Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
464/09.7YFLSB
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: SEBASTIÃO PÓVOAS
Descritores: DIVÓRCIO
DANO NÃO PATRIMONIAL
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 09/08/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA REVISTA
Sumário :
1. A declaração de culpa no divórcio supõe um juízo de censura sobre o casamento no seu todo, devendo os factos, conflitos e disputas ser analisadas no seu todo e inseridos num contexto de vida em comum, que não isoladamente.

2. O cônjuge culpado deve reparar os danos não patrimoniais causados ao outro pela dissolução do casamento, sendo este facto, que não os que originaram a ruptura (factos-fundamento), gerador da obrigação de indemnizar.

3. Na vigência do artigo 1792.º do Código Civil – na redacção do Decreto-Lei n.º 496/77, de 25 de Novembro – os factos ilícitos fundamento de divórcio estavam sujeitos ao regime geral da responsabilidade civil do artigo 483.º do Código Civil, sendo o pedido de indemnização deduzível em acção comum.

4. Assim é agora para todos os danos, de acordo com a redacção daquele preceito dado pela Lei n.º 61/2008, de 31 de Outubro.

5. O cônjuge que pede a indemnização pelo dano moral que lhe causou a dissolução do casamento tem que alegar e provar o dano causado.

6. O mero desgosto pela ruptura da relação conjugal como projecto de vida não traduz particular sofrimento a merecer tutela nos termos do n.º 1 do artigo 496.º do Código Civil.

7. Mesmo que tal inclua uma patologia depressiva, se não demonstrada a sua natureza definitiva com danos que transcendam os resultantes daquele mero desgosto.
Decisão Texto Integral:
Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça:

AA intentou acção de divórcio contra BB, alegando factos que considerou integrarem violação dos deveres de coabitação e de fidelidade e a separação de facto por mais de três anos consecutivos.

Pediu, ainda, que lhe fosse atribuído o arrendamento da casa morada de família e a condenação do Réu a pagar-lhe a quantia de 125.000,00 euros, a titulo de indemnização por danos não patrimoniais, acrescida de juros, sendo fixado o dia 24 de Novembro de 2001 como data da cessação da coabitação por culpa exclusiva daquele.

O Réu deduziu pedido reconvencional para que o divórcio fosse decretado por separação de facto.

A 1.ª Instância julgou a acção parcialmente procedente e procedente a reconvenção decretando o divórcio com igual culpa dos cônjuges e absolvendo o Réu dos outros pedidos.

A Autora apelou para a Relação de Évora que, julgando a apelação parcialmente procedente declarou o Réu o único culpado e fixando a data da cessação da coabitação em 24 de Novembro de 2001,mas absolvendo-o do mais.

A Autora pede revista só para concluir que:
- No presente recurso apenas está em causa a apreciação do pedido da recorrente de uma indemnização por danos não patrimoniais decorrentes da dissolução do casamento.
- O recorrido foi declarado único culpado da dissolução do vínculo conjugal.
- Foram dados como provados inúmeros factos que constituem danos causados à recorrente pela dissolução do casamento e não pela violação dos deveres conjugais invocados como causas do divórcio.
- Assim, o recorrido deverá ser condenado a indemnizar a recorrente pelos danos não patrimoniais decorrentes da dissolução do casamento.
- Indemnização essa cujo quantitativo deverá ser fixado com recurso à equidade.
- Face à gravidade desses danos, ao tempo de duração do casamento, à culpa do recorrido e aos demais critérios legais, parece adequado o valor indemnizatório reclamado na petição inicial.
- O douto acórdão recorrido violou, além do mais, os art.°s 483. °, 496.° e 1792. ° do Código Civil, pelo que deverá ser revogada.

Contra alegou o Réu em defesa do julgado.

Ficou definitivamente assente pelas instâncias a seguinte matéria de facto:
1. Autora e réu contraíram casamento católico em 17 de Julho de 1976, na Igreja Matriz da paróquia e freguesia de S. Julião da Figueira da Foz, sem convenção antenupcial.
2. Desse casamento nasceram dois filhos, CC, nascido em 28 de Dezembro de 1977 e DD, nascido em 23 de Novembro de 1983.
3. Logo após o casamento, autora e réu ficaram a morar em Évora, tendo, a partir de 1 de Dezembro de 1991, passado a residir numa casa sita na Q... do M..., Estrada da B... V... (S...), Canaviais, Évora, numa zona conhecida por “q....”, que para o efeito adquiriram a qual constitui a totalidade do prédio misto descrito na Conservatória do Registo Predial de Évora sob o n. 4225 da freguesia da Sé, com a parte rústica, que tem a área de 0,5350 hectares, inscrita na matriz cadastral da mesma freguesia sob o artigo 206 da secção J e com a parte urbana, composta por rés-do-chão e entre forros, tendo o rés-do-chão quatro divisões, uma cozinha, duas casas de banho, um vestíbulo, uma despensa e uma varanda e os entre forros três divisões, com a superfície coberta de 146.02 metros quadrados, inscrito na matriz predial respectiva sob o art. 13546 e que dispõe também uma construção que não consta da descrição predial nem matricial constituída por uma sala ampla, construída numa arquitectura alentejana rústica tradicional, com lume de chão, bancadas em alvenaria com aptidão para cozinha (instalação de águas e esgotos) e uma casa de banho com base de chuveiro.
4. Durante parte dos anos de vida em comum foram construindo um círculo de amigos e familiares comuns com quem partilhavam parte do dia-a-dia, dos tempos livres, festas e férias.
5. Durante parte dos anos de vida em comum compartilhavam de interesses culturais e de visão do mundo, sendo frequente dedicarem os seus tempos livres à ida a concertos, espectáculos ou a conviver com amigos e familiares.
6. Por volta de 1996 começaram a surgir divergências entre o casal.
7. Dessas divergências decorriam discussões com periodicidade e intensidade crescente, que, por sua vez, as agravavam e tornavam progressivamente mais inconciliáveis.
8. A autora chegou a interpelar directamente a secretária do réu dizendo-lhe que o marido a agredia, a desprezava, a votava ao abandono e às dificuldades económicas.
9. As situações descritas originaram a que as pessoas do relacionamento do réu e que com ele necessitavam de estabelecer contacto passaram a coibir-se de o fazer.
10. A A, com efeito, e quando atendia o telefone ou quando assistia às conversações, respondia ou chegava a intrometer-se invectivando-as desabridamente e acusando-as de mancomunações.
11. Em 24 de Novembro de 2001, o réu saiu da referida casa, levando consigo as suas coisas pessoais, declarando que o fazia de forma definitiva e que se queria divorciar da A.
12. Após, o réu passou a manter uma relação amorosa com uma senhora de nome EE.
13. A qual o R. passou a apresentar como sua companheira às pessoas das suas relações.
14. Relação essa que incluía relações sexuais consumadas.
15. E com a qual passou a viver como se fossem marido e mulher a partir de finais de Junho de 2002, primeiro na Praceta ...., n.° ... em Évora e actualmente na Rua ..., n. 3, Nossa Senhora da Tourega, Valverde, Évora, situação que se mantém até hoje, de forma ininterrupta.
16. EE trata-se de pessoa que o réu — tendo-a conhecido ao tempo dos estudos secundários — não via há mais de trinta anos e que tivera um percurso académico e profissional fora de Évora, durante esse período.
17. A A. opôs-se a que o R. saísse de casa, propondo-lhe ao R. que ambos tentassem uma reformulação da vida em comum, ao que aquele não acedeu.
18. A A. tinha grande ligação afectiva ao R. com quem perspectivava viver toda a sua vida.
19. O “mundo” da autora havia também sido construído e alicerçado na vivência com o R. e com os filhos.
20. A separação e a desagregação do agregado familiar causaram sofrimento na autora.
21. A relação com os pais do R. que era muito íntima, esfriou pois, não lhe era fácil para a A. encontrá-los diariamente, sendo sugerido por esta que, durante algum tempo, precisaria de espaço e equilíbrio emocional para refazer a sua vida sozinha.
22. A autora sofreu uma depressão, com acompanhamento psicológico e medicação com anti-depressivos e outros medicamentos.
23. Antes da separação, a A. era uma pessoa alegre e que gostava de viver a vida, estando actualmente muito melancólica.
24. Sente-se culpada por não ter sido capaz de manter a afeição do R, sem que exista justificação para isso.
25. Continuando a ser doloroso para ela quando ocasionalmente encontra o R. ou tem que o contactar por qualquer motivo.
26. A A. é pessoa instruída – é educadora de infância, exercendo a sua actividade no ensino especial, na equipa de coordenação de apoios educativos AC2, projecto de intervenção precoce de Évora.
27. A autora é pessoa educada e dotada de sensibilidade moral.
28. Os A. e R. não mantêm quaisquer contactos amorosos, sociais ou de outro tipo que não sejam os estritamente necessários à resolução dos problemas relativos aos filhos do casal que decorrem da situação de separação.
29. A autora tem como rendimento o ordenado correspondente às suas funções de educadora de infância no valor de € 2549,75 mensais, e respectivo subsídio de refeição.
30. O filho mais velho do casal já é economicamente autónomo, com ocupação profissional, e residência autónoma; o mais novo estuda em Beja, onde habitualmente reside, e nas suas deslocações a Évora reparte as estadias em casa do pai e da mãe.
31. Tem que custear uma parte das despesas de educação, estadia, saúde e vestuário do filho mais novo.
32. Paga a prestação mensal de € 171,59 relativa à prestação do empréstimo bancário contraído para a aquisição do imóvel referido em 10.
33. A A. tem grande ligação afectiva à casa onde habita, a qual foi planeada e construída também de acordo com o seu gosto, é nela que viveu grande parte da sua vida, e nela que se encontram as suas coisas e deseja manter-se nela.
34. A quinta foi adquirida com parte do dinheiro dado pelo pai do réu.
35. O casal não tinha, com efeito, na altura disponibilidades financeiras próprias.
36. O pai do réu contribuiu, igualmente, com dinheiro para a edificação.
37. O réu é pessoa educada.
38. Actualmente, o réu aufere € 1356,01 de remuneração pelas suas funções como Técnico Superior de 2.ª classe, no quadro da Ex-Comissão de Coordenação da Região do Alentejo.
39. Desses 350,00 € vêm sendo entregues à autora por força do compromisso, ratificado judicialmente, a que chegaram.
40. O réu rescindiu, em Abril de 2007, o contrato administrativo de provimento que o ligava à Universidade.
41.O réu tem os encargos e despesas de vida habituais.

Foram colhidos os vistos.

Conhecendo,
1- Divórcio – Dano não patrimonial
2- Dano moral da Autora
3- Conclusões
1- Divórcio – Dano não patrimonial
1.1. Decretado, que foi, o divórcio com única culpa do Réu, ora recorrido, e não tendo o Acórdão, nessa parte, sido impugnado, o âmbito do recurso fica limitado ao pedido de indemnização pelo dano não patrimonial formulado pela Autora, e no qual decaíra no aresto em crise.

Prévias, por curiais, algumas reflexões sobre a reparação daquele dano em caso de divórcio.

Por força do disposto no artigo 9.º da Lei n.º 61/2008, de 31 de Outubro, e ponderando a data da propositura da acção, é aplicável a redacção do Decreto-Lei n.º 496/77, de 25 de Novembro do artigo 1792.º do Código Civil, que não a introduzida por aquele diploma de 2008.
1.2. Dispõe o n.º 1 do artigo 1792.º do Código Civil que “o cônjuge declarado único ou principal culpado (…) deve reparar os danos não patrimoniais causados ao outro cônjuge pela dissolução do casamento.”

Certo que se trata de indemnizar os danos não patrimoniais que a ruptura do vínculo conjugal causou, que não os causados pelos factos que constituem directamente o fundamento do divórcio. (cf., v.g., os Acórdãos do STJ de 9 de Setembro de 2008 – 08 A2066 – e de 14 de Novembro de 2006 – 06 A2899 -, onde o ora Relator foi 1.º Adjunto).

Este aresto julgou que para efeitos da indemnização dos danos não patrimoniais causados pela dissolução do casamento (artigo 1792.º do Código Civil) apenas é consentido atender aos factos que constituam infracção de direitos ou interesses de ordem espiritual pertencentes à esfera jurídica do cônjuge inocente (sofrimentos ocasionados pelo divórcio – pretium doloris – repercussão do divórcio na consideração social desse cônjuge, prejuízo de afirmação social do mesmo nas vertentes familiar, profissional, afectiva, recreativa, cultural e cívica) e que, embora consequência indirecta dos factos que fundamentam o divórcio, tenham sido causados pela dissolução do vínculo conjugal.”

Tratando-se de indemnizar por facto ilícito é necessário demonstrar o dano que a própria dissolução provocou, e não os factos que a ela conduziram, deram causa e o cônjuge não culpado sofreu. (cf., v.g., Prof. A. Varela, in “Direito da Família”, I, 5.ª ed., 523; Profs. Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, in “Curso de Direito da Família”, I, 2.ª ed., 2001, 689 e, “inter alia” os Acórdãos do STJ de 22 de Novembro de 2001 – P.º 3383/01 – 2.ª ; o desta Conferência, de 11 de Julho de 2006 – 06 A2137; mas no sentido de se poderem atender aos factos causa da dissolução, o Acórdão do STJ de 6 de Junho de 2002 – 02B4593, quase isolado).

Note-se, porém, que podia fazer-se o “distinguo” entre os danos directamente resultantes da própria dissolução do casamento, então, e como se disse, só estes previstos no artigo 1792.º do Código Civil, e os danos resultantes dos factos que funcionaram como fundamento do divórcio, sujeitos então ao regime geral da responsabilidade extra-contratual do artigo 483.º do Código Civil agora a exigir em acção comum. (neste sentido, e v.g., os Acórdãos do STJ de 2 de Dezembro de 2003 – 03 A3584 e de 7 de Outubro de 2004 – 04B2767).

A nova redacção do artigo 1792.º da lei substantiva já consagra este entendimento, deixando para os meios comuns a reparação de todos os danos causados ao “cônjuge lesado” (n.º 1) e mantendo o regime alterado apenas para os casos de divórcio com o fundamento na anterior alínea c) – hoje alínea b) – do artigo 1781.º (n.º 2).

De todo o modo, e na lei que nos importa, há que demonstrar a culpa do cônjuge reparador, o que pressupõe um juízo de censura sobre a globalidade da crise matrimonial em termos de, não isoladamente, mas no seu conjunto, se concluir que deu causa ao fracasso do casamento e é um dos pressupostos do dever de indemnizar o cônjuge inocente.

O segundo pressuposto é a demonstração do dano cumprindo ao cônjuge inocente alegar e provar factos imputáveis ao culpado e que se traduzam num dano/desgosto/ prejuízo anímico relevante em termos de gerar a obrigação de indemnizar (cf., “inter alia” os Acórdãos deste Supremo Tribunal de 17 de Junho de 2004 – 04B1819 – e de 11 de Julho de 2006 – 06 A2137 – desta Conferência).

O dano moral consiste, as mais das vezes, na dor de ver ruir um projecto de vida em comum (“… a dor sofrida pelo cônjuge que verá destruído o casamento, tanto maior quanto mais longa tenha sido a vida em comum e mais forte o sentimento que o prendia ao outro cônjuge” – Prof. Guilherme de Oliveira, apud “Curso de Direito da Família”, I, 2.ª ed., 689/690; ou para o Prof. Pereira Coelho há que atentar “na desconsideração social que, no meio em que vive, o divórcio terá trazido ao divorciado ou à divorciada” – ob. p. cit.).

Tudo se traduz na ofensa a um direito de personalidade geradora de danos que, nos termos do n.º 1 do artigo 496.º do Código Civil mereçam a tutela do direito.

A respectiva compensação será encontrada equitativamente, de acordo com os artigos 496.º, n.º 3 e 494.º da lei civil, atentos os elementos deste preceito, as regras do senso comum, da justa medida, e de uma visão realista da vida social.

1.2. Chegada agora a altura de dizer que o casamento é um contrato que tem como sinalagma o afecto, sem cuja constituição – afecto profundo, recíproco e autêntico – perde a sua razão de ser.

Para avaliar o sucesso do casamento há que historiar toda a vida em comum, fazendo uma avaliação global sobre a crise, sem preocupação com factos isolados tantas vezes reactivos de tensões e conflitos que se vão acumulando.

Por isso, e como já disse esta Conferência no citado Acórdão de 11 de Julho de 2006, “é penoso julgar para sancionar, o resultado da ausência incontrolada de afecto (por as mais das vezes se radicar no insondável da área afectiva de cada um) da capacidade de comungar vidas.”

Porém, a Relação já atribuiu, com trânsito, a culpa exclusiva ao recorrido.

Resta, tão-somente, valorar os danos que se provaram, com a dissolução do casamento.
2- Dano moral da Autora

Nesta sede provou-se que a Autora tinha grande ligação afectiva ao Réu com quem perspectivava viver toda a sua vida; o seu “mundo” tinha sido construído e alicerçado na vivência com o Réu e com os filhos; a desagregação do agregado familiar causou-lhe sofrimento; a relação com os sogros, que era íntima, esfriou; sofreu uma depressão, acompanhamento psicológico e terapia anti-depressiva; antes era alegre sendo, agora, melancólica; custa-lhe encontrar e contactar o Réu e sente-se culpada por não ter sido capaz de manter o seu afecto pelo Réu.

Estes factos constituem, sem dúvida, sofrimento moral.

Mas serão o bastante para conferirem à Autora o direito a indemnização?

Vejamos,

O n.º 1 do artigo 496.º do Código Civil manda indemnizar os “danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam tutela do direito”, tendo o n.º 3 a determinação do recurso à equidade para apurar o “quantum”, sempre, e como acima se disse tomando em conta “todas as regras da boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida.” (Profs. Pires de Lima e Antunes Varela – “Código Civil Anotado, I, 501).

Sabido é que o casamento tem ínsito um projecto de vida em comum e que o seu termo representa o ruir desse projecto (o que causa dor) embora, por vezes, “o divórcio pode ser um alivio, não uma dor” – Acórdão do STJ de 18 de Maio de 2004 – 04B4405).

Esse sofrimento é normal em todas as situações de ruptura (“situações psicológicas negativas”, como refere o Acórdão deste STJ de 26 de Abril de 2007 – 07B282) e só por si não merece a tutela do direito.

Tanto mais que, na actual sociedade, com diferente visão da dimensão afectiva da vida – o divórcio deixou de ser um “drama” e nem traduz “o descrédito do casamento” ou uma humilhação social, (cf., a propósito, as considerações da exposição de motivos que acompanhava o Projecto de Lei n.º 509/X de 10 de Abril de 2008), mas apenas o fracasso de uma relação específica, em que o afecto acabou e é lícita a busca de outros projectos de vida.

O que é inevitável e comumente aceite.

Daí que no limite, o único dano eventualmente indemnizável, pudesse ser a patologia depressiva que a recorrente sofreu, e o consequente acompanhamento clínico e terapêutico.

Só que não resulta inequivocamente provado que esse quadro depressivo constitua um dano perfeitamente autonomizável do desgosto acima referido, ou antes, nele se integrando como sua consequência normal. E tratando-se ademais, de dano transitório, já que não foi alegada ou provada a sua natureza definitiva, não se vê, que numa perspectiva realista possa constituir um dano moral indemnizável “a se”.

Daí que improceda a alegação da Recorrente.
3- Conclusões

Pode concluir-se que:
a) A declaração de culpa no divórcio supõe um juízo de censura sobre o casamento no seu todo, devendo os factos, conflitos e disputas ser analisadas no seu todo e inseridos num contexto de vida em comum, que não isoladamente.
b) O cônjuge culpado deve reparar os danos não patrimoniais causados ao outro pela dissolução do casamento, sendo este facto, que não os que originaram a ruptura (factos-fundamento) gerador da obrigação de indemnizar.
c) Na vigência do artigo 1792.º do Código Civil – na redacção do Decreto-Lei n.º 496/77, de 25 de Novembro – os factos ilícitos fundamento de divórcio estavam sujeitos ao regime geral da responsabilidade civil do artigo 483.º do Código Civil, sendo o pedido de indemnização deduzível em acção comum.
d) Assim é agora para todos os danos, de acordo com a redacção daquele preceito dado pela Lei n.º 61/2008, de 31 de Outubro.
e) O cônjuge que pede a indemnização pelo dano moral que lhe causou a dissolução do casamento tem que alegar e provar o dano causado.
f) O mero desgosto pela ruptura da relação conjugal como projecto de vida não traduz particular sofrimento a merecer tutela nos termos do n.º 1 do artigo 496.º do Código Civil.
g) Mesmo que tal inclua uma patologia depressiva, se não demonstrada a sua natureza definitiva com danos que transcendam os resultantes daquele mero desgosto.

Nos termos expostos, acordam negar a revista.

Custas do recurso a cargo da Recorrente.

Lisboa, 8 de Setembro de 2009

Sebastião Póvoas (Relator)

Moreira Alves

Alves Velho