Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
06S3402
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: MÁRIO PEREIRA
Descritores: NULIDADE DE ACÓRDÃO
CONVENÇÃO COLECTIVA DE TRABALHO
PRINCÍPIO DA FILIAÇÃO
PORTARIA DE EXTENSÃO
COMPLEMENTO DE REFORMA
APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO
Nº do Documento: SJ200707050034024
Data do Acordão: 07/05/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE A REVISTA.
Sumário :



Aplicação da lei no tempo

I - A arguição de nulidades da sentença ou de acórdão da Relação deve ser feita expressa e separadamente no requerimento de interposição do recurso, e não nas respectivas alegações, sob pena de se considerarem extemporâneas e delas se não conhecer.

II - De acordo com o princípio da dupla filiação, para a aplicação de uma convenção colectiva, terá de se verificar, simultaneamente, a filiação do empregador e do trabalhador na respectiva entidade outorgante.

III - Porém, o âmbito de aplicação de uma convenção colectiva de trabalho pode ser estendido, após a sua publicação, através de acordo de adesão ou portaria de extensão.

IV - Dedicando-se a ré à indústria de cerâmica, às relações de trabalho entre a mesma e os seus trabalhadores administrativos não filiados nas associações sindicais outorgantes, é aplicável, por força de PE, o CCT para a indústria cerâmica (barro branco) outorgado entre a Associação Portuguesa das Indústrias de Cerâmica e a Federação dos Sindicatos do Comércio, Escritórios e Serviços e outra (administrativos), publicado no BTE, n.º 8, de 29-02-2000.

V - O art. 6.º, n.º 1, alínea e), do DL n.º 519-C1/79, de 29-12, na redacção introduzida pelo DL n.º 209/92, de 02-10, permite que os instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho possam estabelecer esquemas complementares da segurança social desde que a responsabilidade pela sua atribuição tenha sido transferida para instituições seguradoras.

VI - Assim, é válido o esquema complementar de segurança social instituído pela ré ao abrigo da legislação que regula os Fundos de Pensões.

VII - Ainda de acordo com o art.º 6.º, n.º 1, alínea e), e n.º 2, do DL n.º 519-C1/79, na redacção introduzida pelo DL n.º 209/92, fora do condicionalismo aí previsto, os benefícios complementares estabelecidos em convenções anteriores passaram a ser aplicáveis apenas aos contratos existentes no momento de entrada em vigor da nova lei (ou que venham a ser celebrados durante a vigência da convenção) e não a quaisquer outros que tenham sido celebrados no âmbito de uma convenção subsequente.

VIII - Por força do referido nas proposições anteriores, o complemento de reforma previsto na cláusula 60.ª do CCT para o sector administrativo da indústria cerâmica (publicado no BTE, n.º 48, de 24-12-82) e, posteriormente, na cláusula 76.ª do CTT que o substituiu (publicado no BTE, n.º 8, de 29-02-2000) é aplicável a um trabalhador admitido na empresa ré em 01-09-1968 e que veio a reformar-se em Janeiro de 2000.

IX - Nos termos das cláusulas referidas, o complemento de reforma corresponde à diferença entre a pensão de reforma paga ao trabalhador pela segurança social e a remuneração que ele efectivamente auferia à data da passagem à reforma, ou a remuneração correspondente à categoria que o trabalhador auferiria como se estivesse efectivamente ao serviço da empresa, caso esta seja superior.
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:


I – O autor AA pede, com a presente acção de processo comum, que as RR. Empresa-A e Empresa-B, sejam condenadas a reconhecer-lhe o direito a um complemento de reforma desde 1 de Janeiro de 2000, a pagarem-lhe solidariamente a importância de € 110.734,69 a título de complementos de reforma vencidos desde 2000 a Maio de 2004, bem como as prestações que se vencerem a partir de Junho de 2004 e calculadas em função quer da actualização anual das pensões de reforma, quer da actualização anual do ordenado mensal ilíquido que o autor auferiria como se estivesse ao serviço.
Alegou, para tal, em síntese:
Foi trabalhador da 1.ª ré desde 01-09-1968 até Maio de 2000, data em que passou à situação de reforma por velhice, com efeitos a Janeiro desse ano; a 1.ª ré constituiu há vários anos um fundo de pensões, gerido actualmente pela 2.ª ré, tendo em vista o pagamento aos seus trabalhadores de um complemento de subsídio de invalidez ou passagem à reforma por velhice, correspondente à diferença entre a pensão paga pela Segurança Social e o montante que auferiria se estivesse ao serviço da 1.ª ré: porém, as rés recusam-se a pagar-lhe o referido complemento.

As rés contestaram.
A Empresa-A invocou, em sede de excepção, a incompetência material do tribunal e a prescrição do alegado crédito do autor.
E, em sede de impugnação, afirmou a ilegalidade do regime convencional invocado pelo autor por violar lei expressa, que o salário a atender seria o da categoria do autor previsto no CCT e não o que efectivamente auferia, que em relação ao período de Janeiro de 2000 a Janeiro de 2004 o autor actua em manifesto abuso de direito, uma vez que nesse período recebeu em simultâneo pensão de reforma e a remuneração que ela - ré - lhe pagou pelo serviço que continuou a prestar nesse período e, finalmente, que houve uma alteração anormal das circunstâncias, derivada da modificação económico-financeira que a ré vivia na altura em que constituiu o Fundo e a que vive agora, o que lhe permite recusar a pretensão do autor, por ofensiva dos princípios da boa fé.

Por sua vez, a 2.ª ré excepcionou a sua ilegitimidade para a acção, por ser mera gestora do Fundo de Pensões da 1.ª ré, pelo que não tem interesse em contradizer, e impugnou, sustentando que não pode ser condenada no pagamento de quantias para além das que constituem o referido Fundo.
Ambas as rés concluíram pela procedência das excepções, com as respectivas consequências, ou, se assim não se entender, pela improcedência da acção, com a sua absolvição do pedido.

O autor respondeu, pugnando pela improcedência das excepções deduzidas e reafirmando, quanto ao mais, o alegado na petição inicial.

Os autos prosseguiram os seus termos, vindo a ser proferida sentença que julgou improcedentes as excepções de incompetência material do tribunal, de ilegitimidade da 2.ª ré e de prescrição de créditos e parcialmente procedente a acção, condenando as rés a pagarem ao autor um complemento de reforma mensal, a partir de Fevereiro de 2004, inclusive, no valor de € 1.894,84, bem como os vencidos posteriormente àquele mês no valor correspondente à diferença entre a sua pensão de reforma actualizada e o vencimento mensal ilíquido, igualmente actualizado, que o autor auferiria se estivesse ao serviço da 1.ª ré.

A solicitação da 2.ª ré foi esclarecida a sentença (ver fls. 283 e 284), após o que dela apelou a ré Empresa-A, recurso a que a ré Empresa-B aderiu, tendo o Tribunal da Relação de Coimbra confirmado a sentença.

II – Novamente inconformada, a ré Empresa-A veio recorrer de revista, tendo nas respectivas alegações formulado as seguintes conclusões:
1. O douto acórdão da Relação do Porto (1) é nulo por não se ter pronunciado sobre a alegação da recorrente relativa à falta de invocação e prova por parte do A. de ser sindicalizado e abrangido pela CCT publicada no BTE, 1ª série de 29.02.2000, que é requisito constitutivo do direito que reclama na acção (art. 668° n° 1 d) primeira parte, do CPC). Esta nulidade deve ser suprida pelo venerando Tribunal da Relação de Coimbra e consequentemente, julgado o recurso de apelação procedente, revogando-se a sentença do Tribunal de Trabalho de Leiria e absolvendo-se a recorrente. Se assim se não entender,
2. A cláusula 76 do CCT publicado no BTE 1ª série n° 8 de 29.02.2000 é nula por violar o disposto no art. 6° n° 1 e) do DL 519-C1/79 na redacção dada pelo DL 209/92 de 2 de Outubro.
3. Tal cláusula não cumpre os requisitos legais fixados pelo referido art. 6° n° 1 e), omitindo-os totalmente.
4. Este artigo remete para a Lei 28/84 e para o DL 225/89 cujos comandos, nomeadamente os do art. 3 deste último diploma não foram cumpridos.
5. O CCT em causa foi aprovado depois da vigência do DL 209/92 e tinha de se conformar com as condicionantes por ele estatuídas.
6. Assim decidiu o STJ no Acórdão 9/2005 publicado na 1ª série do DR de 10 de Novembro em que, apreciando a validade de uma cláusula idêntica à que se aprecia neste processo, se escreveu: (pág. 6489, 2ª coluna a meio) "... é obvio que os instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho celebrados a partir da entrada em vigor do Decreto-lei n° 209/92 deixaram de poder estabelecer e regular esquemas de protecção complementares dos assegurados pelo sistema de segurança social, fora dos condicionalismos nele referidos."
7. Assim decidiu também o STJ nos acórdãos de 6 de Novembro de 2002 in ADSTA n.º 497 pág. 837, e no Acórdão de 16 de Junho de 1993 in CJ Ano I tomo III pág.261, que com a devida vénia se dão por reproduzidos.
8. A cláusula 76.ª em causa não pode pois, por si, ser considerada fonte do direito reclamado pelo A. nem pode ser aplicada pelo Tribunal. Viola a lei e por isso é nula, em conformidade com o disposto nos art°s 280°, 286°, 294° e 295° do CC.
9. Os contratos relativos ao Plano de Pensões Empresa-A são a fonte do direito pretendido pelo A. e na medida em que são elaborados a partir de uma cláusula nula são também nulos na parte em causa, o que se requer seja declarado.
Se assim se não entender, há que ponderar que
10. Em todos eles foi utilizado como mera referência do cálculo do complemento de reforma o disposto na cláusula 76° do CCT publicado no BTE 8 de 29.02.2000 ou a equivalente cláusula 60° do CCT publicado no BTE n.º 9 de 08.03.1992 que a precedeu.
11. O regime do contrato vigente, junto a fls. 25 a 87 dos autos, e que segue a par os que o precederam, fixa as condições de acesso aos benefícios nele instituídos.
12. Consideram-se participantes os trabalhadores da Empresa-A com data de admissão anterior a 29 de Dezembro de 1979 vinculados pelo CCT dos empregados de escritório da indústria cerâmica-barro branco.
13. Consideram-se beneficiários os trabalhadores participantes que adquiram o direito às prestações pecuniárias estabelecidas no Plano de Pensões da Empresa-A.
14. Definem-se os benefícios que, no caso do pessoal administrativo correspondem a uma prestação igual à diferença entre o salário pensionável e a pensão da segurança social, estipulando-se no ponto ii) que o complemento da empresa adicionado com a pensão de segurança social não pode ser superior ao vencimento de tabela da categoria do trabalhador. (cf. fls. 32 dos autos).
15. Define-se o direito ao pagamento das pensões, estabelecendo-se no ponto 6° do Plano, a fls. 33 dos autos, que o pagamento da pensão se iniciará no mês seguinte àquele em que o participante atinja 65 anos de idade, salvo no caso de o participante se manter ao serviço da empresa, situação em que o pagamento se iniciará no mês seguinte ao da cessação de funções na empresa.
16. Na douta sentença recorrida fixaram-se os seguintes requisitos normativos para o acesso ao complemento de reforma: 1) a atribuição da reforma pelo sistema da Segurança Social, 2) o vínculo à Empresa-A anterior a 29.12.1979 e, 3) existência de diferencial entre o valor da pensão mensal de reforma da Segurança Social e a remuneração que o trabalhador deveria auferir se estivesse no efectivo do seu trabalho.
17. Os primeiro e terceiro requisitos enfermam de erro por não considerarem o regime dos contratos celebrados entre a Empresa-A e a co-ré Pensões Gere, acima referidos e por, louvando-se no texto da cláusula 76° do CCT publicado no BTE 8 de 29.02.2000, resultarem de uma interpretação que não pondera a totalidade do texto, mas se restringe apenas ao teor do seu n° 1.
18. O primeiro desrespeita o regime criado pela Empresa-A e constante dos acordos com a co-ré Pensões Gere onde se expressa, como vimos, que são beneficiários os trabalhadores que adquiram o direito ao pagamento do benefício que só se verifica no mês seguinte ao cumprimento de 65 anos de idade.
19. E considerou indevidamente como irrelevante o facto de na cláusula 67 do CCT publicado no BTE n.º 8 de 29.02.2000, não constar o texto do n° 3 da anterior cláusula 60 do CCT publicado no BTE n° 48 de 29/12/1982 e no BTE n.º 9 de 8/3/1992. Com efeito, sendo - na tese recorrida e que não se aceita - a cláusula 67.ª do CCT de 2000 a aplicável ao caso dos autos porque a passagem do A. à reforma se verifica sob a vigência deste CCT, é sob esse clausulado que se deve aferir o direito do A. ao pretendido complemento. Como nesta cláusula nada se refere quanto ao acesso à reforma a partir dos 60 anos - o que se verificava nas cláusulas equivalentes dos CCT precedentes - temos de entender que este direito de reforma aos 60 anos ou aos 40 anos de serviço não se verificava.
20. Quanto ao terceiro requisito não se pode aceitar a sua fundamentação por, com o devido respeito, se reduzir a uma petição de princípio que não tem nem enuncia sequer qualquer fundamento normativo.
21. Se se aceita que o objectivo do Fundo de Pensões é o de atribuir um complemento de reforma a determinados trabalhadores da Empresa-A, é também óbvio que um tal direito não é universal, absoluto nem incondicional, estando claramente definidas nos contratos de constituição do Fundo de Pensões as condições e requisitos de atribuição acima referidas, o mesmo se passando nas cláusulas 76 e 60 dos CCT também mencionadas e para cujo teor todos aqueles contratos remetem.
22. Segundo o regime dos contratos relativos ao Fundo de Pensões Empresa-A, o pagamento do complemento de reforma apenas é atribuído aos trabalhadores cuja pensão de reforma da segurança social seja inferior ao salário da categoria à data da reforma.
23. Assim está claramente escrito no contrato vigente que é a fonte do direito ao benefício, e o mesmo resulta da melhor interpretação da cláusula 76 do CCT referida que, além do n° 1 que o Tribunal ponderou, contêm um n.º 2 que foi esquecido e não pode deixar de ser levado em conta na interpretação do regime do benefício.
24. Com efeito, e salvo melhor opinião, do disposto conjugadamente nos n.º 1 e n.° 2 da cláusula 76 do CCT de 2000, – onde se refere expressamente no n.º 1 como elemento ponderável a "remuneração que o trabalhador deveria auferir como se estivesse no efectivo do seu trabalho" e, no n° 2 se estatui que "os trabalhadores reformados terão direito às remunerações e demais regalias correspondentes à categoria como se continuassem ao serviço", – é claro querer-se assegurar o recebimento mensal de valor que atinja o valor da remuneração da categoria, de acordo com o CCT, e não o da remuneração efectivamente recebida.
25. Se na cláusula 76 se quisesse atribuir um direito tão amplo como o que o Tribunal defende, não faria qualquer sentido a inclusão no n° 1 da expressão "deveria" nem no n° 2 a definição do direito às remunerações e demais regalias correspondentes à categoria como se continuassem ao serviço.
26. Bastaria que constasse nas alíneas em causa como elemento ponderável, que o complemento de reforma teria em consideração "a remuneração que o trabalhador auferia como se estivesse no efectivo do seu trabalho" (n.º 1) e, no n° 2, que" Os trabalhadores reformados terão direito às remunerações e demais regalias que auferiam como se continuassem ao serviço."
27. O uso da expressão "deveria" constante do n.º 1 da cláusula tem de ser entendido no contexto do direito laboral, em que se verifica, no que refere à retribuição, a fixação de um mínimo que é devido a todos os trabalhadores: a retribuição devida por via dos IRCT, PE ou PRT e, por outro lado, a retribuição efectivamente paga por acordo individual de trabalho, em regra acima da mínima exigível e devida. Há pois dois conceitos de retribuição devida: A dos IRCT ou Portarias, e a do contrato individual de trabalho.
28. O intérprete deve por força do disposto no art. 9° do C.Civil atender à unidade do sistema jurídico, o que desde logo lhe impõe a leitura e ponderação da integralidade do texto interpretando. Não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, estando-lhe porém vedado considerar um pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência. No n° 3 deste art. 9° impõe-se ao intérprete presumir que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e que soube exprimir o seu pensamento.
29. Usando estas regras na interpretação da cláusula em causa, é imperativo que se atenda ao conjunto do disposto nos seus n.ºs 1 e 2 e que se tenha em conta o teor das expressões "deveria" e "categoria" que constam nos mesmos n.ºs 1 e 2.
30. A explicitação no n° 2 de que os trabalhadores reformados terão direito às remunerações e demais regalias correspondentes à categoria a que pertenciam como se continuassem ao serviço deve conjugar-se com a expressão verbal deveria constante do n° 1, concluindo-se que a remuneração ponderável para efeitos de comparação com o montante da pensão de reforma recebido da Segurança Social é a da categoria, e não a que o trabalhador auferia por força do seu contrato individual de trabalho.
31. A fundamentação da decisão que pondera o montante da remuneração efectiva para aferimento do eventual direito ao complemento de reforma é pois insubsistente por ser ilegal.
32. O Fundo de Pensões Empresa-A destinou-se aos trabalhadores que auferiam menor retribuição mensal na vida activa e que, na reforma, auferissem uma pensão inferior ao vencimento e regalias correspondentes à categoria.
33. Esta a abrangência da liberalidade da Empresa-A e o motivo justificativo do fundamento na co-ré Pensões Gere de cerca de milhão e meio de euros que se destinam a pagar os complementos devidos e calculados de acordo com o regime referido que estatui:
34. "O complemento da empresa adicionado com a pensão da Segurança Social não pode ser superior ao vencimento da Tabela para a categoria do trabalhador". (cfr. p. f. alínea b) ii) do contrato a fls. 31 dos autos).
35. Fazendo ainda apelo ao art. 9° do C.Civil e à necessidade de o intérprete atender à unidade do sistema jurídico, confirmamos a interpretação ora defendida a partir do teor da cláusula 89 n° 4 do CCT entre a Apicer e a Federação dos Sindicatos de Cerâmica Cimento e Vidro de Portugal- barro branco, publicado no BTE 8 de 29.02.2000 a página 343, para que também remete o contrato do Fundo de Pensões Empresa-A, e em que se estatui para os trabalhadores fabris o seguinte limite ao cálculo do complemento de reforma: "Nenhum trabalhador poderá ser reformado mediante contribuição da empresa com ordenado superior ao vencimento, fixado por este contrato, à data da reforma, independentemente do seu vencimento". (sublinhado nosso).
36. Ora, se este regime é o claramente definido para os trabalhadores fabris no CCT em causa para que remete o Plano de Pensões Empresa-A, outro não se pode haver por aplicável aos trabalhadores administrativos, constituindo este regime dos trabalhadores fabris mais um argumento a confirmar a correcção da interpretação feita relativamente aos trabalhadores administrativos.
37. Impõe ainda uma tal interpretação o respeito pelo princípio da igualdade de tratamento de trabalhadores no que refere às condições de acesso ao complemento de reforma que é igualitário para todos os trabalhadores da Empresa-A independentemente das respectivas funções profissionais serem "administrativas" ou "fabris".
38. E assim, considerando que ficou provado no ponto 11 dos factos provados que o A passou a auferir da Segurança Social a partir de Janeiro de 2000 a pensão mensal de reforma de 459.120$00 (2.301,50€) e, no ponto 16, que a retribuição ilíquida mensal correspondente à categoria do A. era de 1.377,63€ acrescida de 109,35€, no total de 1,486,98€, é patente que o A. não reunia as condições para aceder ao pagamento do complemento de reforma pretendido, dado que a pensão de reforma era superior a este valor.
39. Assim o impõe a melhor interpretação dos normativos em causa (o contrato do Plano de Pensões e os CCT para que este remete) efectuada com recurso ao elemento sistemático, teleológico e literal, bem como o respeito pelo princípio da igualdade de tratamento de trabalhadores no que refere às condições de acesso ao complemento de reforma que é igualitário para todos os trabalhadores da Empresa-A independentemente das respectivas funções profissionais.
40. Subsidiariamente, alega-se a ilegalidade do modo de cálculo do diferencial a pagar a título de complemento de reforma.
41. O raciocínio seguido na sentença não pondera a retribuição do A. à data da sua passagem à reforma que, de acordo com os regimes normativos invocados pelo Tribunal, era a que se deveria ter em conta para aferir o eventual direito ao complemento de reforma.
42. Como se vê no contrato do Plano de Pensões Empresa-A, a fls. 29 dos autos, o salário pensionável do pessoal administrativo é a remuneração auferida à data da reforma.
43. Nos n.ºs 1 e 2 da cláusula 76.ª do CCT para que remete o contrato do Plano de Pensões Empresa-A, é também clara a referência à data da reforma como a relevante para se aferir o diferencial em causa.
44. O Tribunal a quo considerou no seu raciocínio que o A. se manteve ao serviço da Empresa-A até Janeiro de 2004. Todavia, dado que entrar na reforma estatutária é uma realidade factual diversa de cessação de serviço, e que se deve ponderar o facto considerado nos normativos como pertinente para o cálculo do diferencial, e que estes mandam atender à retribuição e acrescidos verificados à data da passagem à reforma, é claro que o decidido viola os normativos em causa e não pode proceder.
45. Assim, se acaso se viesse a entender que o A. tinha direito a receber das Rés um complemento de reforma, o que só se admite por dever de patrocínio, este teria de ser calculado com base na retribuição do A. na data da reforma, o que implicaria um complemento de reforma mensal de 517,10€, em conformidade com os cálculos acima expostos e que se dão por reproduzidos.
46. A decisão recorrida viola, pois, o art. 9° e 280° n.º 1 do C.Civil, o art. 6° n.º 1 e) do DL 519-Cl179 na redacção dada pelo DL209/92, a Lei 24/84 e o DL 225/89.
E conclui, pedindo:
- A declaração de nulidade da sentença por omissão de pronúncia, caso a mesma não venha a ser suprida pelo tribunal a quo.
- A revogação da sentença recorrida na parte em que condenou a Empresa-A, decretando-se a sua absolvição do pedido.
- Se tal não for entendido, o que só se admite por cautela de patrocínio, pede-se subsidiariamente a revogação do decidido quanto ao montante do complemento de reforma mensal que deve ser reduzido a 517,10 € mensais.

Contra-alegou o recorrido, pugnando pela improcedência do recurso.

Neste Supremo Tribunal, a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer no sentido de ser negada a revista, a que respondeu a recorrente, mantendo a posição da sua alegação.

III – Colhidos os vistos, cumpre decidir.
As instâncias deram como provados os seguintes factos, que aqui se aceitam por não haver fundamento legal para a sua alteração:
1. O A. foi admitido ao serviço da Ré, Empresa-A, no dia 01/09/1968.
2. Para trabalhar sob as suas ordens e direcção, desempenhando as funções de técnico de contas.
3. A remuneração mensal do A., ao tempo, era de Esc.: 3.300$00.
4. O A. passou à situação de reforma por velhice em Maio de 2000, mas com efeitos a Janeiro desse ano.
5. À data da sua reforma, o A. auferia, como contrapartida do desempenho das suas funções na Ré Empresa-A, pelo menos, a importância mensal ilíquida de 611.923$00 (€:3.052,26), correspondentes a 590.000$00 de remuneração base e 21.923$00 de diuturnidades;
6. Na mesma data, o A. tinha a categoria de director com responsabilidades nas áreas administrativa, financeira e de recursos humanos.
7. O A. dispunha ainda a seu favor de procuração do Conselho de Administração da Ré Empresa-A, conferindo-lhe poderes para a representar juntamente com um qualquer administrador.
8. Apesar de ter passado à situação de reforma, o A. continuou a prestar os seus serviços à Ré Empresa-A até Janeiro de 2004, exactamente nos mesmos moldes em que o fazia até então, embora formalmente tivesse assumido a qualidade de trabalhador independente.
9. Mediante os acordos documentados a fls. 25 a 87, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, a Ré Empresa-A constituiu e manteve, a partir de 31/12/1996, um fundo de pensões, com vista ao pagamento aos seus trabalhadores, que reunissem os requisitos aí indicados, de um complemento de subsídio de invalidez ou passagem à reforma por velhice.
10. Este fundo de pensões é gerido actualmente pela Ré, Empresa-B..
11. A pensão de reforma atribuída ao A. pela Segurança Social, a partir de 04/01/2000, foi de Esc. 459.120$00.
12. A Ré, Empresa-B, em fax que enviou ao A. em 12/12/2001, informou-o de que a Pensão Mensal que lhe iria ser atribuída ao abrigo do Plano de Pensões Empresa-A era de, Esc. 331.765$00.
13. A pensão de reforma do A., atribuída pela Segurança Social, sofreu as seguintes actualizações:
ANOACTUALIZAÇÃOVALOR
20012,9%472.434$00( €:2.356,49 )
20022,9%486.135$00( €:2.424,83 )
20032%495.858$00( €:2.473,33 )
20042,5%508.254$00( €:2.535,16 )

14. O A., enquanto esteve ao serviço da Ré, chegou a ter veículo automóvel distribuído para uso permanente.
15. O A. manteve-se como procurador da administração da Ré Empresa-A até 13/01/2004, data em que foi efectuado o instrumento de revogação da respectiva procuração.
16. O vencimento mensal ilíquido correspondente à categoria profissional do A., em 04/01/2001, era €: 1.377,63, acrescidos de €:109,35.
17. A Ré Empresa-B informou a Empresa-A de que o A. não tinha direito a qualquer pensão atribuída por esta.
18. A partir de Janeiro de 2000, o A. recebeu sempre a sua pensão de reforma da Segurança Social.
19. O A. recebeu também da Ré, e em simultâneo com a reforma, a remuneração referente aos meses de Janeiro a Maio de 2000.
20. Além da pensão de reforma da Segurança Social, o A. auferiu ainda ao serviço da Ré, entre Junho de 2000 e Janeiro de 2004, o montante total de € 188.484,52.
21. Entre Janeiro e Março de 2003, o A. passou a receber mensalmente da Ré Empresa-A, € 4.316,40, assim obtidos nos recibos que entregava a esta:
“ 1- Importância………………€: 4.360,00;
2- IVA……………………… €: 828,40;
Total (1 + 2)………………… €: 5.188,40;
IRS Retenção na fonte………… €: 872,00
Importância recebida………… €: 4.136,40”.
22. A partir de Abril de 2003, o A. passou a receber mensalmente da Ré Empresa-A, € 4.385,70, assim obtidos nos recibos que entregava a esta:
“ 1- Importância………………€: 4.430,00;
2- IVA………………………€: 841,70;
Total (1 + 2)…………………€: 5.271,70;
IRS Retenção na fonte…………€: 886,00
Importância recebida………… €: 4.385,70”.
23. A Ré Empresa-A nos anos de 2002 e 2003 tem vindo a perder rentabilidade das vendas, apresentando em 2003 um resultado negativo de €: 324.333,00.
24. Nos últimos dois anos aumentou substancialmente o endividamento à banca, subindo a dívida a terceiros de € 7.696.459 para € 9.292.303, de 2001 para 2003, com um variação de 20,7%.
25. As vendas têm vindo a descer, variando, entre 2001 e 2003, de € 18.638.134 para € 18.138.283, ou seja, menos 2,68%.
26. Em Maio de 2004 as vendas desceram 15,68%, passando de €. 7.839,011 em igual período do ano passado, para € 6.609.870.
27. A Empresa-A viu-se obrigada a reduzir o seu pessoal que passou de 650 trabalhadores em 2001 para 563 em Maio de 2004.
28. A concorrência asiática e dos países de Leste, especialmente dos últimos dez anos e de forma crescente, tem prejudicado fortemente os Industriais como a Empresa-A em que a mão-de-obra tem um peso de aproximadamente 40% dos custos totais.
29. As empresas instaladas em países como a Turquia ou a China, que concorrem directamente com a Empresa-A, suportam custos com pessoal muito inferiores.
30. A forte concorrência, a conjuntura actual e a evolução negativa das vendas têm forçado a Empresa-A a reduzir as margens de comercialização.
31. O valor facturado do metro cúbico da produção, em função da sua ocupação no forno, de 2001 para 2003, caiu 17%, de € 518 para € 430, continuando a descer ao longo de 2004 para valores de € 390, em Maio de 2004.
32. Até Maio de 2004, a Empresa-A registou uma variação positiva de existências de € 587.766, tendo em igual período do ano passado registado uma variação de existências de apenas € 198.806.

IV – Sabido que as conclusões das alegações de recurso delimitam o objecto deste (art. 684.º, n.º 3 e 690.º, n.º 1, do CPC, ex. vi do art. 1, n.º 2, a), do CPT), como o próprio recorrente acentua nas conclusões, são as seguintes as questões essenciais a decidir:
- Nulidade do acórdão recorrido;
- Saber se ao recorrido assiste direito a receber da ré/recorrente uma pensão complementar de reforma, a qual comporta as seguintes sub-questões:
- saber se às relações de trabalho que vigoraram entre as partes são aplicáveis os CCT outorgados entre a Associação Portuguesa de Cerâmica e a Federação dos Sindicatos do Comércio, Escritório e Serviços (barro branco), ou quaisquer outros;
- saber se a cláusula 76ª do CCT (do barro branco) publicada no BTE, n.º 8, de 29-02-2000 é nula, por violar o disposto no art. 6.º, n.º 1, e) do DL n.º 519-C1/79, de 29 de Dezembro (LRCT);
- quais os requisitos (elementos) a atender para o cálculo da reforma.

Analisemos, de per si, cada uma das questões.
1. Quanto à nulidade do acórdão recorrido, por omissão de pronúncia.
Nas alegações de recurso, e respectivas conclusões, vem a recorrente arguir a nulidade do acórdão recorrido por não se ter pronunciado sobre a alegação (da recorrente) relativa à falta de invocação e prova por parte do autor de ser sindicalizado e se encontrar abrangido pela CCT publicada no BTE, 1.ª Série, n.º 8, de 29-02-2000.
Diga-se, desde já, que a entender-se que o vício assacado ao acórdão se encontra correctamente qualificado, este tribunal não poderia conhecê-lo uma vez que, como impõe o art. 77.º, n.º 1, do CPT (aplicável aos acórdãos da Relação por força do estatuído no art. 716.º, do CPC), não foi arguido no requerimento de interposição de recurso.
Com efeito, o art. 77.º, n.º 1, do CPT (aprovado pelo DL n.º 480/99, de 09-11), dispõe que “a arguição de nulidades da sentença é feita expressa e separadamente no requerimento de interposição de recurso”, pelo que, face a este normativo, o STJ tem decidido uniformemente que a arguição de nulidades da sentença ou dos acórdãos da Relação (por força do estatuído no art. 716.º, do CPC), deve ser feita expressa e separadamente no requerimento de interposição do recurso, e não nas respectivas alegações, sob pena de se considerarem extemporâneas e delas se não conhecer (2).

Porém, sempre se dirá que a situação em apreço participa da natureza de erro de julgamento e que, como tal, pode ser apreciado na revista, o que se fará oportunamente.
Na verdade, a pertinente sindicalização ou não do A., colocada pela ora recorrente na apelação (3), constitui um dos aspectos por que passa a apreciação da questão, mais ampla – e, aliás, de conhecimento oficioso (art.ºs 660º, n.º 2, 2ª parte, e 664º do CPC) – e que tem a ver com o mérito da causa, de saber se ao caso é aplicável ou não o CCT de 2000.

2.1 Entrando na análise da questão essencial - saber se o autor tem direito ao complemento da pensão de reforma -, importa, desde logo apurar se à relação de trabalho são aplicáveis os CCT do barro branco.
As instâncias, partindo do entendimento que à relação laboral é aplicável o CCT do barro branco, condenaram as rés no pagamento do complemento da pensão de reforma.
A recorrente, porém, insiste que não está provado que o autor fosse sindicalizado e que lhe seja aplicável o referido CCT.

É sabido que, no nosso ordenamento jurídico, as convenções colectivas só têm eficácia entre as partes outorgantes (4), pois como estabelece o art. 7.º, n.º 1, do DL n.º 519-C1/79, de 29.12 (LRCT) (5), apenas “ …obrigam as entidades patronais que as subscrevem e as inscritas nas associações patronais signatárias, bem como os trabalhadores ao seu serviço que sejam membros quer das associações celebrantes, quer das associações sindicais representadas pelas associações sindicais celebrantes”.
Assim, em observância ao princípio da dupla filiação, para a aplicação de uma convenção colectiva, terá que se verificar, simultaneamente, a filiação do empregador e do trabalhador na respectiva entidade outorgante.
Contudo, o âmbito de aplicação das convenções colectivas de trabalho pode ser estendido, após a sua publicação, através de acordo de adesão ou portaria de extensão (cfr. art. 27.º da LRCT).
Concretamente, e no que às portarias de extensão diz respeito, estipula o art. 29.º, n.º 1 do referido diploma legal que “…pode, por portaria do Ministério do Emprego e da Segurança Social, ser determinada a extensão, total ou parcial, das convenções colectivas ou decisões arbitrais a entidades patronais do mesmo sector económico e a trabalhadores da mesma profissão ou profissão análoga, desde que exerçam a sua actividade na área e no âmbito naquelas fixados e não estejam filiados nas mesmas associações”.
Ou seja, para que se verifiquem as condições necessárias à emissão de uma portaria de extensão, deverão existir na área e no âmbito de aplicação económico e profissional de uma convenção colectiva ou decisão arbitral, entidades patronais e trabalhadores subsumíveis nas categorias abrangidas que não sejam filiados nas associações outorgantes, ou partes na arbitragem.

No caso em apreço, estipula a cláusula 1.ª do CCT entre a APICER – Associação Portuguesa da Indústria Cerâmica e a FEPCES – Federação Portuguesa dos Sindicatos do Comércio, Escritórios e Serviços e outra (administrativos) (6): «O presente contrato colectivo de trabalho (CCT) que abrange toda a actividade de cerâmica, obriga, por um lado, as empresas filiadas na APICER – Associação Portuguesa da Indústria de Cerâmica em toda a área nacional e, por outro, todos os trabalhadores ao seu serviço representados pelas associações sindicais outorgantes».

Ora, não constando dos autos que a recorrente se encontre filiada na APICER – Associação Portuguesa da Indústria de Cerâmica e o recorrido se encontre filiado em qualquer associação sindical, tendo em conta o referido princípio da dupla filiação, o CCT não é directamente aplicável às relações laborais estabelecidas entre a mesma recorrente e o seu ex-trabalhador/recorrido.
Contudo, importa ter presente que o referido CCT foi objecto de Portaria de Extensão (PE), publicada no BTE, n.º 21, de 08-06-2000, nos termos da qual (art. 1.º) as condições de trabalho constantes do CCT (publicado no BTE, n.º 8, de 29-02-2000), «...são estendidas, no território do continente:
a) Às relações de trabalho entre entidades patronais não filiadas na associação patronal outorgante que exerçam a actividade económica abrangida pelas convenções e trabalhadores ao seu serviço das profissões e categorias profissionais nelas previstas;
b) Às relações de trabalho entre entidades patronais filiadas na associação patronal outorgante e trabalhadores ao seu serviço das profissões e categorias profissionais previstas nas convenções não representados pelas associações sindicais outorgantes».

Donde, e como resulta da própria designação, dedicando-se a ré à indústria de cerâmica, às relações de trabalho entre a mesma e os seu trabalhadores não filiados nas associações sindicais outorgantes, é-lhes aplicável, por força da PE, o CCT para a Indústria do barro branco publicado no BTE, n.º 8, de 29-02-2000.

Mas o mesmo se verifica em relação ao CCT que o precedeu.
Com efeito, o CCT entre a Associação Portuguesa de Cerâmica (barro branco) e a Federação dos Sindicatos dos Trabalhadores de Escritórios e Serviços e outras, publicado no BTE, 1.ª Série, n.º 48, de 29-12-1982 foi objecto de PE, publicada no BTE, 1.ª série, n.º 22, de 15-06-1983.
Do que fica exposto, imperioso é concluir que os CCT do barro branco, supra referidos, são aplicáveis às relações de trabalho entre a ré/recorrente e os seus trabalhadores não filiados em sindicatos outorgantes, por virtude das PE.

2.2 Quanto a saber se a cláusula 76.º do CCT de 2000 é nula por violar o disposto no art. 6.º, alínea e), da LRCT.
As instâncias consideraram – o acórdão recorrido através da remissão para os fundamentos da sentença da 1.ª instância – que o Fundo de Pensões destinado ao pagamento do complemento pretendido pelo autor, e através do qual a ré Empresa-A atribuiu a uma sociedade gestora o encargo de processar e pagar as prestações dele decorrentes, foi fundado em 31-12-1996: tratando-se de um regime profissional devidamente enquadrado sob o ponto de vista legal, beneficiava da ressalva que lhe foi dada pelo DL n.º 209/92, o que afasta qualquer obstáculo à aplicabilidade do CCT de 2000.

Vejamos.
Tenha-se presente que o instrumento de regulamentação colectiva aplicável à relação laboral em causa é o CCT para a indústria cerâmica (barro branco) outorgado entre a Associação portuguesa das indústrias de cerâmica e a Federação dos Sindicatos do Comércio, Escritórios e Serviços e outra (administrativos).
Inicialmente, em 08 de Outubro de 1975, foi publicada a Regulamentação de Trabalho para os trabalhadores da indústria cerâmica (empregados de escritório e correlativos) - Boletim do Ministério do Trabalho, n.º 37 – que, no que ora interessa, contém a cláusula 47.ª, sob a epígrafe «Reforma», do seguinte teor:
«O complemento de subsídio de invalidez ou passagem à reforma por velhice é um direito adquirido dos trabalhadores nas empresas em que já se verifique.
As empresas em que ainda não se verifique tal prática, nos termos dos números desta cláusula, deverão proceder, logo que possível, à sua aplicação.
1. Em caso de invalidez ou passagem à reforma por velhice, e tendo-se em consideração o montante a receber das instituições da previdência, as empresas completarão a diferença entre a reforma da previdência e o ordenado que o trabalhador deveria auferir como se estivesse no efectivo do seu trabalho.
2. Os trabalhadores reformados terão direito às remunerações e demais regalias correspondentes à categoria a que pertenciam, como se continuassem ao serviço».

Posteriormente, foi outorgado o CCT publicado no BTE, 1.ª Série, n.º 48, de 29-12-82, cuja cláusula 60.ª é do mesmo teor da cláusula 47.ª da PRT.

Finalmente, surge o CCT publicado no BTE, 1.ª Série, n.º 8, de 29-02-2000, cuja cláusula 76.ª, sob a epígrafe «Reforma», estipula:
«O complemento do subsídio de invalidez ou passagem a reforma por velhice é direito adquirido dos trabalhadores nas empresas em que já se verifique.
As empresas em que ainda não se verifique tal prática, nos termos dos números desta cláusula, deverão proceder, logo que possível, à sua aplicação.
1 – Em caso de invalidez ou passagem à reforma por velhice e tendo-se em consideração o montante a receber das instituições de segurança social, as empresas completarão a diferença entre a reforma da segurança social e a remuneração que o trabalhador deveria auferir como se estivesse no efectivo do seu trabalho.
2 – Os trabalhadores reformados terão direito às remunerações e demais regalias correspondentes à categoria a que pertenciam como se continuassem ao serviço».

No que respeita à regulamentação das relações colectivas de trabalho entre entidades patronais e trabalhadores, através das respectivas associações, o DL n.º 164-A/76, de 28 de Fevereiro, estabelecia no seu art. 4.º:
«Os instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho não podem:
a) Limitar o exercício dos direitos fundamentais constitucionalmente garantidos;
b) Contrariar normas legais imperativas;
c) Incluir qualquer disposição que importe para os trabalhadores tratamento menos favorável do que o legalmente estabelecido;
d) estabelecer regulamentação da actividade económica».

Esta norma veio a ser alterada pelo DL n.º 887/76, de 29-12, que no seu preâmbulo assinalou que «o regime contido no Decreto-Lei n.º 164-A/76, de 28 de Fevereiro, apareceu claramente orientado pelo propósito de assegurar o máximo de garantia à livre expressão da vontade negocial dos sujeitos colectivos», pretendendo-se com as alterações introduzidas pelo DL n.º 887/76 «criar condições indispensáveis à eficácia e ao equilíbrio dos processos de contratação colectiva [precisando] melhor o âmbito de aplicação geral do regime geral das relações colectivas de trabalho».
O referido artigo passou então a ter a seguinte redacção:
«1 – Os instrumentos de regulamentação colectiva não podem:
(...)
e) estabelecer e regular benefícios complementares dos assegurados pelas instituições de previdência.
3 – A restrição decorrente da alínea e) do n.º 1 e do n.º 2 não afecta a subsistência dos benefícios complementares anteriormente fixados por convenção colectiva ou regulamentação interna de empresas».

Inicialmente o DL n.º 519-C1/79, de 29-12 (que revogou o DL n.º 164/76, de 28 de Fevereiro, com a alterações introduzidas pelo DL n.º 887/76, de 29 de Dezembro), estabeleceu nos mesmos termos - art.º 6, n.º 1, alínea e) – a limitação à negociação colectiva e quanto aos benefícios complementares dos assegurados pelas instituições de previdência.

Este diploma foi, entretanto, alterado pelo DL n.º 209/92, de 2 de Outubro.
Como se dá conta no preâmbulo, «[com as alterações introduzidas] prevê-se, expressamente que as convenções colectivas também podem ser sede própria para os acordos respeitantes ao estabelecimento e disciplina de regimes profissionais complementares de segurança social ou de regimes equivalentes e, até, a sede natural, quando enquadrados em acordos de rendimentos em que se contratualiza a poupança de uma parte desses rendimentos».
O art. 6.º, n.º 1, alínea e) e n.º 2, passou então a ter a seguinte redacção:
«1. Os instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho não podem:
(...)
e) Estabelecer e regular benefícios complementares dos assegurados pelo sistema de segurança social, salvo se ao abrigo e nos termos da legislação relativa aos regimes profissionais complementares de segurança social ou equivalentes, bem como aqueles em que a responsabilidade pela sua atribuição tenha sido transferida para instituições seguradoras.
(...)
2. A restrição constante da alínea e) do número anterior não afecta a subsistência dos benefícios complementares anteriormente fixados por convenção colectiva, os quais se terão por reconhecidos, no mesmo âmbito, pelas convenções subsequentes, mas apenas em termos de contrato individual de trabalho».

Refira-se, em breve parêntesis, que as normas do art. 4.º, n.º 1, e), do DL n.º 164-A/76, de 28 de Fevereiro e do art. 6.º, n.º 1, e), do DL n.º 519-C1/79, na sua redacção originária vieram a ser declarados inconstitucionais pelo Tribunal Constitucional, reconhecendo, todavia, o mesmo tribunal a conformidade constitucional na redacção introduzida pelo DL n.º 209/92 (7).

Com a alteração introduzida pelo DL n.º 209/92, de 2 de Outubro, os instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho passaram a poder estabelecer esquemas complementares da segurança social desde que a responsabilidade pela sua atribuição tenha sido transferida para instituições seguradoras.
Isto é, com a referida alteração, os esquemas complementares da segurança social podem ser objecto de negociação colectiva desde que se enquadrem na legislação que regula os regimes profissionais complementares da segurança social, os fundos de pensões ou os contratos de seguro, procurando por essa via assegurar os próprios interesses dos beneficiários, na medida em que a responsabilidade pelo pagamento das prestações complementares é assumida por entidades vocacionadas para o efeito.
Como se assinala no Acórdão do Tribunal Constitucional de 04-11-98, referido na nota 7, os «..esquemas complementares, produto da autonomia colectiva, continuaram a ser proibidos se estabelecidos para serem geridos pelos respectivos outorgantes, ou seja, se a responsabilidade pela atribuição das prestações complementares for assumida pela entidade empregadora (...) esses esquemas complementares de segurança social podem ser objecto de negociação colectiva, mas hão-de ficar sujeitos à legislação que regula os fundos de pensões (...) É dizer que a responsabilidade pelo pagamento das prestações complementares de segurança social (maxime, das pensões complementares de reforma) há-de ser assumida por entidades vocacionadas – e aptas – para gerir esquemas de seguro».

Mas com a alteração introduzida pelo DL n.º 209/92 – n.º 2, do art. 6º. –, salvaguardaram-se também os benefícios complementares existentes à data da entrada em vigor daquela redacção do preceito, benefícios esses contemplados em convenção colectiva anterior, passando a integrar os contratos de trabalho quando entretanto venha a ser celebrada uma nova convenção.
Como se afirmou no acórdão deste tribunal de 19-10-2005 (8), «(...) por força das disposições conjugadas da alínea e) do n.º 1 e do n.º 2 do artigo 6.º do decreto-Lei n.º 519-C1/79 (na redacção do Decreto-Lei n.º 209/92), as convenções colectivas de trabalho não poderão mais prever benefícios complementares fora do condicionalismo previsto nessa alínea e); e os benefícios complementares estabelecidos em convenções anteriores apenas se tornam aplicáveis aos contratos de trabalho existentes no momento da entrada em vigor da nova lei (ou que venham a ser outorgados durante a vigência da convenção) e não a quaisquer outros que tenham já sido celebrados no domínio de uma convenção subsequente».

Regressando ao caso sub judice, verifica-se que:
- o autor foi admitido ao serviço da ré Empresa-A em 01-09-1968 (facto n.º 1);
- a mesma ré constituiu e manteve, a partir de 31-12-1996, um fundo de pensões, com vista ao pagamento aos seus trabalhadores, que reunissem os requisitos aí indicados, de um complemento de subsídio de invalidez ou passagem à reforma por velhice (facto n.º 9);
- este fundo de pensões é gerido actualmente pela ré Empresa-B. (facto n.º 10).

Nos termos do Contrato Constitutivo do «FUNDO DE PENSÕES Empresa-A» (constituído ao abrigo do art. 25.º do DL n.º 415/91, de 2 de Outubro) (9), «Os Participantes são os trabalhadores a tempo completo ou parcial que façam parte do quadro efectivo do Associado, e estejam vinculados pelo CCTV (barro branco) ou pelo CCT – Empregados de escritório da indústria cerâmica (barro branco), em função de cujas circunstâncias pessoais e profissionais se definem os direitos consignados no Plano de Pensões» (cláusula V- pág. 83).
Na alínea b), da cláusula VII, estabelece-se, quanto ao pessoal administrativo, que os benefícios são os definidos nos números 1 e 2 da cláusula 60.ª do CCT (barro branco), publicado no BTE, n.º 9, de 8 de Março de 1992 (10) , ou outro que o substitua.

O Fundo de Pensões Empresa-A foi, entretanto, substituído, em 28-12-1998, pelo «Fundo de Pensões Aberto Proemium Reforma», passando a figurar como «Participantes», «...os trabalhadores a tempo completo ou parcial que façam parte do quadro efectivo do associado com data de admissão 29 de Dezembro de 1979, e estejam vinculados pelo CCTV (barro branco) ou pelo CCT – Empregados de escritório da indústria cerâmica (barro branco), em função de cujas circunstâncias pessoais e profissionais se definem os direitos consignados no plano de pensões».
Embora irreleve para o caso em apreço, refira-se que no mesmo sentido se clausulou na alteração ao Fundo de Pensões datado de 12 de Novembro de 2003.

Ora, em qualquer dos casos, isto é, quer seja aplicável o contrato constitutivo do Fundo de Pensões inicial, quer os resultantes da alteração de 1998, sempre o autor preencherá os requisitos deles constantes quanto ao limite temporal de admissão, na medida em que foi admitido ao serviço da ré Empresa-A em data anterior a 29 de Dezembro de 1979 (concretamente em 01-09-1968).
Além disso, e como se analisou supra, estando o autor abrangido pelo CCT do barro branco (por força de PE), preenche também esse outro requisito para ser «Participante» do Fundo de Pensões.

Nesta sequência, tendo a ré Empresa-A constituído um esquema complementar de segurança social ao abrigo da legislação que regula os Fundos de Pensões, o mesmo encontra-se expressamente ressalvado da proibição de regulação em instrumento de regulamentação colectiva, pelo que, conclui-se, tal regime é válido face ao preceituado no art. 6.º, n.º 1, e), do DL n.º 519-C1/79, de 29 de Dezembro (na redacção introduzida pelo DL n.º 209/92, de 2 de Outubro).

Mas ainda que assim não se entendesse, sempre ao caso dos autos seria aplicável o regime decorrente da cláusula 76.ª do CCT.
Com efeito, como já se assinalou, por força do disposto no n.º 2, do art. 6.º do DL n.º 519-C1/79 – norma de direito transitório material –, os benefícios complementares existentes à data da entrada em vigor da redacção introduzida pelo DL n.º 209/92 mantêm-se relativamente aos contratos de trabalho que tenham sido celebrados na vigência da convenção que os preveja, passando a integrar esses contratos quando entretanto venha a ser celebrada uma nova convenção.
Assim, «...os benefícios complementares estabelecidos em convenções anteriores apenas se tornam aplicáveis aos contratos de trabalho existentes no momento da entrada em vigor da nova lei (ou que venham a ser outorgados durante a vigência da convenção) e não a quaisquer outros que tenham sido celebrados no domínio de uma convenção subsequente» (ac. do STJ de 19-10-2005, supra referido).
Ora, os benefícios em causa já decorriam da cláusula do CCT de 1982 (publicado no BTE, n.º 8, de 29-12-1982).
Por isso, quando o autor se reformou em 2000, o benefício da atribuição do complemento de reforma constante da cláusula 76.ª, ainda que não preenchesse os requisitos do n.º 1, do art. 6.º do DL n.º 519-C1/79, na redacção dada pelo DL n.º 209/92, sempre deveria ser reconhecido ao autor nos termos do seu contrato individual de trabalho.

Improcedem, consequentemente, e nesta parte, as conclusões das alegações de recurso.

2.3 Impõe-se, agora, apurar quais os requisitos a atender no cálculo da reforma.
Determina o n.º 1, da cláusula 76.ª do CCT, que em caso de reforma (por invalidez ou velhice) do trabalhador, a empresa completará a diferença entre a reforma da segurança social e a remuneração que o trabalhador deveria auferir como se estivesse no efectivo do seu trabalho.
Porém, no n.º 2, da mesma cláusula estabelece-se que os trabalhadores reformados terão direito às remunerações e demais regalias correspondentes à categoria a que pertenciam como se continuassem ao serviço.
A questão, pois, que desde logo se coloca, consiste em saber se, para o cálculo da diferença entre a reforma da segurança social e o complemento da reforma, a remuneração a atender será aquela que o trabalhador efectivamente auferia como se estivesse em serviço, ou a remuneração correspondente à categoria profissional do trabalhador.
As instâncias sustentaram aquela interpretação, ancorando-se, essencialmente, em dois fundamentos:
- o objectivo do Fundo de Pensões é permitir que os seus trabalhadores tenham, depois de se desligarem da empresa, um rendimento idêntico ao anterior, pelo que não faria sentido retirar parte desse valor aos trabalhadores que tivessem uma remuneração superior à da categoria profissional;
- o teor literal da norma (n.º 1 da cláusula 76.ª do CCT) só pode conduzir à interpretação que a remuneração a atender é a que foi contratada.

Discordando dessa interpretação, a recorrente alega que a remuneração a atender é a correspondente à categoria do trabalhador: por um lado porque a expressão «deveria» constante do n.º 1 da cláusula 76.ª e «as remunerações e demais regalias correspondentes à categoria» constantes do n.º 2, da mesma cláusula só podem querer referir-se à remuneração da categoria profissional (de acordo com o CCT); por outro, o Fundo de Pensões destinou-se aos trabalhadores que auferiam menor retribuição mensal na vida activa e que, na reforma, auferissem uma pensão inferior ao vencimento e regalias correspondentes à categoria.
Acresce que o contrato do Fundo de Pensões Empresa-A estatui para aos trabalhadores fabris que nenhum trabalhador poderá ser reformado com ordenado superior ao vencimento, fixado por aquele (Fundo de Pensões), à data da reforma, independentemente do vencimento; e o «princípio da igualdade de tratamento de trabalhadores» impõe que ao condições de acesso ao complemento de reforma sejam iguais para os trabalhadores da ré, quer sejam trabalhadores fabris, quer sejam trabalhadores administrativos.

Refira-se, desde já, que se sufraga o entendimento das instâncias.
Expliquemos porquê.
Preliminarmente, importa ter presente, quanto à interpretação e integração das convenções colectivas, que, como faz notar Menezes Cordeiro (11), “...seguem as regras próprias de interpretação e de integração da lei, com cedências subjectivas quando estejam em causa aspectos que apenas respeitam às partes que os hajam celebrado”.
O art. 9.º do CC consagra os princípios a que deve obedecer a interpretação da lei: “A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada” (n.º 1, do preceito).
Porém, não pode “… ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso” (n.º 2 do mesmo preceito legal).

Importa, essencialmente, atender-se ao fim que se visou com o estabelecimento da referida cláusula: assegurar ao trabalhador que se reforma um rendimento idêntico ao que auferia ao serviço da empresa.
Por isso, na expressão do n.º 1 da cláusula 76.ª (elemento literal), a remuneração a atender será a que o trabalhador «deveria auferir como se estivesse no efectivo do seu trabalho».
Ora, a remuneração que o trabalhador deveria auferir só pode ser a efectiva e não a fixada nas tabelas salariais da contratação colectiva para a respectiva categoria.
É certo que o n.º 2 da cláusula 76.ª é susceptível de gerar alguma dúvida quanto a tal interpretação, ao estabelecer que os trabalhadores reformados terão direito às remunerações e demais regalias correspondentes à categoria a que pertenciam como se continuassem ao serviço.
Cremos, todavia, que o que se procura salvaguardar neste n.º 2, quanto à remuneração, é o mínimo de garantias: para o cálculo do complemento de reforma, o trabalhador reformado terá sempre direito, pelo menos, à retribuição correspondente à categoria como se estivesse ao serviço.

Aliás, em consonância com esta interpretação, o próprio Anexo I ao Fundo de Pensões datado de 28-06-2002, define o salário pensionável do pessoal administrativo, como «a remuneração que o trabalhador auferia como se continuasse no serviço à data da reforma» (pág. 28); e, quanto à fórmula de cálculo (fls. 31), o Complemento da empresa = SP (salário pensionável) – PSS (Pensão da Segurança Social).
Isto, embora depois se ressalve que o complemento da empresa adicionado com a pensão da Segurança Social não pode ser superior ao vencimento da Tabela para a categoria do trabalhador.

Seja como for, sempre se dirá que não é determinante para a interpretação em causa o que, nesta matéria, consta do Fundo de Pensões, na medida em que se trata de um contrato celebrado e que vincula o associado (ré/Empresa-A) e a entidade Gestora do Fundo, surgindo o autor como beneficiário do Fundo.
O que releva, constituindo fonte de direito, é o que consta do CCT, e quanto a este já se afirmou a interpretação que dele resulta.

Refira-se também que não faz sentido invocar – como o faz a recorrente –, quanto à interpretação da cláusula, o princípio da igualdade de tratamento de todos os trabalhadores da ré – fabris e administrativos –, porquanto, para além de estarmos perante dois grupos de trabalhadores que prestaram à ré trabalho de natureza diversa, outorgaram também CCT distintos, com cláusulas também distintas quanto ao conteúdo do cálculo de complementos de reforma.
Por isso, não se vislumbra que a interpretação da cláusula deva ser conforme ao que consta do CCT dos trabalhadores fabris.

Finalmente, a recorrente alega que, não obstante o autor se ter mantido ao seu serviço até Janeiro de 2004, o complemento de reforma deverá ser calculado com base na retribuição (do autor) na data da reforma.
A este propósito, as instâncias ponderaram que, embora o autor tenha passado à situação de reforma por velhice em Maio de 2000, com efeitos a Janeiro desse ano, continuou com o mesmo estatuto material e desempenhando as mesmas funções até Janeiro de 2004, não tendo havido, nesse período de tempo, qualquer interrupção, ou sequer rescisão do contrato de trabalho, mas apenas mudança formal de «estatuto».
Por isso, conclui-se na sentença da 1.ª instância, «…quando o CCT nos fala que o trabalhador tem direito a idêntico estatuto remuneratório ao que lhe era devido se estivesse ao serviço e, sabendo nós, neste caso concreto, qual era esse estatuto, não pode o mesmo deixar de ser tomado em consideração».

Decorre da cláusula 76.ª do CCT de 2000 que «Em caso de invalidez ou passagem à reforma por velhice…» os trabalhadores terão direito ao complemento entre o montante (de reforma) que recebem da segurança social e a remuneração que deveriam auferir se estivessem no efectivo do seu trabalho.
O contrato de trabalho caduca, entre o mais, com a reforma do trabalhador por velhice ou invalidez (art. 4.º, b) da LCCT) (12) .
É certo que nos termos do art. 5.º, n.º 1, do mesmo diploma legal, não obstante a reforma do trabalhador, a permanência deste ao serviço decorridos 30 dias sobre o conhecimento, por ambas as partes, da reforma, fica sujeita ao regime do contrato de trabalho a termo.
Porém, no caso, o autor continuou ao serviço da ré Empresa-A como trabalhador independente, embora nos mesmos moldes que o fazia anteriormente (facto n.º 8).

Ora, independentemente da qualificação jurídica que possa atribuir-se, após a reforma do autor, à relação laboral que este manteve com a ré Empresa-A – contrato de trabalho ou contrato de prestação de serviços –, entendemos que tal é irrelevante para os fins em causa.
Com efeito, é com o momento da passagem do autor à situação de reforma – e, naturalmente, tendo em conta a(s) remuneração (ões) que o autor então auferia – que é calculada a pensão da segurança social; e é com base no diferencial entre a pensão da segurança social e a retribuição então auferida que se calcula o complemento da reforma.
Assim, a retribuição relevante, a atender para efeitos de cálculo do complemento, é a da data imediatamente anterior à passagem do autor à reforma.
Aliás, se o que se pretende com o complemento de pensão é que o trabalhador com a passagem à reforma não veja diminuído o seu nível remuneratório, o momento próprio para determinar a continuidade desse mesmo nível remuneratório é aquele em que se verifica a mudança da situação profissional do trabalhador, ou seja, o momento da passagem do trabalhador no activo para a reforma.
Por isso se entende como irrelevante, para o cálculo do complemento de reforma, a circunstância de o trabalhador continuar a prestar o trabalho ao empregador após a reforma (13).
Assim, auferindo o autor à data da reforma, como contrapartida do desempenho das suas funções na Ré Empresa-A, pelo menos a importância mensal ilíquida de € 3.052,26 (facto n.º 5) e sendo o montante da reforma da segurança social de € 2.535,16 (facto n.º 13), tem direito ao complemento de reforma, a partir de Fevereiro de 2004.
Nesse mês, o complemento é de € 517,10 (€ 3.052,26 - € 2.535,16).
Posteriormente a esse mês, o complemento corresponderá à diferença entre a referida remuneração do autor à data da reforma, ou a remuneração correspondente à categoria do autor, como se estivesse ao serviço da ré Empresa-A caso seja superior, e a pensão actualizada que lhe é paga pela Segurança Social.
Procedem, por isso, parcialmente, as conclusões das alegações de recurso.

V – Pelo exposto, acorda-se em conceder parcialmente a revista e, em consequência, condenam-se as rés a pagar ao autor os complementos de reforma mensais, vencidos e vincendos, a partir de Fevereiro de 2004, inclusive, no valor de € 517,10 (quinhentos e dezassete euros e dez cêntimos), nesse mês, e, posteriormente, no valor correspondente à diferença entre a pensão de reforma actualizada e a remuneração do autor à data da passagem à reforma, ou a remuneração correspondente à categoria que o autor auferiria como se estivesse efectivamente ao serviço da ré Empresa-A, caso esta seja superior.
Custas da revista a cargo do autor e da ré Empresa-A, na proporção do respectivo decaimento.
Custas nas instâncias a cargo do autor e das rés, também na proporção do decaimento.

Lisboa, 5 de Julho de 2007
Mário Pereira (Relator)*
Maria Laura Leonardo
Sousa Peixoto
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(1) - Por lapso de escrita manifesto, refere-se a Relação do Porto quando se queria referir a Relação de Coimbra.
(2) - Neste sentido, vejam-se, entre outros, os acórdãos de 27-01-05 (Recurso n.º 3950/04), de 10-03-05 (Recurso n.º 4090/04), de 07-04-05 (Recurso n.º 4759/04), de 20-04-05 (Recurso n.º 3790/04), de 25-05-05 (Recurso n.º 3163/04), de 06-07-05 (Recurso n.º 253/05), de 21-09-05 (Recurso n.º 2843/04), de 16-11-05 (Recurso n.º 255/05), de 12-01-06 (Recurso n.º 2656/05), de 02-02-06 (Recurso n.º 371/05), de 24-05-06 (Recurso n.º 4022/05) e de 08-11-2006 (Recurso n.º 1323/06), todos da 4.ª Secção.
(3) - Lembre-se que, na sua apelação, a ora recorrente defendeu que tal CCT não era aplicável ao caso dos autos por o A. não ter alegado e provado a pertinente – e, em seu entender, necessária – filiação sindical, aspecto que não foi apreciado pelo acórdão recorrido que se limitou a remeter, nos termos do art.º 713º, n.º 5 do CPC, para a fundamentação da sentença.
(4) - O que não afasta, porém, a possibilidade de aplicação de uma convenção colectiva a sujeitos não membros das entidades signatárias, desde que, por um lado, a situação laboral em causa se subsuma no âmbito da convenção, e por outro, o trabalhador e entidade patronal estejam de acordo nessa aplicação.
(5 - Está aqui em causa a aplicação deste diploma legal, tendo em conta a data publicação do CCT (29-02-2000) - pois só com a mesma entrou em vigor, se bem que com efeitos reportados a 1 de Janeiro de 2000 (art. 10.º, n.º 1, da LRCT e cláusula 2.ª, n.º 2 do CCT) – bem como da PE, de 2000, referentes aos mesmos.
(6) - Publicado no BTE, 1.ª série, n.º 8, de 29-02-2000.
(7) - Vide ac. n.º 996/96, de 11 de Julho (DR, II Série, de 31-01-1997) e n.º 634/98, de 04-11(DR, II Série, n.º 51, de 02-03-1999).
(8) - Recurso n.º 1757/05 – 4.ª Secção, disponível em www.dgsi.pt.
(9) - Anteriormente, este regime era regulado pelo DL n.º 396/86, de 25 de Novembro e, posteriormente, aquele diploma foi revogado pelo DL n.º 475/99, de 09 de Novembro (o qual sofreu as alterações introduzidas pelos DL n.º 292/01, de 20 de Novembro e 251/03, de 14 de Outubro), o qual foi, por sua vez, revogado pelo DL n.º 12/06, de 20 de Janeiro (recentemente alterado pelo DL n.º 180/2007, de 9 de Maio, com entrada em vigor em 08-07-2007).
(10)- Este CCT é uma alteração às convenções publicadas no BTE, n.º 48, de 29 de Dezembro de 1982, e n.º 6, de 25 de Fevereiro de 1991, sendo certo que, quanto à matéria em causa, o constante da convenção de 1982 não sofreu alterações até à publicação de novo CCT, em 2000.
(11) - Manual de Direito do Trabalho, Almedina, pág. 307.
(12) - Tendo o trabalhador passado à situação de reforma por velhice em Maio de 2000, com efeitos a Janeiro do mesmo ano, à situação é aplicável a LCCT, visto que o Código de Trabalho só entrou em vigor em 1 de Dezembro de 2003 e não se aplica aos efeitos de factos ou situações totalmente passadas anteriormente àquela situação (art.s 3.º e 8.º, n.º 1, da Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto).
(13) - Esta conclusão quanto ao momento a atender para o cálculo do complemento de reforma não colide com a decisão das instâncias – transitada em julgado – de que seria abusivo exigir da ré um complemento de reforma, quando o trabalhador se manteve ao serviço daquela, com remuneração própria e de valor superior à diferença do complemento: naquela situação está em causa determinar o momento a atender para o cálculo do pagamento do complemento de reforma; nesta a exigibilidade, ou não, desse complemento num determinado período de tempo.