Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
08S2310
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: SOUSA PEIXOTO
Descritores: CESSÃO DE EXPLORAÇÃO DE ESTABELECIMENTO COMERCIAL
REVERSÃO
RESPONSABILIDADE DO CEDENTE
RESPONSABILIDADE DO CESSIONÁRIO
CONTAGEM DE PRAZO
ARTº 318º
Nº2
DO CÓDIGO DO TRABALHO
Nº do Documento: SJ200811120023104
Data do Acordão: 11/12/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Sumário :
1. Na cessão de exploração do estabelecimento, o cessionário torna-se responsável solidário pelos salários em dívida pelo cedente, à data da cessão, relativamente aos trabalhadores abrangidos por esta, não produzindo quaisquer efeitos relativamente a eles o que a esse respeito tiver sido convencionado entre o cedente e o cessionário no contrato de cessão de exploração entre eles celebrado.

2. Resolvido o contrato de cessão de exploração, com a consequente reversão do estabelecimento ao cedente, o cessionário continua responsável pelos ditos salários, durante o período de um ano subsequente à reversão.

3. A data relevante para o início da contagem daquele prazo é a data em que o estabelecimento foi efectivamente devolvido ao cedente e não a data em que o contrato de cessão de exploração foi por este resolvido.
Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

1. Relatório
Na presente acção declarativa, emergente de contrato individual de trabalho, proposta, no Tribunal do Trabalho de Torres Vedras, por AA contra G... – Gestão de Artes Gráficas, S. A., o autor pediu que o despedimento de que diz ter sido alvo por parte da ré, em 26 de Julho de 2005, fosse declarado ilícito e que esta fosse condenada a pagar-lhe: i) a quantia de € 55.332,38, a título de indemnização de antiguidade (calculada até Julho de 2006), acrescida do montante correspondente ao tempo decorrido entre o despedimento e a decisão final e dos juros legais; ii) os salários vencidos e vincendos desde a data do despedimento até à data do trânsito em julgado da sentença, acrescidos dos juros de mora; iii) a quantia de € 10.536,23 referente ao acordo de pagamento de créditos laborais devidos pela G..., L.da, com respectivos juros legais, calculados desde Julho de 2006.

Em resumo, o autor alegou o seguinte:
- começou a trabalhar para a G... – Artes Gráficas, L.da, em 1 de Fevereiro de 1990;
- em 1.8.1990, foi transferido para a G... – Gabinete Impressor, L.da, com manutenção de todos os seus direitos;
- em 16 de Maio de 2005, a G... celebrou com a ré um contrato de cessão da exploração do estabelecimento;
- na sequência do referido contrato, passou a trabalhar para a ré, a partir de 16 de Maio de 2005;
- nos termos do art.º 318.º do Código do Trabalho, em caso de transmissão da empresa ou estabelecimento, transmite-se para o adquirente a posição jurídica de empregador nos contratos de trabalho dos respectivos trabalhadores, incluindo as dívidas já vencidas, à data da transmissão;
- durante a vigência do contrato de cessão de exploração, a ré acordou com o autor o pagamento, em prestações mensais, dos créditos laborais que lhe eram devidos pela G..., no total de € 12.426,97, tendo iniciado o respectivo pagamento em Julho de 2005;
- por carta de 21 de Julho de 2006, a ré comunicou ao autor que a G... tinha resolvido o contrato de cessão de exploração do estabelecimento em 27 de Junho de 2006, pelo que, a partir de 26 de Julho de 2006, deveria regressar à G...;
- a partir daquela data (26.7.2006), a ré recusou receber o trabalho do autor, impedindo--o de entrar nas suas instalações e no seu local de trabalho;
- face a tal recusa da ré, o autor considerou-se despedido;
- na verdade, a resolução do contrato de cessão de exploração tinha efeitos imediatos, pelo que os contratos de trabalho incluídos nesse contrato também deveriam ter sido restituídos;
- todavia, o autor e restantes colegas continuaram ao serviço da ré e só um mês depois da resolução é que a ré lhes comunicou que deveriam voltar para a G..., o que significa que os considerou como seus trabalhadores;
- o despedimento de que foi alvo por parte da ré não foi precedido de qualquer procedimento, sendo, por isso, ilícito;
- a ré deve ao autor a quantia de € 10.536,23, referente ao acordo com ele celebrado para pagamento dos créditos laborais devidos pela G..., uma vez que, de Julho de 2005 a Maio de 2006, apenas lhe pagou a quantia de € 1.890,74.

Na contestação, a ré arguiu a sua ilegitimidade, requereu a intervenção da G..., impugnou o despedimento e negou ter assumido pagar aos trabalhadores os salários que lhes eram devidos pela G....

Mais concretamente e com interesse para o objecto da revista, a ré alegou:
- que não assumiu pagar aos trabalhadores os salários em dívida à data da celebração do contrato de cessão de exploração;
- apenas se obrigou, como contrapartida da cessão de exploração, a pagar à G... (e não aos trabalhadores) a importância correspondente aos salários em dívida (€ 173.403,16), em 36 prestações mensais, como consta do n.º 2 da cláusula 4.ª do contrato de cessão, pelo que foi sempre a cedente G... a responsável pela liquidação aos trabalhadores (entre eles o autor) desses salários em atraso e não a ré;
- por isso, a cedente emitia mensalmente à ré uma factura relativa ao quantitativo da prestação mensal acordada, cujo valor era para pagar os ditos salários;
- todavia, como os trabalhadores em causa se encontravam a trabalhar para a ré, era esta que, para lhes facilitar a vida, lhes fazia a entrega desses valores;
- e tanto é assim que o autor foi reclamar ao processo de insolvência os salários em atraso que lhe eram devidos pela G..., não se compreendendo como é que ele pode vir agora reclamar os mesmos créditos nestes autos;
- por carta de 27 de Junho de 2006, recebida pela ré no dia imediato, o administrador judicial comunicou à ré a resolução do contrato de cessão de exploração do estabelecimento;
- a ré aceitou a resolução, conforme consta da carta que, em 21 de Julho de 2006, enviou ao dito administrador;
- após a recepção da carta de resolução, a ré teve de proceder a um exaustivo inventário de todos os equipamentos e de todos os activos e direitos, para que os pudesse devolver à esfera patrimonial da massa insolvente e assim dar cumprimento aos solicitado na carta de resolução;
- as diligências que a ré teve de realizar foram vastas e morosas;
- com efeito, confrontada com a carta do administrador judicial, a ré não podia modificar a estrutura da sua empresa, de um dia para o outro, e comunicar aos trabalhadores da G... que, a partir desse mesmo dia, deveriam regressar à G...;
- efectivamente, naquele momento e num claro dever de solidariedade para com os trabalhadores, a ré entendeu que não devia devolver de imediato os trabalhadores, por se preocupar com a situação delicada com que seriam confrontados de serem colocados no desemprego;
- por isso, a ré começou por informar verbalmente os trabalhadores do teor da carta recebida do administrador da insolvência e dos efeitos que a mesma iria ter sobre eles, o que fez verbalmente logo que recebeu a carta, e só depois é que lhes comunicou esse facto por escrito, por carta que lhes enviou em 21 de Julho de 2006, por ser esse o período temporal que demorou até ter realizado todas as diligências necessárias para dar cumprimento ao solicitado na carta do administrador de insolvência, tendo assumido, até, o pagamento dos vencimentos dos trabalhadores da G... por mais cerca de um mês, ou seja, até 26 de Julho de 2006, “data até à qual o A. ali permaneceu a trabalhar” para a ré.

No despacho saneador, o M.mo Juiz julgou improcedente a excepção da ilegitimidade da ré, indeferiu o pedido de intervenção da G... e conheceu do mérito da causa, julgando a acção totalmente improcedente.

O autor recorreu e o Tribunal da Relação de Lisboa, julgando parcialmente procedente a apelação, condenou a ré a pagar ao autor a quantia de € 10.536,23, a título dos salários de que a G... lhe era devedora, à data da cessão de exploração do estabelecimento, acrescida de juros de mora desde 31.7.2006.
Inconformada com a decisão da Relação, a ré interpôs recurso de revista, concluindo as respectivas alegações da seguinte forma:

1.ª - O douto Acórdão sob recurso decidiu, como se transcreve, que:
“O A. propôs a acção em 10/7/2007, por conseguinte antes de decorrido um ano sobre a reversão (que ocorreu com a aceitação da resolução pela R., portanto com a recepção da carta de 21/7/2006, ou seja, no período em que a ora apelada ainda respondia solidariamente pela referida dívida), pelo que, no que concerne ao pedido formulado sob o n.º 3, a apelação terá de proceder…”.
2.ª - Aceitando-se a factualidade, tal como fixada na primeira instância, não pode a ora recorrente concordar com a interpretação e aplicação do artigo 318.º do Código do Trabalho, à situação em causa,
3.ª - Pois, tendo ficado provado que a ora recorrente recebeu a carta do Administrador da Insolvência, Dr. B...V..., em 28 de Junho de 2006, a qual lhe comunicava a resolução dos contratos de cessão de exploração e de marcas, celebrados em 16 de Maio de 2005, nos termos do citado preceito legal e nos termos do n.º 1 do artigo 436º do Código Civil, deveria o Digno Tribunal da Relação de Lisboa ter considerado que aquela resolução tinha operado e produzido efeitos em 28 de Junho de 2006, ou seja, na data da declaração da resolução desses contratos e, não em momento posterior;
4.ª - De facto, a citada norma legal estabelece que a resolução se possa fazer por declaração à parte contrária, sendo este o momento em que opera a mesma, mesmo que haja necessidade de posteriormente obter a declaração judicial de que o acto foi legalmente resolvido.
5.ª - Neste sentido o Acórdão do ST J de 27/06/2006, Proc. n.º 06A1758: “A resolução do contrato opera por meio de declaração unilateral receptícia do credor de acordo com os artigos 436.º nº 1 e 224.º, n.º 1 do C.C.”, entre outros já indicados.
6.ª - Também é esse o entendimento de Vaz Serra, RLJ, 102º -168: “O disposto no art.º 436.º, n.º 1, não exclui que, se a parte a quem a resolução é declarada, entender não existir o direito de resolução ou que ele foi mal exercido, se venha a discutir em juízo se ele existia ou foi bem exercido; mas, neste caso, a sentença que julgue existente e bem exercido o direito de resolução é simplesmente declarativa, limitando-se a declarar que o direito foi correctamente exercido. Os efeitos de resolução contam-se, portanto, da data da declaração de resolução, ou antes, daquela em que esta declaração, segundo o princípio aplicável à eficácia das declarações de vontade receptícias ou recipiendas, produz efeitos” (sublinhado nosso).
7.ª - Ora, assim sendo, a reversão do estabelecimento, nos termos do n.º 3 do artigo 318.º do Código do Trabalho, forçosamente, operou na data de 28 de Junho de 2006 e não posteriormente.
8.ª - Nesta circunstância, verifica-se, também, de acordo com o constante dos autos e bem assim do douto Acórdão da Relação que “O A. propôs a acção em 10/07/2007”, ou seja, a acção na base deste processo foi proposta em juízo, um ano após a resolução daqueles citados contratos de cessão de exploração e de marcas e, bem assim, um ano após a reversão da exploração do estabelecimento.
9.ª - Assim sendo, nos termos dos números 2 e 3 do citado artigo 318.º do Código do Trabalho, quando a acção antes referida foi proposta pelo ora recorrido, já havia cessado a responsabilidade solidária da ora recorrente por caducidade – n.º 2 do artigo 318.º e artigo 298.º, n.º 2, do Código Civil. E
10.ª - Nestes termos, deveria o douto acórdão da Relação ter reconhecido essa caducidade e consequentemente também, neste ponto, ter indeferido o pedido do ali apelante, ora recorrido.
11.ª - A decisão recorrida viola, assim, o disposto nos artigos 669.º, n.º 2 e 721.º, n.º 2, do C.P.C., subsumindo-se, por isso, ao disposto no artigo 722.º, n.º 1, alínea a), do C.P.C., pelo que, em consequência, deve ser revogada e substituída por outra no sentido propugnado.
12.ª - Assim não se entendendo, o que só se admite por mera hipótese e dever de patrocínio, sempre se dirá que,
13.ª - A decisão também viola o artigo 318.º, n.º 2 e n.º 3, do Código do Trabalho, pois,
14.ª - Ao considerar, erradamente, que a reversão ocorreu com a carta de comunicação da aceitação da resolução pela R., em 21/7/2006 e não em 28/6/2006, que foi quando a ora recorrente recebeu da G... a comunicação/declaração da resolução dos contratos, veio, consequentemente, responsabilizar a ora recorrente para além do período de um ano subsequente à reversão, pelas obrigações vencidas até à data da reversão (n.º 2 e n.º 3 do artigo 318º do Código do Trabalho).
15.ª - De facto, considerou como devidos, todos os salários em atraso que estão referidos no n.º 2 da Cláusula 4.ª do Contrato de Cessão de Exploração de Estabelecimento Industrial celebrado entre a ora recorrente G... e a G..., em 16 de Maio de 2005.
16.ª - Ora, acontece, que tal contrato de cessão de exploração tinha a duração de 5 anos (Cláusula 3.ª do referido contrato), e,
17.ª - Como dali resulta, os salários devidos aos trabalhadores pela cedente G... e assim liquidados pela cessionária G... eram liquidados por esta àquela, “enquanto se mantiver em vigor o presente contrato” e “em 36 prestações mensais, iguais e sucessivas”; E,
18.ª - O citado contrato durou entre 16 de Maio de 2005 e 28 de Junho de 2006 (data da recepção pela cessionária G... da comunicação de resolução do mesmo), ou seja,
19.ª - Venceram-se, durante esse período de duração do citado contrato, não as 36 prestações mensais ali acordadas, mas apenas 13 prestações, as quais foram liquidadas.
20.ª - Assim, a decisão, ora posta em crise, deveria considerar apenas vencidas e como integradas no n.º 2 do artigo 318.º do Código do Trabalho, as prestações efectivamente vencidas nesse período de tempo, e que foram de apenas 13 meses, as quais foram liquidadas pela cessionária G... à cedente G..., como se referiu, na vigência do referido contrato.
21.ª - A errónea interpretação do citado n.º 2 do artigo 318.º do Código do Trabalho (artigo 721.º, n.º 2 do C.P.C.) e o recurso à equidade (artigo 4.º do C.C.) ditam que deverá o douto Acórdão da Relação, ora posto em crise, ser substituído pela decisão propugnada.
22.ª - Caso ainda assim não se entenda, o que só se admite por mera hipótese de raciocínio e dever de patrocínio, sempre se dirá que,
23.ª - O valor total dos salários em dívida aos trabalhadores da cedente e constante do n.º 2 da cláusula 4.ª do contrato de cessão de exploração era de € 173.403,16, sendo a parte devida ao trabalhador ora recorrido de € 12.426,97 (conforme consta do documento 3 anexo à contestação e aceite pelo mesmo).
24.ª - Ora, a cessionária G..., enquanto o contrato durou, liquidou ao trabalhador, ora recorrido, essas 13 prestações mensais, isto é, durante 13 meses, liquidou as correspondentes 13 prestações mensais, das quais, couberam ao ora recorrido, na proporção de cerca de um terço daquele valor (a que corresponde o valor de € 4.142,33 liquidados).
25.ª - Então e salvo melhor opinião, não poderia a ré ter sido condenada a liquidar ao Autor “...a quantia peticionada, qual seja € 10.536,23...”, como se decidiu, mas em quantia inferior, ou seja, a correspondente a 2/3 do valor desses salários e bem assim que estariam por liquidar, qual seja a quantia de € 8.284,65.
26.ª - Tendo assim condenado a ora recorrente em mais do que seria devido e em quantia superior.
27.ª - Deveria o douto Acórdão posto em crise tê-la condenado apenas naquela parte, qual seja a quantia de € 8.284,65.
28.ª - Desta forma violando o disposto nos artigos 661.º, n.º 1 e n.º 2 e 721.º, n.º 2 do C.P.C.

2. Os factos
Os factos que, sem qualquer impugnação, vêm dados como provados desde a 1.ª instância são os seguintes:
1. Em 1.8.1990, o Autor foi transferido da G... – Artes Gráficas, L.da, para a G... – Gabinete Impressor, L.da, mantendo todos os direitos e regalias anteriores, nomeadamente a antiguidade (documento junto aos autos a fls. 7).
2. O A. estava classificado com a categoria profissional de montador de offset.
3. O A. auferia o salário mensal de € 2.247,00, acrescido de € 74,82 de subsídio de turno e de € 0,50 de subsídio de alimentação por cada dia de trabalho.
4. A 16 de Maio de 2005, a G... – Gabinete Impressor, L.da, celebrou com a ré o “Contrato de Cessão de Exploração de Estabelecimento Industrial”, junto aos autos a fls. 35 a 45, cujo teor se reproduz parcialmente:
«CONTRATO DE CESSÃO DE EXPLORAÇÃO DE ESTABELECIMENTO INDUSTRIAL
Entre:
“G...- Gabinete Impressor, Lda.”, com sede na Rua Latino Coelho, n.º..., Venda Nova, Amadora, NIPC 501 400 010, matriculada na Conservatória do Registo Comercial da Amadora sob o n.º 4621, com o capital social de € 498.797,87, representada pelos seus Sócios-Gerentes BB e CC, os quais declaram possuir poderes para o acto e adiante designada abreviadamente "G..."
e
DD (...) e EE (...) que intervêm, única e exclusivamente, por conta de uma sociedade comercial do tipo sociedade anónima a constituir que se denominará “G... - Gestão de Artes Gráficas, S.A.”, NIPC P507 233 964, a qual terá a sua sede social no concelho da Amadora e cujo objecto social consistirá no comércio e indústria de artes gráficas, fotogravura, impressão e pré-impressão, bem como na prestação de serviços de consultoria de gestão à indústria de artes gráficas, adiante designada, abreviadamente, por “G...”, é acordado de boa fé e reciprocamente aceite o presente contrato de cessão de exploração de estabelecimento industrial que se rege pelas cláusulas seguintes:
Cláusula 1 ª
(Identificação do Estabelecimento)
1. A G... é a legítima dona e possuidora de um estabelecimento industrial destinado a artes gráficas (adiante designado por "Estabelecimento") instalado no prédio urbano sito no Lugar... da Venda Nova, freguesia da Falagueira, concelho da Amadora (...),
Cláusula 2.ª
(Objecto do Contrato)
1. Pelo presente acordo a G... cede à G..., que aceita, a exploração do seu Estabelecimento, para que a G... o explore, por sua conta e risco, como estabelecimento destinado à indústria de artes gráficas, declarando a G... que o Estabelecimento satisfaz os fins a que se destina.
2. A cedência de exploração do Estabelecimento é efectuada com a transferência dos seguintes elementos que o integram:
a) todos os direitos, obrigações, móveis, utensílios e equipamentos que constam do inventário que constitui o ANEXO I ao presente contrato;
b) a posição jurídica de empregador, relativa aos trabalhadores melhor identificados no ANEXO II ao presente contrato;
c) as marcas do estabelecimento, nos termos que constam do contrato cuja cópia se junta como ANEXO III ao presente contrato.
3. A G... explorará o Estabelecimento em seu nome próprio e por sua conta e risco, sendo a única responsável pelo cumprimento de quaisquer obrigações decorrentes da sua exploração.
Cláusula 3.ª
(Prazo da Cessão de Exploração)
1. A cessão de exploração é temporária e tem a duração de cinco anos, com início na presente data e termo em 16 de Maio de 2010.
(...)
Cláusula 4.ª
(Contrapartidas pela Cessão de Exploração e Preço das Mercadorias)
1. Pela exploração do Estabelecimento, a G... pagará, mensalmente, a quantia de € 20.000 (vinte mil euros), acrescida do IVA legalmente devido, a qual deverá ser paga até ao oitavo dia útil do mês a que disser respeito, por meio de cheque, depósito ou transferência bancária para conta titulada em nome da G... ou de outro modo e local em que a G... lhe vier a comunicar por escrito.
2. Igualmente como contrapartida da presente cessão de exploração do Estabelecimento e enquanto se mantiver em vigor o presente contrato, a G... assume a obrigação de pagar à G... a importância de € 173.403,16 (cento e setenta e três mil quatrocentos e três euros e dezasseis cêntimos), correspondente ao montante total dos salários líquidos, nesta data em dívida aos trabalhadores da G... e discriminados no Anexo IV ao presente contrato, em 36 prestações mensais, iguais e sucessivas, vencendo-se a primeira prestação em Junho de 2005.
3. Como contrapartida adicional pela cessão de exploração do Estabelecimento ora efectuada e enquanto se mantiver em vigor o presente contrato, a G... suportará directamente todos os custos relacionados com os trabalhadores melhor identificados no ANEXO II, liquidando directamente aos referidos trabalhadores os respectivos vencimentos mensais e a Taxa Social única a cargo da entidade patronal (...)».
5. Entre as mesmas partes, G... – Gabinete Impressos, L.da, e G... – Gestão de Artes Gráficas, S.A., foi celebrado o «CONTRATO DE LICENÇA DE EXPLORAÇÃO DE MARCAS» junto aos autos a fls. 57.
6. Correu termos no 3.º Juízo do Tribunal do Comércio de Lisboa, o Processo de Insolvência da G... – Gabinete Impressos, L.da, no qual esta sociedade foi declarada insolvente por sentença proferida no dia 22.05.2006, tendo sido nomeado Administrador da Insolvência, o Ex.mo Dr. A...B...V... (documento junto aos autos a fls. 86).
7. O Administrador da Insolvência, Dr. A...B...V..., por carta datada de 27 de Junho de 2006, que a Ré recebeu em 28 de Junho (conforme comprovativo da recepção junto a fls. 89 e 90), comunicou à R., a resolução dos contratos de cessão de exploração e de marcas celebrados em 16 de Maio de 2005, como consta dessa mesma carta, junta aos autos a fls. 87, que se transcreve parcialmente:
«Exmos. Senhores
Representantes Legais de G...- Gestão de Artes Gráficas, S. A. (...)
Assunto: Declaração de resolução do Contrato de Cessão de Exploração de Estabelecimento Industrial
Exmos Senhores,
A... B...V..., Administrador da Insolvência de G...-GABINETE IMPRESSOR, LDA.., de ora avante designado por G..., cujo processo corre seus termos pelo 3° Juízo do Tribunal de Comércio de Lisboa, sob o n.º 5206.0 TYLSB, vem no uso das competências que lhe estão cometidas, designadamente o n.º 4 do art.º 81.º do Código da Insolvência e de Recuperação de Empresa (CIRE), notificar V. Exa. da declaração de resolução do contrato de cessão de exploração de estabelecimento industrial celebrado em 16 de Maio de 2005 entre a ora insolvente G... – Gabinete Impressor, Lda,. e a G... – Gestão de Artes Gráficas, S. A., de ora avante designada por G..., de acordo com a cláusula terceira do referido Contrato de Cessão de Exploração de Estabelecimento Industrial.
A citada cláusula terceira é resolutiva e, em virtude de se encontrarem preenchidos os pressupostos constantes da mesma, nomeadamente a declaração de insolvência da G... em 24 de Maio de 2006, o supra referido contrato passa a considerar-se resolvido.
Assim, todos os activos e direitos objecto do contrato de cessão de exploração de estabelecimento industrial regressam à esfera patrimonial da massa insolvente, retomando as partes à situação em que elas se encontravam, se o contrato não tivesse sido celebrado.
As máquinas, equipamentos e todos os bens activos e direitos, incluindo o estabelecimento e as marcas registadas (...) constantes dos anexos I e III do Contrato de Cessão de Exploração de Estabelecimento Industrial, estão arrolados e apreendidos a favor da massa insolvente e deverão descontinuar o seu funcionamento imediatamente.
Nos termos do n.º 1 da cláusula décima quarta, a G... deverá proceder à devolução do estabelecimento, com todos os elementos que o integram em perfeitas condições de conservação e funcionamento, sem prejuízo do desgaste do seu uso regular e normal, como prescreve a alínea h) da cláusula oitava do Contrato de Cessão de Exploração de Estabelecimento Industrial.
Sem outro assunto de momento (...)».
8. Tal resolução foi aceite pela ora R., conforme carta que enviou ao Administrador da Insolvência da G..., L.da, em 21 de Julho de 2006, cuja cópia e respectivo comprovativo do envio se encontram juntos aos autos a fls. 91 a 93, constando da referida carta:
«...Vimos pela presente informar que aceitamos a resolução contratual efectuada por V. Exa, em representação da G..., por carta datada de 27 de Junho de 2006.
Mais informamos que, por via dessa resolução, deverá a G... assumir de imediato, os trabalhadores que, temporariamente, e no âmbito do contrato resolvido, havia transferido para a G......».
9. Através da carta junta aos autos a fls. 8 v.º, também datada de 21 de Julho de 2006, a Ré comunicou ao Autor a resolução do contrato, terminando desta forma: «...em face do exposto, cessou a transferência temporária de V. Exa enquanto trabalhador da G... para a G..., pelo que deverá V. Exa, a partir de 26 de Julho de 2006, considerar-se de novo ao serviço da G... e, caso assim o entenda, reclamar todos os direitos e créditos a que tinha direito, junto do processo de insolvência acima indicado
10. O Autor reclamou os seus créditos, decorrentes da cessação do contrato de trabalho, no Processo de Insolvência da G... – Gabinete Impressor, L.da.

3. O direito
Como resulta das conclusões formuladas pela recorrente, o objecto do recurso restringe--se à questão de saber se a ré deve ser responsabilizada ou não pelo pagamento da quantia de € 10.536,23 que na decisão recorrida foi condenada a pagar ao autor, a título de salários que lhe eram devidos pela G... – Gabinete Impressor, L.da (G...).

Conforme resulta dos factos provados e dos documentos para que os mesmos remetem e como vem já decidido com trânsito em julgado, o autor era trabalhador da G..., mas, em 16 de Maio de 2005, passou a ser trabalhador da ré, em virtude desta ter assumido a exploração do estabelecimento onde ele prestava a sua actividade à G.... Mais tarde, porém, passou a ser novamente trabalhador da G..., pelo facto de o administrador nomeado no processo de insolvência da G... ter resolvido, através de carta que a ré recebeu em 28 de Junho de 2006, o contrato de cessão de exploração do estabelecimento que, em 16 de Maio de 2005, esta tinha celebrado com a ré, originando, dessa forma, a reversão da exploração do estabelecimento em causa.

Na petição inicial, o autor alegou que a cedente (G...) lhe devia € 12.426,97, a título de salários, e que a ré tinha acordado com ele o pagamento daquela quantia em prestações mensais, com início em Julho de 2005 e termo em Maio de 2006, mas que a mesma só lhe pagou a quantia de € 1.890,74.

Na contestação, a ré negou que tivesse celebrado tal acordo com o autor, alegando que, nos termos do n.º 2 da cláusula 4.ª do contrato de cessão de exploração celebrado com a G..., apenas se obrigou a pagar a esta, em 36 prestações mensais, a quantia de € 173.403,16, correspondente ao montante total dos salários de que a G... era devedora aos trabalhadores abrangidos pelo contrato de cessão de exploração.

Em sede da matéria de facto, o acordo alegado pelo autor não se provou e nem sequer se deu como provado que ele tivesse salários a receber da G..., aquando da cessão da exploração do estabelecimento para a ré, o que, à primeira vista, seria suficiente para julgar procedente o recurso.

Acontece, porém, que, na fundamentação da decisão recorrida, a Relação acabou por dar como provado que o total dos salários devidos pela G... ao autor, à data da cessão, era de € 12.426,97, ao afirmar que “[d]e acordo com o doc. junto pelo A. a fls. 8, em parte confirmado pelos doc. juntos pela R. a fls. 66-81, o total dos salários líquidos devidos pela G... ao A. à data da cessão era de € 12.426,97”.

Ao fazer aquela afirmação, a Relação extraiu claramente uma ilação de natureza factual, que este Supremo Tribunal terá de acatar, uma vez que a mesma se contém dentro dos poderes que à Relação assistem em sede da matéria de facto.

Assente, pois, que a G... era devedora ao autor da quantia de € 12.426,97, à data em que cedeu a exploração do estabelecimento à ré, enfrentemos, agora, a questão de saber se a ré deve ser considerada responsável pelo pagamento da quantia que, a título dos ditos créditos, foi condenada a pagar ao autor.

Já vimos que as instâncias diverG...am na resposta a esta questão.

Na 1.ª instância entendeu-se que a ré não era obrigada a pagar os créditos em questão, com o fundamento de que a obrigação assumida da ré de pagar os salários vencidos antes da cessão da exploração do estabelecimento era uma contrapartida da própria cessão e de que, tendo esta deixado de subsistir, “não se vislumbra […] como possa a Ré continuar vinculada a uma contrapartida que pressupunha a vigência do contrato”. Segundo o M.mo Juiz, a ré só estaria vinculada ao pagamento das retribuições que se venceram no período em que ela explorou o estabelecimento.

Constata-se, assim, que o M.mo Juiz aderiu à tese defendida na contestação, nos termos da qual a ré apenas se obrigara a pagar à G... (não aos trabalhadores) os créditos salariais em dívida, como contrapartida da cessão de exploração do estabelecimento, como claramente se dizia na cláusula 4.ª do contrato de cessão de exploração que entre ambas tinha sido celebrado (1)
3. [].

Pelo contrário, na Relação entendeu-se que a ré era responsável pelo pagamento dos salários em causa, com a seguinte fundamentação:
«Cabe salientar que não está provado que tivesse havido qualquer acordo (entre A. e R) para o pagamento por esta de créditos laborais devidos pela G..., mas antes que, de acordo com o estabelecido no n.º 2 da c1a 4a do contrato de cessão de exploração, a ora apelada, G..., assumiu, como contrapartida da cessão de exploração do estabelecimento e enquanto se mantivesse em vigor esse contrato, pagar, além da mensalidade prevista no n.º 1 da mesma cláusula, determinada importância correspondente ao montante total dos salários líquidos que naquela data a G..., Lda devia aos trabalhadores, conforme discriminado no anexo IV, em 36 prestações mensais, iguais e sucessivas, vencendo-se a 1.ª em Junho de 2005.
[…]
Ainda que, na vigência da cessão de exploração do estabelecimento, tal pagamento tivesse sido efectuado pela ora apelada directamente aos trabalhadores, fê-lo enquanto contrapartida do contrato de cessão de exploração, ou seja, em cumprimento de obrigação a que se vinculou com a G... e que permanecia apenas enquanto o referido contrato vigorasse, pelo que, uma vez resolvido o contrato, deixou de estar obrigada ao cumprimento da mesma.
Foi por esta razão que o Sr. Juiz entendeu improceder a pretensão do apelante também quanto ao 3° pedido.
Porém, sendo certo que, nos termos do contrato, assim era – a obrigação de pagar aqueles valores fora assumida para com a G... e não para com os trabalhadores e cessara com a resolução do contrato de cessão de exploração –, não é menos certo que, ope legis, mais precisamente por força do disposto pelo art. 318° n.os 1, 2 e 3, do CT, ao assumir, como cessionária – em 16/5/2005 – a exploração temporária do estabelecimento e consequentemente a posição jurídica de empregador dos trabalhadores da G..., a apelada [e não apelante, como, por manifesto lapso, se diz no acórdão recorrido] tornou-se ela própria devedora perante estes das prestações salariais vencidas e não pagas até à data da cessão, pelas quais a cedente ficou solidariamente responsável durante o ano subsequente. Com a reversão[,] este mecanismo repete-se, mas agora em sentido inverso: A dívida aos trabalhadores por salários anteriores à cessão, que se transmitira para a R e ainda estava por cumprir, transmite-se de novo para a G..., ficando agora a apelada co­-responsável solidariamente por essa dívida durante o ano subsequente à reversão.
O A. propôs a acção em 10/7/2007, por conseguinte antes de decorrido um ano sobre a reversão (que ocorreu com a aceitação da resolução pela R, portanto com a recepção da carta de 21/7/2006), ou seja, no período em que a ora apelada ainda respondia solidariamente pela referida dívida, pelo que, no que concerne ao pedido formulado sob o n.º 3, a apelação terá de proceder.
Muito embora esteja assente que o A. reclamou os seus créditos decorrentes da cessação do contrato de trabalho no processo de insolvência da G... – Gabinete Impressor, Lda, não sendo claro se o crédito peticionado sob o n.º 3 também ali foi reclamado, ainda que isso se verifique, nos termos do art. 519.º[,] n.º 1[,] do CC, não está o apelante inibido de exiG... da R. e ora apelada o pagamento do referido crédito, precisamente porque a outra devedora foi declarada insolvente.» (fim de transcrição)

Como emerge das conclusões por si formuladas, a recorrente conformou-se com a decisão da Relação na parte em que esta considerou que a obrigação da G..., relativamente aos créditos salariais do autor, vencidos antes da cessão da exploração do estabelecimento, tinha sido transmitida para a recorrente/ré, e restringiu a sua discordância a três ordens de razões:
- em primeiro lugar, por entender que a reversão do estabelecimento se operou em 28 de Junho de 2006, data em que ela recebeu a carta que lhe foi enviada pelo administrador nomeado no processo judicial de insolvência da G..., a comunicar-lhe a resolução do contrato de cessão de exploração do estabelecimento, pelo que o prazo de um ano referido no n.º 2 do art.º 318.º do CT já tinha decorrido, quando a acção foi proposta em 10.7.2007, havendo cessado, por isso, por caducidade, a responsabilidade solidária a que estava sujeita por força do disposto nos n.os 2 e 3 do CT;
- em segundo lugar, e sem prescindir, por entender que a sua responsabilidade não se estende a todos os salários que estavam em dívida à data do contrato de cessão de exploração (16.5.2005), uma vez que este contrato tinha a duração de cinco anos e apenas durou até 28 de Junho de 2006, o que vale por dizer que, durante o período de exploração, apenas se venceram 13, que foram liquidadas, das 36 prestações acordadas no referido contrato;
- em terceiro lugar, e caso assim não se entenda, por considerar que, durante o período de exploração do estabelecimento, liquidou ao autor 13 daquelas 36 prestações mensais, tendo ele recebido o montante de € 4.142,33, estando, por isso, por liquidar apenas a quantia de € 8.284,65.

A decisão do recurso passa, pois, pela solução a dar a estas três sub-questões:
- Saber qual é a data relevante para efeitos da contagem do prazo previsto no n.º 2 do art.º 318.º do Código do Trabalho (CT);
- Saber se a responsabilidade da ré se estende à totalidade dos créditos em questão ou se é limitada às prestações vencidas no período em que teve a seu cargo a exploração do estabelecimento;
- No caso de abranger a totalidade dos créditos, saber se a quantia em dívida é tão--somente de € 8.284,65.

Debrucemo-nos, pois, sobre as sub-questões referidas.

3.1 Da data relevante para efeitos da contagem do prazo previsto no n.º 2 do art.º 318.º do Código do Trabalho
Nos termos do art.º 318.º, n.º 1, do CT, “[e]m caso de transmissão, por qualquer título, da titularidade da empresa, do estabelecimento ou de parte da empresa ou estabelecimento que constitua uma unidade económica, transmite-se para o adquirente a posição jurídica de empregador nos contratos de trabalho dos respectivos trabalhadores, bem como a responsabilidade pelo pagamento da coima aplicada pela prática de contra-ordenação laboral”.

E nos termos do n.º 2 do mesmo artigo, “[d]urante o período de um ano subsequente à transmissão, o transmitente responde solidariamente pelas obrigações vencidas até à data da transmissão”.

Como dos normativos referidos decorre, o transmitente da titularidade da empresa, do estabelecimento ou de parte da empresa ou do estabelecimento que constitua uma unidade económica (considerando-se como tal, nos termos do n.º 4 do citado art.º 318.º, “o conjunto de meios organizados com o objectivo de exercer uma actividade económica, principal ou acessória”) continua responsável pelo pagamento das obrigações vencidas até à data da transmissão, apesar da posição jurídica que ele ocupava como empregador se ter transmitido para o adquirente.

E compreende-se que assim seja, uma vez que se trata de obrigações que, no rigor dos princípios, são da sua única e exclusiva responsabilidade, precisamente por se terem vencido quando o transmitente ocupava o lugar de empregador.

Essa responsabilidade, porém, só se mantém durante o período de um ano subsequente à transmissão, o que vale por dizer que, a partir da transmissão, o trabalhador só dispõe do prazo de um ano para reclamar do transmitente o pagamento dos salários vencidos antes da transmissão.

A questão que se coloca é a de saber qual é a data da transmissão a atender: se é a data do contrato de transmissão da titularidade da empresa, do estabelecimento ou de parte da empresa ou estabelecimento que constitua uma unidade económica (se tal contrato existir) ou se é a data em que o adquirente assumiu efectivamente aquela titularidade.

E, respondendo àquela questão, diremos que a data relevante só pode ser a segunda.

Com efeito, tratando o art.º 318.º do Código do Trabalho da transmissão da posição jurídica que o empregador ocupa nos contratos de trabalho e sendo o contrato de trabalho “[a]quele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade a outra ou outras pessoas, sob a autoridade e direcção destas” (art.º 10.º do C.T.), é óbvio que a transmissão daquela posição só ocorre quando os trabalhadores deixarem efectivamente de trabalhar para o transmitente e passarem a trabalhar para o adquirente.

A data relevante, para efeitos do disposto no art.º 318.º, n.os 1 e 2, do C.T. é, pois, a data da transmissão efectiva da titularidade da empresa, do estabelecimento ou de parte da empresa ou estabelecimento que constitua uma unidade económica, e não a data da respectiva transmissão jurídica.

E o que acaba de ser dito, relativamente à transmissão da titularidade da empresa, do estabelecimento ou de parte da empresa ou estabelecimento que constitua uma unidade económica, vale para os casos de transmissão, cessão ou reversão da exploração da empresa, do estabelecimento ou da unidade económica, uma vez que, nos termos do n.º 3 do art.º 318.º, “[o] disposto nos números anteriores é igualmente aplicável à transmissão, cessão ou reversão da exploração da empresa, do estabelecimento ou da unidade económica, sendo solidariamente responsável, em caso de cessão ou reversão, quem imediatamente exerceu a exploração da empresa, estabelecimento ou unidade económica”.

No caso em apreço, o que está em causa é a reversão da exploração do estabelecimento da ré para a G... e a questão que se coloca é a de saber qual foi a data em que essa reversão ocorreu, pois é a partir dessa data que se conta o prazo de um ano referido no n.º 2 do art.º 318.º do C.T., durante o qual a ré continua a ser solidariamente responsável pelas obrigações vencidas até à data da reversão (recorde-se que, no recurso de revista, a ré deixou cair a questão da transmissão, para si, dessas obrigações).

Na decisão recorrida entendeu-se que a reversão tinha ocorrido quando a G... recebeu a carta que a ré lhe enviou, em 21 de Julho de 2006, declarando aceitar a resolução do contrato de cessão de exploração.

A recorrente considera que a data a atender é a da resolução do contrato daquele contrato, mais concretamente, a data de 28 de Junho de 2006, ou seja, a data em que ela recebeu a carta que lhe foi enviada pelo administrador do processo de insolvência da G... a comunicar a resolução do contrato (facto n.º 7), pois, em sua opinião, a resolução do contrato pode fazer-se, nos termos do art.º 436.º, n.º 1, do C. C., mediante declaração à outra parte.

A recorrente tem razão quando alega que a declaração de resolução do contrato não carece de aceitação da outra parte. Efectivamente, como decorre do teor do art.º 436.º do C.C., a resolução pode fazer-se por mera declaração à parte contrária e não depende de aceitação. Trata--se de uma declaração unilateral, receptícia, do credor, que se torna irrevogável, logo que chega ao poder do devedor ou é dele conhecida (A. Varela, Das Obrigações Em Geral, vol. II, 7.ª edição, reimpressão, Almedina, p. 108 e Menezes Cordeiro, Direito das Obrigações, 2.º vol., reimpressão, Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa, p. 165).

Não tem, todavia, razão a recorrente quando alega que a reversão do estabelecimento ocorreu na data em que tomou conhecimento da declaração de resolução do contrato.

Com efeito, o que nessa data se verificou foi tão-somente a resolução do contrato de cessão de exploração do estabelecimento. Tal resolução produziu, sem dúvida, efeitos imediatos, mas não se confunde com a reversão do estabelecimento. Esta é uma obrigação decorrente da resolução e, traduzindo-se na entrega, na devolução, efectiva do estabelecimento é a data em que essa devolução realmente ocorreu que releva, para efeitos do art.º 318.º, n.º 2, do Código do Trabalho, uma vez que só a partir dessa data é que os trabalhadores abrangidos pela reversão deixaram de ser trabalhadores da recorrente/ré e passaram de novo a trabalhar por conta do anterior cedente, a G....

Ora, se é verdade que, por força da resolução do contrato de cessão de exploração, a ré ficou obrigada a devolver imediatamente o estabelecimento à G..., também é verdade que essa obrigação não foi imediatamente satisfeita pela ré, pois, como ela expressamente reconheceu na sua contestação (vide os termos da contestação em 1.Relatório) e como claramente resulta do teor das cartas que, em 21 de Julho de 2006, ela enviou à G... e ao autor (vide factos n.os 8 e 9), tal obrigação só foi cumprida em data posterior à do envio da carta, o que significa que o autor se manteve a trabalhar subordinadamente para a ré, pelo menos até àquela data de 21 de Julho de 2006.

E sendo assim, como entendemos que é, quando a acção foi proposta em 10 de Julho de 2007, o prazo de um ano referido no n.º 2 do art.º 318.º que tem vindo a ser citado ainda não tinha decorrido.

3.2 Do âmbito da responsabilidade da ré
Como já foi referido, a ré alega que não é responsável pelo pagamento da totalidade dos salários que estavam em dívida ao autor, à data da cessão da exploração do estabelecimento (16.5.2005), uma vez que o contrato de cessão tinha a duração de cinco anos e apenas perdurou até 28 de Junho de 2006.

Por outras palavras, a ré defende que, tendo ficado convencionado no contrato de cessão de exploração que o montante correspondente aos salários devidos aos trabalhadores seria por ela pago à cedente G..., em 36 prestações mensais, iguais e sucessivas, vencendo-se a primeira em Junho de 2005, e que, tendo esse contrato cessado em 28 de Junho de 2006, só era responsável pelo pagamento das prestações vencidas até esta data, ou seja, pela importância correspondente a 13 prestações.

Não procede, porém, a argumentação da ré, no que concerne ao autor e demais trabalhadores abrangidos pela transmissão do estabelecimento, pela simples razão de que estes não intervieram no contrato de cessão de exploração, não estando, por isso, vinculados ao que aí foi estipulado, uma vez que “[e]m relação a terceiros, o contrato só produz efeitos nos casos e termos especialmente previstos na lei” (art.º 406.º, n.º 2, do C.C.).

Não existindo disposição legal que estenda ao autor os efeitos resultantes do contrato de cessão de exploração do estabelecimento celebrado entre a G... e a ré, temos de convir que o estipulado naquele contrato só vincula os respectivos intervenientes.
Por outro lado, o art.º 318.º do C.T., ao estipular que se transmite para o adquirente a posição jurídica de empregador nos contratos dos respectivos trabalhadores, sem estabelecer quaisquer restrições, não pode deixar de ser entendido no sentido de que a cessão da posição contratual nele prevista também engloba as obrigações pecuniárias já vencidas, à data da cessão da exploração do estabelecimento.

Não tem, por isso, razão a ré, ao alegar que não é responsável pela totalidade dos salários em dívida ao autor.

3.3 Da quantia em dívida ao autor
A ré alega que, durante o período de exploração do estabelecimento, liquidou ao autor 13 das 36 prestações mensais referidas no contrato de cessão de exploração, o que significa que ele já recebeu a quantia de € 4.142,33, cabendo-lhe receber apenas o montante de € 8.284,65.

A matéria de facto é omissa acerca do montante que o autor já terá recebido, mas, constituindo o pagamento um facto extintivo do direito por ele invocado, cabia à ré alegar e provar o montante que efectivamente lhe tinha pago (art.º 342.º, n.º 2, do C.C.).

Não tendo ela feito essa prova (sendo certo que a ré também nada tinha alegado a esse respeito) bem decidiu a Relação, ao condená-la a pagar a diferença (€ 10.536,23) entre o montante dos salários que a G... devia ao autor, à data da cessão da exploração do estabelecimento, e a quantia de € 1.890,74 que, na petição inicial, o autor confessou ter já recebido da ré.

4. Decisão
Nos termos expostos, decide-se negar a revista e confirmar a decisão recorrida.
Custas pela recorrente.

Lisboa, 12 de Novembro de 2008

Sousa Peixoto( Relator)

Sousa Grandão

Pinto Hespanhol

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(1) A Cláusula 4.ª, no que aqui interessa, tem o seguinte teor:
“ 1. Pela exploração do Estabelecimento, a G... pagará, mensalmente, a quantia de € 20.000,00 (vinte mil euros), acrescida do IVA legalmente devido, a qual deverá ser paga até ao oitavo dia útil do mês a que disser respeito, por meio de cheque, depósito ou transferência bancária para a conta titulada em nome da G... ou de outro modo e local em que a G... lhe vier a comunicar por escrito.
2. Igualmente como contrapartida da presente cessão de exploração do Estabelecimento e enquanto se mantiver em vigor o presente contrato, a G... assume a obrigação de pagar à G... a importância de € 173.403,16 (cento e setenta e três mil quatrocentos e três euros e dezasseis cêntimos) correspondente ao montante total dos salários líquidos, nesta data em dívida aos trabalhadores da G... e discriminados no Anexo IV ao presente contrato, em 36 prestações mensais, iguais e sucessivas, vencendo-se a primeira prestação em Junho de 2005.





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