproduzida a factualidade em que assenta a condenação bem como as apropriadas considerações teóricas vertidas no acórdão acerca dos critérios e princípios que presidem à escolha e determinação da medida das penas (singulares e conjunta)», e tendo em conta a jurisprudência do Tribunal Constitucional que «tem reconhecido que “a Constituição acolhe, designadamente no seu artigo 18.º, n.º 2, os princípios da necessidade e da proporcionalidade das penas e das medidas de segurança, afirmando repetidamente que, por serem as sanções penais aquelas que, em geral, maiores sacrifícios impõem aos direitos fundamentais, devem ser evitadas, na existência e na medida, sempre que não se demonstre a sua necessidade” (acórdão n.º 3/2006 do Tribunal Constitucional, relatado pelo conselheiro Mário Torres, www.tribunalconstitucional.pt), o que significa que na fixação da medida das penas o julgador deve fugir à aplicação de penas excessivas e desproporcionadas» e citando os acórdãos deste Supremo Tribunal de Justiça de 19.11.2020, no processo 936/18.2PBSXL.S1, de 6.10.2021, no processo 401/20.8PAVNF.S1, e de 3.11.2021, no processo 99/20.3GGPTG.S1, acrescenta que:

«In casu estamos perante crimes de roubo, que a lei classifica de crimes especialmente violentos (art. 1.º, al. l), do Código de Processo Penal), em que as necessidades de prevenção geral, à vista do alarme social e da insegurança que justificadamente provocam e das consequências, pessoais e patrimoniais, para as vítimas, são elevadas.

Para a graduação da ilicitude e da culpa importa destacar, por um lado, a natureza dos bens subtraídos (pizzas e quantias em numerário) e os seus parcos valores (130 euros, 14,35 euros e 51 euros) e que jamais foi usada violência física contra os ofendidos, mas, por outro lado, que o recorrente atuou sempre em comparticipação (o que facilitou a consumação dos crimes), com dolo direto e, relativamente ao episódio de 31 de julho de 2019, durante a madrugada (02.45 horas) e contra o taxista que o transportou.

As necessidades de prevenção especial, a despeito do apoio familiar de que sempre beneficiou (factos provados 35/b/d/h) e de ser delinquente primário na data dos factos, não deixam de ser expressivas face à sua personalidade e estilo de vida insubordinados (v. os factos provados 35/c/d/e) e à conduta posterior aos acontecimentos (v. os factos provados 35/k e 39).

De ponderar, ainda, que o recorrente nasceu em 16 de março de 2001, o que significa que os crimes foram praticados numa fase imatura da sua vida em que «é ainda possível agir em sentido regenerador» (expressão colhida do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6 de junho de 2018, processo 284/10.6PBVFX.S1, relatado pelo conselheiro Maia Costa, www.dgsi.pt).

Tudo somado, consideramos mais equilibradas as seguintes penas:

- Em relação ao crime de roubo qualificado p. e p. pelos arts. 210.º, n.ºs 1 e 2, al. b), e 204.º, n.º 2, al. f), do Código Penal (factos de 31 de julho de 2019), a pena de 4 anos de prisão;

- Em relação a cada um dos crimes de roubo simples p. e p. pelos arts. 210.º, n.ºs 1 e 2, al. b), e 204.º n.ºs 2, al. f), e 4, do Código Penal (factos de 3 e 4 de agosto de 2019), a pena 1 ano e 6 meses de prisão;

- Em cúmulo jurídico, a pena única de 5 anos de prisão de cumprimento efetivo posto que, ainda que se pudesse formular um juízo de prognose favorável quanto ao comportamento futuro do recorrente (e não cremos que tal fosse possível face ao que ficou exposto acerca das necessidades de prevenção especial), as acentuadas exigências de prevenção geral que se fazem sentir sempre obstariam à aplicação da pena de suspensão do art. 50.º do Código Penal (cf. Jorge de Figueiredo Dias, obra citada, pág. 344).

Nada mais se oferecendo aduzir, emite-se parecer favorável ao provimento do recurso.»

5. Notificado para responder, nos termos do artigo 417.º, n.º 2, do CPP, o arguido nada disse.

6. Colhidos os vistos e não tendo sido requerida audiência, o recurso foi à conferência – artigos 411.º, n.º 5, e 419.º, n.º 3, alínea c), do CPP.

Decidindo.

II. Fundamentação

Factos provados

7. O tribunal coletivo deu como provados os seguintes factos (transcrição):

«Apenso 1547/19.0PFLSB

1. No dia ... de ... de 2019, pelas 02h45, o arguido AA e dois indivíduos cuja identidade não se logrou apurar, entraram no táxi com a matrícula ..- QD-.., na Rua ..., cujo condutor era o ofendido BB e solicitaram que os levasse à Rua ..., em ....

2. Ao chegarem à Rua ..., junto ao n.º 38, em ..., o arguido AA disse a BB que ficariam naquele local, encostando-lhe de seguida nas costas um objeto que pelo toque no corpo era em tudo semelhante a uma arma de fogo, dizendo-lhe simultaneamente “DÁ-ME O DINHEIRO TODO QUE TIVERES, SÓ QUEREMOS O DINHEIRO, NÃO TE VAMOS FAZER MAL”.

3. Temendo pela sua integridade física, BB entregou-lhes o porta-moedas que continha no seu interior cerca de €130,00 (cento e trinta euros).

4. Ato seguido, o arguido e os mencionados indivíduos puseram-se em fuga levando a mencionada quantia.

5. O arguido AA atuou em conjugação de esforços e intentos com os demais suspeitos não identificados, com a intenção de subtraírem e se apropriarem do dinheiro que o ofendido trazia consigo, não se inibindo de utilizarem um objeto semelhante a uma arma de fogo para esse efeito.

Processo Principal 1580/19.2PFLSB

6. No dia ... de ... de 2019, cerca das 12h59, o Arguido CC, através do seu telemóvel com o n.º ..., telefonou para a “...” e solicitou a entrega de uma pizza na ....

7. Ao local deslocou-se o ofendido DD, ... da “...”, que assim que chegou ao local foi abordado pelos arguidos CC e AA, que lhe disseram “FUI EU QUE PEDI PIZZA, DÁ-ME A PIZZA”, tendo o ofendido respondido que teriam de pagar primeiro.

8. Em face de tal resposta, o arguido CC abriu uma mala que trazia consigo e exibiu um objeto em tudo semelhante a uma arma de fogo, ao mesmo tempo que solicitava dinheiro e o arguido AA pediu as chaves da mota, tendo DD recusado.

9. Ato seguido, o arguido CC retirou a arma de fogo da mala, puxou a corrediça atrás três vezes, encostou a arma à barriga daquele e exigiu-lhe simultaneamente o troco, tendo aquele dito que não tinha dinheiro, pelo que o arguido AA retirou a pizza da mota, no valor de €14,35 (catorze euros e trinta e cinco euros) e puseram-se em fuga.

10. Os arguidos AA e CC atuaram em conjugação de esforços e intentos, com a intenção de subtraírem e se apropriarem do dinheiro e da pizza que o ofendido trazia consigo, não se inibindo de utilizarem um objeto em tudo semelhante a uma arma de fogo para esse efeito.

[…]

Apenso 1108/19.4PWLSB

16. No dia 04 de agosto de 2019, pelas 13h50, o ofendido EE, estafeta da “...”, deslocou-se à Rua ... a fim de proceder à entrega de uma pizza, uns pães de alho e uma pepsi de 1,5l, no valor de €26,35 (vinte e seis euros e trinta e cinco cêntimos).

17. Ali chegado foi abordado pelos arguidos CC e AA, sendo que o arguido CC empunhou um objeto em tudo semelhante a uma arma de fogo na sua direção ao passo que o arguido AA lhe disse que não valia a pena tirar o talão/factura da caixa pois não iriam pagar.

18. Ato seguido o arguido CC pediu-lhe o dinheiro que tivesse tendo o arguido AA retirado as pizzas da caixa de transporte.

19. O ofendido EE, com receio pela sua integridade física, entregou-lhe €24,65 (vinte e quatro euros e sessenta e cinco cêntimos), colocando-se os arguidos em fuga levando as pizzas e o dinheiro.

20. Os arguidos CC e AA atuaram em conjugação de esforços e intentos, com a intenção de subtraírem e se apropriarem do dinheiro e da pizza que o ofendido trazia consigo, não se inibindo de utilizarem um objeto em tudo semelhante a uma arma de fogo para esse efeito.

[…]

Mais se provou que:

Quanto às condições pessoais e sociais dos arguidos (relatórios sociais cujo teor se dá por reproduzido) consta designadamente:

[…]

35. Arguido AA

a. AA nasceu no Brasil e é o mais novo dos quatro filhos do casal progenitor de origem portuguesa. Naquele país, a família residia numa residência pertencente à ... e na qual os pais trabalhavam, sendo o pai diretor de uma das casas. A integração neste espaço, relacionada com a problemática aditiva de ambos os progenitores, não terá sido fonte de impacto relevante para o jovem, que se mantinha distanciado de eventuais convívios de risco. A relação do arguido com os pais era consistente, principalmente com o pai, pelo que o falecimento deste na sequência de doença prolongada quando o arguido tinha cerca de seis anos se constitui fonte de grande sofrimento, tendo lidado com dificuldade com o luto e a perda.

b. Posteriormente ao falecimento do pai, a mãe do arguido decidiu regressar a Portugal com os filhos. Em Portugal fixou residência em casa da sua mãe e passou a contar com o apoio da família de origem e alargada, sendo a dinâmica relacional descrita como coesa e de grande solidariedade entre os elementos da família. O arguido terá vivido com sofrimento o regresso a Portugal e a perda das suas referências, tendo apresentado dificuldades de adaptação ao novo ambiente e comportamentos desajustados quer no seio familiar, quer na escola na qual se inserira. Por tais motivos, passou a ser acompanhado em consulta de pedopsiquiatria, iniciada em 2009, tendo sido diagnosticado com Défice de Atenção e Hiperatividade, para as quais foi medicado. Manteve ainda apoio psicológico. Segundo a mãe do arguido, apesar deste apoio, o comportamento de AA não sofreu grandes alterações e exigiu da parte da família uma monitorização apertada do seu quotidiano.

c. O seu percurso escolar foi marcado por absentismo comportamentos desrespeitadores dentro e fora da sala de aula e dificuldades de concentração. As várias medidas disciplinares que lhe foram aplicadas, concretamente suspensões, e o baixo rendimento determinaram a sua primeira retenção no 7º ano. Após a sua transferência para uma outra escola, AA concluiu o 9º ano de escolaridade, com cerca de 18 anos de idade.

d. Não obstante as estratégias de controlo adotadas pela família, sobretudo pela mãe, AA apresenta anteriores contactos com o Sistema de Justiça Juvenil. Não lhe são atribuídas problemáticas aditivas.

e. À data dos factos de que vem acusado, o arguido constituía agregado familiar com a mãe, 45 anos de idade, assistente operacional num equipamento de saúde, pela avó materna, de 74 anos de idade, reformada, pelo irmão FF, 26 anos e pela irmã GG, de 25 anos de idade, ambos profissionalmente ativos. AA continuava a apresentar comportamentos de resistência ao cumprimento das regras impostas pela mãe, adotando comportamentos de oposição, provocação, potenciadores de conflitos e orientados para a satisfação imediata dos seus desejos e necessidades.

[…]

Relativamente aos antecedentes criminais, deu-se como provado que:

[…]

39. O Arguido AA tem averbadas as seguintes condenações no CRC:

a. 120 dias de multa pela prática em 19.8.19 do crime de condução sem habilitação legal, substituída por trabalho a favor da comunidade e já declarada extinta pelo cumprimento;

b. 100 dias de multa pela prática em 15.9.2020 do crime de desobediência;

c. 9 anos e 6 meses de prisão pela prática em 12,13,15 e 16.10.2019 dos seguintes crimes:

i.- pela prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada, previsto e punível pelos art.ºs 143.º, n.º 1 e 145.º, n.º 1, al. a) e n.º 2, por referência ao disposto no art.º 132.º, n.º 2, al. h), todos no C. Penal (que teve como vítima HH), na pena parcial de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão;

ii.- pela prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada, previsto e punível pelos art.ºs 143º, n.º 1 e 145.º, n.º 1, al. a) e n.º 2, por referência ao disposto no art.º 132.º, n.º 2, al. h), todos no C. Penal (que teve como vítima II), na pena parcial de 2 (dois) anos e 3 (três) meses de prisão;

iii.- pela prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada, previsto e punível pelos art.ºs 143.º, n.º 1 e 145.º, n.º 1, al. a) e n.º 2, por referência ao disposto no art.º 132º, n.º 2, al. h), todos no C. Penal (que teve como vítima JJ), na pena parcial de 2 (dois) anos de prisão;

iv.- pela prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada, previsto e punível pelos art.ºs 143.º, nº 1 e 145.º, n.º 1, al. a) e n.º 2, por referência ao disposto no art.º 132º, n.º 2, al. h), todos no C. Penal (que teve como vítima KK), na pena parcial de 2 (dois) anos de prisão;

v.- pela prática, em autoria material, de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido nos termos do artigo 86.º, n.º 1, al. c) e artigo 2.º, n.º 1, al. ar) do Regime Jurídico das Armas e Munições (aprovado pela Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro), na pena parcial de 2 anos de prisão;

vi.- pela prática de um crime de homicídio na forma tentada agravado, previsto e punido pelos artigos 131.º, 22.º e 23.º todos do Código Penal 86.º, n.º 3 do Regime Jurídico das Armas e Munições, aprovado pela Lei n.º 5/2006, de 23.02 (que teve como vítima LL), na pena parcial de 5 anos de prisão;

vii.- pela prática de um crime de homicídio na forma tentada agravado, previsto e punido pelos artigos 131.º, 22.º e 23.º todos do Código Penal 86.º, n.º 3 do Regime Jurídico das Armas e Munições, aprovado pela Lei n.º 5/2006, de23.02 (que teve como vítima MM), na pena parcial de 5 anos de prisão;

viii.- pela prática de dois crimes de condução sem habilitação legal, previstos e punidos pelo artigo 3.º, n.º 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de janeiro, nas penas parciais de 9 (nove) meses de prisão;

ix.6. E, procedendo nos termos dos artigos 77.º e 78.º do Código Penal, ao cúmulo jurídico das 9 penas parcelares ora aplicadas, condena o arguido AA pela prática dos 9 crimes identificados no ponto anterior, na pena unitária de 9 (nove) anos e 6 (seis) meses de prisão efetiva.»

Âmbito e objeto do recurso

9. O recurso tem, pois, por objeto um acórdão proferido pelo tribunal coletivo da 1.ª instância que aplicou uma pena de prisão superior a 5 anos, diretamente recorrível para o Supremo Tribunal de Justiça [artigo 432.º, n.º 1, al. c), do CPP]

Limita-se ao reexame de matéria de direito (artigo 434.º do CPP), não vindo invocado qualquer dos vícios ou nulidades referidos nos n.ºs 2 e 3 do artigo 410.º do CPP, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 432.º, na redação introduzida pela Lei n.º 94/2021, de 21 de dezembro.

O âmbito do recurso, que circunscreve os poderes de cognição deste tribunal, delimita-se pelas conclusões da motivação (artigos 402.º, 403.º e 412.º do CPP), sem prejuízo, se for caso disso, dos poderes de conhecimento oficioso, em vista da boa decisão de direito, dos vícios da decisão recorrida a que se refere o artigo 410.º, n.º 2, do CPP (acórdão de fixação de jurisprudência n.º 7/95, DR-I, de 28.12.1995), de nulidades não sanadas (n.º 3 do mesmo preceito) e de nulidades da sentença (artigo 379.º, n.º 2, do CPP, na redação da Lei n.º 20/2013, de 21 de fevereiro).

Estando em causa uma situação de concurso de crimes (artigos 30.º, n.º 1, e 77.º do Código Penal), pode este tribunal conhecer de todas as questões de direito relativas à pena conjunta aplicada aos crimes em concurso e às penas aplicadas a cada um deles, englobadas naquela pena única, inferiores àquela medida, se impugnadas (acórdão de fixação de jurisprudência n.º 5/2017, DR I, de 23.6.2017), como sucede no caso presente.

10. Em síntese, tendo em conta as conclusões da motivação do recurso, este Tribunal é chamado a apreciar e decidir da adequação e proporcionalidade das penas aplicadas a cada um dos crimes em concurso (penas parcelares) e da pena única, que o recorrente pretende ver reduzidas, por as considerar «excessivas, desadequadas e desproporcionais».

Quanto às penas aplicadas aos crimes em concurso (penas parcelares)

11. O acórdão recorrido concluiu que o arguido praticou 3 crimes de roubo, em coautoria, aplicando-lhe uma pena de 5 anos e 4 meses de prisão por um dos crimes e duas penas de 2 anos e 6 meses de prisão por cada um dos outros dois crimes.

Fundamentou a decisão de determinação da medida de todas as penas parcelares, incluindo, portanto, a correspondente ao crime de furto qualificado, nos seguintes termos:

«(…)

Apenso 1547/19.0PFLSB

O Arguido munido de uma pistola que encostou às costas do ofendido apropriou-se das quantias monetárias e do porta moedas que lhe pertenciam. Os bens não são de valor diminuto [130 Euros] pelo que cometeu o crime na sua forma agravada tendo em conta que como referiu o ofendido teve medo do Arguido por ter suspeitado que ele tinha na sua posse uma arma de fogo. Assim, o uso deste objecto foi determinante para o Arguido conseguir os valores pretendidos.

Além disso, o arguido actuou dolosamente (com conhecimento e vontade de agir nos moldes descritos). Por fim, o arguido mostra-se imputável, sendo que os factos em causa reflectem uma sua atitude pessoal desvaliosa, por contrária às exigências postas pelo direito. Não se tendo apurado causas de exclusão da ilicitude ou da culpa pelo que deverá o arguido ser punido pela prática de um crime de roubo, p. e p. pelo artigo 210.º, n.º 1 e 2 al. b) por referência à al. f) do n.º 2 do art.º 204.º do Código Penal.

Processo Principal 1580/19.2PFLSB

O Arguido em execução de plano conjunto com NN que estava munido de uma pistola que exibiu na direcção do ofendido apropriou-se das quantias monetárias das pizzas que transportava em virtude do medo que este teve de que atentassem contra a sua integridade física. Assim, o uso deste objecto foi determinante para o Arguido conseguir os valores pretendidos.

Sem embargo, vê-se que os bens subtraídos valiam € 14,35, donde operar a desqualificação do crime, por força do disposto no artigo 210.º, n.º 4 do Código Penal, uma vez que os mesmos não tinham valor superior a uma unidade de conta [artigo 202.º, al. c) do Código Penal.

Além disso, o arguido actuou dolosamente (com conhecimento e vontade de agir nos moldes descritos). Por fim, o arguido mostra-se imputável, sendo que os factos em causa reflectem uma sua atitude pessoal desvaliosa, por contrária às exigências postas pelo direito.

Não se tendo apurado causas de exclusão da ilicitude ou da culpa pelo que deverá o arguido ser punido pela prática de um crime de roubo, p. e p. pelo artigo 210.º, n.º 1 e 2 al. b) por referência à al. f) do n.º 2 do art.º 204.º do Código Penal.

Apenso 1108/19.4PWLSB

O Arguido em execução de plano conjunto com NN que estava munido de uma pistola que empunhou na direcção do ofendido apropriou-se das quantias monetárias das pizzas que transportava em virtude do medo que este teve de que atentassem contra a sua integridade física. Assim, o uso deste objecto foi determinante para o Arguido conseguir os valores pretendidos.

Sem embargo, vê-se que os bens subtraídos valiam cerca de € 26,35 (alimentos) + € 24,65 (dinheiro) = € 51,00, donde operar a desqualificação do crime, por força do disposto no artigo 210.º, n.º 4 do Código Penal, uma vez que os mesmos não tinham valor superior a uma unidade de conta [artigo 202.º, al. c) do Código Penal.

Além disso, o arguido actuou dolosamente (com conhecimento e vontade de agir nos moldes descritos). Por fim, o arguido mostra-se imputável, sendo que os factos em causa reflectem uma sua atitude pessoal desvaliosa, por contrária às exigências postas pelo direito.

Não se tendo apurado causas de exclusão da ilicitude ou da culpa pelo que deverá o arguido ser punido pela prática de um crime de roubo, p. e p. pelo artigo 210.º, n.º 1 e 2 al. b) por referência à al. f) do n.º 2 do art.º 204.º do Código Penal.

(…)

Da coautoria

Do elenco de factos provados, designadamente do modo como se mostra descrita a intervenção e participação dos arguidos, e dos demais intervenientes não identificados, demonstra claramente uma adesão dos arguidos à intenção apropriativa dirigida ao património das ofendidos, com recurso ao uso de violência sobre estas, donde se extrai, sem qualquer dúvida, que os arguidos agiram em comunhão de esforços e na execução de um plano comum, partilhando tarefas distintas, essenciais à perfeição do plano traçado (cuja execução teria soçobrado na falta de alguma delas), bem sabendo da ilicitude da sua conduta.

É, pois, seguro concluir que a conduta adotada pelos arguidos, de comum acordo e em comunhão de esforços, de acordo com a experiência comum, foi idónea a produzir o resultado típico do crime em causa.

(…)

b) Da escolha e da medida concreta da pena

Qualificados juridicamente os factos e operada a respetiva subsunção aos preceitos incriminadores, importa proceder à escolha, determinação e medida da pena a aplicar.

O crime de roubo simples consumado é punido com pena de 1 a 8 anos de prisão.

Por sua vez, o crime de roubo agravado, previsto e punido pelo artigo 210.º, nº1 e 2, al. b) do Código penal, com referência ao disposto no artigo 204.º, nº 2, al. f) do mesmo código é punido com pena de prisão de três a quinze anos.

(…)

De acordo com o disposto no artigo 40.º, n.º 1 do Código Penal, as penas visam assegurar as necessidades de prevenção geral, isto é, a estabilização das expectativas da comunidade na manutenção da validade da norma violada e a reintegração e socialização do agente na sociedade (prevenção especial), ou seja, por um lado as exigências de prevenção geral positiva, reafirmando a vigência e a validade da norma, e, por outro, as exigências específicas de ressocialização do indivíduo através da aquisição de novas competências e de libertação de vícios.

Por sua vez, o n.º 2 do artigo 40.º do Código Penal determina que “em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa''.

Concluiu-se, assim, que as penas não possuem uma finalidade de compensação ou retributiva da culpa, funcionando esta com uma dupla dimensão: a culpa é fundamento da pena e limite máximo da mesma.

A culpa do agente traduz-se então num limite inultrapassável, que estabelece o máximo de pena que seja ainda compatível com as exigências de prevenção.

Neste sentido, do artigo 71.º, n.º 1 do Código Penal, decorre que a determinação da medida da pena é, dentro dos limites estabelecidos na lei, feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, estabelecidas no artigo 40.º do mesmo diploma.

A prevenção geral, enquanto defesa da ordem jurídico-penal, é a primeira finalidade que se prossegue no quadro da moldura penal abstrata. Neste sentido, dever-se-á definir uma moldura legal em que o limite mínimo corresponde, em concreto, ao imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma, assim, satisfazendo as necessidades de prevenção geral, de integração e de consciencialização jurídica comunitária na validade da norma e o máximo que a culpa do agente permite.

Encontrada a moldura da pena, fixada, como dissemos, em função das exigências de prevenção geral positiva e da culpa, entre esses limites, devem então funcionar as exigências de prevenção especial positiva ou de socialização para determinar a medida concreta da pena, que, como referido, nunca pode a pena exceder a medida da culpa do agente.

Na determinação da medida da pena, têm-se em contra critérios de prevenção geral e especial. Pela prevenção geral (positiva) faz-se apelo à consciencialização geral da importância social do bem jurídico tutelado e ao restabelecimento ou revigoramento da confiança da comunidade na efetiva tutela penal dos bens tutelados.

Com a prevenção especial, pretende-se a ressocialização do delinquente (prevenção especial positiva) e a dissuasão da prática de futuros crimes (prevenção especial negativa) – Ac. Tribunal da Relação de Coimbra de 10.03.2010.

Por outras palavras, o modelo de determinação da medida da pena que melhor combina os critérios da culpa e da prevenção é aquele que comete:

- À culpa, a função - única, mas nem por isso menos decisiva - de determinar o limite máximo e inultrapassável da pena;

- À prevenção geral, a função de fornecer uma “moldura de prevenção”, cujo limite mínimo é fornecido pelas exigências irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico (traduzido na necessidade de tutela da confiança e das expectativas da comunidade na manutenção da vigência da norma violada, no restabelecimento da paz jurídica comunitária abalada pelo crime);

- À prevenção especial, a função de encontrar o quantum exacto de pena, dentro da referida “moldura de prevenção”, que melhor sirva as exigências de socialização (ou, em casos particulares, de advertência ou de segurança) do delinquente - Veja-se, neste sentido, o Ac. STJ de 15.02.2012.

Da atenuação especial da pena (regime especial para jovens com idade compreendida entre os 16 e os 21 anos)

Tendo presente as circunstâncias de tempo dadas como provadas, resulta que (…) o arguido AA tinha 18 anos.

Em decorrência do preceituado no artigo 9.º CP., há que chamar à colação o Decreto-Lei n.º 401/82, de 23 de Setembro, que estabelece um regime penal especial para jovens com idade compreendida entre os 16 e os 21 anos.

De acordo com o artigo 4.º deste diploma, “se for aplicável pena de prisão, deve o juiz atenuar especialmente a pena nos termos dos artigos 73.º e 74.º do Código Penal, quando tiver razões sérias para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado.”

Como resulta do preâmbulo do Decreto-Lei 401/82, visa-se “instituir um direito mais educador do que sancionador, sem esquecer que a reinserção social, para ser conseguida, não poderá descurar os interesses fundamentais da comunidade, e de exigir, sempre que a pena prevista seja a de prisão, que esta possa ser especialmente atenuada, nos termos gerais, se para tanto concorrerem sérias razões no sentido de que, assim, se facilitará aquela reinserção”.

Se é certo que o regime especial para jovens imputáveis não é de aplicação obrigatória, não está, porém, o tribunal dispensado de apreciar a sua aplicabilidade no caso concreto. – cfr. neste sentido, Acórdão da Relação do Porto de 4/10/2006, processo número 0643243, acessível em www.dgsi.pt.

Como sintetiza o Supremo Tribunal de Justiça, em acórdão de 29/04/2009, Processo número 6/08.1PXLSB.S1, acessível em www.dgsi.pt “- O instituto previsto no DL 401/82, de 23-09, corresponde a um dos “casos expressamente previstos na lei”, a que alude o n.º 1 do art. 72.º do CP, sendo que a atenuação especial ao abrigo deste regime especial:- não é de aplicação necessária e obrigatória;- não opera de forma automática, sendo de apreciar casuisticamente;- é de conhecimento oficioso;- não constitui uma mera faculdade do juiz, mas antes um poder-dever vinculado que o juiz deve (tem de) usar sempre que se verifiquem os respetivos pressupostos, sendo de concessão vinculada;- é de conceder sempre que procedam sérias razões para crer que da atenuação resultam vantagens para a reinserção social do jovem condenado, sendo em tais circunstâncias obrigatória e oficiosa; - não dispensa a ponderação da pertinência ou inconveniência da sua aplicação; - impõe se justifique a opção ainda que se considere inaplicável o regime, isto é, deve ser fundamentada a não aplicação.”

A atenuação especial da pena relativamente aos jovens, agentes de crimes, com idades compreendidas entre os 16 e 21 anos – artigo 1.º, justifica-se na medida em que não estamos perante uma personalidade consolidada, antes perante uma personalidade em formação, suscetível de mais facilmente ser ressocializada. – cfr. Eliana Gersão, “Menores Agentes de Infrações”, RPCC, ano 4, n.º 2, Abril/Junho, Coimbra, Coimbra Editora, 1994, pp. 252 e segs., e Jorge de Figueiredo Dias e Manuel da Costa Andrade, Criminologia: o homem delinquente e a sociedade criminógena, Coimbra, Coimbra Editora, 1997, p. 431.

É, pois, atendendo à finalidade da punição que se deve apurar se o arguido deve beneficiar da atenuação especial da medida da pena. Mas tal critério não é o único. O artigo 4.º impõe, quando for aplicável pena de prisão, a atenuação especial da pena desde que este tenha sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado. Tais sérias razões resultarão da apreciação que o juiz leve a cabo da personalidade e conduta do jovem.

Entende o Supremo Tribunal de Justiça que o “tribunal só lançará mão desta atenuação especial quando seja de prever que ela terá efeitos socializantes positivos, facilitará a inserção social do jovem delinquente. Impõe-se, por isso, casuisticamente ponderar não só a personalidade do agente e o seu comportamento anterior e posterior ao crime, bem como a natureza do ilícito praticado e todo o circunstancialismo que rodeou o seu cometimento. Se da avaliação de todos esses factores resultar um juízo de prognose favorável à reinserção social do jovem delinquente, então impõe-se partir para aplicação do regime especial, tendo presente que o factor idade não é só por si determinante para o desencadear dos efeitos aí previstos.” - Cfr. Acórdão de 27/4/2006, processo número 05P4223, acessível em www.dsgi.pt

Revertendo ao caso concreto, ponderada a idade dos arguidos à data dos factos (18 anos e 20 anos), apesar de não possuírem antecedentes criminais na data da prática dos factos, certo é que o seu comportamento posterior, não permite qualquer atenuação, desde logo tendo em conta as condenações averbadas no registo criminal.

(…) o Arguido AA está a cumprir uma pena longa de prisão pela prática de crimes contra a vida e integridade física, não sendo possível crer que a atenuação da pena tivesse qualquer efeito benéfico no sentido de o dissuadir da prática de crimes no futuro, ao contrário, a atenuação especial a pena daria sinal contrário ao que se pretende, ou seja, assinalar a gravidade dos factos e a importância de manterem uma conduta conforme o direito. Atenuar a pena no caso dos autos levaria os arguidos a crer que a conduta por si assumida não era afinal assim tao grave e merecia até uma benesse da justiça, o que não é manifestamente o caso.

Não será assim, de mobilizar a atenuação especial da pena prevista no artigo 4.º do Decreto-Lei número 401/82, de 23 de Setembro e a consequente atenuação especial da pena.

F) Determinação da medida da pena principal

No que concerne à determinação da medida das penas concretamente a aplicar aos arguidos, nos termos do disposto no art.º 71.º, n.º 1, do CP, será feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção geral e especial, devendo o Tribunal atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do elemento do tipo de crime, deponham a favor do agente ou contra ele.

Constituindo a culpa o limite inultrapassável da medida da pena (artº 40º, nº 2, do CP), e decorrendo o seu limite mínimo de considerações ligadas à prevenção geral, a medida exata da pena será fruto das exigências de prevenção especial.

O bem jurídico protegido pela norma violada, a necessidade de resposta contractiva a essa violação e a personalidade do agente, manifestada no facto, hão-de influir – e decisivamente – na medida concreta da pena.

Acresce que no que diz respeito às necessidades de prevenção geral são elevadas as suas exigências, face aos altos índices de ocorrência de ilícitos contra o património nos tempos que correm, e ao alarme social que tais condutas provocam.

Em concreto, contra o arguido AA militam:

- O grau de ilicitude – art. 71.º, n.º 2, alínea a);

- A intensidade do dolo – art. 71.º, n.º 2, alínea b)

- Personalidade do arguido, plasmada no Relatório Social com grandes dificuldades de inserção e com comportamento agressivo.

- O comportamento posterior aos factos destes autos, tendo sido condenado numa pena de 9 anos e 6 meses de prisão pela prática de crimes contra vida e integridade física.

A favor deste arguido, foi tomado em consideração:

- A ausência de consequências graves;

- A ausência de antecedentes criminais na data da prática dos factos – art. 71.º, n.º 2, alínea e);

- Dos factos ora julgados, infere a falta de preparação do arguido para manter uma conduta lícita – art. 71.º, n.º 2, alínea f).

Assim tudo visto e ponderado, face à moldura, que a estes crimes concerne, temos por adequada, por cada um dos três crimes imputados, as seguintes penas:

(…)

- AA

5 anos e 4 meses pela prática do crime de roubo agravado

2 anos e 6 meses pela prática de cada um dos crimes de roubo simples.»

12. Nos termos do artigo 40.º do Código Penal, que se refere às finalidades das penas, “a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade” e “em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa”.

Como repetidamente se tem afirmado em acórdãos anteriores (por todos, o acórdão de 21.06.2023, Proc. n.º 257/13.7TCLSB.L1.S1, em www.dgsi.pt, que agora se segue de perto), estabelece o n.º 1 do artigo 71.º do Código Penal que a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei – isto é, dentro da moldura abstrata da pena correspondente ao tipo de crime preenchido pelos factos provados, que corresponde ao primeiro momento de determinação da pena –, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, devendo o tribunal atender a todas as circunstâncias relacionadas com o facto praticado (facto ilícito típico) e com a personalidade do agente (manifestada no facto) – fatores relativos à execução do facto, à personalidade e à conduta do agente, anterior e posterior ao facto –, relevantes para avaliar da medida da pena da culpa e da medida da pena preventiva, que, não fazendo parte do tipo de crime (proibição da dupla valoração), deponham a seu favor ou contra ele considerando, nomeadamente, as indicadas no n.º 2 do mesmo preceito.

Para a medida da gravidade da culpa há que, de acordo com o artigo 71.º, considerar os fatores reveladores da censurabilidade manifestada no facto, nomeadamente, nos termos do n.º 2, os fatores capazes de fornecer a medida da gravidade do tipo de ilícito objetivo e subjetivo – indicados na alínea a), primeira parte (grau de ilicitude do facto, modo de execução e gravidade das suas consequências), e na alínea b) (intensidade do dolo ou da negligência) – e os fatores a que se referem a alínea c) (sentimentos manifestados no cometimento do crime e fins ou motivos que o determinaram) e a alínea a), parte final (grau de violação dos deveres impostos ao agente), bem como os fatores atinentes ao agente, que têm que ver com a sua personalidade – indicados na alínea d) (condições pessoais e situação económica), na alínea e) (conduta anterior e posterior ao facto) e na alínea f) (falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto).

Na consideração das exigências de prevenção, destacam-se as circunstâncias relevantes em vista da satisfação de exigências de prevenção geral – traduzida na proteção do bem jurídico ofendido mediante a aplicação de uma pena proporcional à gravidade dos factos, reafirmando a manutenção da confiança comunitária na norma violada – e, sobretudo, de prevenção especial, as quais permitem fundamentar um juízo de prognose sobre o cometimento, pelo agente, de novos crimes no futuro, e assim avaliar das suas necessidades de socialização. Aqui se incluem as consequências não culposas do facto [alínea a), v.g. frequência de crimes de certo tipo, insegurança geral ou pavor causados por uma série de crimes particularmente graves], o comportamento anterior e posterior ao crime [alínea e), com destaque para os antecedentes criminais] e a falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto [alínea f)]. O comportamento do agente [circunstâncias das alíneas e) e f)] adquire particular relevo em vista da satisfação das exigências de prevenção especial, em função das necessidades individuais e concretas de socialização do agente, devendo evitar-se a dessocialização.

Como se tem sublinhado, é na determinação e consideração destes fatores que deve avaliar-se a concreta gravidade da lesão do bem jurídico protegido pela norma incriminadora, materializada na ação levada a efeito pelo arguido pela forma descrita nos factos provados, de modo a verificar se a pena aplicada respeita os critérios de adequação e proporcionalidade que devem pautar a sua aplicação, constitucionalmente impostos (artigo 18.º, n.º 2, da Constituição; assim, entre outros, os acórdãos de 8.6.2022, Proc. 430/21.4PBPDL.L1.S1, de 26.06.2019, Proc. 174/17.1PXLSB.L1.S1, de 9.10.2019, Proc. 24/17.9JAPTM-E1.S1, e de 3.11.2021, Proc. 875/19.0PKLSB.L1.S1, cit.).

13. Em síntese, discorda o arguido pelas circunstâncias de considerar que aos crimes correspondem penas abstratas distintas, de 1 a 8 anos de prisão (quanto aos crimes de roubo simples) e de 3 a 15 anos de prisão (quanto aos crimes de roubo qualificado), de ser «muito jovem» à data da prática dos factos – apesar de não contestar a não aplicação do regime especial para jovens nem a não atenuação especial da pena daí decorrente (artigo 72.º e 73.º do CP) – de se encontrar a trabalhar no estabelecimento prisional e a frequentar um curso de desporto que lhe dará equivalência ao 12.º ano, e de beneficiar «apoio familiar» (conclusões 4 a 10), a justificar a redução das penas.

14. Os crimes foram, todos eles, cometidos de modo idêntico, pelo arguido e por outra pessoa, agindo em conjunto, sem uso de violência física, com ameaça de arma de fogo ou objeto semelhante que os arguidos traziam consigo – circunstância que apenas releva para a qualificação de um dos crimes, mas já não dos demais, casos em que unicamente constitui circunstância de agravação geral –, causando nos ofendidos receio de lesão da sua integridade física, sem outras consequências para além do desapossamento dos bens (pizzas) e dos valores em dinheiro de que os arguidos se apropriaram.

O roubo de que foi vítima o taxista BB (processo n.º 1547/19.0PFLSB), levado a efeito de noite, durante a prestação de um serviço de transporte solicitado pelos arguidos, revela-se particularmente censurável, pelo modo, tempo e forma de execução dos factos, e com acentuada repercussão negativa gerada pela insegurança associada a crimes desta natureza cometidos neste tipo de situações, em que igualmente se evidenciam caraterísticas de personalidade reveladoras da falta de preparação para manter uma conduta lícita. Manifestam-se, nestas circunstâncias, elevadas necessidades de prevenção especial, também presentes na forma de execução dos demais crimes de roubo.

Dos factos provados quanto às suas condições económicas, sociais e familiares resultam comprovado o alegado «apoio familiar», como fator favorável à ressocialização, notando-se comportamentos anteriores de indisciplina, nomeadamente no seio da família, sem relevância criminal, que, como tal, não merecem consideração em função do «facto complexivo global» que constitui o substrato de determinação da pena, a requerer conexão com o facto ilícito típico.

Conexão que igualmente se impõe quanto ao comportamento posterior ao crime [al. e) do n.º 2 do artigo 71.º do CP], seja tal comportamento positivo – especialmente se destinado à reparação do mal causado pelo crime –, contribuindo para a atenuação da pena, seja negativo – em particular se destinado a ocultar ou a dificultar a descoberta do crime –, contribuindo para a agravação, em qualquer caso a considerar por via da prevenção, ligada à necessidade da pena (assim, Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Coimbra Editora, 3.ª reimp., 2011, pp. 254-255, e Anabela Miranda Rodrigues, A Determinação da Medida da Pena Privativa da Liberdade, Coimbra Editora. Reimp., 2014, pp. 669-678). E que não se revela relativamente aos crimes que constam do certificado do registo criminal, todos eles praticados em datas posteriores (em 19.8.2019, 15.9.2029 e 12, 13, 15 e 16.10.2019) aos destes autos (praticados em 31.7.2019, 3.8.2019 e 4.8.2019), pelos quais cumpre pena de prisão, que, no seu conjunto, deverão ser apreciados em sede de concurso de crimes, a constituir objeto de decisão própria (artigo 78.º do CP), que não a destes autos.

Para além da desvalorização desta circunstância de agravação, de que se extrai não possuir o arguido antecedentes criminais nas datas da prática dos crimes, há ainda que considerar o valor reduzido do objeto do roubo a que se refere o processo 1547/19.0PFLSB (130 euros, em dinheiro) e o valor diminuto dos objetos dos roubos a que se referem os processos 1580/19.2PFLSB e 1108/19.4PWLSB (14,35 euros e 26,35 euros, correspondentes aos valores das pizzas, e 24, 65 euros, em dinheiro). Sendo que, tratando-se de crimes contra a propriedade, embora com violência ou ameaça sobre a vítima, os valores dos bens subtraídos assumem particular significado na determinação do grau de ilicitude.

15. Os valores dos bens e das importâncias em dinheiro que constituem o objeto dos roubos por que o arguido vem condenado nestes dois últimos processos determinam que os crimes correspondentes não possam ser qualificados nos termos do artigo 210.º, n.º 2, al. b), do Código Penal, face ao disposto no n.º 4 do artigo 204.º, aplicável ao crime de roubo, segundo o qual «não há lugar à qualificação se a coisa furtada for de diminuto valor», isto é, de valor «que não exceder uma unidade de conta avaliada no momento da prática do facto» [artigo 202.º, al. c), do CP], fixada em 102 euros (artigo 22.º Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de fevereiro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de fevereiro, e Lei n.º 53-B/2006, de 29 de Dezembro valor que se mantinha à data dos factos).

Apesar de anunciar a desqualificação (supra, 11, 1.ª parte), o acórdão recorrido, por razões que se afigura decorrerem de mero lapso, concluiu que o arguido deveria ser condenado pela prática de crimes de roubo qualificado, nos termos daquelas disposições legais, havendo, assim, que proceder à retificação do decidido, de modo a que, em consequência, fique a constar que o arguido é punido, nos processos 1580/19.2PFLSB e 1108/19.4PWLSB, em cada um deles, pela prática de um crime de roubo p. e p. pelo artigo 210.º, n.º 1, do Código Penal, com as necessárias consequências ao nível da determinação das penas.

16. Pelo exposto, tendo em conta as circunstâncias relevantes e a moldura das penas correspondentes ao crime de roubo qualificado por que o arguido vem condenado no processo n.º 1547/19.0PFLSB, de 3 a 15 anos de prisão, e nos processos 1580/19.2PFLSB e 1108/19.4PWLSB, de 1 a 8 anos de prisão, em concordância com o parecer do Senhor Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal de Justiça, conclui-se que as penas aplicadas deverão ser objeto de intervenção corretiva, em respeito pelo princípio de proporcionalidade, que preside à determinação da pena.

Nesta conformidade, altera-se a decisão recorrida, sendo o arguido condenado nos seguintes termos:

a. Quanto aos factos do processo n.º 1547/19.0PFLSB (de 31 de julho de 2019), pela prática de um crime de roubo p. e p. pelo artigo 210.º, n.ºs 1 e 2, al. b), por referência à al. f) do n.º 2 do artigo 204.º do Código Penal na pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão;

b. Quanto aos factos do processo n.º 1580/19.2PFLSB (de 3 de agosto de 2019), pela prática de um crime de roubo p. e p. pelo artigo 210.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de prisão;

c. Quanto aos factos do processo n.º 1108/19.4PWLSB (de 4 de agosto de 2019), pela prática de um crime de roubo p. e p. pelo artigo 210.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão.

Quanto à pena única

17. Realizando o cúmulo jurídico das penas aplicadas aos crimes em concurso, o tribunal a quo aplicou a pena única de 7 anos de prisão.

Fundamentou a decisão de determinação da pena nos seguintes termos:

«Nos termos dos artigos 30.º, n.º 1 e 77.º, n.ºs 1 e 2, ambos do Código Penal, tendo os arguidos cometido vários crimes, estamos perante um concurso real efetivo de crimes, cujas regras de punição conduzem à condenação do agente numa pena única.

Assim, a pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas e, como limite mínimo, a mais elevada das penas parcelares concretamente aplicadas.

No caso, e quanto ao arguido AA a moldura abstrata do concurso é de 5 anos e 4 meses de prisão a 10 anos e 4 meses de prisão.

(…)

No caso dos autos, ambos os Arguidos são jovens e após os factos destes autos praticaram crimes da mesma e de diversa natureza, estando (…) o Arguido AA sem integração social, a cumprir pena longa de prisão.

(…)

Atendendo à visão global dos factos, bem como à personalidade dos arguidos, decide-se: -Fixar a pena única, relativamente ao arguido AA em 7 anos de prisão.

(…)»

18. Nos termos do artigo 77.º, n.º 1, do Código Penal, que estabelece as regras da punição do concurso de crimes (artigo 30.º, n.º 1), quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena, formada a partir da moldura do concurso, para cuja determinação, seguindo-se os critérios da culpa e da prevenção atrás mencionados (artigo 71.º), são considerados, em conjunto, como critério especial, os factos e a personalidade do agente (n.º 1 do artigo 77.º, in fine), com respeito pelo princípio da proibição da dupla valoração. Aqui se incluem, designadamente, as condições económicas e sociais, reveladoras das necessidades de socialização, a sensibilidade à pena, a suscetibilidade de por ela ser influenciado e as qualidades da personalidade manifestadas no facto, nomeadamente a falta de preparação para manter uma conduta lícita (Figueiredo Dias, As Consequências Jurídicas do Crime, 3.ª reimp., 2011, p. 248ss; por todos, o acórdão de 8.6.2022, Proc. 430/21.4PBPDL.L1.S, cit. e de 16.2.2022, Proc. 160/20.4GAMGL.S1).

Recordando jurisprudência constante deste Supremo Tribunal de Justiça e o que se tem consignado em acórdãos anteriores, com a fixação da pena conjunta pretende-se sancionar o agente, não só pelos factos individualmente considerados, mas também, e especialmente, pelo seu conjunto, enquanto revelador da dimensão e gravidade global do seu comportamento. É o conjunto dos factos descritos na sentença que evidencia a gravidade do ilícito perpetrado (o “grande facto”), sendo decisiva, para a sua avaliação, a conexão e o tipo de conexão que se verifique entre os factos que constituem os tipos de crime em concurso.

Há que atender ao conjunto de todos os factos e ao fio condutor presente na repetição criminosa, estabelecendo uma relação desses factos com a personalidade do agente, ter em conta a caracterização desta pela sua projeção nos crimes praticados, levando-se em consideração a natureza dos crimes e a verificação ou não de identidade dos bens jurídicos violados, tudo isto «tendo em vista descortinar e aferir se o conjunto dos factos praticados é a expressão de uma tendência criminosa, isto é, se significará já a expressão de algum pendor para uma “carreira”, ou se, diversamente, a repetição emergirá antes e apenas de fatores meramente ocasionais» [assim, o acórdão de 25.10.2023, Proc. 3761/20.7T9LSB.S1, em www.dgsi.pt, e jurisprudência nele mencionada, retomando-se o que se afirmou em anteriores acórdãos].

Convocando o afirmado em decisões anteriores: “Tudo deve passar-se, por conseguinte, como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido a atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta». «A personalidade do agente – se bem que não a personalidade no seu todo, mas só a personalidade manifestada no facto», – «é um factor da mais elevada importância para a medida da pena e que para ela releva, tanto pela via da culpa como pela via da prevenção» (Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Coimbra Editora, p. 291).

19. Na alegação do recorrente, «em nenhum dos factos em análise, decorreram consequências graves para terceiros», «pode-se dizer que há mau comportamento, mas não extrair qualquer conclusão negativa em termos de personalidade do arguido», «desconhecem-se as concretas situações em que o mesmo praticou tais factos ilícitos», «o arguido é ainda muito jovem e manifestava comportamentos imaturos o que, todavia, não quer dizer que possa ser considerado um delinquente nato ou por tendência.»

20. A redução das penas aplicadas aos crimes em concurso implica, desde logo, a diminuição dos limites da moldura da pena aplicável, que passa a ser de 4 anos e 6 meses no seu limite mínimo e de 7 anos e 4 meses no seu limite máximo.

O conjunto dos crimes em concurso é constituído por três crimes contra a propriedade, de idêntica natureza, praticados em coautoria, num intervalo temporal de cinco dias, mediante ameaça com arma de fogo ou objeto semelhante, sendo ofendidos os mesmos bens jurídicos, patrimoniais e pessoais, não podendo afirmar-se a revelação, nestes autos, de uma tendência criminosa na prática destes crimes.

O valor total dos objetos furtados é de 195,35 euros.

São elevadas as exigências de prevenção, resultantes da insegurança gerada pela frequência de crimes desta natureza, da revelada falta de preparação do arguido para, ainda na sua juventude, manter uma conduta lícita e das suas condições pessoais, sociais e familiares, apesar de não desfavoráveis, evidenciando-se uma personalidade desvaliosa, projetada nos factos, a carecer de adequada intervenção de ressocialização através da aplicação da pena de prisão.

Assim, tendo em conta a moldura da pena aplicável aos crimes em concurso, na consideração, em conjunto, da gravidade dos factos e da personalidade do arguido, julga-se adequado fixar a pena única em 6 (seis) anos de prisão, por, nesta medida, se conformar ao critério de proporcionalidade que deve presidir à determinação das penas, em vista da realização das finalidades de proteção dos bens jurídicos ofendidos com a prática dos crimes e de integração do agente na sociedade.

É, pois, procedente o recurso.

Quanto a custas

21. Nos termos do disposto no artigo 513.º do CPP (responsabilidade do arguido por custas), só há lugar ao pagamento da taxa de justiça quando ocorra condenação em 1.ª instância e decaimento total em qualquer recurso. O que não é o caso.

III. Decisão

22. Pelo exposto, acorda-se em conferência da secção criminal do Supremo Tribunal de Justiça em, na procedência do recurso, alterar o acórdão recorrido e, em consequência:

a) Quanto aos factos do processo n.º 1547/19.0PFLSB (de 31 de julho de 2019), pela prática de um crime de roubo p. e p. pelo artigo 210.º, n.ºs 1 e 2, al. b), por referência à al. f) do n.º 2 do artigo 204.º do Código Penal, condenar o arguido na pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão;

b) Quanto aos factos do processo n.º 1580/19.2PFLSB (de 3 de agosto de 2019), pela prática de um crime de roubo p. e p. pelo artigo 210.º, n.º 1, do Código Penal, condenar o arguido na pena de 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de prisão;

c) Quanto aos factos do processo n.º 1108/19.4PWLSB (de 4 de agosto de 2019), pela prática de um crime de roubo p. e p. pelo artigo 210.º, n.º 1, do Código Penal, condenar o arguido na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão; e

d) Em cúmulo, condenar o arguido na pena única de 6 (seis) anos de prisão.

Sem custas.

Supremo Tribunal de Justiça, 20 de março de 2024.

José Luís Lopes da Mota (relator)

Pedro Manuel Branquinho Dias

Ana Maria Barata de Brito