Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1433/07.7TBBRG.S2
Nº Convencional: 1. ª SECÇÃO
Relator: ALVES VELHO
Descritores: CONTRATO-PROMESSA
INCUMPRIMENTO
SINAL
INDEMNIZAÇÃO
SANÇÃO PECUNIÁRIA COMPULSÓRIA
CUMULAÇÃO
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 11/02/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE A REVISTA
Área Temática: DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES
Doutrina: - ANA PRATA, O Contrato-promessa e o seu Regime Civil, 1999, pg. 797.
- CALVÃO DA SILVA, Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, 1995, pg. 372.
Legislação Nacional: CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 410.º, N.º1, 442.º, N.º4, 804.º, 806.º, N.º1, 829.º-A, 879.º, ALÍNEA C), 885.º, N.º1.
Sumário : I - Tendo as partes convencionado o sinal, sem estipulação de qualquer outra indemnização em caso de incumprimento do contrato, ficou-lhes vedado lançarem mão de qualquer outra indemnização compensatória pelo incumprimento que não seja a da perda do sinal passado ou da restituição do seu dobro.

II- A sanção pecuniária compulsória, que não é uma medida executiva de realização da prestação, destina-se a constranger o demandado a realizar o cumprimento devido, impondo-lhe o cumprimento de uma nova obrigação, agora pecuniária, subsidiária da inicial e principal de prestação de facto.

IV- Por não ter natureza indemnizatória, a sanção pecuniária compulsória pode ter lugar independentemente da existência ou não de indemnização e do respeito devido da condenação efectuada, que se limita a, acessoriamente, reforçar. É essa independência e cumulabilidade da sanção com a indemnização que se encontra afirmada no art. 829º-A-2 C. Civil.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

1. - AA intentou contra BB e CC acção declarativa em que formulou os pedidos de os RR: serem “condenados a reconhecer”:
a) - que o contrato de compra e venda relativo à fracção P não se concretizou em virtude do seu incumprimento;
b) . (…);
c) - o tempo decorrido entre a celebração do contrato-promessa e a propositura da acção conduziu à alteração das circunstâncias do negócio;
d) - os RR ainda não pagaram o valor da fracção F, já escriturada, apesar de nessa escritura estar declarado o preço, o seu pagamento e quitação;
Devendo os RR. ser condenados:
e) - a reconhecerem a rescisão do contrato-promessa por parte do A. a favor de quem reverte o sinal entregue;
f) - a entregarem ao A. a fracção F, que têm na sua posse, livre de pessoas e bens;
g) - a pagarem ao A. o valor de 15.600€ referente ao valor do rendimento da fracção F, contado de Setembro de 2002 até Fevereiro de 2007;
h) - a pagarem ao A. a título de sanção pecuniária compulsória, o valor de 300€ mensais desde Março de 2007, inclusive, até devolução da fracção.
i) - a pagarem ao A. o quantitativo de 79.807,66€ referente ao valor da fracção P que o A. lhes vendeu por escritura pública de 16 de Maio de 2000;
Subsidiariamente:
- seja proferida sentença que produza os efeitos da declaração negocial dos RR dando excecução específica ao contrato promessa respeitante à fracção F e à concretização do negócio prometido;
- condenados os RR a reconhecerem que o valor da fracção P é actualmente de, pelo menos, 89.783, 62€;
- condenados os RR a depositarem previamente à prolação da sentença o valor de 62.349,74€ correspondente à diferença do valor da fracção, deduzido o sinal;
- a pagarem 15.600€ relativos ao valor do rendimento da fracção F, contado de Setembro de 2002 até Fevereiro de 2007, e a quantia de 300€ mensais, desde Fevereiro de 2007 até à data daquele pagamento;
- a pagarem ao A o valor de 79.807,66€ referente à fracção F, escriturada em nome dos RR desde 16 de Maio de 2000, actualizado em função dos valores de mercado.
- caso o depósito não seja efectuado no prazo concedido que se declare a rescisão contratual.

Para tanto, alegou, em síntese, que em 11 de Abril de 2001 outorgou com os RR. contrato-promessa de compra e venda relativo às fracções “F” e “P”, pelo preço global de esc. 16 000.000$00, tendo recebido, a título de sinal, a quantia de esc. 1 000 000$00 ou 4.987,98€. Em virtude de posteriores entregas, o A. recebeu a quantia de esc. 5 500 000$00
A escritura pública relativa à fracção “F” já foi outorgada entre A. e terceiro, mas, relativamente à fracção “P”, apesar das sucessivas interpelações, inclusive através de fixação judicial de prazo e de marcação de escritura, os RR não outorgaram o contrato definitivo.
A descrita situação gerou o incumprimento dos RR. e a perda de interesse do A. no negócio, que sofreu o prejuízo da perda do respectivo rendimento e da valorização.
Se assim se não entender assiste, pelo menos, ao A. a execução específica do contrato relativamente à fracção “P”.
Em virtude do decurso do tempo, devido ao incumprimento dos RR., as fracções valorizaram no mercado, valendo a F 74.818,69€ e a P 89,783,72€, assistindo ao A. o direito de haver o seu valor actualizado.

Os RR contestaram alegando, em síntese, que celebraram com o A. negócio imobiliário, concretizando-se o relativo à fracção “F” e encontrando-se a “P” na posse de terceira pessoa em virtude de os RR., com o conhecimento do A., terem outorgado contrato promessa com essa terceira pessoa.
Foi o A. quem entregou a garagem da fracção a esse terceiro, que nunca compareceu para que fosse outorgada a escritura pública, facto do conhecimento do A.

A acção improcedeu e a Relação confirmou o sentenciado.
Em recurso de revista foi decidido reenviar o processo ao Tribunal da Relação para aí se conhecer do alegado incumprimento contratual definitivo do negócio, qualificado como contrato-promessa de compra e venda, celebrado entre o Autor e os Réus, em que se fundam os pedidos principais, ou sendo caso disso, apreciar os subsidiários.

A Relação, em cumprimento do julgado, declarou resolvido o contrato-promessa celebrado entre o A. e os RR., relativo à fracção “P”, podendo o Autor fazer sua a quantia entregue pelos Réus, condenou estes a entregarem ao A. a fracção “P” livre de pessoas e bens e absolveu-os do mais peticionado a título principal, considerando prejudicado o conhecimento dos pedidos subsidiários.


O Autor interpôs novamente recurso de revista, visando a revogação parcial do acórdão, ao abrigo das conclusões que se transcrevem:
1- O Venerando e douto Tribunal da Relação de Guimarães não apreciou e decidiu todas as questões em apreço, quer na causa de pedir, quer nos pedidos constantes da acção aqui em apreço;
2- Considerou, a nosso ver, acertadamente, o contrato em crise, como de promessa de compra e venda, mas não apreciou, nem decidiu, devidamente, os efeitos decorrentes da resolução do mesmo, que determinou;
3- A perca do valor do sinal processado pelos RR. não esgota aqueles efeitos;
4- Muito menos, resolve a questão dos pedidos formulados;
5- Contrariamente ao, doutamente, decidido, a compra e venda da fracção "F", cuja escritura foi outorgada em 29 de Junho de 2001, pelo A. e sua mulher a favor da DD, só tem a ver com os RR. e seus interesses e não com o A.;
6- Desta compra e venda, somente, os RR. retiraram os devidos benefícios;
7 - O preço pago por aquela compradora, apenas, reverteu em favor dos RR., que o receberam directamente e não do A. ou de sua mulher;
8- Estes agiram, apenas, como mero instrumento da formalização do negócio, para efeitos de fuga fiscal dos RR., como, claramente, se vê;
9- Se o A. recebeu alguma coisa, foi a titulo de reforço do sinal, já que o objecto do contrato promessa de compra e venda, celebrado entre o A. e os RR., é constituído por duas fracções - "F e P" ­e não há valor, ou preço, estabelecido para qualquer uma;
10- Como o preço da fracção "F" foi recebido pelos RR., que, assim, enriqueceram à custa do A. e como não cumpriram o contrato promessa, dado, agora, como resolvido, deverão devolvê-lo ao A.;
11- Não faz sentido que se resolva o contrato-promessa com base no seu incumprimento total, e não se faça reverter todos os seus efeitos a favor do A.;
12- O preço da fracção transaccionada foi estabelecido pelos RR. e dele nem chegou o A. a ter conhecimento;
13- É de presumir que, pelo menos, corresponde ao valor dado como provado passados 5 (cinco) anos da data da celebração do contrato promessa;
14 Este valor é de 74.819,68 euros, como consta provado;
15- Atribuí-lo aos RR., é beneficiar o infractor, por isso, deverão ser os mesmos condenados a pagá-lo ao A., que dele está desembolsado;
16- A variante da perca do valor do sinal, aplicar-se-ia da forma como o, douto, Tribunal recorrido decidiu, se os RR., ainda, não tivessem transmitido as fracções a favor de terceiro, tivessem sinalizado o valor acordado, perdessem este e devolvessem as fracções ao A.;
17 - Como tal não é possível em relação à fracção "F", deverão, em substituição da mesma, ressarcir o A. do seu valor, que está determinado;
18- Se os RR. assim beneficiarem, enriquecerão, ilegitimamente, à custa do A.;
19- A fracção "P", única, ainda, não transmitida definitivamente, encontra-se na posse dos RR. desde 11 de Abril de 2001, data em que celebraram o contrato promessa de compra e venda com o A.;
20- Desde essa data que utilizaram a mesma em exclusivo proveito próprio;
21- O prazo estabelecido para o A. receber o preço total do negócio celebrado com os RR. era o de 6 meses, constante do parágrafo 8, de fls. 4, da, douta, sentença de 1ª Instância;
22- Esse foi o prazo estabelecido para o pagamento;
23- Tal prazo esgotou-se em 11 de Outubro de 2001 (11 de Abril de 2001 - 6 meses);
24- Em 18 de Abril de 2001, ou seja, passados, apenas, 7 dias da celebração, do contrato promessa celebrado entre o A. e os RR., estes prometeram vender ao marido da DD, a fracção "F" (loja) e por certo que receberam valor de sinal, que se desconhece;
25- em 28 de Novembro de 2001 os RR. celebraram com EE, contrato promessa de compra e venda, visando a venda da fracção "P" (Apartamento);
26- Nessa data, já deveriam ter pago a totalidade do preço ao A., mas receberam 4.000.000$00 de sinal e nada lhe deram;
27 - Porque lhes convinha receber o restante preço em falta, entregaram tal fracção e a garagem àquela senhora, em data desconhecida, da qual o A. teve, apenas, conhecimento em 21 de Fevereiro de 2002;
28- Por via de tal entrega, apenas, pagaram ao A., em 3/3/2002, a título de reforço de sinal, a quantia de 5.000,00 euros;
29- O contrato promessa de compra e venda celebrado com esta Maria Helena, teve, segundo o comprovado, o consentimento do A, mas este da sua outorga, somente, teve conhecimento depois (?);
30- A expressão contida no parágrafo 4°, de fls. 6 da, douta, sentença de 1ª Instância, "com o consentimento do A., e mediante contrapartida a efectuar por este aos RR." com o devido respeito, não faz qualquer sentido;
31- A livre e total disposição da fracção "P" pelos RR., visou o benefício dos mesmos e trouxe prejuízos ao A., que deverão ser por aqueles ressarcidos;
32- Como resulta da factualidade dada como provada em 1ª Instância, o A. já vinha reclamando o cumprimento do contrato e o pagamento dos RR., pelos menos, desde 10 de Setembro de 2002;
33- O A. ao não receber o preço e ao não poder dispor da fracção "P", pelo menos, desde os 6 meses contados da data da celebração do contrato promessa, sofreu, pelo menos, um prejuízo mensal de 300,00 euros, correspondente ao valor da renda que poderia retirar do arrendamento da mesma e não retirou;
34- Este valor mensal deverá ser reconhecido como um prejuízo que os RR. deram ao A., com toda a sua estratégia de venda, e, como tal, deverão ser condenados a ressarci-lo;
35- A Fracção "P" ainda não foi entregue pelos RR. ao A., nem se sabe quando o será, pelo que, os mesmos deverão ser condenados a pagar aqueles 300,00 euros, desde a data da prolação do douto, Acórdão recorrido até à tomada da posse efectiva da fracção pelo A., a título de sanção pecuniária compulsória, como está pedido pelo A. na sua P.I. e não foi considerado pelo Venerando Tribunal recorrido;
36- Há um nítido enriquecimento ilegítimo dos RR. em prol de um correspondente empobrecimento do A., quanto à fracção "P", até esta data - 04/06/2010 - de, pelo menos, 31.200,00 euros (trinta e um mil e duzentos euros); (11/10/2001 a 04/06/2010), a título de lucros cessantes;
37 -. Os RR. deverão ser condenados a pagar ao A., também, este valor;
A nosso ver e com o devido respeito, o, douto, Acórdão recorrido, violou, entre outras, as normas dos art.s 659°, nºs 2 e 3; 660°, nº 2, primeira parte; 663°, nº 1; 664°; 668, nº 1, alínea d) do C.P. Civil e 483° e 499° do C.Civil.

Os Recorridos não responderam.





2. - Do que na alegação do Recorrente vem designado por “conclusões”, decorre a colocação das seguintes questões:

- Se os RR.-recorridos devem ser condenados no pagamento ao A.-recorrente da quantia de 74.819,68€, valor da fracção “F”, entretanto vendida, cujo preço receberam e não devolveram ao A., por incumprimento do contrato-promessa agora resolvido (pedido i);

- Se o Recorrente tem direito ao valor das rendas que o imóvel poderia proporcionar, no montante de 300,00€ mensais, desde a data da celebração do contrato-promessa, relativamente à fracção “P”, correspondendo a 31.200,00€, a título de lucros cessantes (pedido g); e,

- Se os Recorridos devem ser condenados a pagar, a título de sanção pecuniária compulsória a referida quantia, desde a data do acórdão até à tomada de posse efectiva da fracção (pedido h)).




3. - A matéria de facto a ter em conta é a seguinte:
1 - Em 16 de Maio de 2001 foi outorgada escritura pública nos termos da qual Manuel de Freitas Costa e mulher Rosa Martins Vilaça declararam vender ao autor, que declarou comprar, a fracção autónoma designada pela letra P, correspondente ao terceiro andar para habitação, com entrada pelo nº 31, com garagem individual no rés-do-chão, designada pelo nº um do prédio sito na Calçada de santa Tecla, Braga S. Vítor.
2 - A referida aquisição encontra-se registada a favor do A.
3 - A referida fracção possui o alvará de utilização nº 575, emitido pela Câmara Municipal de Braga em 2 de Julho de 1998.
4 - Em 11 de Abril de 2001 foi outorgado acordo escrito denominado Contrato Promessa de Compra e Venda, nos termos do qual o A declarou prometer vender aos RR, que declararam prometer comprar, a referida fracção e a fracção “F” sita no mesmo prédio, pelo preço global de 16.0000.000$00, tendo os segundos entregue 1.000.000$00 a título de sinal, declarando que o restante será entregue na data da escritura, e que as despesas de escritura e registo e demais impostos serão pagos pelos segundo e clausularam ainda a faculdade da execução específica.
5 - Na data do contrato promessa o A. entregou aos RR. a referida fracção.
6 - No âmbito do mesmo contrato os RR. entregaram ao A 27.433,88€
7- Em 10 de Setembro de 2002 o A. através do seu mandatário, enviou ao R. que recebeu, uma carta alegando que a escritura pública referente à fracção P ainda não foi outorgada, devendo a mesma ser marcada pelo R, avisando este que se não for realizada a escritura e pago o restante preço em 15 dias, o A tomará posição judicial e pedir-lhes-á indemnização.
8 - O A intentou contra os RR. acção de jurisdição voluntária para fixação de prazo, à qual os RR. não deduziram oposição.
9 - Nessa acção foi proferida sentença fixando aos RR o prazo de 30 dias para realização da escritura pública.
10- Os RR foram notificados dessa sentença em 17 de Dezembro de 2003.
11- Aquando da realização do contrato promessa o A. esperava receber a totalidade do preço no prazo de 6 meses.
12 - Em caso de arrendamento da fracção o A. receberia mensalmente 300€.
13 - O A procedeu à marcação de escritura pública para realização do contrato de compra e venda da referida fracção, para o dia 27 de Fevereiro de 2007.
14 - Os RR. foram notificados do dia e hora dessa escritura através de notificações judiciais avulsas.
15 - Os RR. não compareceram para outorgar a escritura pública no dia e hora designados.
16 - As fracções referidas, decorridos 5 anos do contrato promessa, valorizaram-se em 100%, valendo a fracção “F” 74.819,68€ e a fracção “P” 89.783,72€.
17 - Se o A. tivesse recebido o preço das referidas fracções tê-lo-ia investido.
22 - Em 28 de Novembro de 2001, foi outorgado contrato escrito, denominado contrato-promessa de compra e venda, nos termos do qual os RR, na qualidade de donos e legítimos proprietários, declararam prometer vender a EE a fracção P correspondente ao ... andar direito tipo T4, com entrada pelo nº ... do prédio sito na C... de S... T..., com garagem individual, pelo valor de 15 500 000$00, tendo a segunda outorgante entregue 4 000 000$00 como sinal.
23 - Em 18 de Abril de 2001 foi celebrado contrato denominado promessa de compra e venda nos termos do qual os RR. na qualidade de donos e legítimos proprietários declararam prometer vender a FF casado com DD a fracção F, correspondente ao rés do chão – estabelecimento comercial ou similar de hotelaria, com entrada pelo nº ..., descrita na Conservatória sob o nº .../F/ Braga (S. Vítor), inscrita na matriz predial urbana sob o art. ...-F.
24 - Em 29 de Junho de 2001 foi outorgada escritura pública nos termos da qual o autor AA e mulher GG declararam vender a DD a referida fracção autónoma designada pela letra F.
26 - Os RR. celebraram com EE contrato denominado promessa de compra e venda relativo à fracção P.
27 - Visando a outorga de escritura pública de compra e venda entre o autor e a EE relativa à fracção P, o primeiro R. entregou à segunda essa fracção P e respectiva garagem, facto de que o A. teve conhecimento antes de 21 de Fevereiro de 2002, recebendo do segundo R., em virtude dessa entrega e visando a outorga da referida escritura, a quantia de 5.000€, através de cheque datado de 3.3.2002.





4. - Mérito do recurso.

4. 1. - Pagamento do valor ou do preço da fracção já definitivamente transaccionada.

O Recorrente insiste na pretensão de obtenção de condenação do Réus a pagarem-lhe a quantia de 74.819,68€, valor da fracção “E”, objecto da escritura de compra e venda, cujo preço os RR. terão recebido do comprador, mas não entregaram ao Autor.

Sobre tal pedido considerou a Relação que, tratando-se de fracção que “foi vendida (em 29 de Junho de 2001) pelo autor e mulher a DD, não existem nos autos quaisquer factos provados que possam conduzir à sua procedência”.

Assim é, efectivamente.
A fracção foi vendida, figurando na escritura de compra e venda, como vendedores, o A. e sua mulher.
Por isso, nem sequer se percebe o que vem agora dito pelo Recorrente (conclusões 12 e 13), sobre o desconhecimento do preço da venda, para pedir o valor do prédio referido a cinco anos após a data dessa venda.


O objecto imediato do contrato-promessa é uma prestação de facto que consiste na celebração do contrato de compra e venda (art. 410º-1 C. Civil).
Outorgado este, sobre o bem que consta como objecto mediato do contrato-promessa fica extinta a obrigação principal do contrato-promessa, isto é, a realização do contrato prometido, sendo que outra, com autonomia e susceptível de sobreviver à outorga do contrato prometido, não vem invocada.
Consequentemente, não se encontra qualquer fundamento para peticionar o valor actualizado da coisa vendida cinco anos após a transacção.


Se o Autor e sua mulher, enquanto vendedores, não receberam o preço da venda, como alegam, é o seu efectivo valor que terão de peticionar, eventualmente acrescido da indemnização pelo incumprimento dessa obrigação (de pagamento do preço) de natureza pecuniária, que não, repete-se, exercitar o direito que invocam como decorrente do contrato-promessa (arts. 879º-c), 885º-1 e 804º e 806º-1, todos do C. Civil).

Nada, porém, vem provado contra ou para além do que consta da escritura pública, a fundar a obrigação de pagamento de qualquer quantia ao Autor.

Por isso, nenhuma censura merece o acórdão impugnado na parte em que teve por improcedente o pedido formulado em i) da petição inicial.



4. 2. - Prejuízo pela privação da fracção “P” desde a data da sua entrega aos RR. até à instauração da acção.

Relativamente ao prejuízo correspondente ao valor das rendas de que o A. ficou privado em consequência da transferência da fracção “P” para os RR. que, desde a data do contrato-promessa a detêm, decidiu-se que, sendo o sinal a medida da indemnização, o pedido improcede.

Mais uma vez, o decidido se nos apresenta como incensurável.

Com efeito, foi decretada a resolução do contrato-promessa com perda a favor do A. de todas as quantias entregues pelos RR., por assumirem a natureza de sinal.

Como se dispõe no nº 4 do art. 442º C. Civil, “na ausência de estipulação em contrário, não há lugar, pelo não cumprimento do contrato, a qualquer outra indemnização, nos casos de perda do sinal (…)”.
Assim sendo, o valor da indemnização compensatória, havendo sinal, identifica-se a forfait, com o valor deste, identificação que só pode ser afastada em função de estipulação convencional das partes nesse sentido.
O sinal é a “medida da “responsabilidade debitória” do contraente inadimplente (vd. ANA PRATA, “O Contrato-promessa e o seu Regime Civil”, 1999, pg. 797).

Consequentemente, tendo as Partes convencionado o sinal, sem estipulação de qualquer outra indemnização em caso de incumprimento, ficou-lhes vedado lançarem mão de qualquer outra indemnização compensatória pelo incumprimento que não seja a da perda do sinal passado ou da restituição do seu dobro.



4. 3. - Sanção pecuniária compulsória.

Apesar de na identificação das questões o Recorrente se referir “ao prejuízo que teve (…) desde 17 de Fevereiro de 2007, data em que a acção entrou em juízo, até à data da entrega efectiva da fracção”, certo é que na conclusão 35º - e é pelas conclusões que se afere objecto dos recursos –, sustenta que os RR. “deverão ser condenados a pagar aqueles 300,00 euros, desde a data da prolação do acórdão recorrido até à tomada de posse efectiva da fracção pelo A., a título de sanção pecuniária compulsória, como está pedido pelo A. na sua PI (…)”.

A Relação julgou improcedente o pedido formulado em h) com o mesmo fundamento do anterior, fazendo constar do acórdão que “sendo o sinal a medida da indemnização, improcedem os pedidos g) e h)”.


Ora, o pedido h), embora incorrectamente formulado, por isso que faz apelo, como suporte da pretensão de pagamento de “uma renda de valor mensal de 300,00 euros, desde Março de 2007 até à data da efectiva devolução da fracção, para compensar o A. dos prejuízos que de tal facto lhe advirão”, é feito com expressa invocação da figura e a título de sanção pecuniária compulsória.

Pensa-se, pois, que a procedência ou improcedência desse pedido não pode deixar de ser apreciada à luz do fundamento jurídico invocado, apesar de a sanção pecuniária compulsória não visar directamente a compensação de prejuízos futuros.


Dispõe o art. 829º-A do C. Civil que “nas obrigações de prestação de facto infungível (…), o tribunal deve, a requerimento do credor, condenar o devedor no pagamento de uma quantia pecuniária por cada dia de atraso no cumprimento”, a fixar “segundo critérios de razoabilidade, sem prejuízo da indemnização a que houver lugar”,

A sanção pecuniária compulsória destina-se a forçar o demandado resistente a abster-se de um comportamento que lhe está proibido, designadamente fazendo “acompanhar a condenação no cumprimento de medidas destinadas a exercer pressão sobre a vontade do devedor, capazes de vencer a sua rebeldia e de decidi-lo a cumprir voluntariamente” (CALVÃO DA SILVA; “Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória”, 1995, pg. 372).

Não se tratando de uma medida executiva, não se está a coagir o condenado a cumprir uma obrigação, executando-a, mas a constrangê-lo a realizar o cumprimento devido, impondo-lhe o cumprimento de uma nova obrigação, agora pecuniária, subsidiária da inicial e principal de prestação de facto.


Por não ter natureza indemnizatória, a sanção pecuniária compulsória pode ter lugar independentemente da existência ou não daquela e do respeito devido da condenação efectuada. Limita-se a, acessoriamente, reforçar esta última.
A independência e cumulabilidade da sanção com a indemnização encontra-se, de resto, afirmada no mencionado n.º 2 do art. 829º-A.


Assim sendo, carece de fundamento a total improcedência do pedido em apreciação, a pretexto de a perda do sinal ser a medida da indemnização.

Ao autor não estava vedado requerer a aplicação da sanção pecuniária compulsória.

A prestação a que os RR. foram condenados – entrega do imóvel – tem natureza infungível.
Vem provado que, em caso de arrendamento da fracção, o A. obteria 300,00€ mensais.
Na circunstância, considera-se razoável a aceitação desse valor para efeitos de fixação da sanção.
Tendo em atenção que a lei prevê a sua fixação com referência a dias de atraso e a que metade do valor se destina ao Estado, julga-se adequado fixar a sanção em 20,00€ por cada dia de atraso.

Esta, como é óbvio, perante os fins que visa e se deixaram referidos, só será exigível a partir do dia seguinte ao trânsito em julgado desta decisão, data em que se torna efectivo e definitivo o conhecimento e exigibilidade do cumprimento da prestação de facto positivo.





5. - Decisão.

Em conformidade com o exposto, acorda-se em:
- Conceder parcialmente a revista;
- Revogar o acórdão impugnado na parte em que julgou totalmente improcedente o pedido formulado em h) da petição inicial e, consequentemente, condenar os Réus a pagarem, a título de sanção pecuniária compulsória, a quantia de 20 (vinte) euros por cada dia de atraso na efectiva entrega da fracção “P” ao Autor, com início no dia seguinte ao do trânsito em julgado desta decisão, quantia que terá o destino previsto no n.º 3 do art. 829º-A do Código Civil;
- Manter, quanto a tudo o mais decidido, o acórdão impugnado; e,
- Colocar as custas do recurso a cargo de Recorrente e Recorridos, na proporção de ¾ por aquele e ¼ por estes.



Supremo Tribunal de Justiça,

Lisboa, 2 Novembro 2010.

Alves Velho (Relator)
Moreira Camilo
Urbano Dias