Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
07A4251
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: MOREIRA ALVES
Descritores: EXECUÇÃO PARA PAGAMENTO DE QUANTIA CERTA
LIVRANÇA EM BRANCO
OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
CONTRATO DE MÚTUO
CONTRATO DE CRÉDITO AO CONSUMO
CLÁUSULA CONTRATUAL GERAL
DEVER DE COMUNICAÇÃO
AVALISTA
PREENCHIMENTO ABUSIVO
RELAÇÕES IMEDIATAS
Nº do Documento: SJ20080304042511
Data do Acordão: 03/04/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA
Sumário :
I - Tendo o oponente assinado o contrato de mútuo, embora exclusivamente na qualidade de avalista de uma livrança subscrita pelos mutuários e entregue à mutuante nos termos contratuais, significa isto que, no caso concreto, existe claramente entre a exequente (credora cambiária) e a oponente (avalista), uma relação causal, subjacente ao aval, por via da qual se estipulou determinado pacto de preenchimento para a livrança em branco subscrita pelos mutuários e avalizada pela oponente.
II - Quer dizer, no caso, estamos no domínio de relações imediatas, mesmo em relação à oponente avalista, pelo que lhe era lícito chamar à colação o não cumprimento do dever de comunicação das cláusulas contratuais gerais integradas no contrato de mútuo, pelo menos daquelas relacionadas com o não cumprimento e com o preenchimento da livrança avalizada.
III - Pela mesma ordem de razão, podia, no caso concreto, a oponente opor ao credor cambiário a excepção de preenchimento abusivo da livrança.
IV - Porém, como parece evidente, o que não podia a oponente era prevalecer-se das duas excepções simultaneamente, isto é, invocar a nulidade das cláusulas gerais, designadamente da cláusula 8.ª e o preenchimento abusivo da livrança.
V - Invocando a oponente a nulidade das cláusulas gerais, como invocou e sendo procedente, como é, tal arguição, fica a recorrente impossibilitada de prevalecer-se da excepção do preenchimento abusivo da livrança exequenda, também arguida.
VI - Consequentemente, mantém-se, a obrigação cambiária resultante do aval, respondendo a avalista/recorrente nos mesmos termos que a pessoa por ela afiançada (a nulidade das cláusulas gerais não gera a nulidade do aval - arts. 32.º e 77.º da LU).
Decisão Texto Integral:

Relatório
No Tribunal Cível da Comarca do Porto, por apenso à execução para julgamento de quantia certa que
AA Instituição Financeira de Crédito S.A.
move contra
- BB,
- CC,
- DD e
- EE, veio a executada
EE
deduzir oposição à execução, alegando, no aqui interessa considerar:
- A oponente assinou, na qualidade de avalista, o contrato de mútuo nº 00000, documentado nos autos;
- Contrato esse a que está subjacente a emissão e subscrição da livrança dada à execução, que a oponente assinou, na referida qualidade de avalista dos subscritores (os dois primeiros executados/mutuários);
- O mútuo concedido pela exequente aos 2 primeiros executados foi de 3.500.000$00 e ficou sujeito à T.A.E.G. de 1,78% anual, daí que o valor global em dívida corresponda ao capital – 3.500.000$00 – e aos juros contados à mencionada T.A.E.G – 311.500$00 – o que soma a importância de 18.487.83€;
- Os mutuários pagaram já à exequente a quantia global de 9.013.74€, valor que não foi levado em consideração no cálculo da importância a apor na livrança.
- Assim, se ao valor total em dívida – os referidos 18.487.53€ - se descontar a quantia já paga pelos mutuários – 9.013.74€ -, verifica-se que apenas estão em dívida 9.997.94€.
-Será pois, essa a quantia que devia constar da livrança, por ser o valor real do débito;
- Mas, por outro lado, o contrato de financiamento é nulo, porquanto a executada assinou em branco a livrança exequenda e nada lhe foi comunicado quanto a garantias ou títulos de crédito.
Não foi informada do conteúdo do contrato que firmou, não lhe foram comunicadas as suas cláusulas, pelo que não tomou conhecimento do que assinou;
— A oponente desconhecia totalmente que subscreveu um título de crédito e qual o seu significado e alcance.
Assim, nos termos do D.L. 446/85, as cláusulas do contrato consideram-se excluídos pelo que tal contrato não obriga o oponente, nem lhe pode ser oposta a livrança exequenda.
Contestou a exequente.
Elaborou-se despacho saneador, fixaram-se os factos assentes e organizou-se a base instrutória.
Realizado o julgamento e lida a decisão sobre a matéria de facto, proferiu-se sentença final que julgou improcedente a oposição, ordenando, consequentemente o prosseguimento da execução contra a oponente.
Inconformada recorreu a oponente, com êxito, pois a Relação., apreciando a apelação, deu-lhe provimento, julgando procedente a oposição e em consequência, extinta a execução em relação à oponente.
Recorre agora a exequente, de revista, para este S.T.J..
Conclusões
Apresentadas tempestivas alegações, formulou a recorrente as seguintes conclusões:
I - Vem o presente recurso interposto da decisão do Tribunal da Relação a quo que julgou totalmente procedente a apelação e em consequência revogou a sentença recorrida que substitui por outra a julgar procedente a oposição e a ordenar a extinção da execução relativamente à apelante por considerar, em síntese, que a apelada não logrou fazer o ónus da prova, que lhe impendia, da comunicação adequada e efectiva à apelante, das c1áusulas contratuais gerais do contrato de mútuo em causa, tendo como consequência ter de se considerar excluída do contrato de crédito ao consumo em causa a cláusula geral (8ª), ao abrigo da qual a exequente procedeu ao preenchimento da livrança.

II - Entre a Instituição Financeira aqui ora recorrente e os executados BB e CC foi celebrado um contrato de crédito ao consumo formalizado no documento incorporado nos autos a fls. 25;

III - Corporizado em documento próprio da recorrente figuram no seu rosto dizeres segundo os quais é celebrado um contrato de mútuo, com espaços, preenchidos destinados à identificação dos mutuários, caracterização da operação - montante do mútuo número de prestações, valor de cada prestação, total do financiamento e encargos, taxa anual de encargos global, montante de encargos administrativos e fiscais, data de vencimento da 1ª prestação, fornecedor do bem, tipo de bem e preço do bem.

IV - Sob a epígrafe DECLARAÇÃO DO(S) AVALl5TA(S) constam os seguintes dizeres "declaro(amos) ser avalista(s) do(s) mutuário(s) deste empréstimo e ter(mos) sido informado(s) por este(s) do montante da divida a contrair, bem como das condições gerais constantes do verso deste contrato de mútuo que declaro(amos) conhecer e aceitar, avalizando para o efeito, a livrança de caução em branco anexa ao contrato".

V - Após esta declaração a executada / avalista EE apôs a sua assinatura.

VI - Todo o verso do contrato de mútuo é preenchido por diversas cláusulas impressas, designadas por Condições Gerais, constando entre elas a cláusula 8ª com o seguinte teor: " o mutuário(s) obriga-se a entregar à AA a título de garantia uma livrança não integralmente preenchida, mas, devidamente subscrita pelo mutuário(s) e assinada pelo(s) avalista (s), que poderá ser livremente preenchida, pela AA, designadamente no que se refere à data de vencimento e local de pagamento, pelo valor
correspondente aos créditos de que em cada momento, a AA seja titular por força do presente contrato ou de encargos dele decorrentes. A AA poderá também descontar essa livrança e utilizar o seu produto para cobrança dos seus créditos.

VII - Estas condições gerais são cláusulas previamente elaboradas e destinam-se a ser subscritas por qualquer pessoa que contrate com a Instituição Financeira aqui recorrente.

VIII - O contrato em questão é integrado, em parte, por cláusulas contratuais gerais, e por isso há que ter em consideração o regime emergente do DL 446/85, de 25 de Outubro, com as alterações introduzidas pelos DL 220/95, de 31 de Agosto e 249/99, de 7 de Julho.

IX - Segundo os arts. 5° e 6° do DL 446/85 de 25 de Outubro, as cláusulas contratuais gerais devem ser integralmente comunicadas aos aderentes que se limitem a subscrevê-las ou a aceitá-las, recaindo sobre o proponente o ónus da prova da comunicação adequada e efectiva e informá-los dos aspectos neles compreendidos. Tendo-se por excluídas do contrato as cláusulas que não tenham sido adequadamente comunicadas aos aderentes, segundo o art. 8°.

X - Esta mesma comunicação e informação deve ser observada relativamente a um terceiro que garanta o cumprimento da obrigação a cargo do contraente principal, a fim de também fique totalmente inteirado do conteúdo do conteúdo do contrato que vai garantir.
XI - Na situação em apreço, recaía sobre a aqui agora recorrente o ónus da prova de que fez à executada / avalista a adequada e efectiva comunicação do teor das cláusulas gerais constantes do contrato em apreciação.

XII - Conforme resulta do douto acórdão, a recorrente não logrou, porém, demonstrar que tenha cumprido o dever de comunicação decorrente do contrato de crédito subjacente ao preenchimento da livrança dada á execução, como se depreende da resposta negativa aos pontos nºs 4° e 5° da base instrutória.

XIII - É entendimento da aqui recorrente, que o referido dever de comunicação e informação do teor das cláusulas gerais constantes do contrato em apreciação não deve ser observado relativamente a um terceiro que garanta o cumprimento da obrigação a cargo do contraente principal, nomeadamente de um avalista de uma livrança caução, como é o caso dos autos.

XIV - A executada EE não era parte do contrato de mútuo dos autos, simplesmente assumiu a qualidade de avalista na livrança caução.

XV - Limitou-se a apor aí a sua assinatura, declarando ser avalista do mutuário e ter sido informada por este do montante da dívida a contrair, bem como das condições gerais constantes do verso do contrato, avalizando para o efeito a livrança de caução. Limitou-se a declarar ser avalista, sem, ser parte no contrato de mútuo.

XVI - Não sendo a avalista sujeito da relação subjacente à subscrição da livrança, não pode (com excepção do pagamento) deduzir defesa ou oposição á execução com base na relação extra-cartular a que é alheia, porquanto, com o aval, assumiu, uma obrigação independente e autónoma, livre de excepções que se formaram eventualmente na operação garantida.
XVII - Nunca poderia a avalista opor à exequente a já referida ausência do dever de comunicação e informação do teor das cláusulas gerais constantes do contrato dos autos.

XVIII - Se porventura, vingasse a tese da obrigação do dever de comunicação e informação a um terceiro garante da operação de crédito, a consequência da não observância deste ónus seria ter-se por excluída do contrato as cláusulas que não foram previamente comunicadas aos aderentes, neste caso, não poderia ser considerada, desde logo, o teor da aludida cláusula 8ª do contrato de mútuo, ao abrigo do qual a recorrente procedeu ao preenchimento da livrança.

XIX - Em seu lugar. e contrariamente ao douto acórdão recorrido, de acorde com o estipulado no art.º 9° do DL nº 446/85 de 25 de Outubro, aplicar-se-ia o regime legal supletivo, ou seja, manter-se-ia o negócio mas sem a parte viciada.

XX - O regime proteccionista emergente do DL 446/85 de 25 de Outubro apenas contempla as cláusulas contratuais gerais.

XXI - Quanto às cláusulas particulares inseridas no contrato de mútuo dos autos regem as pertinentes normas gerais de direito substantivo.

XXII - In casu, no rosto do contrato encontram-se inseridas as concretas condições em que aquele foi celebrado, designadamente a identificação dos mutuários, montante do crédito, taxa de juro, número de prestações, montante da prestação e dia de vencimento.

XXIII - Foi seguidamente à referenciação destas condições particulares do contrato que a avalista apôs a sua assinatura, igualmente no rosto do contrato, precedendo de dizeres "declaro ser avalista dos mutuários deste empréstimo e ter sido informada por estes do montante da dívida a contrair, bem como das Condições Gerais constantes do verso deste Contrato de Mútuo que declaro conhecer e aceitar, avalizando para o efeito a livrança de caução em branco anexa ao contrato”.

XXIV - Mediante esta declaração a avalista manifestou expressamente a vontade de garantir a satisfação daquele concreto empréstimo, empréstimo de que tinha conhecimento, de quem eram os mutuários, o seu montante, encargos incluídos, plano de amortização e data de vencimento das prestações.

XXV - Ao expressar por escrito que avalizou o empréstimo referido, mais não está do que a assumir uma obrigação pessoal perante a credora, garantindo a satisfação do seu crédito.

XXVI - Apresentando-se esta declaração de fiança como válida perante os elementos identificadores do empréstimo vertido no contrato de mútuo.

XXVII - Foi este mesmo empréstimo que declarou garantir, corporizando essa garantia na assinatura de uma livrança.

XXVIII - O aval, enquanto negócio unilateral concebido como promessa de garantir ou caucionar o pagamento do devedor por quem é dado, basta-se com a assinatura do dador a preceder a fórmula que o exprima.
XXIX - O mutuário procedeu ao pagamento de diversas prestações acordadas, apesar de todas elas já se terem vencido. Por isso, assistia ao credor, aqui recorrente, o direito de exigir o pagamento integral do seu crédito, não apenas o capital mutuado, como ainda os juros e outras despesas.

XXX - Não tendo sido paga esta dívida, a recorrente procedeu ao preenchimento da livrança caução em branco que a executada avalizara.

XXXI - O preenchimento da livrança em branco deve fazer-se de acordo com o chamado contrato de preenchimento. O preenchimento tem de respeitar o acordo prévio estabelecido entre as partes, sob pena de ocorrer preenchimento abusivo se o tomador desrespeitar esse acordo. Este contrato tanto pode ser celebrado por escrito, como verbalmente ou resultar tacitamente da emissão do título.

XXXII - Uma vez preenchida, a livrança torna-se perfeita, derivando o direito da exequente do próprio título. Este título prova o direito invocado na execução pela exequente.

XXXIII - A inobservância do acordo de preenchimento tem de haver-se com o facto impeditivo do direito invocado pelo exequente, pelo que incumbia à avalista, aquela a quem o pagamento é exigido, a respectiva alegação e prova.

XXXIV - In casu não está afastada a existência de um pacto de preenchimento celebrado entre a avalista e a recorrente.

XXXV - Ressalta com meridiana clareza dos termos em que assumiu a garantia do pagamento do empréstimo e das condições em que assinou a livrança em branco que estava a permitir ao banco o preenchimento deste título, dele fazendo constar as importâncias que não tivessem sido pagas pelos mutuários.

XXXVI - Conhecendo a avalista, o montante de empréstimo, condições pormenorizadas do plano de pagamento e avalizando a livrança para garantir este concreto empréstimo, é possível vislumbrar subjacente a esta factualidade um acordo / aceitação com vista ao preenchimento da livrança avalizada.

XXXVII - Ficou provado, em sede de audiência de julgamento, por testemunhas da própria avalista, que a mesma não desconhecia as condições pormenorizadas de toda a operação de crédito, aliás também ficou provado que a mesma deslocou-se por diversas vezes às instalações da recorrente com a finalidade de solucionar a dívida, nunca tendo mencionado que desconhecia as suas responsabilidades.

XXXVIII - Querendo a avalista socorrer-se de um possível preenchimento contrário ao previamente acordado, impunha-se que articulasse factos concretos donde essa resultasse, o que nem sequer invocou.

XXXIX - Tendo em consideração o teor das cláusulas particulares do contrato de mútuo, a livrança dada à execução está preenchida de acordo com elas e mantém plena eficácia como título executivo quanto à avalista.

XL - Daí que se imponha a improcedência da apelação e a manutenção da sentença recorrida.

XLI - A não invocação durante 4 anos, 4 meses e 8 dias subsequentes à outorga do contrato de mútuo, da omissão do dever de informação das cláusulas que o compõem, assim como o pagamento de 21 prestações das 60 prestações acordadas, acrescido do uso e fruição do bem financiado durante largo período de tempo, criou na contraparte concedente do crédito a confiança de que aquela omissão não mais seria invocada.

XLII - É entendimento da aqui recorrente, que a invocação tardia daquela omissão, na situação analisada, constitui abuso de direito, na modalidade de "venire contra factum proprium".

XLIII - O que os factos mostram (alíneas L) e M) da fundamentação de facto) é que só decorridos sensivelmente 4 anos e meio após a outorga do contrato e o pagamento de 21 prestações num total de 60 prestações acordadas no contrato, a avalista/opoente se lembrou de vir invocar a aludida falta de comunicação e informação do teor das cláusulas gerais constantes do contrato dos autos.

XLIV - É mais que patente que decorrido o referido período temporal, durante o qual a avalista não demonstrou qualquer preocupação em saber o conteúdo das cláusulas do contrato que tinha avalizado, se criou na contraparte (aqui recorrente) a convicção de que aludida omissão de comunicação das cláusulas jamais seria invocada, ou pelo menos, que a mesma nenhuma relevância teve para o cumprimento do contrato.

XLV - Ao invocar a omissão, por banda da recorrente, do dever de comunicação referido no aludido art. 5º do DL 446/85 de 25.10 (com as apontadas alterações), nas condições acabadas de apontar, a avalista está a abusar de direito, em conformidade com o estatuído no art. 334º do C.Civil.

XLVI - O art. 334º do Código Civil dispõe: "É ilegitimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito".

XLVII - Por isso, os tribunais só podem fiscalizar "a moralidade dos actos praticados no exercício dos direitos ou a sua conformidade com as (razões sociais e económicas que os legitimam. se houver manifesto abuso",

XLVIII - No caso sub judice há abuso de direito por banda da avalista.

XLIX - Ao invocar a aludida nulidade das c1áusulas contratuais gerais do contrato em apreço, por ausência do citado dever de comunicação, decorridos vários anos, leva-nos a aceitar que, afinal, a avalista, não fora o incumprimento do referido contrato por parte do mutuário / executado e a mesma ter sido interpelada para pagá-lo, nunca viria invocar a tão "alegada" ausência de comunicação das cláusulas contratuais do contrato.

L - Tal comportamento, embora aparentando ser exercício de um direito, afinal "se traduz na não realização dos interesses pessoais de que esse direito é instrumento e na negação de interesses sensíveis de outrem", lesando as naturais expectativas que a recorrente criou, em que o contrato seria cumprido até final.

LI - Enquanto o contrato foi cumprido pontualmente, a avalista não demonstrou, junto da recorrente, qualquer interesse em tomar conhecimento das cláusulas contratuais gerais do contrato que avalizara.

LII - Quando o mutuário não pôde cumprir pontualmente com as suas obrigações contratuais, ou o cumprimento já não lhe interessava, a avalista é que se lembrou de que afinal, havia "falta de comunicação das cláusulas contratuais”.

LIII - Durante os anos em que o contrato de mutuo foi cumprido, a avalista não alegou junto dos serviços da recorrente, qualquer irregularidade do mesmo.
Daí que deva arcar com as consequências do incumprimento daquele.

LIV - Se conclui que a invocação tardia da questão formal relativa ao não cumprimento do dever de informação quanto às cláusulas do contrato de financiamento, fere a legítima e justificada expectativa da recorrente de que a mesma não mais seria invocada e constitui claro abuso de direito.

LV - É entendimento da jurisprudência e da doutrina que é inadmissível a impugnação da validade de um negócio jurídico por vícios formais, por quem, apesar disso, o cumpre ou aceita o cumprimento realizado pela outra parte, como a avalista inequivocamente fez.

LVI - O abuso de direito é matéria de conhecimento oficioso. O que permite, portanto, que o tribunal ad quem decida o tema, mesmo que ele não haja sido decidido pela 1ª instância, desde, obviamente, que os correspondentes factos constem do processo.

LVII - Vingando o aludido abuso de direito, é claro que o contrato (seu clausulado) se tem de ter como plenamente válido e eficaz, assim não assistindo razão à decisão recorrida, que, como tal, se impõe seja revogada.

LVIII - Ao não julgar improcedente a apelação, violou assim o douto acórdão recorrido o disposto nos artigos 8° e 9° do OL 446/85 de 25 de Outubro e os artigos 334°, nº2 do 342°, 628° e 631° todos do Código Civil.

TERMOS EM QUE
Revogando-se o douto acórdão recorrido, dando provimento ao presente recurso e julgando a oposição à execução improcedente, com as consequências legais, se fará
JUSTIÇA
Foram oferecidas contra alegações.
OS FACTOS
Foram os seguintes os factos tidos por provados pelas instâncias:

1.O tribunal a quo considerou provada a seguinte factualidade:
A) A exequente é portadora da livrança junta a fls.48 do processo executivo, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
B) Da referida livrança consta, como beneficiário, a ora exequente.
C) Como subscritor, aí figuram os executados BB e CC.
D) No verso da mesma livrança, aparece a assinatura da ora opoente, acompanhada da menção “bom por aval aos subscritores”.
E) Nela constam, como valor, data de emissão e data de vencimento, respectivamente, os seguintes dizeres: “€18.487,83”, “15/9/2003”, “15/10/2003”.
F) Em 25/7/2000, a exequente e os executados BB e CC celebraram entre si o contrato cuja cópia consta de t1s. 25, intitulado "contrato de mútuo", 6 qual aqui se dá por integralmente reproduzido.
G) Mediante tal contrato, a exequente entregou àqueles executados, para aquisição de um veículo automóvel, a quantia de 3.500.000$00, que os mesmos executados declararam obrigar-se a restituir, acrescida de juros, em 60 prestações mensais, com início em 27/8/2000, no valor de Esc.90.243$00 cada, o que, com encargos administrativos e fiscais de Esc. 53.000$00, perfazia o total de Esc. 5.467.580$00.
H) A ora opoente apôs a sua assinatura naquele contrato, acompanhada da menção "declaro ser avalista do mutuário deste empréstimo e ter sido informado por este do montante da divida a contrair, bem como das condições gerais constantes do verso deste contrato de mútuo que declaro conhecer e aceitar, avalizando para o efeito, a livrança de caução em branco anexa ao contrato".
I) A livrança referida em A) foi entregue à exequente no momento da celebração daquele contrato, para garantia do cumprimento do mesmo.
J) Nesse momento, a livrança apenas continha a identificação do beneficiário e as assinaturas de todos os executados, encontrando-se os restantes elementos em branco.
L) Foi a exequente quem, posteriormente, apôs na livrança os demais dizeres que dela agora constam, designadamente, os referidos em E).
M) Do montante referido em G), os executados BB e CC pagaram à exequente 21 prestações, sendo 17 delas com atraso, acrescidas de juros e encargos, o que tudo perfez € 12.094,94.
N) A exequente enviou à ora opoente, a qual a recebeu em 23/9/2003, a carta cuja cópia consta de fls. 56 e que aqui se dá por reproduzida, informando que considerava resolvido, por incumprimento, o contrato mencionado em F), razão pela qual iria proceder ao preenchimento da livrança.
O) O valor inscrito na livrança corresponde a aplicação de uma T.A.E.G. de 1,78% mensais.

Fundamentação
Ao contrário do que decidiu a sentença de 1ª instância, o acórdão recorrido entendeu que, devendo ter-se por excluída do contrato a cláusula geral 8ª, ao abrigo da qual a exequente procedeu ao preenchimento da livrança, não podia esta preenchê-la, como fez.
Logo, não podia fazer valer contra a oponente tal livrança.
É certo que, em relação à oponente, não se tendo provado que a exequente procedeu à comunicação das cláusulas gerais introduzidas no contrato de mútuo em causa (entre elas a referida cláusula 8ª) Tais cláusulas têm de ter-se por excluídas do contrato nos termos dos Art.ºs 5º e 8º do D.L. 446/85.
E, esta questão podia, segundo nos parece, ser suscitada pela aqui oponente, apesar de, na realidade, não ser parte no contrato de mútuo celebrado entre os dois primeiros executados e a exequente.
Na verdade, o oponente assinou o contrato de mútuo, embora exclusivamente na qualidade de avalista de uma livrança subscrita pelos mutuários e entregue à mutuante nos termos contratuais.
Significa isto que, no caso concreto, existe claramente entre a exequente (credora cambiária) e a oponente (avalista), uma relação causal, subjacente ao aval, por via da qual se estipulou determinado pacto de preenchimento para a livrança em branco subscrita pelos mutuários e avalizada pela oponente.
Quer dizer, no caso, estamos no domínio de relações imediatas, mesmo em relação à oponente avalista, pelo que lhe era lícito chamar à colação o não cumprimento do dever de comunicação das cláusulas contratuais gerais integradas no contrato de mútuo, pelo menos daquelas relacionadas com o não cumprimento e com o preenchimento da livrança avalizada.
Pela mesma ordem de razões, podia, no caso concreto, a oponente ópor ao credor cambiário a excepção de preenchimento abusivo da livrança.
É que sempre se estaria no plano das ditas relações imediatas, visto que no domínio das relações causais subjacentes entre a exequente e a oponente, aquela se obrigou para com esta (também) a preencher a livrança nas condições estipuladas na referida cláusula 8ª do contrato de mútuo.
Porém, como parece evidente, o que não podia a oponente era prevalecer-se das duas excepções simultaneamente, isto é, invocar a nulidade das cláusulas gerais, designadamente da cláusula 8ª e o preenchimento abusivo da livrança.
Para que pudesse prevalecer-se da excepção de preenchimento abusivo, torna-se necessário a validade da cláusula 8ª do contrato de mútuo, isto é, da cláusula que obrigava a exequente para com a avalista a preencher de certa forma e condições a livrança em causa.
Se tal cláusula se excluir do contrato, como pretende a oponente e como decidiu a Relação então o contrato de preenchimento, funcionando em relação aos mutuários e à mutuante, é estranho à avalista oponente, que, evidentemente, não é titular do contrato de mútuo.
Como a nulidade e consequente exclusão da cláusula 8ª do contrato de mútuo não elimina a livrança que a oponente reconhecidamente assinou (não se provou que desconhecia totalmente que subscreveu um título de crédito e qual o seu significado e alcance, como alegou — cof. Resposta negativa ao quesito 3º—) é claro que a oponente se mantém obrigada cambiariamente em função do aval que prestou aos subscritores da livrança.
Ora, como é doutrina e jurisprudência dominante, a obrigação do avalista é uma obrigação autónoma da obrigação do avalizado, de tal modo que se mantém a primeira mesmo que seja nula, por qualquer razão, a segunda, a menos que a nulidade decorra de vício de forma (Art.º 32 do L.H.).
Por isso mesmo se tem entendido que o avalista, ao contrário do que acontece com o fiador (Art.º 637 nº1 do C.C.), não pode defender-se com as excepções do avalizado, salvo as que importem a liberação ou extinção dessa obrigação.
Destruída a cláusula subjacente à obrigação cambiária (de aval) assumida pela oponente, não há relação causal que justifique poder a oponente prevalecer-se da excepção de preenchimento abusivo, por não se poder falar, então, em relações imediatas.
O aval assume, na circunstância, a sua plena autonomia, não podendo a oponente invocar a excepção do preenchimento abusivo, que apenas pode aproveitar aos mutuários, pois, nas circunstâncias, apenas eles se encontram no domínio das relações imediatas.
Portanto, invocando a oponente a nulidade das cláusulas gerais, como invocou e sendo procedente, como é, tal arguição, fica a recorrente impossibilitada de prevalecer-se da excepção do preenchimento abusivo da livrança exequenda, também arguida.
Consequentemente, mantém-se, como se disse, a obrigação cambiária resultante do aval, respondendo a avalista/recorrente nos mesmos termos que a pessoa por ela afiançada (a nulidade das cláusulas gerais não gera a nulidade do aval — Art.ºs 32 e 77 da L.U.).
No entanto, mesmo que assim não fosse e devesse atender-se a tal excepção (do preenchimento abusivo), nem por isso a oposição teria melhor sorte.
Desde logo deveria notar-se, então, que a excepção do preenchimento abusivo, como facto impeditivo do direito da exequente, tinha de ser provada pela aqui oponente, como é jurisprudência pacífica e uniforme.
Cof. por ex. Ac. do S.T.J. de 6/4/2000
- Proc. 48/2000-2ª-“é ao embargante que cabe alegar e provar os termos do acordo do preenchimento e a desconformidade do preenchimento da livrança (ou letra) em relação a esse acordo”.
Ora, alegou a oponente que os mutuários pagaram à exequente e mutuante a quantia global de 9.013.74€ e que essa quantia não foi levada em consideração no cálculo do valor aposto na livrança.
Porém, sobre esta matéria, ficou provado que os mutuários entregaram à exequente 21 prestações no valor global de 12.094.94€, mas não provou a oponente que essa quantia não tenha sido levada em consideração no cálculo do valor aposto na livrança, como se vê da resposta negativa ao quesito 1º.
Por outro lado, alegou a oponente que, tendo o contrato ficado sujeito a uma T.A.E.G. de 1,78 anual e sendo o valor do empréstimo de 3.500.000$00, o valor total do financiamento e respectivos juros era de 3.811.500$00 ou 19.011,68€, pelo que a livrança terá sido preenchida por valor superior ao efectivamente devido pelos mutuários.
Não é este, porém, o quadro factual provado.
O que está demonstrado é que a exequente, no âmbito do contrato de mútuo firmado com os executados subscritores da livrança em causa, entregou a estes a quantia de 3.500.000$00, importância esta que os mutuários se obrigaram a restituir, acrescida de juros, em 60 prestações mensais, no valor de 90.243$00 cada uma, o que, juntamente com os encargos administrativos e fiscais de 53.000$00, perfaz o financiamento total de 5.467.580$00.
Portanto foi esta quantia de 5.467.580$00 que os mutuários se obrigaram a pagar à mutuante e que a oponente avalista garantiu por via do aval, e não a importância global de 3.811.500$00 alegada pela oponente.
É certo que do texto do contrato consta uma T.A.E.G. de 1,78% anual, mas como é bom de ver, não pode deixar de se tratar de mero lapso material de escrita facilmente corrigível perante os montantes contratual e expressamente fixadas e acima referidos, que apontam para uma T.A.E.G. de 1,78 mensal .
Basta fazer contas…
(É, aliás o que resulta da resposta ao quesito 2º).
Não estaria, pois, provado o alegado preenchimento abusivo.
Decisão
Termos em que acordam neste S.T.J. em conceder revista.
Consequentemente;
— revogam o acórdão recorrido e
— julgam improcedente a oposição, devendo prosseguir a execução, contra a oponente, seus ulteriores termos.
Custas pela oponente, também na 2ª instância.
Lisboa, 04 de Março de 2008

Moreira Alves (relator)
Alves Velho
Moreira Camilo