Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 1ª SECÇÃO | ||
Relator: | SEBASTIÃO PÓVOAS | ||
Descritores: | DIVÓRCIO DANO NÃO PATRIMONIAL | ||
Nº do Documento: | SJ | ||
Data do Acordão: | 09/08/2009 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | NEGADA REVISTA | ||
Sumário : | 1. A declaração de culpa no divórcio supõe um juízo de censura sobre o casamento no seu todo, devendo os factos, conflitos e disputas ser analisadas no seu todo e inseridos num contexto de vida em comum, que não isoladamente. 2. O cônjuge culpado deve reparar os danos não patrimoniais causados ao outro pela dissolução do casamento, sendo este facto, que não os que originaram a ruptura (factos-fundamento), gerador da obrigação de indemnizar. 3. Na vigência do artigo 1792.º do Código Civil – na redacção do Decreto-Lei n.º 496/77, de 25 de Novembro – os factos ilícitos fundamento de divórcio estavam sujeitos ao regime geral da responsabilidade civil do artigo 483.º do Código Civil, sendo o pedido de indemnização deduzível em acção comum. 4. Assim é agora para todos os danos, de acordo com a redacção daquele preceito dado pela Lei n.º 61/2008, de 31 de Outubro. 5. O cônjuge que pede a indemnização pelo dano moral que lhe causou a dissolução do casamento tem que alegar e provar o dano causado. 6. O mero desgosto pela ruptura da relação conjugal como projecto de vida não traduz particular sofrimento a merecer tutela nos termos do n.º 1 do artigo 496.º do Código Civil. 7. Mesmo que tal inclua uma patologia depressiva, se não demonstrada a sua natureza definitiva com danos que transcendam os resultantes daquele mero desgosto. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça: AA intentou acção de divórcio contra BB, alegando factos que considerou integrarem violação dos deveres de coabitação e de fidelidade e a separação de facto por mais de três anos consecutivos. Pediu, ainda, que lhe fosse atribuído o arrendamento da casa morada de família e a condenação do Réu a pagar-lhe a quantia de 125.000,00 euros, a titulo de indemnização por danos não patrimoniais, acrescida de juros, sendo fixado o dia 24 de Novembro de 2001 como data da cessação da coabitação por culpa exclusiva daquele. O Réu deduziu pedido reconvencional para que o divórcio fosse decretado por separação de facto. A 1.ª Instância julgou a acção parcialmente procedente e procedente a reconvenção decretando o divórcio com igual culpa dos cônjuges e absolvendo o Réu dos outros pedidos. A Autora apelou para a Relação de Évora que, julgando a apelação parcialmente procedente declarou o Réu o único culpado e fixando a data da cessação da coabitação em 24 de Novembro de 2001,mas absolvendo-o do mais. A Autora pede revista só para concluir que: Contra alegou o Réu em defesa do julgado. Ficou definitivamente assente pelas instâncias a seguinte matéria de facto: Foram colhidos os vistos. Conhecendo, Prévias, por curiais, algumas reflexões sobre a reparação daquele dano em caso de divórcio. Por força do disposto no artigo 9.º da Lei n.º 61/2008, de 31 de Outubro, e ponderando a data da propositura da acção, é aplicável a redacção do Decreto-Lei n.º 496/77, de 25 de Novembro do artigo 1792.º do Código Civil, que não a introduzida por aquele diploma de 2008. Certo que se trata de indemnizar os danos não patrimoniais que a ruptura do vínculo conjugal causou, que não os causados pelos factos que constituem directamente o fundamento do divórcio. (cf., v.g., os Acórdãos do STJ de 9 de Setembro de 2008 – 08 A2066 – e de 14 de Novembro de 2006 – 06 A2899 -, onde o ora Relator foi 1.º Adjunto). Este aresto julgou que para efeitos da indemnização dos danos não patrimoniais causados pela dissolução do casamento (artigo 1792.º do Código Civil) apenas é consentido atender aos factos que constituam infracção de direitos ou interesses de ordem espiritual pertencentes à esfera jurídica do cônjuge inocente (sofrimentos ocasionados pelo divórcio – pretium doloris – repercussão do divórcio na consideração social desse cônjuge, prejuízo de afirmação social do mesmo nas vertentes familiar, profissional, afectiva, recreativa, cultural e cívica) e que, embora consequência indirecta dos factos que fundamentam o divórcio, tenham sido causados pela dissolução do vínculo conjugal.” Tratando-se de indemnizar por facto ilícito é necessário demonstrar o dano que a própria dissolução provocou, e não os factos que a ela conduziram, deram causa e o cônjuge não culpado sofreu. (cf., v.g., Prof. A. Varela, in “Direito da Família”, I, 5.ª ed., 523; Profs. Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, in “Curso de Direito da Família”, I, 2.ª ed., 2001, 689 e, “inter alia” os Acórdãos do STJ de 22 de Novembro de 2001 – P.º 3383/01 – 2.ª ; o desta Conferência, de 11 de Julho de 2006 – 06 A2137; mas no sentido de se poderem atender aos factos causa da dissolução, o Acórdão do STJ de 6 de Junho de 2002 – 02B4593, quase isolado). Note-se, porém, que podia fazer-se o “distinguo” entre os danos directamente resultantes da própria dissolução do casamento, então, e como se disse, só estes previstos no artigo 1792.º do Código Civil, e os danos resultantes dos factos que funcionaram como fundamento do divórcio, sujeitos então ao regime geral da responsabilidade extra-contratual do artigo 483.º do Código Civil agora a exigir em acção comum. (neste sentido, e v.g., os Acórdãos do STJ de 2 de Dezembro de 2003 – 03 A3584 e de 7 de Outubro de 2004 – 04B2767). A nova redacção do artigo 1792.º da lei substantiva já consagra este entendimento, deixando para os meios comuns a reparação de todos os danos causados ao “cônjuge lesado” (n.º 1) e mantendo o regime alterado apenas para os casos de divórcio com o fundamento na anterior alínea c) – hoje alínea b) – do artigo 1781.º (n.º 2). De todo o modo, e na lei que nos importa, há que demonstrar a culpa do cônjuge reparador, o que pressupõe um juízo de censura sobre a globalidade da crise matrimonial em termos de, não isoladamente, mas no seu conjunto, se concluir que deu causa ao fracasso do casamento e é um dos pressupostos do dever de indemnizar o cônjuge inocente. O segundo pressuposto é a demonstração do dano cumprindo ao cônjuge inocente alegar e provar factos imputáveis ao culpado e que se traduzam num dano/desgosto/ prejuízo anímico relevante em termos de gerar a obrigação de indemnizar (cf., “inter alia” os Acórdãos deste Supremo Tribunal de 17 de Junho de 2004 – 04B1819 – e de 11 de Julho de 2006 – 06 A2137 – desta Conferência). O dano moral consiste, as mais das vezes, na dor de ver ruir um projecto de vida em comum (“… a dor sofrida pelo cônjuge que verá destruído o casamento, tanto maior quanto mais longa tenha sido a vida em comum e mais forte o sentimento que o prendia ao outro cônjuge” – Prof. Guilherme de Oliveira, apud “Curso de Direito da Família”, I, 2.ª ed., 689/690; ou para o Prof. Pereira Coelho há que atentar “na desconsideração social que, no meio em que vive, o divórcio terá trazido ao divorciado ou à divorciada” – ob. p. cit.). Tudo se traduz na ofensa a um direito de personalidade geradora de danos que, nos termos do n.º 1 do artigo 496.º do Código Civil mereçam a tutela do direito. A respectiva compensação será encontrada equitativamente, de acordo com os artigos 496.º, n.º 3 e 494.º da lei civil, atentos os elementos deste preceito, as regras do senso comum, da justa medida, e de uma visão realista da vida social. 1.2. Chegada agora a altura de dizer que o casamento é um contrato que tem como sinalagma o afecto, sem cuja constituição – afecto profundo, recíproco e autêntico – perde a sua razão de ser. Para avaliar o sucesso do casamento há que historiar toda a vida em comum, fazendo uma avaliação global sobre a crise, sem preocupação com factos isolados tantas vezes reactivos de tensões e conflitos que se vão acumulando. Por isso, e como já disse esta Conferência no citado Acórdão de 11 de Julho de 2006, “é penoso julgar para sancionar, o resultado da ausência incontrolada de afecto (por as mais das vezes se radicar no insondável da área afectiva de cada um) da capacidade de comungar vidas.” Porém, a Relação já atribuiu, com trânsito, a culpa exclusiva ao recorrido. Resta, tão-somente, valorar os danos que se provaram, com a dissolução do casamento. Nesta sede provou-se que a Autora tinha grande ligação afectiva ao Réu com quem perspectivava viver toda a sua vida; o seu “mundo” tinha sido construído e alicerçado na vivência com o Réu e com os filhos; a desagregação do agregado familiar causou-lhe sofrimento; a relação com os sogros, que era íntima, esfriou; sofreu uma depressão, acompanhamento psicológico e terapia anti-depressiva; antes era alegre sendo, agora, melancólica; custa-lhe encontrar e contactar o Réu e sente-se culpada por não ter sido capaz de manter o seu afecto pelo Réu. Estes factos constituem, sem dúvida, sofrimento moral. Mas serão o bastante para conferirem à Autora o direito a indemnização? Vejamos, O n.º 1 do artigo 496.º do Código Civil manda indemnizar os “danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam tutela do direito”, tendo o n.º 3 a determinação do recurso à equidade para apurar o “quantum”, sempre, e como acima se disse tomando em conta “todas as regras da boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida.” (Profs. Pires de Lima e Antunes Varela – “Código Civil Anotado, I, 501). Sabido é que o casamento tem ínsito um projecto de vida em comum e que o seu termo representa o ruir desse projecto (o que causa dor) embora, por vezes, “o divórcio pode ser um alivio, não uma dor” – Acórdão do STJ de 18 de Maio de 2004 – 04B4405). Esse sofrimento é normal em todas as situações de ruptura (“situações psicológicas negativas”, como refere o Acórdão deste STJ de 26 de Abril de 2007 – 07B282) e só por si não merece a tutela do direito. Tanto mais que, na actual sociedade, com diferente visão da dimensão afectiva da vida – o divórcio deixou de ser um “drama” e nem traduz “o descrédito do casamento” ou uma humilhação social, (cf., a propósito, as considerações da exposição de motivos que acompanhava o Projecto de Lei n.º 509/X de 10 de Abril de 2008), mas apenas o fracasso de uma relação específica, em que o afecto acabou e é lícita a busca de outros projectos de vida. O que é inevitável e comumente aceite. Daí que no limite, o único dano eventualmente indemnizável, pudesse ser a patologia depressiva que a recorrente sofreu, e o consequente acompanhamento clínico e terapêutico. Só que não resulta inequivocamente provado que esse quadro depressivo constitua um dano perfeitamente autonomizável do desgosto acima referido, ou antes, nele se integrando como sua consequência normal. E tratando-se ademais, de dano transitório, já que não foi alegada ou provada a sua natureza definitiva, não se vê, que numa perspectiva realista possa constituir um dano moral indemnizável “a se”. Daí que improceda a alegação da Recorrente. Pode concluir-se que: Nos termos expostos, acordam negar a revista. Custas do recurso a cargo da Recorrente. Lisboa, 8 de Setembro de 2009 Sebastião Póvoas (Relator) Moreira Alves Alves Velho |