Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1092/08.0TTBRG.G1.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: CHAMBEL MOURISCO
Descritores: IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
ÓNUS A CARGO DO RECORRENTE
Data do Acordão: 11/06/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS / ÓNUS A CARGO DO RECORRENTE QUE IMPUGNE A DECISÃO RELATIVA À MATÉRIA DE FACTO.
Doutrina:
- Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 7ª ed, p. 172 e 173;
- António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, Almedina, p. 127 ; 2016, 3.ª Edição, Almedina, p. 136 e ss. e 142;
- Miguel Teixeira de Sousa, A Livre Apreciação da Prova em Processo Civil, Scientia Iuridica, tomo XXXIII, 1984, p. 115 e ss. ;
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 640.º, N.ºS 1, ALÍNEAS B) E C) E 2, ALÍNEA A).
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

- DE 11-04-2018, PROCESSO N.º 789/16.5T8VRL.G1.S1;
- DE 16-05-2018, PROCESSO N.º 2833/16.7T8VFX.L1.S1;
- DE 06-06-2018, PROCESSO N.º 125/11.7TTVRL.G1.S1;
- DE 06-06-2018, PROCESSO N.º 1474/16.3T8CLD.C1.S1;
- DE 05-09-2018, PROCESSO N.º 15787/15.8T8PRT.P1.S2;
- DE 31-10-2018, PROCESSO N.º 2820/15.2T8LRS.L1.S1;
- DE 19-12-2018, PROCESSO N.º 271/14.5TTMTS.P1.S1.


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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL:

- ACÓRDÃO N.º 198/04, IN DR, II SÉRIE, DE 02-06-2004.
Sumário :

I. As coordenadas estabelecidas pelo Supremo Tribunal de Justiça no que concerne à interpretação do disposto no artigo 690.º do Código de Processo Civil, referente ao ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, visam evitar soluções que possam conduzir a uma repetição total do julgamento, em virtude de recursos genéricos contra uma decisão da matéria de facto alegadamente errada, observando-se assim a opção do legislador de viabilizar apenas uma reapreciação de questões concretas, relativamente às quais sejam manifestadas e concretizadas divergências por parte do recorrente, permitindo deste modo um efetivo exercício do contraditório por parte do recorrido.

II. A verificação do cumprimento dos ónus de alegação previstos no artigo 640.º do Código de Processo Civil, no que respeita aos aspetos de ordem formal, deve ser norteada pelo princípio da proporcionalidade e da razoabilidade.

III. Não cumprem o ónus imposto pelo art.º 640.º, n.º 1, alíneas b) e c) e n.º 2, alínea a), do Código de Processo Civil os recorrentes que não concretizaram, por referência a cada um dos mencionados factos que impugnaram, quais os meios probatórios que, no seu entender, imporiam decisão diversa daquela que foi dada pelo Tribunal de 1.ª Instância, não indicando também a decisão que, no seu entender, devia ser proferida sobre a matéria de facto, relativamente a determinados factos impugnados.

Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:



                                                           I

 Relatório:

 1. AA, BB, CC, DD, EE, FF, GG, intentaram ação declarativa de condenação com processo comum, emergente de contrato de trabalho, contra HH, PORTUGAL, S.A., e II, LIMITADA, pedindo a condenação da 2ª Ré (de forma solidária juntamente com a 1ª Ré) e da 1ª Ré (de forma singular ou solidariamente), a pagar:

– Ao 1º Autor a quantia devida a título de trabalho suplementar prestado, no montante de EUR 72 226,92, bem como os juros de mora vencidos e calculados que totalizam a quantia de EUR 9 571,23 e os vincendos sobre todas as quantias em dívida;

– À 2ª Autora a quantia devida a título de trabalho suplementar prestado, no montante de EUR 17 277,20, bem como os juros de mora vencidos e calculados que totalizam a quantia de EUR 2 353,85 e os vincendos sobre todas as quantias em dívida;

– À 3ª Autora a quantia devida a título de trabalho suplementar prestado, no montante de EUR 17 221,80, bem como os juros de mora vencidos e calculados que totalizam a quantia de EUR 2 099,16 e os vincendos sobre todas as quantias em dívida;

– À 4ª Autora a quantia devida a título de trabalho suplementar prestado, no montante de EUR 19 714,38, bem como os juros de mora vencidos e calculados que totalizam a quantia de EUR 2 592,68 e os vincendos sobre todas as quantias em dívida;

– À 5ª Autora a quantia devida a título de trabalho suplementar prestado, no montante de EUR 40 807,92, bem como os juros de mora vencidos e calculados que totalizam a quantia de EUR 5 555,34 e os vincendos sobre todas as quantias em dívida;

– À 6ª Autora a quantia devida a título de trabalho suplementar prestado, no montante de EUR 2 180,48, bem como os juros de mora vencidos e calculados que totalizam a quantia de EUR 2 618,68 e os vincendos sobre todas as quantias em dívida.

– A 7ª Autora pediu a condenação da 2ª Ré e da 1ª Ré, de forma singular ou solidariamente:

1) A atribuir-lhe e a reconhecer-lhe os direitos e garantias contratuais que detinha junto da 1ª Ré, nomeadamente:

a) Um valor mínimo mensal de EUR 22,04, correspondente ao desconto em compras a efetuar junto da 1ª Ré, no valor de 8% sobre as compras efetuadas;

b) O direito ao pagamento de um prémio anual em montante nunca inferior a um salário;

c) O direito ao recebimento de subsídio de alimentação em férias conforme cláusula 129º, nº 4 do CCT;

d) O direito a assistência médica local de clínica geral;

e) O direito a receber anualmente um cabaz de Natal e/ou senhas em valor não inferior a EUR 120;

2) A pagar-lhe:

a) EUR 120, respeitante ao valor do cabaz de Natal e senhas do ano de 2007 que a 2ª Ré já não pagou;

b) Uma indemnização por danos não patrimoniais resultantes da violação dos direitos e garantias auferidos junto da 1ª Ré, em montante não inferior a EUR 1 868,52, valor calculado desde 1 de novembro de 2007 até julho de 2008;

c) De forma solidária juntamente com a 1ª Ré a quantia devida a título de trabalho suplementar prestado no montante de EUR 9 148,62, acrescido de EUR 1 269,84 de juros moratórios;

3) A reconhecer a transmissão operada na sua plenitude e a pagar de forma solidária juntamente com a 1ª Ré a quantia que se vier a apurar de trabalho noturno devido e não remunerado;

4) A reconhecer o direito ao subsídio noturno a partir das 20 horas;

5) O prémio anual em montante mínimo nunca inferior a um salário, já vencido e respeitante ao ano de 2006 e a pagar em 2007, no valor de EUR 551;

Pediu ainda a declaração de ilicitude da transmissão operada e a condenação de ambas as rés por abuso de direito em condigna indemnização a fixar segundo o prudente arbítrio do juiz.

 

2. O Tribunal de 1.ª instância julgou a ação totalmente improcedente e absolveu as rés de todos os pedidos contra elas formulados.

 3. Os autores interpuseram recurso de apelação, impugnando a decisão relativa à matéria de facto, tendo o Tribunal da Relação julgado o recurso improcedente, confirmando a sentença da 1.ª instância.

No que ora releva, o Tribunal da Relação julgou improcedente o recurso quanto à impugnação da decisão relativa à matéria de facto, mantendo-a incólume, e considerou ficar prejudicado o conhecimento de todas as demais questões suscitadas, direta ou indiretamente, no recurso.   

 

4. Inconformados com esta decisão, os autores interpuseram recurso de revista, tendo formulado as seguintes conclusões:

1. Os Recorrentes não se conformam com o Douto Acórdão que decide em 2ª apreciação determinar a improcedência total do pedido formulado pelos Apelantes, absolvendo a RR./Apeladas.

2. Salvo o devido respeito, outra deveria ter sido a decisão do Tribunal “a quo”, atendendo a que toda a factualidade alegada está intrinsecamente relacionada com o reconhecimento do pedido de pagamento do trabalho suplementar

3. Os AA./Apelantes interpuseram individualmente ação declarativa peticionando créditos salariais, direitos e garantias contratuais em virtude de transmissão/cessão de estabelecimento comercial ocorrida entre a RR. HH e II.

4. Os AA/ Apelantes consideraram a inconveniência da apensação, onde passaria a existir um aglomerado de sete ações a julgar simultaneamente, o que sem dúvida tornaria substancialmente mais complexo o julgamento, no qual existiu matéria de facto distinta, que deveria ter sido analisada casuisticamente.

 5. Entendeu o Tribunal “a quo” que não se invocaram elementos de prova em concreto para demonstração do alegado nos nºs 114,115,118,119,121,123 da PI, e que nem mesmo houve o cuidado de afastar a matéria com teor conclusivo.

6. Interpretação que com o devido respeito errada, já que os AA/Apelantes apresentaram e invocaram os concretos elementos de prova para correção do alegado, através da indicação dos concretos pontos de facto incorretamente julgados, bem como a especificação dos pontos que deveriam ter sido dado como provados.

7. O trabalho suplementar, alegado e prestado pelos AA/Apelantes entre 2002 e 2007, resultou provado, porquanto o registo ATRAVÉS DO SISTEMA BIOMÉTRICO/PICAGENS aí expresso corresponde ao trabalho registado nas picagens, documentos juntos aos autos e confirmados pelos depoimentos das várias testemunhas apresentadas, sendo claro e elucidativo quanto à natureza dos documentos-picagens, quanto à veracidade dos mesmos e quanto ao efetivo controlo desses documentos para efeitos de assiduidade e tempo de trabalho.

8. O Douto Acórdão rejeitou a impugnação da matéria de facto, não dando como provados os factos relativos a trabalho suplementar na totalidade do período peticionado, isto é não distinguindo entre o prescrito por motivo de ausência de documento idóneo e alegado com recurso à prova testemunhal, bem como ignorando por completo a decisão da Relação de Guimarães que determinou a obrigatoriedade de recebimento dos documentos-picagens de ponto para a totalidade dos Autores.

9. Documentos cuja idoneidade e veracidade não foi nunca impugnada pelas testemunhas da Ré, bem como os horários de trabalho de cada um dos trabalhadores juntos aos autos pelas Autoras e entregues pelas Rés na delegação do ACT de ... como de resto resultava de anterior imposição legal.

 10. Os concretos meios probatórios constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida, foram devidamente especificados, através da identificação da respetiva testemunha, data do depoimento e hora de inicio e término da mesma, sendo complementados pela transcrição do momento exato. – Entendimento em contradição com o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, Processo n.º 233/09.4TBVNG.G1.S1 de 29.10.2015 e o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, Processo n.º 134116/13.2YIPRT.E1.S1 de 15.02.2018 numa incorreta interpretação e aplicação da alínea a) do n.º 2, bem como n.º 1 b) e c) do artigo 640.º do CPC e 662.º, n.º 1, do mesmo Código.

11. Na verdade, as exigências legais relativamente a impugnação da matéria de facto deveriam ter sido apreciadas à luz do princípio da proporcionalidade, significando que o Tribunal “a quo” não aferiu a medida de proporcionalidade do nível de exigência da exatidão das passagens que no caso se impunha.

12. Para além do exposto, o douto Acórdão considerou: “A impugnação da decisão da matéria de facto tem regras traduzidas em ónus para impugnante cujo incumprimento acarreta a sua rejeição. São as advenientes dos termos conjugados dos arts.º 635 n.º 4 e 640º do CPC. Os requisitos devem resultar sinteticamente das conclusões do recurso sob pena de estar vedado ao Tribunal ad quem o seu conhecimento.”

13. Com o devido respeito, outra deveria ter sido a interpretação do Tribunal “a quo”, visto que as conclusões do recurso expressamente restringem e explanam qual a decisão que deveria ter sido proferida sobre as questões de facto impugnadas.

14. Ou seja, não existem regras processuais violadas, a interpretação dessas regras é que é manifestamente diversa.

15. A norma da empresa aceite e provada diz que é Trabalho Suplementar o prestado para além do seu horário de trabalho, considerando-se autorizado desde que do conhecimento da sua chefia direta.

16. Ora, se é verdade que a chefia direta do Autor Apelante AA Encarregado de .../ Chefe de Secção era o seu chefe direto 1º JJ e mais tarde KK, a chefia direta das restantes Autoras Apelantes era o Sr. AA, revela-se de difícil compreensão o porquê de este trabalho suplementar, onde não encontra oposição e logo aceitação tácita, ordenada pela chefia não tenha sido dado como provado.

17. Note-se que em momento algum se diz que o trabalho suplementar não foi feito, diz-se sim que não estava autorizado.

18. Para o período em análise nos autos entre 2002 e 2007 teremos que ter em linha de conta o Código do Trabalho de 2003, bem como a legislação de trabalho anterior a 2003, nomeadamente o vertido na lei 73/98.

19. Considerando como tempo de trabalho e portanto sujeito a retribuição “qualquer período durante o qual o trabalhador está a desempenhar a atividade ou permanecer adstrito à realização da prestação (…) bem como as interrupções e os intervalos, nomeadamente “o intervalo para a refeição em que o trabalhador tenha que permanecer no espaço habitual de trabalho ou próximo dele, adstrito à realização da prestação, para poder ser chamado a prestar trabalho normal em caso de necessidade” (art.º 155º e 156º d) do CT e respetivamente art.º 2º nº 1 a) e nº 2 da Lei 73/98).

20. Todas as testemunhas dos AA foram unânimes em afirmar que não faziam intervalo para almoço.

21. Para o período considerado (2002 a 2007) insiste-se a lei é clara:

22. “O período normal de trabalho não pode exceder oito horas por dia, nem quarenta horas por semana.”

23. Refere o CCT de trabalho aplicável aos AA. que o trabalho suplementar é aquele que tenha sido prévia ou expressamente determinado, mas também o é, o realizado de modo a não ser previsível a oposição do empregador. (vd. Clª 46 do CCT aplicável).

24. No decurso da Audiência de Julgamento e nos depoimentos prestados, verificou-se que todos os trabalhadores realizavam trabalho suplementar e que era controlado pelas picagens, havendo sim trabalho realizado fora dos documentos exibidos. Devendo os mesmos serem valorados.

25. O Douto Acórdão, apreciou a prova confiando na necessidade imperiosa da prova do dia a dia e hora a hora e da respetiva contradição, necessidade imperiosa, que não encontra sustentação na jurisprudência.

26. Face ao exposto e no caso em apreciação, os AA/Apelantes basearam a alteração pretendida não só na prova documental, mas igualmente em testemunhal.

27. Os documentos em que os AA/Apelantes ancoram a sua pretensão são documentos autênticos, nunca negados pelas RR/Apeladas, assumindo, pois, força probatória plena em relação aos factos concretos a que se reportam- art.º 376.º, n.º 1 e 2 do CC.

28. Para além da prova documental, os AA/Apelantes arrolaram igualmente prova testemunhal, prova essa que foi produzida em audiência, mas que foi desprezada no Acórdão de que se recorre.

29. Entendendo os AA/Apelantes ter largamente provado a prática de um horário ao longo de vários anos substancialmente superior ao permitido por lei, sendo nessa medida consubstanciador da prática, consentida e conhecida de trabalho suplementar que conforme resulta dos autos não foi pago.

30. Tem os AA/Apelantes como certo ter feito prova da realização do trabalho suplementar nos termos peticionados, tendo como certo que as suas testemunhas mas também as das RR., depuseram de forma clara no sentido de provar a realização do trabalho suplementar.

31. Também resulta de forma clara que o trabalho realizado para além do seu horário de trabalho e período normal de trabalho era do conhecimento da RR (que até compensava) e realizado sem oposição desta.

32. Consequentemente e por recurso à matéria de facto que deveria ser dada por provada haveria lugar ao pagamento do trabalho suplementar que se mostra provado. Vd. Entre outros Ac. da RP de 05.11. 2007 in Processo nº 3718/07-1.

33. Por outro lado, mesmo que na ausência da ordem, haverá lugar à sua retribuição se o trabalho suplementar for realizado de modo a não ser previsível a oposição do empregador (artigo 258º n.º 5 in fine do CT).

34. Assim, o êxito da pretensão destinada ao pagamento de trabalho suplementar supõe a prova por parte do titular do direito – sobre quem incumbe o respetivo ónus, nos termos do art.º 342º n.º 1 do CC., por se tratar de facto constitutivo do direito a respetiva retribuição especial – de dois factos constitutivos do direito – A prestação efetiva de trabalho suplementar e a determinação prévia e expressa da execução do trabalho suplementar pela entidade empregadora ou que o trabalho suplementar tivesse sido realizado em condições que excluiriam a hipótese de oposição da parte do empregador.

35. Assim, apesar do contratualmente estipulado, os AA. passaram ab initio, de forma sistemática a cumprir um horário mais alargado. Ou seja, trabalharam sempre num dos dois dias de folga a que tinha direito.

36. Face a panóplia de normas que conjugadas com o disposto quanto à realização de trabalho suplementar, na medida em que o mesmo depende apenas da não oposição da entidade patronal, levam a que se conclua não ser de exigir aos AA/Apelantes outra prova para além da produzida. Prova essa que de resto não foi infirmada pelas RR/Apeladas.

37. Ao decidir nos termos do supra exposto o Tribunal “a quo” cometeu um erro de julgamento e violou as normas supracitadas.

38. Nos termos do art.º 640º n.º 1 al. b) do CPC, os concretos meios probatórios constantes do processo foram supra referidos e constam naturalmente da prova testemunhal transcrita e da prova documental consistente no registo de picagens e horários praticados no ....

39. Os AA. Provaram a descriminação do trabalho suplementar realizado e toda a factualidade daí emergente, como lhe impõe o art.º 204.º do CT, em todos os seus aspetos (o que excede o horário normal, trabalho em dias de descanso e feriados) em suporte documental legal.

40. Sem prejuízo do exposto, resultando provado que os trabalhadores prestaram trabalho suplementar, mas fracassando a prova dos dias e do número exato de horas em que trabalharam para além do período normal de trabalho, deve o respetivo apuramento e o apuramento dos valores devidos a esse título ser relegado para posterior liquidação, ao abrigo do disposto no n.º 2 do art.º 661.º do CPC, podendo os AA., nesse âmbito, beneficiar da presunção a que alude o n.º 7 do art.º 204.º do CT/2003, relativamente ao pagamento mínimo por cada dia de trabalho suplementar prestado.

41. Termos em que o Douto Acórdão e respetiva fundamentação está em clara oposição com a prova produzida, culminando num abismal erro de julgamento.

42. Atento o exposto, fez o Tribunal “a quo” uma incorreta interpretação do disposto nos arts. 342.º, n.º 1, do CC, 204.º do CT, 640 n.º 1 b) e c) e n.º 2 a) e 662.º, n.º 1, do CPC, não tendo aplicado o disposto no art.º 344.º, n.º 2, do Código Civil, aos factos, encontrando-se em plena contradição com outro acórdãos, já transitados em julgado, proferidos pelo Supremo Tribunal de Justiça.

43. Por tudo isto e por os meios de prova terem sido especificados, permitindo uma decisão diversa da recorrida, impunha-se isso mesmo.

Nestes termos, e nos mais de Direito que V Exas Ilustres Conselheiros doutamente suprirão, deve o presente Recurso de Revista ser recebido e admitido, revogando-se o Acórdão determinando-se que o mesmo se encontra em contradição com outros dois Acórdãos designados e já transitados em julgado, proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, numa incorreta aplicação e erro de interpretação dos artsº 342.º, n.º 1, do CC, 204.º do CT, 640 n.º 1 b) e c) e n.º 2 a) e 662.º, n.º 1, não tendo aplicado o disposto no art.º 344.º, n.º 2, do CC, aos factos e determinando a procedência do pedido de trabalho suplementar alterando-se a matéria de facto provada e não provada nos termos alegados.

 5. A ré HH, PORTUGAL, S.A. contra-alegou, tendo concluído:

(1) Os recursos dos Recorrentes DD, CC, GG, FF e BB não são admissíveis, face aos respetivos valores de ação, inferiores à alçada da Relação, e por não estar em causa numa das situações previstas no n.º 2 do Art.º 629º do C.P.C.

(2) Os recursos dos Recorrentes BB e EE apenas seriam admissíveis enquanto revista excecional, em face do disposto nos artigos 671º, n.º 3, e 672º do C.P.C., mas contudo não se verifica nenhum dos fundamentos de admissibilidade da revista excecional, nomeadamente a alínea c) do n.º 1 do Art.º 671º do C.P.C.

(3) Em todo o caso, entende-se que o Acórdão recorrido não merece qualquer censura, quer quanto à decisão sobre a matéria de facto, quer quanto à interpretação e aplicação do Direito a essa matéria, pelo que terá de ser integralmente confirmado.

Nestes termos e nos demais de direito aplicáveis, deve ser julgados totalmente improcedentes os recursos dos Recorrentes, só assim se fazendo o que é de Lei e de Justiça.

6. A ré II, LIMITADA também contra-alegou, tendo concluído:

1. De acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 629.º do CPC, o recurso ordinário só é admissível quando a causa tenha valor superior à alçada do tribunal de que se recorre e a decisão impugnada seja desfavorável ao recorrente em valor superior a metade da alçada desse tribunal.

2. O valor da alçada do tribunal da relação é, atualmente, EUR 30 000 (cfr. n.º 1 do artigo 44.º da Lei da Organização do Sistema Judiciário),

3. O presente processo, no estado em que se encontra atualmente, resultou da apensação de diversas ações, intentadas por autores diferentes, contra ambas as RR.

4. No que se refere ao valor processual, cada ação mantém a sua autonomia, razão pela qual este terá de ser analisado individualmente para averiguação da admissibilidade do recurso.

5. Atendendo ao valor da ação de cada A., é notório que o presente recurso é inadmissível no que se refere aos AA. FF, GG, DD, BB e CC.

6. Sem mais delongas, deverá ser rejeitado o recurso dos referidos AA. Por inadmissibilidade, de acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 629.º do CPC a contrario.

7. Mesmo relativamente aos restantes AA. (EE e AA), o presente recurso tão pouco será admissível atendendo ao disposto no n.º 3 do artigo 671.º do CPC.

8. A decisão impugnada veio confirmar a decisão proferida na primeira instância, sem voto de vencido, e com uma fundamentação totalmente idêntica à primeira.

9. Todas as referidas questões suscitadas pelos Recorrentes perante o Tribunal a quo tiveram uma decisão praticamente coincidente com a decisão da primeira instância.

10. Embora os Recorrentes se refiram genericamente à revista excecional, prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 672.º do CPC, a verdade é que, não cumpriram nenhum dos pressupostos previstos nesse mesmo preceito, nomeadamente, e desde logo, a junção de cópia do acórdão-fundamento (cfr. alínea c) do n.º 2 do artigo 672.º do CPC).

11. É forçoso concluir que se encontram verificados todos os requisitos para aplicação do disposto no n.º 3 do artigo 671.º do CPC, devendo o presente recurso ser rejeitado por verificação da dupla conforme.

12. Ainda que assim não se entendesse, não tem qualquer fundamento a alegação de nulidades por parte dos AA.

13. Conforme já repetidamente referido e analisado, todas as questões agora referidas pelos AA. como supostas nulidades ocorridas na audiência de julgamento de 25 de novembro de 2014, na realidade, foram todas elas decididas e encontram-se, há muito, transitadas em julgado.

14. Na presente data, já decorreram todos os prazos legais para que os AA. pudessem pôr em causa despachos sobre os meios de prova, proferidos na audiência de julgamento realizada em 25 de novembro de 2014 (!).

15. Encontrando-se já decididas com trânsito em julgado, todas as alegadas nulidades suscitadas pelos AA., deverá improceder totalmente a respetiva arguição, mantendo-se inalterada a decisão recorrida.

16. Relativamente à impugnação da matéria de facto, não merece qualquer censura a decisão do Tribunal da Relação de Guimarães que a rejeitou por incumprimento dos requisitos legais.

17. Cabia efetivamente aos Recorrentes o ónus de indicarem, desde logo, as passagens da gravação com exatidão, sem prejuízo de poderem transcrever os excertos que considerassem relevantes.

18. Incumbia ainda aos Recorrentes fazer a conexão entre os concretos meios probatórios invocados (no caso depoimentos) e os pontos da matéria de facto impugnados, conforme previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 640.º do CPC.

19. Deverá manter-se inalterada a decisão recorrida que rejeitou a impugnação da matéria de facto deduzida pelos Recorrentes, por violação dos respetivos requisitos.

20. Acresce ao exposto que, como bem referiu o Tribunal a quo, a impugnação da matéria de facto, da forma parcial como foi feita, jamais seria suficiente para alterar a decisão recorrida.

21. Seria perfeitamente irrelevante para o desfecho da presente causa, a eventual análise da decisão sobre a matéria de facto.

22. A presente ação já se encontrava votada ao insucesso desde que foi proposta.

23. Estando em causa créditos relativos a alegado trabalho suplementar prestado e não pago, eram factos constitutivos do direito dos AA., ora Recorrentes, nomeadamente: a) a alegação do horário de trabalho dos AA. (com a indicação das horas de início e do termo do período normal de trabalho diário, bem como dos respetivos intervalos); b) a indicação das horas de trabalho prestado fora dos horários de trabalho estabelecidos; e c) que esse trabalho tinha sido prévia e expressamente ordenado pelo empregador ou, pelo menos, por ele consentido.

24. Os AA., ora Recorrentes, bastaram-se com a indicação genérica dos vários turnos em que poderiam prestar serviço, sem que fosse indicado concretamente em que datas alegadamente praticaram cada turno, e alegadamente tiveram os dias de folgas (cfr. petições iniciais).

25. Os AA. restringiram-se, ainda, à mera referência, de resto totalmente imprecisa, de que o trabalho suplementar seria realizado “nas suas folgas, nos inventários, durante a hora do almoço que não é gozada e ainda para além do seu horário de trabalho semanal, nomeadamente nas suas folgas” (sublinhado nosso, cfr. petições iniciais).

26. Os quadros apresentados pelos AA. nas petições iniciais são meramente conclusivos, não permitindo apurar que horas concretas foram trabalhadas nos meses ali mencionados (não o número de horas, mas as horas concretas nos dias concretos).

27. Conclui-se por uma impossibilidade total em concretizar os factos que consubstanciam os pedidos dos AA., e, consequentemente, em compreender o fundamento no qual basearam os números de horas formulados constantes dos referidos artigos das petições iniciais.

28. Não preenchendo os factos alegados pelos AA., ora Recorrentes, as condições mínimas para a procedência da ação relativamente a créditos por trabalho suplementar alegadamente prestado, demonstrava-se, desde logo, inútil a respetiva continuação, devendo os respetivos pedidos improceder liminarmente por manifestamente infundados.

29. Bem andou o Tribunal a quo ao decidir pela improcedência total do pedido relativamente a ambas as RR. no que respeita ao período de 2002 a outubro de 2007.

30. Relativamente à prova testemunhal invocada pelos AA., ora Recorrentes, como sendo passível de alterar a decisão quanto à matéria de facto, cumpre referir que nos termos do disposto no n.º 5 do artigo 607.º do CPC e do artigo 396.º do Código Civil, os depoimentos das testemunhas estão sujeitos à livre apreciação por parte do tribunal.

31. Contrariamente ao referido pelos AA., nenhuma testemunha, quer dos AA. quer das RR., pôs em causa os factos provados 27, 28 e 29.

32. Embora os AA. façam apenas transcrições parciais dos depoimentos das respetivas testemunhas, a audição dos trechos completos permite compreender, sem qualquer dúvida, que tudo o que extrapolava o horário de trabalho tinha de ser autorizado (!) para ser pago.

33. Também as testemunhas das RR., LL e MM, confirmaram totalmente os referidos factos.

34. Razão pela qual sempre teriam de se manter como provados os factos 27, 28 e 29 da seleção da matéria de facto.

35. Não tendo qualquer A. feito prova do cumprimento do procedimento interno em vigor na 1.ª R. para autorização da prestação de trabalho suplementar, jamais teriam direito a qualquer crédito a esse título, ainda que, por mera hipótese de raciocínio, tivessem provado, previamente, tal prática.

36. Tão pouco ficou provada qualquer prestação concreta de trabalho fora do respetivo horário por qualquer A.

37. Ainda que o Tribunal a quo tivesse atendido aos depoimentos das testemunhas dos AA., os mesmos seriam sempre insuficientes para a prova dos factos em questão.

38. Aquelas testemunhas limitaram-se a emitir declarações sobre factos vagos, imprecisos e conclusivos.

39. Nenhuma das testemunhas dos AA., ora Recorrentes, prestou depoimento sobre o horário concreto dos AA. em cada dia, com a indicação das horas de início e do termo do período normal de trabalho diário, bem como dos respetivos intervalos,

40. Nenhuma das testemunhas dos AA., ora Recorrentes, prestou depoimento sobre as supostas horas concretas de trabalho prestado pelos AA. fora dos horários de trabalho estabelecidos,

41. Não tendo ficado provado qualquer trabalho suplementar prestado pelos AA. ficou, obviamente, prejudicada a questão de o mesmo ter sido prévia e expressamente ordenado pelo empregador ou, pelo menos, por ele consentido.

42. Nenhuma das testemunhas dos AA., ora Recorrentes, atestou os factos constantes dos artigos 114.º, 115.º, 118.º, 119.º, 121.º, 122.º, 123.º, 124.º, 125.º, 126.º, 127.º e 128.º da petição inicial do A. AA, e dos artigos 96.º, 97.º, 98.º, 99.º, 100.º, 101.º, 102.º, 103.º, 104.º, 118.º e 119.º das petições iniciais das restantes AA.

43. Ainda que, como pretendem os AA., ora Recorrentes, fossem tidos em conta os depoimentos das testemunhas LL, KK e JJ, em nada poderia ser alterada a decisão sobre a matéria de facto, uma vez que, conforme demonstrado, tais depoimentos não permitiram a prova dos factos pretendidos pelos AA., ora Recorrentes.

44. Contrariamente ao agora alegado pelos AA., em sede de recurso, seria sempre legalmente inadmissível uma condenação genérica nos termos pretendidos pelos mesmos.

45. Efetivamente, de acordo com o disposto no n.º 2 do artigo 609.º do CPC, a liquidação de sentença visa fixar o objeto ou a quantidade da condenação relativamente a direitos devidamente alegados e dados como provados no âmbito da ação declarativa.

46. Não tendo, obviamente, aplicação no âmbito de ações em que se verifica, desde logo, a falta de alegação e prova dos factos constitutivos do direito do autor, e cuja solução apenas poderá ser a improcedência total do pedido, como ocorreu no presente caso.

47. No âmbito destes autos não se verifica uma situação de dificuldade na fixação do objeto ou na quantificação da condenação, mas antes e prévia a essa, ocorre uma situação de total falta de alegação e prova dos factos constitutivos do direito alegado pelos AA., a qual não é legalmente possível colmatar por via de uma condenação genérica e posterior liquidação.

Termos em que deverá ser julgado totalmente improcedente o presente recurso, mantendo‑se a decisão do Tribunal da Relação de Guimarães que julgou improcedente o recurso principal, confirmando-se a sentença.

7. Foi proferido, pelo relator, despacho, que transitou em julgado, que não admitiu o recurso em relação às recorrentes FF, GG, DD, BB e CC.

8. Neste Supremo Tribunal de Justiça, o Excelentíssimo Senhor Procurador‑Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que deve ser negada a revista.

9. Nas suas conclusões, a recorrente suscita as seguintes questões que cumpre solucionar:

a) Saber se o Tribunal da Relação decidiu bem ao rejeitar a impugnação da decisão relativa à matéria de facto por não terem sido cumpridos os ónus a cargo do recorrente, tal como impõe o art.º 640.º do Código de Processo Civil;

b) Saber se os documentos juntos aos autos, referentes ao registo através do sistema biométrico/picagens, só por si, impõem a alteração da decisão relativa à matéria de facto.

                                                           II

A) Fundamentação de facto:

O Tribunal da 1.ª instância deu como provados os seguintes factos, que não foram alterados pelo Tribunal da Relação:

1) O 1º Autor, AA, foi contratado pela 1.ª R. por contrato individual de trabalho em 16/08/1993, para, sob as suas ordens, direção e fiscalização, exercer as funções inerentes à categoria profissional de, inicialmente, Subchefe de cozinha posteriormente, a 1 de outubro de 1998, encarregado de ..., primeiro na 1ª R. e seguidamente, desde 1 de novembro de 2007, junto da 2ª Ré, mediante a retribuição ilíquida mensal de EUR 1 919.

2) As funções exercidas pelo 1º A., na área da restauração consistiam em dirigir a Unidade de restauração ... afeta à loja da 1ª R. também ela de ... e sobre a direção da sua hierarquia direta que era atualmente o diretor de loja e posteriormente, com a cessão de exploração ocorrida, o supervisor da 2ª R. para a região Norte.

3) A partir de 1/10/1998, o A. passaria à categoria profissional de Encarregado de ... ..., o que se verificou durante os últimos dez anos.

4) A 2ª Autora, BB, foi contratado pela 1ª R. por contrato individual de trabalho em 1/02/2002, para, sob as suas ordens, direção e fiscalização, exercer as funções inerentes à categoria de chefe de balcão, primeiro na 1ª R. e seguidamente, desde 1 de novembro de 2007, junto da 2ª R, mediante a retribuição ilíquida mensal de EUR 815.

5) As funções exercidas por esta Autora na área da restauração consistiam em superintender e executar os trabalhos de balcão.

6) A 3ª Autora, CC, foi contratada pela 1ª R. por contrato individual de trabalho em 15/05/1995, para, sob as suas ordens, direção e fiscalização, exercer as funções inerentes à categoria profissional de subchefe de cozinha, primeiro na 1ª R. e seguidamente, desde 1 de Novembro de 2007, junto da 2ª R, mediante a retribuição ilíquida mensal de EUR 909.

7) As funções exercidas pela 3ª Autora, na área da restauração consistiam em coadjuvar e substituir o chefe de cozinha no exercício das respetivas funções.

8) A 4ª Autora, DD, foi contratada pela 1ª Ré por contrato individual de trabalho em 15/05/1995, para, sob as suas ordens, direção e fiscalização, exercer as funções inerentes à categoria profissional de subchefe de cozinha, primeiro na 1ª R. e seguidamente, desde 1 de novembro de 2007, junto da 2ª Ré, mediante a retribuição ilíquida mensal de EUR 909.

9) As funções exercidas pela 4ª Autora, na área da restauração, consistiam em coadjuvar e substituir o chefe de cozinha no exercício das respetivas funções.

10) A 5ª Autora, EE, foi contratada pela 1.ª Ré por contrato individual de trabalho em 05/02/1996, para, sob as suas ordens, direção e fiscalização, exercer as funções inerentes à categoria chefe de balcão, primeiro na 1ª R. e seguidamente, desde 1 de novembro de 2007, junto da 2ª Ré, mediante a retribuição ilíquida mensal de EUR 968.

11) As funções exercidas pela 5ª Autora, na área da restauração, consistiam em superintender e executar os trabalhos de balcão.

12) A 6ª Autora, FF, foi contratada pela 1ª Ré por contrato individual de trabalho em 2/12/2002, para, sob as suas ordens, direção e fiscalização, exercer as funções inerentes à categoria profissional de empregada de balcão, primeiro na 1ª Ré e seguidamente, desde 1 de novembro de 2007, junto da 2ª Ré, mediante a retribuição ilíquida mensal de EUR 540.

13) As funções exercidas pela 6ª Autora, na área da restauração, consistiam em atender e servir os clientes em ...s e similares executando o serviço de cafetaria próprio da secção de balcão.

14) A 7ª Autora, GG, foi contratada pela 1ª Ré por contrato individual de trabalho em 11/06/2001, para, sob as suas ordens, direção e fiscalização, exercer as funções inerentes à categoria profissional de empregada de balcão, primeiro na 1ª Ré e seguidamente, desde 1 de novembro de 2007, junto da 2ª Ré, mediante a retribuição ilíquida mensal de EUR 551.

15) As funções exercidas pela 7ª Autora, na área da restauração, consistiam em atender e servir os clientes em ...s e similares, executando o serviço de cafetaria próprio da secção de balcão.

16) No desenvolvimento dos respetivos percursos profissionais todos os AA. se filiaram na FESAHT (Federação dos Sindicatos de Agricultura, Alimentação, Bebidas, Hotelaria e Turismo de Portugal).

17) Nas relações mantidas com os seus trabalhadores a 1.ª R. sempre aplicou a Convenção Coletiva de Trabalho (CCT) celebrada entre a AHRESP – Associação de Hotelaria, Restauração e Similares de Portugal e a FESAHT – Federação dos Sindicatos da Alimentação, Bebidas, Hotelaria e Turismo de Portugal, cuja última revisão global foi publicada no Boletim do Trabalho e Emprego (BTE), n.º 28, de 29 de julho de 2004, com as retificações publicadas no BTE n.º 45, de 8 de dezembro de 2004 e com as alterações introduzidas pela CCT publicada no BTE n.º 24 de 29 de junho de 2008.

18) De facto, a 1.ª R. encontra-se inscrita na AHRESP – Associação de Hotelaria, Restauração e Similares de Portugal.

19) Também a 2.ª R. é uma associada da AHRESP, desde 31 de janeiro de 1989.

20) A atividade principal da 1.ª R centra-se na distribuição alimentar e não alimentar, área onde é especialista há mais de dezoito (18) anos.

21) A 1.ª R decidiu atribuir, a partir de 1 de novembro de 2007, a gestão de toda a Unidade Económica ... a um grupo líder na área da restauração alimentar, ou seja à 2.ª R.

22) Em 4 de outubro de 2007, a 1.ª R. dirigiu um comunicado aos representantes dos trabalhadores, informando da possibilidade de atribuir a gestão de toda a Unidade Económica ... a um grupo líder na área da restauração alimentar e assegurando, nesse caso, a manutenção de todas as condições salariais, benefícios e regalias existentes à data da transferência, bem como garantindo o regresso dos trabalhadores da Unidade Económica ... à 1.ª R. “se, por alguma razão, o contrato de exploração da Unidade Económica ... deixasse de estar ativo”.

23) O referido comunicado, emitido com a antecedência de quase um mês em relação à data de produção de efeitos da cessação de exploração celebrada entre a 1.ª R. e a 2.ª R., transmitia aos trabalhadores todos os pormenores sobre este assunto suscetíveis de os afetar em especial, assegurando-lhes a manutenção dos respetivos direitos dos trabalhadores.

24) Em 19 de outubro de 2007, uma vez mais, a 1.ª Ré transmitiu aos representantes dos trabalhadores a data de produção de efeitos da transmissão e a identificação da 2.ª R., prestando informações sobre a origem, o desenvolvimento e a atual dimensão da 2.ª R., bem como sobre o seu perfil e área de atuação.

25) A 30 de outubro de 2007 reiterou a comunicação de que a cessão de exploração produziria os seus efeitos, tal como previsto, no dia 1 de novembro de 2007, data a partir da qual a 2.ª R. se assumiu como entidade empregadora dos AA..

26) Nas cláusulas 3.ª e 4.º de cada um dos contratos de trabalho dos AA. consta que o horário de trabalho“(...) será de 44 horas de trabalho semanal (40 horas ou 24 horas de trabalho semanal consoante o A.), distribuídas de Segunda-Feira a Domingo (incluindo Feriados) de acordo com o horário afixado. Este horário pode ser modificado, por decisão do Primeiro Outorgante [1.ª Ré], podendo ser prestado em regime de turnos”.

27) A prestação de trabalho suplementar na 1.ª R. pressupõe (e sempre pressupôs) a elaboração de um pedido de autorização de trabalho suplementar, a submissão de tal pedido à apreciação da 1.ª R. e a posterior assinatura do superior hierárquico respetivo.

28) Este procedimento consta do elenco das regras e procedimentos gerais escritos desde 1999 - MCC PT Regras e Procedimentos relativo ao trabalho suplementar, nomeadamente do ponto 5 que diz o seguinte: “Trabalho suplementar é aquele que é prestado antes ou para além do horário de trabalho, que tenha sido ordenado ou aceite expressamente pela chefia direta”.

29) O procedimento relativo a trabalho suplementar foi dado a conhecer a todos os colaboradores da 1.ª Ré, através da divulgação na intranet da empresa e pela respetiva afixação em sítios visíveis nos locais de trabalho.

30) O contrato de trabalho da Autora, GG, cessou em 28/02/2010, em virtude de ter sido abrangida por um despedimento coletivo iniciado pela 2ª Ré em novembro de 2009.”.

B) Fundamentação de Direito:

B1) Os presentes autos respeitam a ação declarativa de condenação instaurada em 24 de outubro de 2008, tendo o acórdão recorrido sido proferido em 21 de fevereiro de 2019.

Assim sendo, o regime processual aplicável é o seguinte:

- O Código de Processo do Trabalho, na versão anterior àquela que resultou da revisão operada pelo Decreto-Lei n.º 295/2009, de 13 de outubro.

 - O Código de Processo Civil, na versão conferida pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho.

B2) A primeira questão suscitada pelos recorrentes consiste em saber se o Tribunal da Relação decidiu bem ao rejeitar a impugnação da decisão relativa à matéria de facto por não terem sido cumpridos os ónus impostos pelo art.º 640.º do Código de Processo Civil.

A propósito desta questão, o Tribunal da Relação, no acórdão recorrido, considerou o seguinte:

«Os recorrentes discordam que não se considere provada a matéria dos nºs 114, 115, 118 a 121 e 123 a 128 da petição destes autos, numeração aqui corrigida face a lapsos de explanação do recurso.

No entanto, não se invocaram elementos de prova em concreto para demonstração da correção do alegado nos nºs 114, 115, 118, 119, 121, 123 da petição inicial destes autos.

Com alguma dessa matéria com teor conclusivo não houve a preocupação sequer de a afastar (nºs 114, 115, 119 e 123 da mesma petição).

Alguma é absolutamente irrelevante por se remeter para a mera obtenção e indicação de meios de prova (nºs 120, 121 da petição dos autos).

Quanto à ausência de invocação de prova, o mesmo acontece com a matéria dos nºs 96 a 101 dos apensos. Com a retirada do teor conclusivo de alguns deles a mesma coisa (nºs 96, 98, 99, 100 e 101 dos apensos).

Com referência aos pontos 124 a 128 da petição destes autos invocam-se para a sua demonstração o registo “DO SISTEMA BIOMETRICO/PICAGENS” e os depoimentos de JJ (trabalhou na 1ª R até ao ano de 2009/2010 onde exerceu as funções de responsável de restauração até ao ano de 2005 e entre 2005 a 2009 as funções de responsável da distribuição), KK (trabalhou na 1ª R com as funções de chefe do departamento de pessoal até ao ano de 2009), NN (trabalhou na 1ª R até ao ano de 2009, como chefe da secção de contabilidade) e OO (chefe de secção), mas é irrecusável também o seu teor conclusivo (sem indicação dos tempos de trabalho de cada dia que se realizassem para além do período normal do horário de trabalho). Acontece ainda, sem se indicar temporização dos excertos desses depoimentos.

O mesmo acontece com a matéria dos nºs 102 e 103 dos apensos, sendo a prova oral a mesma, com exceção da quarta testemunha.

Os recorrentes referem também que “resulta inteiramente falso” que tenha ficado provado o ponto 27 da matéria assente da sentença (A prestação de trabalho suplementar na 1.ª R. pressupõe, e sempre pressupôs, a elaboração de um pedido de autorização de trabalho suplementar, a submissão de tal pedido à apreciação da 1.ª R. e a posterior assinatura do superior hierárquico respetivo), sem oferecerem sequer resposta em alternativa ao ficado provado. Ainda que tenham oferecido para o efeito excerto do depoimento da citada testemunha OO também sem qualquer localização específica do período de tempo do respetivo registo de áudio.

Acresce a insurgência à matéria do ponto 28 dos factos assentes da sentença (Este procedimento consta do elenco das regras e procedimentos gerais escritos desde 1999 - MCC PT Regras e Procedimentos relativo ao trabalho suplementar, nomeadamente do ponto 5 que diz o seguinte: “Trabalho suplementar é aquele que é prestado antes ou para além do horário de trabalho, que tenha sido ordenado ou aceite expressamente pela chefia direta”) também sem resposta alternativa e indicando-se para o efeito excerto do depoimento da mesma testemunha mais uma vez sem qualquer localização específica do respetivo período de tempo do registo de áudio, como também declarações suas em abstrato.

Ainda a mesma coisa no que concerne à matéria do nº 29 dos factos assentes da sentença (O procedimento relativo a trabalho suplementar foi dado a conhecer a todos os colaboradores da 1.ª Ré, através da divulgação na intranet da empresa e pela respetiva afixação em sítios visíveis nos locais de trabalho), indicando-se ainda declarações suas em abstrato.  

Desde já diremos que é rejeitada a impugnação da matéria.

Não se invocaram em concreto elementos de prova, nos termos do artº 640º, nºs 1, alª b) e 2, alª a) do CPC (1.Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: ...b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; … 2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;…), de modo a facultar a este tribunal a imediação pela qual o tribunal a quo ajuizou a prova; essa rejeição é, ainda, extensível àqueles casos em que se indica prova oral sem descriminação do autor ou ainda não se indicou a exata passagem das respetivas gravações, que a transcrição do excerto do depoimento não substitui, atento também à unidade da prova, mais uma vez, de modo a facultar a este tribunal a imediação pela qual o tribunal a quo ajuizou essa prova para, por sua vez, impor decisão diversa sobre cada uma dessa matéria (nºs 114, 115, 118, 119, 121 e 123 a 128 da petição inicial destes autos, 96 a 103 da petição dos apensos, e pontos 27 a 29 dos factos assentes da sentença).

Do mesmo passo se dirá que é de rejeitar sempre a impugnação no que concerne aos pontos 27 a 29 da sentença por não respeitarem diretamente o ónus previsto no artº 640º, nº 1 alª c) do CPC (1. Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: … c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. …).

A impugnação da decisão da matéria de facto tem regras traduzidas em ónus para o impugnante cujo incumprimento acarreta a sua rejeição. São as advenientes dos termos conjugados dos artºs 635º, nº 4 e 640º do CPC.

Os requisitos devem resultar sinteticamente das conclusões do recurso sob pena de estar vedado ao tribunal ad quem o seu conhecimento.

Segundo Amâncio Ferreira “expostas pelo recorrente, no corpo da alegação, as razões de facto e de direito da sua discordância com a decisão impugnada, deve ele, face à sua vinculação ao ónus de formular conclusões, terminar a sua minuta pela indicação resumida, através de proposições sintéticas, dos fundamentos, de facto e/ou de direito, por que pede a alteração ou anulação da decisão” (Manual dos Recursos em Processo Civil, 7ª ed, 172 e 173).

Elas desempenham um papel fundamental não apenas porque sintetizam as razões que estão subjacentes à interposição do recurso, mas porque definem o seu objeto.

Não há lugar a qualquer despacho de aperfeiçoamento para o efeito (Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, Almedina, 127).

A impugnação da matéria de facto não visa a concretização de um segundo julgamento que inclua a reapreciação global e genérica de toda a prova.

Tem apenas por fim um segundo grau de apreciação da matéria de facto, de modo a colmatar eventuais erros de julgamento, nos concretos pontos de facto que ao recorrente se impõe assinalar.

Efetivamente, “Cabe a quem recorre da matéria de facto, identificar o facto, que em concreto foi dado como provado (ou não provado) e que não deveria ter sido dado como tal, identificar a prova que apontava em sentido oposto, ou, pelo menos, em sentido diferente, e apresentar o facto tal como deveria ter sido dado como provado.

Existe atualmente um inequívoco e exigente ónus de alegação por parte de quem recorre, que tem, desde logo, de apresentar a resposta que considera correta, às questões de facto impugnadas”, menciona-se no acórdão do STJ de 03.12.2015 (procº 1348/12.7TIBRG.G1.S1). Tal como, “o cumprimento do ónus estabelecido no artigo 640.º do Código de Processo Civil passa pela invocação de que determinado facto foi incorretamente julgado, enunciando-o e explicitando as razões de tal incorreção, isto é, apresentando uma análise crítica dos elementos de prova de que o julgador deveria retirar uma conclusão diferente da que retirou, e ainda pela indicação do facto tal como deveria ter sido dado como provado ou não provado”.

A criação do ónus de alegação no que respeita à delimitação do objeto da impugnação e à respetiva fundamentação, encontra-se justificada no preâmbulo do DL nº 39/1995, de 15.02 (que veio estabelecer a possibilidade de documentação ou registo das audiências finais e da prova nelas produzida): “A garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência - visando apenas a deteção e correção de pontuais, concretos e seguramente excecionais erros de julgamento, incidindo sobre pontos determinados da matéria de facto, que o recorrente sempre terá o ónus de apontar claramente e fundamentar na sua minuta de recurso” (acórdão do STJ de 19.02.2015, proc. 405/09.lTMCBR.C1.S1. www.dgsi.pt).

Como refere também Abrantes Geraldes (obra citada) “importa observar ainda que as referidas exigências devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor.

Trata-se, afinal, de uma decorrência do princípio da autorresponsabilização das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo”.

Expendeu-se também no acórdão do STJ de 22.10.2015 (www.dgsi.pt) que “o sentido e o alcance dos requisitos formais da impugnação da decisão de facto previstos no nº 1 do art.º 640º do CPC devem ser equacionados à luz das razões que lhes estão subjacentes, mormente em função da economia do julgamento em sede de recurso de apelação e da natureza da própria decisão de facto”.

As especificações consagradas no mesmo artº 640º relacionam-se, pois, com a inteligibilidade da própria impugnação bem como com a unidade da prova; com o facilitar, à outra parte e ao tribunal da localização precisa dos problemas a resolver no meio de um processo que pode ter centenas de factos e dezenas de documentos e depoimentos, por um lado, só assim também se garantindo o exercício do contraditório de quem tem interesse no desfecho do recurso, por outro, evitando-se que o tribunal viole o seu dever de independência e equidistância, assim como, a relatividade do decidido face à idealizada pretensão do impugnante.

A sua observância não surge, pois, desproporcionada.

Em nada diminui o grau de violação da norma a circunstância de se contra-alegar ou do tribunal ad quem admitir que se entende a finalidade da impugnação e os meios em que se apoia.

Não é seguramente este argumento que norteia o rigor da interpretação da lei face a qualquer realidade concreta sob pena de imperar a subjetividade e se neutralizar a eficácia da norma.

É que sendo natural que se divirja pode não ser reconhecível o entendimento do homem médio enquanto intérprete da impugnação.

E a prevalência da substância sobre a forma não poderá consistir na negação de regras do processo que são intrinsecamente instrumentais do exercício de direitos substantivos.

Não se argumente que há casos em que não é difícil descortinar quais são as respetivas partes da decisão colocadas em causa pela impugnação e o sentido que se pretende apropriado para as mesmas através da confrontação do alegado com as questões, a matéria considerada provada e não provada e a dimensão temporal dos depoimentos.

Este exercício simplista é em vão por colocar em crise os princípios do contraditório, do dispositivo e da igualdade das partes que defluem do processo equitativo (artºs 3º e 4º do CPC).

Por seu turno, igualmente o conhecimento da maioria desta matéria objeto da impugnação que se rejeita encontra-se comprometido inequivocamente.

Com efeito, desde logo a matéria que é absolutamente irrelevante.

 Depois a matéria com componente conclusiva que não pode ser objeto de prova (artºs 410º a 412º e 607º, nºs 4 e 5 do CPC). Como predito, estamos a incluir, obviamente, a que respeita diretamente à nomeação dos números de horas que os recorrentes alegam serem de exercício de trabalho suplementar.

Além disso, como se refere na sentença, não estando devidamente alegada a causa de pedir quanto aos alegados créditos remuneratórios pela prestação de trabalho suplementar, sob pena de se praticar ato inútil, não admissível processualmente (artº 130º do CPC, sob a epigrafe princípio da limitação dos atos: “Não é lícito realizar no processo atos inúteis”), encontra-se prejudicada nesta instância de recurso a averiguação tanto dessa matéria diretamente como daquela que de forma secundária pudesse eventualmente permitir enquadrar a determinação do número de horas de trabalho prestado em termos suplementares em conformidade legal.

Segundo a sentença: 

“Tanto o artigo 197º do Código do Trabalho de 2003, como o artigo 226º do Código do Trabalho de 2009, no seu nº 1, estabelecem que se considera trabalho suplementar o que é prestado fora do horário de trabalho. Tratar-se-á, assim, de situações em que se verifica um desvio em relação ao programa normal de atividade do trabalhador.

Todavia, quer nos termos do artigo 258º nº 5 do Código do Trabalho/2003, quer de acordo com o nº 2 do artigo 268º do Código do Trabalho/2009, apenas é exigível o pagamento de trabalho suplementar, cuja prestação tenha sido prévia e expressamente determinada, ou realizada de modo a não ser previsível a oposição do empregador.

Com efeito, é pacífico na jurisprudência que “o reconhecimento do direito à retribuição do trabalho suplementar pressupõe a prova de dois factos constitutivos do direito”, sendo eles “a prestação efetiva do trabalho suplementar” e “a determinação prévia e expressa de tal trabalho pela entidade patronal, ou, pelo menos, como mais recentemente se considerou, a efetivação desse trabalho com o conhecimento (implícito ou tácito) e sem a oposição da entidade patronal” (2-Acórdão do STJ de 05/07/2007 (proc. 2576/05), in www.dgsi.pt/jstj). Acresce que, “é ainda imprescindível a prova por parte do titular do direito ou de quem o representa – sobre quem impende o respetivo ónus, nos termos do artigo 342º, nº 1 do Código Civil, por se tratar de facto constitutivo do direito à respetiva retribuição especial – de que executou efetivamente esse trabalho, para além dos limites do horário de trabalho legal e convencionalmente estabelecidos” (3- Acórdãos do STJ de 19/12/2007 (proc. 1931/07), de 02/12/2013 (proc. 265/06.4TTVNG.L1.S1) e de 02/12/2013 (proc. 2375/08.4TTLSB.L1.S1), in www.dgsi.pt/jstj).

Ora, se já eram muitas as dúvidas sobre este último pressuposto, temos de reconhecer que os Autores nada provaram quantos aos restantes requisitos para ver reconhecido o seu direito à retribuição por trabalho suplementar, tendo em conta a alegação singela, decalcada da letra da lei (artigo 258º, nº 5 do Código do Trabalho de 2003), de que realizaram “trabalho suplementar não remunerado para a 1ª Ré, cuja prestação foi prévia e expressamente determinada pela Ré ou executado sem oposição da mesma, trabalho suplementar realizado na sua folgas, nos inventários, durante a hora de almoço que não é gozada e ainda para além do seu horário de trabalho semanal, nomeadamente nas suas folgas” (cfr. artigo 100º de cada uma das petições).

Na verdade, para além das generalidades constantes dos artigos 100 e 101º de cada uma das petições, os AA não alegaram, nem provaram que tivessem prestado trabalho suplementar por expressa determinação da ré. Por outro lado, também não alegaram factos que, em concreto, permitissem inferir que, a ter sido prestado trabalho, tal prestação ocorreu em condições que excluiriam a hipótese de oposição da parte da Ré. Os factos provados não nos dão conta que tipo de trabalho foi prestado suplementarmente, nem as circunstâncias que levariam à exclusão daquela hipótese de oposição. A simples circunstância de tal prestação ocorrer com normalidade (geralmente) não é de molde a considerar que a Ré, conhecendo a situação, a ela não se oporia. Necessário seria a demonstração do tipo de trabalho prestado e da sua efetiva necessidade para que se pudesse formular o juízo de que, conhecendo-o, a Ré com toda a probabilidade não se oporia à sua prestação fora do período normal de trabalho.

No entanto, o que resultou provado, foi precisamente o contrário: que o trabalho suplementar dependia sempre do prévio consentimento e autorização expressa da 1ª Ré. Por isso, o trabalho que, porventura, fosse prestado fora do horário de cada um dos trabalhadores, por sua própria iniciativa, nunca poderia ser considerado trabalhado suplementar, desde logo porque era do seu conhecimento o procedimento interno de que só seria considerado como tal o que tivesse sido “ordenado ou aceite expressamente pela chefia direta” (cfr. alínea 28) dos factos provados).”

Regime igual quanto ao trabalho suplementar era o resultante dos artºs 2º e 6º do Dl 421/83 de 02.12.

Como se afirma também nas contra-alegações da 2ª R:

“Era notória na petição inicial a total falta de alegação dos factos cujo ónus cabia aos AA. e sem os quais o resultado da presente ação apenas poderia ser a improcedência total dos respetivos pedidos.

Isto porque, estando em causa créditos relativos a alegado trabalho suplementar prestado e não pago, eram factos constitutivos do direito dos AA., ora Recorrentes, nomeadamente:

i. a alegação do horário de trabalho dos AA. (com a indicação das horas de início e do termo do período normal de trabalho diário, bem como dos respetivos intervalos);

ii. a indicação das horas de trabalho prestado fora dos horários de trabalho estabelecidos; e

iii. que esse trabalho tinha sido prévia e expressamente ordenado pelo empregador ou, pelo menos, por ele consentido.”

(…)

Mais, os quadros apresentados pelos AA. nas petições iniciais são meramente conclusivos,  não permitindo apurar que horas concretas foram trabalhadas nos meses ali mencionados (não o número de horas, mas as horas concretas nos dias concretos).

De facto, apenas a alegação do horário concreto dos AA. em cada dia, em contraposição com o horário efetivamente praticado nesses mesmos dias, permitiria ao Tribunal apurar e concluir se as horas em questão teriam ou não sido efetivamente trabalhadas além do horário e se, em consequência (e verificados os restantes requisitos legais), poderiam ou não subsumir-se ao conceito legal de trabalho suplementar.

Ora, na ausência total de tais factos que deveriam ter sido alegados pelos AA., conclui-se por uma impossibilidade total em concretizar os factos que consubstanciam os pedidos dos AA., e, consequentemente, em compreender o fundamento no qual basearam os números de horas constantes dos referidos artigos das petições iniciais.

Por outro lado, os AA. tão pouco distinguiram as eventuais horas prestadas em dia de descanso semanal, em dia feriado ou em dia de trabalho normal, impossibilitando também o cálculo correto do valor eventualmente devido.

(…)

Mais referindo aquelas decisões que: “[a]cresce que tal ónus de alegação não se satisfaz através da junção de documentos a solicitar à ré, já que os documentos são um meio de prova e como tal nos termos do artº 341º do Código Civil têm por função, como todos os demais, a demonstração da realidade dos factos, sendo o momento da sua produção o da fase da instrução a qual tem por objeto os factos relevantes para o exame e decisão da causa que devam considerar-se controvertidas ou necessitadas de prova (artº 513º do C.P.C.).

Destina-se tal meio de prova a habilitar o julgador a formar a sua convicção acerca de determinados factos e não a habilitar as partes a definir os limites dos direitos que se arrogam no decurso de processo judicial já instaurado.

Por isso, o facto de a autora requerer a notificação da ré para juntar aos autos documentos, que entende relevantes quanto à matéria em discussão, não supre a omissão de alegação dos factos correspondentes.

Nem tão pouco o ónus da alegação se confunde com o ónus da prova, ou fica dispensado nos casos de inversão do ónus da prova. Com efeito tal como se lê no Ac. RL de 09/11/2005, in www.dgsi.pt “o facto dos artigos 126º e 204º do Código do Trabalho, ou do anterior art. 1º do Decreto – Lei 421/83 de 02/12, imporem à entidade empregadora um registo do trabalho normal e suplementar, não retira ao trabalhador o encargo de na ação em que reclama a falta de pagamento do trabalho suplementar, nos termos do artigo 342º, nº 1 do Cód. Civil, alegar e provar os factos pertinentes à procedência do seu pedido, nomeadamente que trabalhou para a ré para além do seu horário normal, indicado e concretizando os dias em que tal sucedeu e as horas concretas de trabalho e aquelas que ainda não tenham sido totalmente pagas”.

Assim, entendemos que a alegação da autora, quanto ao trabalho suplementar prestado de Outubro de 2002 até Julho de 2007, é manifestamente insuficiente, senão mesmo ininteligível, não tendo sido alegados factos concretos que, a provarem-se, sejam suscetíveis de conduzir à procedência do pedido formulado, não se justificando, por isso, o prosseguimento dos autos (neste sentido veja-se o Ac. RL de 01/02/2006, in www.dgsi.pt)” (cfr. doc. 1 e doc. 2).

No mesmo sentido, veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 9 de Novembro de 2005, ao decidir que “o facto de os artigos 162.º e 204.º do Código do Trabalho, ou do anterior art.º 10.º do Decreto-Lei n.º 421/83, de 2.12, imporem à entidade empregadora um registo de trabalho normal e suplementar, não retira ao trabalhador o encargo de, na ação em que reclama falta de pagamento de trabalho suplementar, nos termos do artigo 342.º n.º1 do CC, alegar e provar os factos pertinentes à procedência do seu pedido, nomeadamente que trabalhou para a Ré para além do seu horário normal, indicando e concretizando os dias em que tal sucedeu e as horas concretas de trabalho e aquelas que ainda não tenham sido totalmente pagas” (negrito nosso, Processo n.º 2007/2005-4, disponível em www.dgsi.pt).

Acrescenta, ainda, o mesmo Acórdão que “nem se diga que os autores só podiam fazer a alegação da factualidade relativa às horas de entrada e saída se dispusessem dos documentos alegadamente na posse da ré. É que os autores na petição inicial apresentaram e peticionaram valores concretos relativos ao trabalho suplementar……o que só pode significar que dispunham de todos os elementos que lhes permitiram efetuar os cálculos, incluindo necessariamente as horas de entrada e saída.”

Entendeu, igualmente, o Tribunal da Relação do Porto, em aresto datado de 28 de Fevereiro de 2005, que, “[n]ão tendo o autor alegado, em concreto, os dias e as horas em que trabalhou, ou, ao menos, os dias/horas em que não trabalhou, e cabendo-lhe a si tal prova, não pode considerar-se provada a realização de trabalho suplementar com a mera alegação e prova de um determinado horário normal, embora nem sempre rigorosamente cumprido” (Processo n.º 0415681, disponível em www.dgsi.pt).

Finalmente, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 1 de Fevereiro de 2006, refere que “I- A causa de pedir de um crédito relativo a trabalho suplementar deve, portanto, ser constituída pelos seguintes elementos de facto: a) - alegação do “horário de trabalho” do trabalhador (com a indicação das horas de início e do termo do período normal de trabalho diário, bem como dos respetivos intervalos; b) - indicação das horas de trabalho prestado fora dos horários de trabalho estabelecidos; c) - que esse trabalho tenha sido prévia e expressamente ordenado pelo empregador ou, pelo menos, por ele consentido; II- Se, o conjunto dos factos alegados pelo autor (factos constitutivos) não preenche as condições de procedência da ação, torna-se indiferente a sua prova e, por conseguinte, inútil a tarefa de seleção matéria de facto, instrução e julgamento da mesma; III- Os documentos são, por definição, um meio de prova de factos que se alegam e não uma forma de suprir a falta de alegação; IV- Deve, pois, ser indeferido o pedido de requisição aos autos de documentos em poder da parte contrária, sempre que a função desses documentos se destine a suprir uma falta de alegação” (negrito nosso, Processo n.º 2001/2005-4, disponível em www.dgsi.pt).”.

O conhecimento da matéria de facto tal como pretendem os recorrente igualmente encontra-se prejudicada de forma irremediável dada a forma parcial como abordam os fundamentos pelos quais o tribunal a quo decidiu a matéria de facto, assim deixando intocáveis meios de prova de que esse tribunal se municiou para o efeito e, consequentemente, o juízo critico que os apreciou, nomeadamente até os próprios depoimentos que os recorrentes invocaram.

Menciona-se na sentença:

 “Para além dos factos supra elencados, mais nenhum dos alegados pelas partes resultou provado, nomeadamente os que constam dos artigos 4º, 114º, 115º, 118º, 119º, 121º, 122º, 123º, 124º, 125º, 126º, 127º e 128º da petição do Autor, AA, e dos artigos 4º, 8º (apesar de conclusivo), 15º (apesar de genérico), 96º (apesar de conclusivo), 97º, 98º, 99º (apesar de conclusivo), 100º e 101º (apesar de conterem apenas conclusões), 102º, 103º, 104º, 118º, 119º das petições dos restantes AA.

O restante articulado não contém quaisquer factos que sejam relevantes para a apreciação do mérito da causa, sendo certo, no entanto, que sempre seriam irrelevantes para a apreciação dos pedidos que ainda subsistem.

Os factos dados por assentes, supra descritos, resultam, fundamentalmente, da respetiva não impugnação no articulado apresentado pela parte contrária, no teor dos documentos juntos com os articulados, nomeadamente os contratos de trabalho dos diversos AA., e ainda no depoimento das testemunhas inquiridas em audiência, criticamente analisados e confrontados com o teor dos referidos documentos e posição das partes no respetivo articulado.

Assim, a factualidade constante das alíneas 1) a 16), que corresponde, essencialmente, a matéria alegada pelos AA., não foi objeto de qualquer impugnação por parte das Rés, pelo que a consideramos confessada.

Por sua vez, as alíneas 17) a 25) contêm matéria que, tendo sido confirmada pelas testemunhas apresentadas pelas Rés, tem assento na documentação junta aos autos pelas Rés respeitante ao processo de transmissão do estabelecimento de restauração (Unidade Económica ...) da 1ª para a 2ª Ré. Aliás, os AA. apenas recusaram a validade da transmissão; não dizem que não ocorreu. De todo o modo, até as testemunhas dos AA. se aperceberam que a partir de Novembro de 2007, passaram a receber da 2ª Ré, sociedade cujo nome passou a constar dos recibos de vencimento. Portanto, ninguém pôs em causa a existência de uma transmissão do estabelecimento industrial/comercial da 1ª para a 2ª Ré. Acresce que as testemunhas da Ré foram claras e unânimes em afirmar que todos os trabalhadores foram avisados daquela transmissão e dos respetivos efeitos.

Por fim, tanto o horário de trabalho contratado, como os requisitos e procedimentos para o pagamento de trabalho suplementar (alíneas 26) a 29)), são factos que estão devidamente documentados nos autos, mas que também foram claramente confirmados pelos depoimentos das testemunhas das RR., todas elas funcionárias da 1ª Ré, designadamente, PP (responsável pela secção administrativa) e MM (chefe de secção administrativa, e antes chefe de recursos humanos em ... e ...).

Contrariamente, os factos não provados, nem nos documentos, nem nos depoimentos das testemunhas obtiveram qualquer apoio.

Com efeito, para além de confirmarem a existência de regras na empresa para prestação de trabalho fora do respetivo horário (cfr. depoimento da testemunha QQ), todas referiram que vigorava na empresa um sistema de controlo de horários de entrada e saída (antes de cartão e a partir de 2006 de controlo biométrico), mas que não havia ninguém a verificar se os trabalhadores colocavam ou não a palma da mão no aparelho ou metiam o cartão, quando entravam e saíam. Referiam ainda que ocorriam muitas trocas de turnos entre trabalhadores, sem autorização e conhecimento das RR. Acresce que, como a maior parte do alegado trabalho suplementar não pago ocorreria ao fim de semana, as testemunhas que trabalhavam durante a semana, disseram que nada poderiam ter presenciado (cfr. depoimento de KK). E, pese embora tivessem sido confrontados com as listas de picagem juntas aos autos, apenas se limitaram a referir que o respetivo teor não correspondia à realidade (cfr. depoimento de JJ), sem apresentarem qualquer justificação para tal afirmação. De todo o modo, todos eles ignoravam o horário de trabalho a que estava vinculado cada um dos AA.

Por isso, não tendo sido confessados pela Ré, e dada a inexistência de prova testemunhal ou documental séria e idónea que os confirmassem, nunca poderia resultar provada a factualidade (muito conclusiva, diga-se) alegada pelos AA respeitante à prestação de trabalho suplementar.

O mesmo se diga em relação às restantes prestações retributivas cuja reclamação de pagamento apenas foi mantido pela Autora, GG, sendo certo, no entanto que, quanto a essa matéria, não foram alegados factos concretos que permitissem a sua caracterização como retribuição.”

   Ora, nesta fundamentação é feita análise crítica da prova e são assegurados os raciocínios e seus percursos que presidiram à opção da matéria de facto discutida, sendo admitida ou repudiada.

Não se fazem afirmações inconciliáveis entre si.

Sem premissas incompatíveis, cada uma delas utilmente subsiste por si.

Nesta medida, nada se lhe há de apontar e nem a coerência formal desse processo lógico progressivo é propriamente questionada pela recorrente.

Tudo, nesta perspetiva, insuscetível de afetar a transparência da decisão.

Não será necessário um exercício de exegese exigente para se concluir deste modo.

E, conforme se salienta no douto Acórdão do Tribunal Constitucional nº 198/04, publicado no DR, II Série, de 02.06.2004, a impugnação da decisão em matéria de facto “(...) terá de assentar na violação dos passos para a formação de tal convicção, designadamente porque não existem os dados objetivos que se apontam na convicção ou porque se violaram os princípios para aquisição desses dados objetivos ou porque não houve liberdade na formação da convicção. Doutra forma, seria a inversão da posição das personagens do processo, como seja a de substituir a convicção de quem tem de julgar pela convicção dos que esperam a decisão (...)”.

O que se compreende porquanto é o juiz a quo quem procede ao julgamento da causa e acerca dos factos nele aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção e não o Tribunal de recurso, cujo poder de intervenção se circunscreve a reapreciar pontos concretos da decisão da matéria de facto especificados nas conclusões do recurso com vista a reparar erros de julgamento ali cometidos.

Como se antecipou, os recorrentes igualmente não depreciaram a decisão do tribunal a quo sobre a matéria que impugna segundo o juízo crítico e lógico deste alheando-se praticamente da fundamentação da convicção que esteve na base dessa decisão,

Além do referido na dita fundamentação sobre a hipótese de falta de fiabilidade dos registos das folhas de picagem, como se menciona nas contra-alegações da 1ª R, considerando a data da propositura da lide, temos também que para se reconhecerem os créditos constituídos e vencidos mais de cinco anos antes da propositura das ações:

«…na apreciação da decisão sobre a matéria de facto, deve ainda ter-se em consideração que, nos termos do art. 381, n.º 2, do CT/2003, “os créditos resultantes … pela realização de trabalho suplementar, vencidos há mais de 5 anos, só podem, todavia, ser provados por documento idóneo”.  Consequentemente, tendo as ações dado entrada em outubro de 2008, os créditos anteriores a novembro de 200[8] só poderiam ser provados por documento idóneo.

Conforme o Acórdão do STJ, de 16.11.2011, processo n.º 2026/07.4TTPRT.P1.S1, in www.dgsi.pt, “I. A doutrina e a jurisprudência têm convergido no entendimento de que o “documento idóneo”, para prova do trabalho suplementar, realizado há mais de cinco anos, terá de consistir num documento escrito, emanado da própria entidade empregadora e que, por si só, tenha força probatória bastante para demonstrar a existência dos factos constitutivos do crédito, sem necessidade de recurso a outros meios de prova, designadamente a prova testemunhal. II. Se o documento oferecido como prova do trabalho suplementar, realizado há mais de cinco anos, por si só, não faz a demonstração da prestação do trabalho desta natureza, por ser necessário complementá-la com outros meios de prova, tal documento não poderá ser havido como “documento idóneo”.»

Por último, constatamos, exige-se para a impugnação da decisão sobre a matéria de facto que os elementos de prova que se invoquem tenham a virtualidade de impor a modificação da decisão de facto como se reclama nos artºs 640º, nº 1, alª b), e 662º, nº 1, do CPC (“…que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnada diversa da recorrida” ou “… impuserem decisão diversa”).

Efetivamente, é apodítico, para estes normativos convém especificar não meios de prova que admitam, permitam ou consintam decisão diversa da recorrida mas, antes, que imponham decisão diversa da impugnada.

E toda a apreciação da prova pelo tribunal a quo tem ainda a seu favor o importante princípio da imediação que não pode ser descurado no convencimento da veracidade ou probabilidade dos factos sobre que recaiu a mesma, segundo o princípio da liberdade de julgamento.

No nosso ordenamento jurídico vigora o princípio da liberdade de julgamento ou da prova livre segundo o qual o tribunal aprecia livremente as provas e fixa a matéria de facto em sintonia com a convicção que tenha firmado acerca de cada facto controvertido, salvo se a lei exigir, para a existência ou prova do facto jurídico, qualquer formalidade especial.

O julgador deverá avaliar o depoimento em conformidade com as impressões recolhidas da sua audição e com a convicção que delas resultou no seu espírito, de acordo com as regras de experiência (Miguel Teixeira de Sousa, A Livre Apreciação da Prova em Processo Civil, Scientia Iuridica, tomo XXXIII, 1984, 115 e seg).

Improcedendo deste modo o recurso quanto à impugnação da decisão referente à matéria de facto que se mantem assim incólume, fica prejudicado o conhecimento de todas as demais questões suscitadas direta ou indiretamente no recurso, como, de resto, também os recorrentes entendem dada economia do recurso.

Pelo exposto vai ser julgado improcedente o recurso.» (Fim da transcrição do acórdão do Tribunal da Relação).

No acórdão recorrido, em síntese, considerou-se que os recorrentes incumpriram o disposto no art.º 640º, nºs 1, alíneas b) e c) e 2, alínea a) do Código de Processo Civil, para além de pretenderem que sejam dadas como provadas alegações de pendor conclusivo e irrelevantes por se remeter para a mera obtenção e indicação de meios de prova.

No recurso de apelação os recorrentes defenderam o seguinte nas respetivas conclusões:

«24- O Mmo Juiz “a quo” não deu como provados os factos relativos a trabalho suplementar na totalidade do período peticionado, isto é não distinguindo aqui entre o prescrito por motivo de ausência de documento idóneo e alegado com recurso à prova testemunhal, bem como ignorando por completo a decisão da Relação de Guimarães que determinou a obrigatoriedade de recebimento dos documentos- picagens de ponto para a totalidade dos Autores documentos cuja idoneidade e veracidade não foi nunca impugnada pelas testemunhas da Ré, bem como os horários de trabalho de cada um dos trabalhadores juntos aos autos pelas Autoras e entregues pelas Rés na delegação do ACT de ... como de resto resultava de anterior imposição legal.

25- Do trabalhador AA encarregado de .../Chefe de Secção, deveriam ter resultado provados os factos descritos na P.I. sobre os artigos: 115.º, 116.º, 117.º, 118.º, 119.º, 120.º, 121.º, 122.º, 123.º.

26- Os artigos 124º a 128º referentes ao trabalho suplementar prestado entre 2002 e 2007 resultaram provados porquanto o registo aí expresso corresponde ao trabalho registado nas picagens documentos juntos aos autos e confirmados pelas testemunhas JJ, KK, NN e QQ.

...

33- Da trabalhadora EE Chefe de Balcão deveriam ter resultado provados os factos descritos na P.I., sobre os artigos 95.º, 96.º e 97.º a 102º

34- O art.º 27.º, salvo melhor entendimento resulta inteiramente falso que tenha resultado provado, já que o procedimento descrito seria apenas utilizado aos domingos e feriados.

35- A chefia direta do Autor Apelante AA Encarregado de .../ Chefe de Secção era o Dr. KK e a chefia direta das restantes Autoras Apelantes era o Sr. AA

36- O art.º 29 revela que o procedimento relativo a trabalho suplementar foi dado a conhecer a todos os colaboradores da 1ª Ré, através da ligação da intranet na empresa e afixação nos locais de trabalho. Com o devido respeito, conseguimos alcançar que a maioria dos colaboradores não teria acesso á intranet, e o mais provável seria nem sequer disporem de conhecimentos informáticos para consulta.

37- Relativamente a afixação nos locais de trabalho julgo tornar-se claro, no decorrer das declarações de parte das Autoras Apelantes gravadas em Audiência de Julgamento a 25.10.2015, que a mesma não se fez.

38- Os factos da Petição Inicial do Autor AA com os arts.º 114º, 115º, 118º, 119º, 121º, 122º, 123º, 124º, 125º, 126º, 127º e 128º bem como os factos da Petição Inicial das restantes Autoras com os arts. 96º, 97º, 98º, 99º, 100º, 101º e 102º,103º, 104º, 118º, 119º deveriam ter sido considerados provados, com recurso a prova documental, nomeadamente aos documentos-picagens onde se verifica o registo do ponto diário, com natural premência para as horas de entrada e saída dos trabalhadores e á prova testemunhal apesentada.

39- Para o período em análise nos autos entre 2002 e 2007 teremos que ter em linha de conta o Código do Trabalho de 2003, bem como a legislação de trabalho anterior a 2003, nomeadamente o vertido na lei 73/98.

40- Ao trabalhador não era permitido recusar-se a fazer o trabalho que era exigido ou a chegar apenas dentro do seu horário formal.

41- Em termos de fundamentação a Douta Sentença para além de tecer considerações pouco próprias da natureza do título, nomeadamente quanto à falsidade e contradições dos testemunhos, contradiz a prova produzida

42- De forma leviana a Douta Sentença apreciou a prova confiando na necessidade imperiosa da prova do dia a dia e hora a hora e da respetiva contradição.

43- Entendem os AA. ter largamente provado a prática de um horário ao longo de vários anos substancialmente superior ao permitido por lei, sendo nessa medida consubstanciador da prática, consentida e conhecida de trabalho suplementar que conforme resulta dos autos não foi pago.

44- A Douta Sentença e respetiva fundamentação está em clara oposição com a prova produzida, culminando num abismal erro de julgamento.

45- Há um clamoroso erro na apreciação das provas, conforme resulta do excerto das gravações apresentadas e a prova documental apresentada pelos AA., nomeadamente os respetivos recibos, picagens e horários atestam contrariamente ao afirmado da veracidade do alegado – falta de pagamento de trabalho suplementar para além do feriado.

46- Também resulta de forma clara que o trabalho realizado para além do seu horário de trabalho e período normal de trabalho era do conhecimento da RR (que até compensava) e realizado sem oposição desta.

47- A testemunha da R/Apelada diz claramente no seu depoimento que o registo de ponto era do seu conhecimento diário e enviado diariamente para os serviços centrais que por fim processavam os salários de acordo com o que consideravam ser trabalho suplementar.

48- Consequentemente e por recurso á matéria de facto que deveria ser dada por provada haveria lugar ao pagamento do trabalho suplementar que se mostra provado.

49- Os AA. passaram “ab initio”, de forma sistemática a cumprir um horário mais alargado. Trabalharam sempre num dos dois dias de folga a que tinha direito.

50- Subjacente a esse horário mais alargado estão, não motivações subjetivas e espontâneas dos trabalhadores, mas motivos de indispensabilidade de gestão das RR. empregadoras, relacionadas com falta de pessoal – testemunho de KK, NN e JJ, mais referem nos seus testemunhos que os seus superiores hierárquicos nas horas de refeição presenciavam o fluxo de clientes com a consequente falta de trabalhadores e daí resultar o trabalho prestado fora do período normal de trabalho dos AA./Apelantes.

51- Estes elementos objetivos, só por si, permitem concluir ter havido uma determinação, ainda que presumida, da entidade empregadora para a prestação de trabalho fora do horário normal dos AA./Apelantes.

52- É única a questão posta, que consiste em resolver se as RR. estão ou não obrigadas a pagar aos AA. O trabalho suplementar realizado.

53- Os AA. provaram a descriminação do trabalho suplementar realizado e toda a factualidade daí emergente, como lhe impõe o art. 204.º do CT , em todos os seus aspetos (o que excede o horário normal, trabalho em dias de descanso e feriados) em suporte documental legal.

Sem prescindir

54- Resultando provado que os trabalhadores prestaram trabalho suplementar, mas fracassando a prova dos dias e do número exato de horas em que trabalharam para além do período normal de trabalho, deve o respetivo apuramento e o apuramento dos valores devidos a esse título ser relegado para posterior liquidação, ao abrigo do disposto no n.º 2 do art.º 661.º do CPC, podendo os AA., nesse âmbito, beneficiar da presunção a que alude o n.º 7 do art.º 204.º do CT/2003, relativamente ao pagamento mínimo por cada dia de trabalho suplementar prestado.» (Fim da transcrição de parte das conclusões do recurso de apelação).

O artigo 640.º do Código de Processo Civil, com a epígrafe «Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto» estatui o seguinte:

1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:

a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;

b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.

3 - O disposto nos n.os 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.

A atual redação desta disposição legal foi introduzida pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, e encontra correspondência, embora com algumas alterações, no art.º 685.º do anterior Código de Processo Civil, na redação introduzida pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24/8.

Segundo António Santos Abrantes Geraldes (Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2016 – 3.ª Edição, Almedina, pág. 136 e seguintes) as alterações mais salientes introduzidas na nova redação caracterizam-se pelo reforço do ónus de alegação, devendo o recorrente, sob pena de rejeição, indicar a resposta que, no seu entender, deve ser dada às questões de facto impugnadas, e relativamente a provas gravadas basta ao recorrente a indicação exata das passagens da gravação, não sendo obrigatória em caso algum a sua transcrição.

O citado autor, numa apreciação da evolução histórica do instituto da «Modificabilidade da decisão de facto», sublinha que a possibilidade de alteração da matéria de facto deixou de ter carácter excecional para se assumir como uma função normal do Tribunal da Relação, verificados que estejam os requisitos impostos pela lei. No entanto, adverte que «Nesta operação foram recusadas soluções que pudessem reconduzir-nos a uma repetição do julgamento, tal como foi rejeitada a admissibilidade de recursos genéricos contra a errada decisão da matéria de facto, tendo o legislador optado por abrir apenas a possibilidade de revisão de concretas questões de facto controvertidas relativamente às quais sejam manifestadas e concretizadas divergências por parte do recorrente».

O Supremo Tribunal de Justiça já se pronunciou, em diversos acórdãos, sobre o ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, firmando uma linha jurisprudencial que iremos procurar sintetizar.

No que diz respeito ao enquadramento processual da rejeição da impugnação da decisão relativa à matéria de facto, o Supremo Tribunal de Justiça considerou no acórdão de 3/12/2015, proferido no processo n.º 3217/12.1TTLSB.L1.S1 (Revista-4.ª Secção), que se o Tribunal da Relação decide não conhecer da reapreciação da matéria de facto fixada na 1.ª instância, invocando o incumprimento das exigências de natureza formal decorrentes do artigo 640.º do Código de Processo Civil, tal procedimento não configura uma situação de omissão de pronúncia.

No mesmo acórdão refere-se que o art.º 640.º, do Código de Processo Civil exige ao recorrente a concretização dos pontos de facto a alterar, assim como dos meios de prova que permitem pôr em causa o sentido da decisão da primeira instância e justificam a alteração da mesma e, ainda, a decisão que, no seu entender deve ser proferida sobre os pontos de facto impugnados.

Acrescenta-se que este conjunto de exigências reporta-se especificamente à fundamentação do recurso não se impondo ao recorrente que, nas suas conclusões, reproduza tudo o que alegou acerca dos requisitos enunciados no art.º 640.º, n.ºs 1e 2 do CPC.

Por fim, conclui-se que versando o recurso sobre a impugnação da decisão relativa à matéria de facto, importa que nas conclusões se proceda à indicação dos pontos de facto incorretamente julgados e que se pretende ver modificados.

A propósito do conteúdo das conclusões, o acórdão de 11-02-2016, proferido no processo n.º 157/12.8 TUGMR.G1.S1 (Revista) – 4.ª Secção, refere que tendo a recorrente identificado no corpo alegatório os concretos meios de prova que impunham uma decisão de facto em sentido diverso, não tem que fazê-lo nas conclusões do recurso, desde que identifique os concretos pontos da matéria de facto que impugna (Cfr. no mesmo sentido acórdãos de 18/02/2016, proferido no processo n.º 558/12.1TTCBR.C1.S1, de 03/03/2016, proferido no processo n.º 861/13.3TTVIS.C1.S1, de 12/05/2016, proferido no processo n.º 324/10.9TTALM.L1.S1 e de 13/10/2016, proferido no processo n.º 98/12.9TTGMR.G1.S1, todos da 4.ª Secção).

No que diz respeito à exigência prevista na alínea b), do n.º 1, do art.º 640.º do Código de Processo Civil, o acórdão de 20-12-2017, proferido no processo n.º 299/13.2TTVRL.C1.S2 (Revista) - 4ª Secção, afirma com muita clareza que quando se exige que o recorrente especifique «[o]s concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida», impõe-se que esta concretização seja feita relativamente a cada um daqueles factos e com indicação dos respetivos meios de prova, documental e/ou testemunhal e das passagens de cada um dos depoimentos.

Quanto ao caso em análise no aludido acórdão referiu-se que não cumpre aquele ónus o apelante que, nas alegações e nas conclusões, divide a matéria de facto impugnada em três «blocos distintos de factos» e indica os meios de prova relativamente a cada um desses blocos, mas omitindo-os relativamente a cada um dos concretos factos cuja decisão impugna.

Acerca da natureza do ónus de alegação, quando se pretenda impugnar a matéria de facto, o acórdão de 09-02-2017, proferido no processo n.º 471/10.7 TTCSC.L1.S1 (Revista – 4.ª Secção), sublinhou que «Ao impor um ónus especial de alegação quando se pretenda impugnar a matéria de facto, com fundamento na reapreciação da prova gravada, o legislador pretendeu evitar que o impugnante se limite a atacar, de forma genérica e global, a decisão de facto, pedindo simplesmente a reapreciação de toda a prova produzida em primeira instância, daí que o prazo acrescido de 10 dias só seja aplicável quando o recorrente o use efetivamente para impugnar a matéria de facto».

Finalmente, na linha da doutrina (Cfr. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2016-3.ª Edição, Almedina, pág. 142), o Supremo Tribunal de Justiça tem entendido que quando o recorrente não cumpra o ónus imposto no art.º 640.º do Código de Processo Civil não há lugar ao convite ao aperfeiçoamento, que está reservado para os recursos da matéria de direito (Cfr. acórdãos de 7/7/2016, proferido no processo n.º 220/13.8TTBCL.G1.S1 e de 27/10/2016, proferido no processo n.º 110/08.6TTGDM.P2.S1, ambos da 4.ª Secção).

Mais recentemente, a propósito desta problemática, a Secção Social deste Supremo Tribunal voltou a sublinhar:

- A alínea b), do n.º 1, do art. 640.º do CPC, ao exigir que o recorrente especifique “[o]s concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida”, impõe que esta concretização seja feita relativamente a cada um daqueles factos e com indicação dos respetivos meios de prova, documental e/ou testemunhal e das passagens de cada um dos depoimentos.

- Não cumpre aquele ónus o apelante que, nas alegações e nas conclusões, agrega a matéria de facto impugnada em blocos ou temas e indica os meios de prova relativamente a cada um desses blocos, mas omitindo-os relativamente a cada um dos concretos factos cuja decisão impugna. (Acórdão de 19-12-2018, proferido no Proc. n.º 271/14.5TTMTS.P1.S1 e Acórdão de 05-09-2018, proferido no Proc. n.º 15787/15.8T8PRT.P1.S2.)

- Da conjugação do art.º 640.º, n.º 1, alíneas a) e c), do Código de Processo Civil, com o disposto no art.º 639.º, n.º 1, do mesmo diploma legal, resulta que o recorrente que pretenda impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto tem de fazer consignar nas suas conclusões os concretos pontos de facto que pretende impugnar e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida. (Acórdão de 31-10-2018, proferido no Proc. n.º 2820/15.2T8LRS.L1.S1.)

- Na verificação do cumprimento dos ónus de alegação previstos no artigo 640.º do Código de Processo Civil, os aspetos de ordem formal devem ser modelados em função dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.

- Limitando-se o Recorrente a afirmar, tanto na alegação como nas conclusões, que, face aos concretos meios de prova que indica, “se impunha uma decisão diversa”, relativamente às questões de facto que impugnara, deve o recurso ser rejeitado quanto à impugnação da matéria de facto, por não cumprimento do ónus processual fixado na alínea c), do n.º 1, do artigo 640.º, do Código de Processo Civil. (Acórdão de 06-06-2018, proferido no Proc. n.º 1474/16.3T8CLD.C1.S1.)

- Não cumpre o ónus imposto pelo n.º 2, al. a), do artigo 640.º do Código de Processo Civil - indicação exata das passagens da gravação em que se funda a sua discordância - o recorrente que nem indicou as passagens da gravação, nem procedeu à respetiva transcrição e se limitou a fazer um resumo, das partes pertinentes desses depoimentos. (Acórdão de 06-06-2018, proferido no Proc. n.º 125/11.7TTVRL.G1.S1.)

 

- Sendo as conclusões não apenas a súmula dos fundamentos aduzidos nas alegações stricto sensu, mas também e sobretudo as definidoras do objeto do recurso e balizadoras do âmbito do conhecimento do tribunal, no caso de impugnação da decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente indicar nelas, por referência aos concretos pontos de facto que constam da sentença, aqueles cuja alteração pretende e o sentido e termos dessa alteração.

- Por menor exigência formal que se adote relativamente ao cumprimento dos ónus do art. 640.º do Código de Processo Civil e em especial dos estabelecidos nas suas alíneas a) e c) do n.º 1, sempre se imporá que seja feito de forma a não obrigar o tribunal ad quem a substituir-se ao recorrente na concretização do objeto do recurso.

- Tendo o recorrente nas conclusões se limitado a consignar a globalidade da matéria de facto que entende provada mas sem indicar, por referência aos concretos pontos de facto que constam da sentença e que impugna, os que pretende que sejam alterados, eliminados ou acrescentados à factualidade provada, não cumpriu o estabelecido no art. 640.º, n.º 1, als. a) e c) do Código de Processo Civil, devendo o recurso ser liminarmente rejeitado nessa parte. (Acórdão de 16-05-2018, proferido no Proc. n.º 2833/16.7T8VFX.L1.S1.)

- A exigência, imposta pelo art. 640.º, n.º1, al. b) do Código de Processo Civil, de especificar os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida, determina que essa concretização seja feita relativamente a cada um daqueles factos e com indicação dos respetivos meios de prova, e quando gravados com a indicação exata das passagens da gravação em que se funda o recurso.

- Não cumpre aqueles ónus o apelante que, nas alegações não especificou os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou de gravação nele realizada, que impunham decisão diversa da recorrida sobre os pontos da matéria de facto que pretendia impugnar, limitando-se a transcrever as declarações, a mencionar documentos, tomando como referência determinados tópicos que elencou. (Acórdão de 11-04-2018, proferido no Proc. n.º 789/16.5T8VRL.G1.S1.)

Toda esta jurisprudência está em conformidade com os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, citados pelos recorrentes, proferidos nos processos, 233/09.4TBVNG.G1.S1 de 29/10/2015 e 134116/13.2YIPRT.E1.S1 de 15/2/2018.

No primeiro foi sumariado:

«1. Face aos regimes processuais que têm vigorado quanto aos pressupostos do exercício do duplo grau de jurisdição sobre a matéria de facto, é possível distinguir um ónus primário ou fundamental de delimitação do objeto e de fundamentação concludente da impugnação - que tem subsistido sem alterações relevantes e consta atualmente do nº 1 do art. 640º do CPC; e um ónus secundário – tendente, não propriamente a fundamentar e delimitar o recurso, mas a possibilitar um acesso mais ou menos facilitado pela Relação aos meios de prova gravados relevantes, que tem oscilado, no seu conteúdo prático, ao longo dos anos e das várias reformas – indo desde a transcrição obrigatória dos depoimentos até uma mera indicação e localização exata das passagens da gravação relevantes (e que consta atualmente do art. 640º, nº2, al. a) do CPC).

2. Este ónus de indicação exata das passagens relevantes dos depoimentos gravados deve ser interpretado em termos funcionalmente adequados e em conformidade com o princípio da proporcionalidade, não sendo justificada a imediata e liminar rejeição do recurso quando – apesar de a indicação do recorrente não ser, porventura, totalmente exata e precisa, não exista dificuldade relevante na localização pelo Tribunal dos excertos da gravação em que a parte se haja fundado para demonstrar o invocado erro de julgamento - como ocorre nos casos em que, para além de o apelante referenciar, em função do conteúdo da ata, os momentos temporais em que foi prestado o depoimento complemente tal indicação é complementada com uma extensa transcrição, em escrito dactilografado, dos depoimentos relevantes para o julgamento do objeto do recurso.»

No segundo pode ler-se:

I. A razão de ser do requisito de impugnação estabelecido na alínea a) do n.º 2 do artigo 640.º do CPC tem em vista o delineamento, por parte do recorrente, do campo de análise probatória sobre o teor dos depoimentos convocados de modo a proporcionar, em primeira linha, o exercício esclarecido do contraditório, por banda do recorrido, e a servir de base ao empreendimento analítico do tribunal de recurso, sem prejuízo da indagação oficiosa que a este tribunal é legalmente conferida, em conformidade com o disposto nos artigos 5.º, n.º 2, alínea a), 640.º, n.º 2, alínea b), 1.ª parte, e 662.º, n.º 1, do mesmo Código.

II. Complementarmente, tal exigência constitui um fator de concentração da argumentação probatória do recorrente, numa base substancial, sobre a caracterização do erro de facto invocado, refreando, por outro lado, eventuais tendências para meras considerações de natureza generalizante e especulativa.

III. Todavia, o nível de exigência na exatidão das passagens das gravações não se pode alhear da metodologia ou do modo concreto como os depoimentos foram prestados e colhidos em audiência.

IV. Assim, à luz dessas coordenadas, impõe-se aferir a medida de proporcionalidade adequada à exatidão das passagens das gravações a que se refere o normativo em foco.

V. Nessa conformidade, a decisão de rejeição do recurso com tal fundamento não se deve cingir a considerações teoréticas ou conceituais, de mera exegética do texto legal e dos seus princípios informadores, mas contemplar também uma ponderação do critério legal nas circunstâncias e modo como os depoimentos foram prestados e colhidos, bem como face ao grau de dificuldade que a indicação das passagens da gravação efetuada acarrete para o exercício do contraditório e para a própria análise crítica por parte do tribunal de recurso.               

VI. No caso em que vem impugnado apenas um juízo probatório negativo, convocando-se diversos depoimentos prestados nessa sede com argumentação crítica sobre a valoração feita pela 1.ª instância e questionamento da credibilidade dada às testemunhas da A. em detrimento das da R., complementada ainda pela transcrição desses depoimentos com indicação do dia da sessão de julgamento em que foram prestados, do ficheiro de que consta a respetiva gravação e das horas e tempo de duração, tal como ficou consignado em ata, tem-se por observado o nível de exatidão suficiente do teor dessas gravações suscetíveis de relevar para a apreciação do caso, à luz do preceituado no artigo 640.º, n.º 2, alínea a), do CPC.

VII. De resto, a forma como os depoimentos foram prestados e colhidos naquelas gravações, bem como a latitude da impugnação deduzida, versando nomeadamente sobre a credibilidade desses depoimentos, não se afigura de molde a exigir um minucioso parcelamento das respetivas passagens como foi entendido no acórdão recorrido, tanto mais que nem sequer tal forma de impugnação constituiu óbice ao exercício do contraditório por parte da apelada.

Na verdade, toda a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça sobre a problemática em causa é norteada pelo princípio da proporcionalidade, havendo sempre a preocupação de efetuar uma análise rigorosa em face de cada caso concreto.

Nessa linha, as coordenadas estabelecidas pelo Supremo Tribunal de Justiça visam evitar soluções que possam conduzir a uma repetição total do julgamento, em virtude de recursos genéricos contra uma decisão da matéria de facto alegadamente errada, observando-se assim a opção do legislador de viabilizar apenas uma reapreciação de questões concretas, relativamente às quais sejam manifestadas e concretizadas divergências por parte do recorrente, permitindo deste modo um efetivo exercício do contraditório por parte do recorrido.

Atenta a doutrina e jurisprudência que foram sendo firmadas, podemos concluir que o recorrente que pretenda impugnar a decisão da matéria de facto, deve:

– Concretizar cada um dos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

– Especificar os concretos meios probatórios constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida, sendo que essa concretização deve ser feita relativamente a cada um daqueles factos e com indicação dos respetivos meios de prova, documental e/ou testemunhal e das passagens de cada um dos depoimentos;

– Enunciar a decisão alternativa que propõe; 

– Indicar com exatidão as passagens da gravação em que funda a sua discordância com o decidido (tratando-se de prova gravada).

No caso concreto, analisando o recurso de apelação, constata-se que os autores, então apelantes, pediram que:

- Em relação ao autor AA fossem dados como provados os factos descritos na respetiva petição inicial sob os artigos: 115.º, 116.º, 117.º, 118.º, 119.º, 120.º, 121.º, 122.º, 123.º, 124.º, 125.º, 126.º, 127.º e 128.º;

- Em relação à autora EE fossem dados como provados os factos descritos na respetiva petição inicial sobre os artigos 95.º a 102º.

Sucede que, efetivamente, os apelantes não concretizaram, por referência a cada um dos mencionados factos que impugnaram, quais os meios probatórios que, no seu entender, imporiam decisão diversa daquela que foi dada pelo Tribunal de 1.ª Instância.

Com efeito, em relação ao autor AA, não concretizaram, por referência ao alegado sob os artigos 115.º a 123.º da petição inicial, qual o concreto meio de prova - documentos e/ou depoimentos - que impunha a pretendida alteração, o mesmo sucedendo em relação ao alegado sob os artigos 124.º a 128.º da petição inicial, relativamente aos quais é apenas feita uma remissão genérica ao registo do sistema biométrico/picagens junto aos autos e às testemunhas JJ, KK, NN e QQ, aludindo-se somente à data da ata da sessão de julgamento em que os seus depoimentos foram prestados, omitindo-se, portanto, a exata passagem da gravação em que fundam a sua pretensão.

Outrossim, em relação à autora EE, os apelantes também não concretizaram por referência ao alegado sob os artigos 95.º a 100.º da petição inicial qual o concreto meio de prova - documentos e/ou depoimentos - que impunham a pretendida alteração, o mesmo sucedendo em relação ao alegado sob os artigos 101.º e 102.º da petição inicial, relativamente aos quais é apenas feita uma remissão genérica aos registos do trabalho suplementar através de picagens juntos aos autos e às testemunhas JJ, KK e NN, aludindo-se somente à data da ata da sessão de julgamento em que os seus depoimentos foram prestados, omitindo-se, portanto, a exata passagem da gravação em que fundam a sua pretensão.

Na verdade, só mais à frente, sob a epígrafe “DA PROVA / ALEGAÇÃO DO TRABALHO SUPLEMENTAR REALIZADO PELOS AA./APELANTES”, os apelantes transcrevem excertos dos depoimentos de QQ, KK e JJ (em lado algum transcrevem qualquer excerto do depoimento de NN), onde indicam também a data e o horário em que foram prestados.

Fazem-no com o intuito de provar genericamente o trabalho suplementar que alegam ter realizado sem, no entanto, relacionar aqueles concretos meios de prova com cada um dos pontos que pretendiam fossem dados como provados.

Os apelantes manifestaram ainda discordância relativamente aos pontos 27.º, 28.º e 29.º da matéria dada como provada na sentença da 1.ª instância, que a Relação, no entanto, manteve incólume.

Sucede que, tal como refere o Tribunal da Relação, os apelantes não especificaram, em relação àqueles pontos, a decisão que, no seu entender, deveria ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

Assim, limitaram-se a dizer que “resulta inteiramente falso que tenha resultado provado” o ponto 27.º da sentença (A prestação de trabalho suplementar na 1.ª R. pressupõe (e sempre pressupôs) a elaboração de um pedido de autorização de trabalho suplementar, a submissão de tal pedido à apreciação da 1.ª R. e a posterior assinatura do superior hierárquico respetivo), «já que o procedimento descrito seria apenas utilizado aos domingos e feriados», sem, no entanto, oferecer resposta alternativa e indicando apenas um excerto do depoimento de duas testemunhas sem mencionar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso.

Relativamente ao ponto 28.º da sentença (Este procedimento consta do elenco das regras e procedimentos gerais escritos desde 1999 - MCC PT Regras e Procedimentos relativo ao trabalho suplementar, nomeadamente do ponto 5 que diz o seguinte: “Trabalho suplementar é aquele que é prestado antes ou para além do horário de trabalho, que tenha sido ordenado ou aceite expressamente pela chefia direta”) também deixam transparecer incompreensão pelo facto de não ter sido dado como provado o trabalho suplementar realizado sem oposição, sem, no entanto, apresentarem a resposta que, no seu entender, deveria ter sido proferida em alternativa, e indicando apenas parte do depoimento de uma testemunha sem mencionar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso e aludindo, em abstrato «ao relato feito pelas Autoras Apelantes ao longo das declarações de parte gravadas em Audiência de julgamento a 25.10.2017.»

Finalmente, alegam que o ponto 29.º «revela que o procedimento relativo a trabalho suplementar foi dado a conhecer a todos os colaboradores da 1ª Ré, através da ligação da intranet na empresa e afixação nos locais de trabalho» mas que é possível «alcançar que a maioria dos colaboradores não teria acesso à intranet, e o mais provável seria nem sequer disporem de conhecimentos informáticos para consulta.», ou seja, também neste particular não oferecem resposta alternativa e limitam-se a remeter em abstrato para as declarações de parte das autoras gravadas na audiência de julgamento de 25.10.2015.

Posto isto, e tudo ponderado, afigura-se-nos que efetivamente os apelantes não cumpriram os ónus exigidos pelo art.º 640.° n.°s 1, als. b) e c) e 2, al. a), do CPC, tendo o Tribunal da Relação decidido bem ao julgar improcedente o recurso relativo à decisão da matéria de facto.

B3) A segunda questão suscitada na revista consiste em saber se os documentos juntos aos autos, referentes ao registo através do sistema biométrico/picagens, só por si, impõem a alteração da decisão relativa à matéria de facto.

Os recorrentes referem, nas suas conclusões, que basearam a impugnação da decisão relativa à matéria de facto não só na prova documental, mas igualmente em testemunhal, acrescentando de seguida que os documentos em que ancoram a sua pretensão são documentos autênticos, nunca negados pelas R.R., assumindo, pois, força probatória plena em relação aos factos concretos a que se reportam, nos termos do art.º 376.º, n.º 1 e 2 do Código Civil.

O preceito legal citado, o art.º 376.º, n.º 1 e 2 do Código Civil, estatui o seguinte:

1. O documento particular cuja autoria seja reconhecida nos termos dos artigos antecedentes faz prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor, sem prejuízo da arguição e prova da falsidade do documento.

2. Os factos compreendidos na declaração consideram-se provados na medida em que forem contrários aos interesses do declarante; mas a declaração é indivisível, nos termos prescritos para a prova por confissão.

Os recorrentes não indicam concretamente a que documentos se referem, supondo-se que se trata do registo através do sistema biométrico/picagens que se encontram juntos aos autos.

Desses documentos não se pode retirar o efeito pretendido pelos recorrentes, pois dos mesmos não consta qualquer declaração das R.R., razão pela qual não há lugar ao enquadramento pretendido, e consequentemente para a aplicação do disposto no art.º 674.º n.º 3 do Código de Processo Civil, que permite a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça quando existir ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força a determinado meio de prova.

           

III

           

Decisão:

Face ao exposto acorda-se em negar a revista, confirmando-se o acórdão recorrido.

Custas a cargo dos recorrentes.

                                               ***

Os recorrentes no seu requerimento de interposição de recurso de revista fazem referência ao art.º 672.º n.º 1, alínea c) do Código de Processo Civil, que versa sobre a revista excecional, quando se verifica que um acórdão da Relação está em contradição com outro, já transitado em julgado, proferido por qualquer Relação ou pelo Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, salvo se tiver sido proferido acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme.

No ponto 10 das suas conclusões fazem alusão a uma alegada contradição com os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça proferidos nos processos, 233/09.4TBVNG.G1.S1 de 29/10/2015 e 134116/13.2YIPRT.E1.S1 de 15/2/2018.

Assim, devem os autos ir à distribuição nos termos e para os efeitos do art.º 672.º, n.º 3, do Código de Processo Civil.

Anexa-se sumário do acórdão.

Lisboa, 6 de novembro de 2019.

Chambel Mourisco (Relator)

Paula Sá Fernandes

António Leones Dantas