Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
01B3974
Nº Convencional: JSTJ00000109
Relator: DUARTE SOARES
Descritores: ACÓRDÃO POR REMISSÃO
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
QUESTÃO NOVA
ABUSO DE DIREITO
CONHECIMENTO OFICIOSO
NULIDADE DE ACÓRDÃO
Nº do Documento: SJ200203140039742
Data do Acordão: 03/14/2002
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL LISBOA
Processo no Tribunal Recurso: 9102/00
Data: 03/27/2001
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA.
Área Temática: DIR PROC CIV.
Legislação Nacional: CPC67 ARTIGO 668 N1 D ARTIGO 713 N5.
Sumário : I - A elaboração do acórdão da Relação por mera remissão para a decisão de 1ª instância ao abrigo do disposto no n. 5 do art.º 713 do CPC não pode abranger questões "ex-novo" suscitadas perante esse tribunal de 2ª instância e que, por serem de conhecimento oficioso, devam por ele ser apreciadas, como por ex. a excepção de abuso do direito.
II - Não havendo conhecido de tais questões, enfermará o acórdão de nulidade por omissão de pronúncia.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

Por apenso à execução para pagamento de quantia certa que lhe move A, veio B deduzir embargos alegando, no essencial, que o documento invocado como título executivo tem subjacente dois mútuos de 6000 e 4000 contos nulos por falta de forma. Estaria apenas obrigado a restituir 10000 contos mas, como já entregou 17000, é credor do exequente, a título de repetição do indevido, da quantia de 7000 contos. Ainda que se entenda que os mútuos são nulos por falta de forma, sempre seriam usurários os juros acordados de 4% ao mês.
Contestou o exequente alegando, em síntese, que do título executivo não consta acordo quanto a juros mas apenas o montante que, por acordo das partes, se estipulou estar em dívida, a sua forma de pagamento e garantias a accionar em caso de incumprimento. É, assim, uma obrigação que nasce ex novo que nada tem a ver com mútuos e juros que não constam do título.
Conhecendo do mérito na fase do saneador, foi proferida sentença julgando improcedentes os embargos.

Conhecendo da apelação interposta pelo em bargante, a Relação de Lisboa, fazendo uso da faculdade concedida pelo art. 713º nº 5 do CPC, julgou-a improcedente.

Pede agora revista e, nas alegações, conclui assim:
1 - O acórdão recorrido padece de nulidade por omissão de pronúncia nos termos do art. 668º nº 1 d), pois não conheceu de questões suscitadas perante a Relação, nomeadamente as do abuso de direito, da inexigibilidade da obrigação exequenda e juros, limitando-se a remeter, quanto ao direito, para a sentença.
2 - A simples remissão para a decisão da instância inferior, quando forem invocadas recurso várias questões ali não apreciadas, como aqui sucedeu, não integra o cumprimento do dever de fundamentação das decisões exigido pelo art. 205º nº1 da CR.
3 - Assim, neste caso, a aplicação da norma do art. 713º nº5 do CPC, constituiu inconstitucionalidade material por violar o disposto na referida norma do art. 205º da CR.
4 - Na contestação aos embargos, o embargado admitiu expressamente vários factos e não impugnou outros o que equivale à sua confissão a qual tem força probatória plena nos termos do art. 358º nº 1 do CC, disposição esta que permite, por força do disposto no art. 722º nº1 do CPC, que o Supremo, em sede de revista, sindique o acórdão recorrido relativamente à fixação dos factos materiais da causa.
5 - Assim, conforme já sustentado na apelação, considera-se que por confissão expressa ou tácita, em articulado, devem ter-se como provados os factos de evidente interesse para a causa que se transcreveram no corpo da alegação daquele recurso, sendo de esperar que, nos termos do art. 729º nº2 do CPC, o Supremo os dê como provados.
6 - Perante tal matéria que se deve ter como assente, está demonstrado que o montante de que o recorrente se confessou devedor, emerge de mútuos nulos por falta de forma e dos juros usurários praticados e, assim, o documento invocado como título executivo, não constituindo novação válida, por não se poder novar obrigação nula, é inexequível.
7 - Estando demonstrado que embargado entregou ao embargante um total de 10000 contos e que este lhe devolveu 17000 o que, atentas as datas das entregas e das devoluções corresponde a uma remuneração de capital muito superior aos juros máximos legais, é abusiva a conduta do embargado ao pretender, através desta execução, que lhe sejam entregues mais 14000 contos com juros desde Abril de 1998.
8 - Se se entender que, por razões simplesmente formais, o embargado tem o direito de exigir aqueles montantes, é evidente que abusa do exercício desse direito já que dum empréstimo de 10000 pretende receber 31000 o que, manifestamente, contraria os bons costumes e a moral social - art. 334º do CC -.
9 - O embargado e o BCP aceitaram que a letra emitida na sequência do acordo objecto do título executivo, fosse reformada com amortizações mínimas de 500 contos mensais, que o embargado inviabilizou pelo que a quantia exequenda correspondente à da última letra de reforma, não é exigível.
10 - O pretenso título executivo não prevê qualquer obrigação de juros, não podendo, assim, a execução abrangê-los.
11 - O acórdão recorrido, para além dos vícios invocados, fez errada interpretação e aplicação dos arts. 286º, 334º, 458º nº1, 860º nº1, 1143º, 1146º, 1205º do CC e 46º e 813º als. a), e) e g) do CPC que deverão ser interpretados e aplicados nos termos propugnados.
Respondendo, bate-se o recorrido pela confirmação do julgado.
Foram colhidos os vistos. Cumpre decidir.
No julgamento da apelação a Relação de Lisboa utilizou a faculdade concedida pelo art. 713º nº 5 do CPC, julgando improcedente a apelação e confirmando a decisão da 1ª instância louvando-se na fundamentação desta.
Invoca o recorrente a nulidade do acórdão por omissão de pronúncia sobre questões suscitadas na apelação e que são a do abuso de direito, e a da inexigibilidade da obrigação exequenda e dos respectivos juros.
Na verdade, nas conclusões da apelação, suscita o apelante as questões do abuso de direito e inexigibilidade da obrigação e dos juros sendo certo, desde logo que, quanto à primeira, não tem sentido a remissão efectuada no acórdão para a decisão da 1ª instância que, quanto a ela, não se pronunciou.
Com efeito, a norma do nº 5 do art. 713º, permite que a Relação, nos casos de confirmação, sem qualquer declaração de voto, da decisão da 1ª instância quer quanto à decisão quer quanto aos fundamentos, se limite a remeter para os fundamentos desta.
Mas isso, naturalmente, não pode abranger as questões que, ex novo, se suscitem no recurso e que possam e devam ser conhecidas.

E entre estas não pode deixar de contar-se a do abuso de direito que, como geralmente se entende, é de conhecimento oficioso.
E, por aqui, ocorre um motivo de nulidade do acórdão, nos termos da al. d) do nº1 do art. 668º do CPC, por omissão de pronúncia sobre questão que devia ser conhecida.
E o mesmo sucede quanto à questão da inexigibilidade da obrigação e dos respectivos uma vez que estando admitida a existência de uma situação de novação objectiva, invocou-se a nulidade da obrigação de que esta emerge quer quanto à forma quer quanto à substância, e sobre ela não se pronunciaram as instâncias.
Haveria, pois, que conhecer das invocadas nulidades e da sua eventual relevância quanto à nova obrigação assumida pelo A.

A Relação, porém, não o fez e, assim, tem de concluir-se pela nulidade do acórdão nos termos referidos.

Nestes termos, concedem a revista e, porque a situação escapa à previsão do nº 1 do art. 731º do CPC, ordenam, nos termos do nº 2 do mesmo artigo a baixa do processo a fim de se proceder à reforma do acórdão, se possível pelos mesmos senhores Desembargadores.
Custas pelo vencido a final.

Lisboa, 14 de Março de 2002
Duarte Soares,
Abel Freire,
Moitinho de Almeida.