Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
05A2167
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: FERNANDES MAGALHÃES
Descritores: DANOS MORAIS
DANOS FUTUROS
CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO
INCAPACIDADE PERMANENTE
Nº do Documento: SJ200510040021676
Data do Acordão: 10/04/2005
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL GUIMARÃES
Processo no Tribunal Recurso: 2282/04
Data: 04/06/2005
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA.
Sumário : 1 - O dano biológico traduz-se na diminuição somático-psiquico do indivíduo, com natural repercussão na vida de quem o sofre.
2 - A determinação dos danos patrimoniais futuros causados por incapacidade permanente envolve sempre uma profecia e tanto maior quanto menor é a idade do lesado.
3 - Mesmo os critérios de capitalização dependem de factores aleatórios e utilizam coeficientes matemáticos que não garantem cálculos indemnizatórios precisos e se revelam inadequados tantas vezes ao caso concreto.
4 - Por isso se afirma progressivamente no cálculo dos ditos danos a preferência pela avaliação equitativa, no sentido de se encontrar no caso concreto a solução mais justa (art.º 566º n.º 3 C. Civil).
5 - A equidade é pois a justiça do caso concreto, flexível, humano, independente de critérios normativos fixados na lei, devendo o julgador ter em conta as regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e da criteriosa ponderação das realidades da vida.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:


"A" propôs acção declarativa contra B - Companhia de Seguros, S.A. na qual esta foi condenada por sentença a pagar-lhe, além do mais, "a indemnização por danos não patrimoniais e patrimoniais referentes à depressão da autora Glória, bem como do respectivo acompanhamento médico, o montante que vier a liquidar-se em execução de sentença".
Posteriormente propôs a presente execução para liquidar tais danos que reputou na quantia total de € 49.620 (danos patrimoniais € 37.000, não patrimoniais € 11.470 e despesas com acompanhamento médico € 1.150) com juros legais desde a citação até integral pagamento.
A executada, citada, contestou recusando o direito da exequente à indemnização por danos patrimoniais e reputando exagerada a indemnização por danos não patrimoniais.
O processo prosseguiu seus termos tendo, após audiência de julgamento, sido proferida sentença a liquidar os ditos danos na quantia total de € 47.374,46 (danos patrimoniais 37.000 €, não patrimoniais 10.000 € e despesas com acompanhamento médico 374,46 €).
Inconformada com tal decisão dela interpôs a executada recurso de apelação concluindo nas suas alegações que a pedida liquidação não devia ser superior a € 5.000.
O Tribunal da Relação decidiu manter os valores dos danos não patrimoniais e das despesas com o acompanhamento médico, fixados na sentença da 1ª instância, alterando, contudo, esta "quanto à incapacidade permanente geral que se reduz para a quantia de € 18.750.
Recorre agora de revista a exequente formulando nas suas alegações as seguintes conclusões:
«A. - A IPP com que ficou afectada é de 10%.
B. - A IPP (incapacidade permanente parcial) de que a exequente ficou a padecer afecta-a no exercício da sua profissão de funcionária judicial
C. - Não ficou provado em que medida, já que não é garantido que a capacidade profissional da exequente tenha sido atingida na mesma medida (10%).
D. - A incapacidade permanente profissional pode não ser igual à incapacidade permanente geral (parcial) de 10%.
E. - Pode ser inferior como pode até ser superior (a exequente continua a padecer de esquecimentos, dificuldades de concentração, ansiedade e cefaleias, que a limitarão de forma não despicienda no exercício da sua actividade profissional).
F. - Com o recurso à equidade, desde logo porque a I.P.P. com repercussão da actividade profissional da Autora tanto pode ser maior como menor, sempre a decisão deveria concluir que razoável é aceitar que a medida de 10% na capacidade geral poderá repercutir-se em igual medida na capacidade profissional.
G. - A ser assim nunca a indemnização a arbitrar à exequente deverá ser inferior à que foi fixada em V instância, ou seja, em 37.000,00 Euros.
H. - O Acórdão recorrido violou o disposto nos art°s 483°, 495°, 503° do Código Civil e art° 659° do CPC.
TERMOS EM QUE,
Deve revogar-se o Acórdão de 2ª Instância, concedendo-se provimento ao presente recurso, arbitrando-se à exequente/recorrente a indemnização pelos danos patrimoniais por ela sofridos, no valor de 37.000,00 Euros, como foi decidido em 1ª instância.»

Corridos os vistos, cumpre decidir.
É a seguinte a matéria de facto considerada provada no acórdão recorrido:
«A matéria de facto dada como provada na 1ª instância é a seguinte:
1. Nos autos principais de acção declarativa com processo sumário que correram termos neste tribunal sob o n°140/99 foi proferida sentença que decidiu condenar a executada: a pagar a indemnização de 5.691,28 € acrescida de juros de mora a calcular à taxa legal supletiva desde a citação até integral pagamento; a pagar a indemnização por danos não patrimoniais e patrimoniais a liquidar em posterior execução de sentença, referentes à depressão de que a exequente sofre, bem como ao respectivo acompanhamento médico;
2. Esta sentença foi parcialmente alterada pelo Ac. da Relação do Porto proferido naqueles autos, já transitado em julgado, o qual decidiu condenar a executada a pagar a indemnização de 11.427,46 € acrescida de juros de mora a calcular à taxa legal supletiva desde a citação até integral pagamento e manter na parte restante a sentença proferida;
3. Como consequência directa e necessária do acidente em causa naqueles autos a exequente ficou a padecer de uma Incapacidade Parcial Permanente de 10%;
4. A exequente exerce a profissão de funcionária judicial, auferindo o salário mensal líquido de 1.190,00 €;
5. A exequente nasceu no dia 15 de Agosto de 1961;
6. Após ter intentado a acção dos autos principais a exequente despendeu em despesas médicas e em deslocações para os tratamentos a quantia de 374,46 €;
7. A exequente continua a apresentar as seguintes sequelas: mantém-se chorosa; não consegue esquecer o acidente; tem pesadelos relacionados com o acidente; continua a ser seguida por um psiquiatra e a ser medicada especialidade; continua com dificuldades na interacção social pelo estado de depressão que se instalou após o acidente; continua a sofrer de depressão grave; continua a mostrar desinteresse pela vida;
8. A exequente continua a padecer de esquecimentos, dificuldades de concentração, ansiedade e cefaleias;
9. A exequente continua a padecer de um quadro psicopatológico compatível com síndrome subjectivo dos traumatizados do crânio e síndrome pós traumático;
10. A incapacidade parcial permanente de que a exequente ficou a padecer afecta-a no convívio com os familiares e com pessoas amigas e no exercício da sua profissão de funcionária judicial.»

Feita esta enumeração, e delimitado como está o objecto do recurso pelas conclusões das alegações da recorrente começaremos por dizer que a questão fulcral e única a decidir é a fixação do montante da liquidação do dano patrimonial em causa.
Entendeu a 1ª instância liquidar em € 37.000, tendo o Tribunal da Relação entendido ser de € 18.750.
Como é sabido a questão posta leva-nos à consideração do direito à integridade corpórea (física e psíquica) que tem tutela constitucional (art.º 25º CRP), sendo fora de dúvida que a exequente A. sofreu dano muito grave na sua saúde, que tem de ser juridicamente protegido e devidamente quantificado.
E a incapacidade de que a exequente passou a sofre representa um dano corporal com extensa e séria repercussão na sua actividade profissional de funcionária judicial.
Essa incapacidade permanente profissional implica necessariamente um dano patrimonial futuro na medida em que a obriga a fazer um adicional esforço para manter o mesmo rendimento, que lhe é naturalmente exigido.
A exequente nasceu em 15/8/61, e foi vítima de um acidente que ocorreu em 5/10/96, ficando traçado com as suas consequências um difícil caminho para uma mulher ainda jovem.
E mais clarificada fica também a via para se chegar quanto ao aspecto ora em causa a uma justa avaliação do dano patrimonial futuro.
Preceitua-se no art.º 566º n.º 3 do C. Civil que se não se poder avaliar o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados.
Ora, como se sabe a determinação dos danos patrimoniais futuros causados por incapacidade permanente envolve sempre uma profecia e tanto maior, quanto menor é a idade do lesado. Mesmo os critérios de capitalização dependem de factores aleatórios e utilizam coeficientes matemáticos que não garantem cálculos indemnizatórios precisos e se revelam inadequados tantas vezes ao caso concreto e, noutras vezes, dando resultados substancialmente afins dos da avaliação equitativa. Por isso se afirma progressivamente a preferência pela avaliação equitativa.
E o apelo a critérios de equidade tem em vista o encontrar no caso concreto a solução mais justa, reconhecendo-se deste modo que o julgador tenha ao seu alcance, para além do mais, juízos equitativos que o conduzam a uma bem ponderada avaliação do caso concreto (art.º 566º n.º 3 C. Civil).
E isto conduz-nos à conclusão de que, efectivamente, a justa indemnização a atribuir nesta parte à exequente é a que lhe foi atribuído pela decisão da 1ª instância no montante de € 37.000 e não a que consta do acórdão recorrido do Tribunal da Relação no montante de € 18.750.
Repare-se que (como apesar de tudo se não deixa de salientar no acórdão recorrido) a exequente ficou a padecer de um quadro psicopatológico grave, melhor relatado pelo exame realizado no Gabinete Médico Legal de Viana do Castelo em 16/6/2003 que diagnosticou como sequelas "Humor depressivo, ansiedade e perturbações do sono, com dificuldade na vida de relação, sintomas enquadráveis num síndrome de stress pós-traumático" e com a consideração de que "o estado actual do examinado faz prever actos médicos futuros relevantes, designadamente, tratamentos específicos por psiquiatria.
Sofreu a exequente um dano biológico que se traduz na diminuição somático-psíquica do indivíduo, com a extensão acabada de traçar e que nos leva a fixar uma liquidação num significativo montante.
Como se diz no Ac. deste Supremo Tribunal de Justiça de 10/2/98, CJSTJ, I, 67, a equidade é a justiça do caso concreto, flexível, humana, independente de critérios normativos fixados na lei, devendo o julgador ter em conta as regras da boa prudência, do bom sendo prático, da justa medida das coisas e da criteriosa ponderação das realidades da vida ...
Procedem, assim, as conclusões das alegações da recorrente.

Decisão:

1 - Concede-se a revista, e revoga-se o acórdão recorrido na parte que constitui objecto deste recurso, mantendo-se o decidido a tal respeito pela sentença da 1ª instância.
2- Condena-se a recorrida nas custas.

Lisboa, 4 de Outubro de 2005
Fernandes Magalhães,
Azevedo Ramos,
Silva Salazar.