Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
424/05.7TYVNG.P1.S1
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: MARTINS DE SOUSA
Descritores: PROPRIEDADE INDUSTRIAL
MARCAS
SINAL DISTINTIVO
REGISTO
ACTO CONSTITUTIVO DE DIREITOS
MARCA NOTÓRIA
CONTRATO DE AGÊNCIA
AGENTE
AUTORIZAÇÃO
CONVENÇÃO DE PARIS
CONCORRÊNCIA DESLEAL
IMITAÇÃO
CONFUSÃO
OBJECTO DO RECURSO
QUESTÃO NOVA
Data do Acordão: 04/24/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática: DIREITO DA PROPRIEDADE INDUSTRIAL - MARCA
DIREITO COMERCIAL - CONCORRÊNCIA DESLEAL
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - RECURSOS
Doutrina: - Alberto Francisco Ribeiro de Almeida, Denominação de Origem e Marca, 1999, pág. 333.
- Carlos Olavo, Concorrência Desleal e Direito Industrial, “Concorrência Desleal”, 1997, pág. 64;
Marca Registada em Nome Próprio por Agente ou Representante, Revista da Ordem dos Advogados, Abril de 1999, Tomo II, pág. 577, 578 nota 10; Propriedade Industrial, Volume I, 2.ª edição, 2005, pág. 71.
- Dário Moura Vicente, A Tutela Internacional da Propriedade Intelectual, 2008, pág. 64.
- Ferrer Correia, Lições de Direito Comercial, Volume I, 1965, pág. 132.
- Jorge Patrício Paúl, Concorrência Desleal e Direito do Consumidor, ROA, Ano 65, 2005, págs. 89-108;
- Luís Couto Gonçalves, Concorrência Desleal, “Estudos em Homenagem do Prof. Dr. António Marques dos Santos”, Volume I, 2005, págs. 1025-1051; Direito de Marcas, 2000, págs. 32, 33, 2.ª edição, 2003, págs. 37 a 41; Função Distintiva da Marca, 1999, pág. 153.
- Luís de Lima Pinheiro, A Lei Aplicável aos Direitos de Propriedade Intelectual, “Direito da Sociedade da Informação”, Volume III, 2002, págs. 140/141.
- Miguel Moura e Silva, Direito da Concorrência (Uma introdução jurisprudencial), 2008, pág. 480.
- Nogueira Serens, Colectânea de Jurisprudência, Ano XVI, 1991, tomo IV, págs. 59 e segs..
– Oliveira Ascensão, Concorrência Desleal: As Grandes Opções, “Nos 20 Anos do Código das Sociedades Comerciais”, Volume I, 2007, págs. 32 e ss., 119-138; A aplicação do Artigo 8.° da Convenção da União de Paris nos Países que Sujeitam a Registo o Nome Comercial, Revista da Ordem dos Advogados (ROA), Ano 56, 1996, pág. 469; Lições de Direito Comercial, Volume II, 1988, págs. 404 e segs..
- Orlando Carvalho, em anotação ao Acórdão do STJ, de 11-2-1979, Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 113, n.º 3675, pág. 287.
Legislação Nacional: CÓDIGO CIVIL (CC): – ARTIGO 348.º.
CÓDIGO DA PROPRIEDADE INDUSTRIAL (CPI): - ARTIGOS 1.º, 11.º, 12.º, 25.º, N.º 1, AL. D), 33.º, N.º 1, 165.º, N.º1, 167.º, N.º1, 169.º, 170.º, 171.º, N.º1, 189.º, N.º 1, AL. F), 196.º, 207.º, 214.º, N.º 1, AL. B), 257.º, 260.º
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 664.º, 676.º, N.º 1, 684.º, N.º 3.
Referências Internacionais: CONVENÇÃO DA UNIÃO DE PARIS (CUP): - 2.º, N.º1, 3.º, N.º1, 4.º, 6.º, 8.º.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 03-10-2002, C. J., ACÓRDÃOS DO STJ, ANO X, TOMO III, PÁG. 80.
Sumário :
I - Os recursos constituem o meio próprio para a reapreciação das decisões proferidas pelos tribunais recorridos, não podendo o tribunal ad quem pronunciar-se sobre matéria não submetida previamente à apreciação do tribunal a quo, não se confundindo, porém, os argumentos jurídicos com questão nova.
II - A marca desempenha, fundamentalmente, uma função distintiva, constituindo um sinal do comércio que serve para diferenciar produtos ou serviços de uma empresa dos de outras empresas.
III - O CPI (de 1995) consagra o sistema de registo constitutivo ou atributivo da propriedade da marca, inexistindo qualquer direito exclusivo sobre a marca se esta não estiver registada, sem prejuízo do estatuído quanto ao uso da marca livre e da marca notória.
IV - Se o principal, em contrato de agência ou distribuição, não for titular da marca, no respectivo país de origem, pode o agente ou distribuidor proceder ao registo da mesma, independentemente de qualquer autorização.
V - O art. 2.º, n.º 1, da Convenção da União de Paris (CUP), consagra o princípio do tratamento nacional dos estrangeiros que sejam nacionais de outros Estados contratantes (ou da assimilação).
VI - Para que a autora/recorrente beneficiasse da tutela da lei de propriedade industrial italiana – que protege as marcas usadas não registadas, de notoriedade local e não local –, teria de alegar e provar factualidade de que emergisse que, em virtude de um uso notório, era titular de uma marca não registada em Itália.
VII - O art. 8.º da CUP, cuja essência consiste na atribuição de um direito à identidade da designação da empresa, que não é um direito exclusivo, nem se funda no registo ou na prioridade do uso, tem de cotejar-se com o estabelecido no art. 2.º, n.º 1, da mesma Convenção, de forma a impedir que os direitos dos estrangeiros se possam sobrepor aos direitos dos nacionais, permitindo a coexistência de titulares convencionais com titulares de direitos protegidos pelo registo.
VIII - A noção de concorrência desleal é dada através de uma definição geral, seguida de uma enumeração exemplificativa de actos desleais, sendo usual referir a tripartição dos actos de concorrência desleal em: a) actos de aproveitamento, b) actos de agressão, e c) actos enganosos (ou de indução do público em erro ou de falsa apresentação própria), constituindo seus pressupostos a prática de um acto de concorrência, contrário às normas e usos honestos, de qualquer ramo de actividade económica.
IX - Pode haver acto de concorrência desleal sem haver violação de direitos privativos da propriedade industrial (e vice-versa), tratando-se de institutos distintos na medida em que através dos direitos privativos da propriedade industrial se procura proteger uma utilização exclusiva de determinados bens imateriais (v.g. direito à marca), enquanto que através da repressão da concorrência desleal se pretende estabelecer deveres recíprocos entre os vários agentes económicos.
X - Se à data em que à ré foram concedidos os registos nacional e internacional da marca “Foinox” a autora não era titular de nenhum registo (em seu nome) daquela mesma marca, não tendo sido alegado nem provado, que a autora fosse titular de tal marca em Itália, em virtude de uso notório, para que a actuação da ré pudesse ser considerada como concorrência desleal seria imprescindível que se provasse factualidade de que resultasse que o uso daquela marca, por parte desta, configurava acto contrário às normas e usos honestos.
Decisão Texto Integral:

            ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

I.

AA, S.R.L., sociedade registada em Itália, intentou acção declarativa, sob a forma de processo ordinário, contra BB - Importação e Representações, S.A..

 Pede, a final, em primeiro lugar, a reversão total, a seu favor, da marca “Foinox”, concedida à ré em 05-02-2001, sob o n.º ......, pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), ao abrigo das disposições conjugadas dos arts. 226.° e 34.°, n.º 2, do Código da Propriedade Industrial (CPI); caso assim se não entenda, que seja anulada a referida marca, concedida à ré, com base nas disposições conjugadas dos arts. 226.° e 34.°, n.º 1, al. b), 266.°, n.º 1, al. a),  e 239.°, al. f), 317.°, als. a) e c), e 266.°, n.º 1, al. b), todos do CPI, e, ainda, art. 8.° da  Convenção da União de Paris; por último, deve a ré ser condenada a pagar-lhe uma indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, a liquidar em execução de sentença, acrescida dos juros de mora, desde a citação até integral pagamento e, em qualquer caso, deve ser condenada a abster-se de utilizar o sinal distintivo ”marca” nos seus produtos, papel timbrado, facturação ou em quaisquer outros elementos utilizados na sua actividade comercial, bem como a abster-se de proceder ao pedido de registo como marca de sinal distintivo de qualquer outra forma semelhante ou confundível com o sinal distintivo “marca”.

Alegou, para tanto e em síntese, que tal registo visou o aproveitamento do prestígio e fama da autora e contribuiu para a diminuição da sua credibilidade comercial ao instalar no consumidor a confusão relativamente à origem dos produtos por aquela marca denominados dado que a marca “marca” se encontra registada em Itália a seu favor.

A ré contestou, invocando, no essencial, que a autora não beneficiava, aquando do registo da marca (pela ré), de qualquer direito ou prioridade de registo sobre aquela, sustentando, igualmente, que o uso de um sinal não registado não pode consubstanciar facto gerador de concorrência desleal já que a lei a qualifica como marca livre.

Concluiu pedindo que a acção seja julgada improcedente.

No despacho saneador foi conhecido o mérito da causa, tendo a acção sido julgada improcedente.

Inconformada, a autora apelou, tendo o Tribunal da Relação do Porto confirmado a decisão recorrida.

Subsequentemente, a autora interpôs recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça (STJ), o qual anulou o acórdão recorrido e determinou a ampliação da matéria de facto.

Remetidos os autos à 1.ª Instância, foi estabelecida a matéria de facto assente e elaborada a base instrutória, efectuando-se audiência de discussão e julgamento, tendo o tribunal respondido à base instrutória através do despacho de fls. 1136-1138, que não teve qualquer reclamação.

Seguidamente, foi proferida sentença que julgou a acção improcedente, absolvendo a ré de todos os pedidos.

Após apelação da autora, a Relação do Porto, por acórdão que faz fls. 1485 a 1511, julgou improcedente o recurso, confirmando a sentença.

Novamente inconformada, a autora recorre de revista para este tribunal, concluindo o recurso com as seguintes conclusões:

“1. O registo da marca nacional n.º 000000, “Foinox”, é inválido, por a Recorrida o ter obtido, sem autorização da Recorrente, da qual foi distribuidora e vendedora durante vários anos, desde 1994 - facto provado 5; cf. art.º 169.° do CPI/95 e art.º 6.°- septies da Convenção de Paris para a Protecção da Propriedade Industrial de 20/03/1883.

2. Sem tal autorização, o registo de marca é anulável, nos termos do art.º 214.°, n.º 1, b) do CPI/95.

3. O 33.°, n.º 2 do CPI/95 prevê que, se reunir as condições legais, pode o interessado pedir, em vez da anulação, a reversão total ou parcial do título em seu favor.

4. À data em que a Recorrida apresentou o pedido de registo da marca “marca” em Portugal (12/10/2000) já a Recorrente havia pedido o registo da mesma marca em Itália (19/04/1999).

5. Sendo aplicáveis, mesmo que por mera analogia, as regras de prioridade portuguesas (art.º 11.°, n.º 1 do CPI/95), não se suscita qualquer dúvida de que o registo de marca da Recorrente goza de prioridade em face do registo de marca da Recorrida.

6. O legislador utiliza no art.º 169.° do CPI/95 a expressão «titular de uma marca num dos países da União», quando é óbvio que o objecto da titularidade incide sobre um registo e não sobre uma marca.

7. O art.º 6.º - septies da Convenção da União de Paris e do art.º 196.°, n.º 1 do CPI/95 não exclui a protecção dos «titulares de marcas» de todos os países em que esse direito não se adquire pelo registo, mas pela simples prioridade do uso (internacionalmente designada por “first to use”) ou pela notoriedade que a marca haja alcançado.

8. A (co)existência, a nível mundial, de diversos sistemas de aquisição de direitos de marca - inclusivamente através do uso -, não admite a interpretação do art.º 6.º - septies da Convenção da União de Paris e do art.º 196.°, n.º 1 do CPI/95 que faz depender a protecção aí consagrada da existência prévia de um registo de marca.

9. A interpretação que subjaz ao acórdão recorrido afasta-se do sentido razoável que o legislador pretendeu conferir ao art.º 196.°, n.º 1 do CPI/95, e que não foi, decerto, o de excluir a protecção dos «titulares de marcas» dos (muitos) países-membros da União de Paris que não têm um sistema de aquisição de direitos de marca igual ao Português.

10. A invocação da relevância de um direito de marca adquirido à luz da lei de Propriedade Industrial da Itália não constitui uma questão nova, mas argumento de direito, cuja invocação se tornou indispensável com a decisão da 1.ª Instância - e se mantém, em face da decisão recorrida -, por as Instâncias terem interpretado e aplicado o art.º 196.°, n.º 1 do CPI/95 e o art.º 6.º - septies da Convenção da União de Paris, sem conhecer, como deviam, da lei que regula a aquisição do direito de marca no país de origem de quem a reclama - in casu, a lei italiana - e se ter(em) circunscrito à lei portuguesa, desvirtuando o seu alcance e, desse modo, fazendo uma errada interpretação e aplicação desta ao caso dos autos.

11. Conclui-se que o acórdão recorrido violou o disposto nos art.ºs 11.°, 170.° 196.°, n.º 1 e 214.°, n.º 1, b) do CPI/95, devendo por isso ser revogado, sendo a acção julgada totalmente procedente por provada.

12. O registo da marca “Foinix”, pela Ré, infringe o direito ao nome comercial “Foinix, S.R.L”, previamente constituído em Itália.

13. Os factos provados 1, 5 e 8 são suficientes para provocar a invalidade do registo da marca nacional n.º 000000, "marca”, nos termos do art.º 33.°, n.° 1, al. b) do CPI/95 - referido ao art.º 189.° n.º 1, al. f) -, e no art.º 8.° da já referida CUP.

14. No acórdão recorrido faz-se uma interpretação do disposto no art.º 8.° da CUP, que colide com o próprio texto da norma, reduzindo a quase nada o seu efeito útil.

15. Por via do art.º 8.° da CUP, todos os países-membros da União de Paris obrigaram-se a dar um tratamento mais favorável aos nomes comerciais dos outros países-membros, que beneficiam de uma isenção de registo ou de depósito em todos os restantes países da União.

16. Uma denominação social portuguesa será protegida na Itália, independentemente de registo nesse país (mesmo que esse registo for exigido às sociedade italianas), e, segundo a referida regra de reciprocidade, uma denominação social italiana gozará de protecção em Portugal, independentemente de registo no nosso país.

17. É por força desse espírito “unionista” que os países-membros (incluindo Portugal e a Itália) decidiram perfilhar a regra de protecção nacional dos nomes comerciais estrangeiros, que serão protegidos num dado país - membro sem terem de cumprir as exigências de registo do mesmo.

18. Para além de errada interpretação da lei, no acórdão recorrido faz-se, até, uma deficiente leitura do acórdão da Relação de Lisboa de 15/01/2007 (Apelação n.º 00000) que foi invocado, pois neste concluiu-se que «A protecção do nome comercial ao abrigo do art.º 8, da Convenção da União de Paris, impõe o uso ou o facto do referido nome ser notoriamente conhecido no país onde se pretenda a referida protecção» - e não apenas este último caso.

19. A matéria de facto dada como provada permite concluir que a denominação social “AA, S.R.L.”, da Recorrente, é usada e conhecida em Portugal - desde logo, pela Recorrida... - vd. facto 5.

20. A documentação que está junta aos autos sobre o relacionamento comercial entre as partes e as próprias regras da experiência conduzem a concluir que os produtos “Foinox” da Recorrente que foram vendidos em Portugal pela Recorrida continham a indicação do nome da fabricante, para além da marca “Foinox”.

21. O quadro factual provado não permite qualquer dúvida do uso em Portugal da denominação social da Recorrente, pelas formas usuais no comércio, isto é, na facturação, em referências na rotulagem de produtos, em catálogos, na correspondência comercial, documentos oficiais de importação e circulação de bens, etc.

22. Mas... o art.º 8.° da CUP nem sequer exige que o nome comercial seja usado ou notoriamente conhecido no país em que é reclamada a sua protecção...

23. Desde há muito que existe jurisprudência em sentido oposto a esse, sendo disso exemplo, o douto acórdão da Relação de Lisboa, de 06/10/88 (sumário publicado no B.M.J, n.º 380, p. 527), no qual se concluiu que a legislação interna sobre firmas ou denominações sociais «(...) por força dos princípios constitucionais, não pode contradizer ou limitar a Convenção da União de Paris, publicada no Diário do Governo de 6 de Fevereiro de 1950».

24. Nesse douto acórdão acrescenta-se que «O nome comercial que goza de protecção no país de origem, não carece de estar registado nos outros países da União para aí beneficiar do princípio da exclusividade ou novidade».

25. E também o Supremo Tribunal de Justiça se pronunciou no mesmo sentido em várias ocasiões, por exemplo, no acórdão de 11/07/61 (Proc.º n.º 58568), onde concluiu que «A firma, ou a denominação social, e o nome de estabelecimento de empresa de país membro da União de Paris gozam de protecção em Portugal, sem obrigação de registo, por força do art. 8.° da respectiva Convenção, para o efeito de ser impedida a sua imitação por empresas portuguesas, mormente se na firma ou nome imitado se contém designação de uma marca protegida pelo registo.» - in B.M.J. n.º 109-1961, pp. 676-683.

26. Tendo sido dado como provado que a denominação social “AA, S.RL.” está protegida na Itália (desde 19/01/1989), e que é conhecida em Portugal (por ter sido utilizada nas suas relações comerciais com vários distribuidores dos seus produtos em Portugal, nomeadamente, a Recorrida), desde 1994 (data muito anterior à do pedido de registo em Portugal da marca “Foinox”, apresentado pela Recorrida em 12/10/2000), deve aquela denominação social beneficiar da protecção consagrada artigo 8.° da CUP, para o efeito de impedir o registo da marca “Foinox”, pela Recorrida.

27. Conclui-se que o acórdão recorrido viola o art.º 33.°, n.º 1, al. b) do CPI/95 - referido ao art.º 189.°, n.º 1, al. f) -, e o art.º 8.° da CUP, devendo ser revogado, e julgada a acção procedente por provada.

28. A conduta da Ré - de registar em nome próprio uma marca igual à denominação social e marca da empresa que representava, ora Recorrente - consubstancia um comportamento de concorrência desleal e, por consequência, que o registo daquela marca deve ser revertido para a Recorrente ou, subsidiariamente, invalidado.

29. E o art.°25.º, n.º 1, al. d) do CPI/95 estabelecia como fundamento geral de recusa da patente, modelo, desenho ou registo «O reconhecimento de que o requerente pretende fazer concorrência desleal, ou de que esta é possível independentemente da sua intenção».

30. O registo da marca Foinox pela Recorrida (distribuidora de produtos com a marca “marca” da Recorrente) possibilita a prática de actos de confusão sobre a origem dos produtos com marca igual à que anteriormente distribuía, mas de origem empresarial diversa.

31. A aquisição de tal registo pela Recorrida é de considerar, no mínimo, como possibilitando a concorrência desleal independentemente da intenção da recorrida, pois as marcas são iguais, mas os produtos são de origem diversa.

32. E o uso da marca Foinox, pela Recorrida, também possibilita a prática de actos de confusão com a pessoa da Recorrente, tendo em conta que a marca registada pela Recorrida e a denominação social da Recorrente caracterizam-se pela mesma expressão Foinox.

33. No acórdão recorrido, considera-se que não ficou provado que a Recorrida tenha praticado algum acto de concorrência desleal, mas o art.º 25.°, n.º 1, al. d) do CPI/95 também previa como fundamento de recusa ou invalidação do registo de marca que a concorrência desleal é possível, em abstracto, isto é, independentemente da intenção do requerente.

34. Enquanto fundamento de invalidação do registo de marca, a concorrência desleal pode ser enquadrada no art.º 33, n.º 1, al. a) do CPI/95, por o seu objecto ser insusceptível de protecção.

35. E, em sentido semelhante, o art.º 133.°, n.º 1, alínea c) do Código do Procedimento Administrativo (CPA) fulmina com a nulidade o acto cujo objecto constitua um crime.

36. Na vigência do CPI/95 a concorrência desleal é um ilícito criminal custando por isso admitir que não possa ser invalidado o registo de uma marca que serve ou pode servir para praticar esse crime!

37. Na interpretação da lei não deve perder-se de vista que, no domínio do CPI/2005, a concorrência desleal era uma das infracções contra a propriedade industrial (art.º 257.º), tipificada como ilícito criminal (art.º 260.º).

38. Se um registo de marca deveria ser recusado quando o INPI reconhecesse que poderia servir para fazer concorrência desleal (isto é, para praticar um crime), também não pode ser mantido em vigor, nas mesmas circunstâncias, se o uso da marca pode servir ou serve para praticar esse mesmo crime.

39. Para o caso de não ser julgado procedente o pedido de reversão do título a favor da Recorrente, ou, subsidiariamente, o pedido de anulação do mesmo, deverá, então, ainda subsidiariamente, ser declarada a nulidade do registo e a proibição do uso da marca “Fonix”, nos termos do art.º 32.°, n.º 1, a) do CPI/95 e do art.º 133.°, n. ° 1, c) do CPA - aplicável subsidiariamente ao procedimento especial previsto no CPI/95, nos termos do n.º 1 do art.º 2.°do CPA

Nestes termos, nos melhores de direito e com o sempre mui douto suprimento de Vossas Excelências, deve ser concedida a revista, revogar-se o acórdão recorrido e, por consequência, julgar-se a acção totalmente procedente, por provada, assim se fazendo JUSTIÇA!” (sic).

A ré contra-alegou, pronunciando-se pela confirmação da decisão tomada no acórdão recorrido.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II.

A. Previamente à apreciação do recurso, vejamos a matéria de facto apurada nas instâncias:

1. A autora “AA, S.R.L.” foi constituída em 19 de Janeiro de 1989 com a denominação social “AA, S.R.L.” denominação social esta que usa, até à presente data na sua actividade comercial tendo por objecto: projecto-produção-comércio de equipamentos de electricidade e gás para uso doméstico, profissional, industrial, além de abatedores de temperatura, instalação e aparelhos para refrigeração (alínea A) dos factos assentes).

2. A ré “BB, Importação e Representações, S.A.” foi constituída em 30 de Janeiro de 1990 e tem por objecto a importação e representação de máquinas e comércio por grosso e a indústria de construção civil, a compra, venda e revenda de propriedades e revenda de adquiridos (alínea B) dos factos assentes).

3. No decurso da sua actividade, a autora requereu o registo da marca “marca” em Itália, em 19 de Abril de 1999, para assinalar os seguintes produtos: fornos (com excepção de fornos utilizados em experiências), sistemas de arrefecimento para fornos, congeladores, equipamento de produção de calor, de vapor, de cozedura e congelação, bem como equipamento de ventilação, de distribuição de água e para instalações sanitárias, tendo a mesma sido concedida sob o n.º 000000, em 23 de Maio de 2002 (alíneas C) e D) dos factos assentes).

4. A autora é titular dos seguintes sinais distintivos: denominação social “AA, S.R.L.” desde 19 de Janeiro de 1989: marca italiana n.º 000000 Foinox requerida em 19 de Abril de 1999 e concedida em 23 de Maio de 2002 e nomes de domínio “.it” e “.com” desde 31 de Julho de 1997 e 7 de Novembro de 2000, respectivamente (alínea D’) dos factos assentes).

5. Em Portugal, a autora recorreu, entre outras sociedades, à ré como distribuidora e vendedora dos produtos no mercado Português, desde 1994 (alínea E) dos factos assentes).

6. A autora requereu em Julho de 1997 e Novembro de 2000, respectivamente, os nomes de domínio de Internet .it e .com (alínea F) dos factos assentes).

7. A autora requereu o registo da marca comunitária n.º 000000 Foinox – nominativa – em 11 de Fevereiro de 2003 para assinalar fornos, aparelhos, instrumentos, dispositivos e recipientes de refrigeração e de congelação, aparelhos de iluminação, de aquecimento, de produção de calor, de cozedura e de congelação, aparelhos de iluminação, de aquecimento, de produção de vapor, de cozedura, de refrigeração, de secagem, de ventilação, de distribuição de água (alínea G) dos factos assentes).

8. A ré, sem que em momento algum informasse a autora, requereu, para si, junto do Instituto Nacional da Propriedade Industrial o registo da marca nacional Foinox em 12 de Outubro de 2000, destinando-se a assinalar os seguintes produtos: fornos eléctricos e a gás, incluindo fornos mistos, fornos de padaria e pastelaria, fornos de convecção e abatedores de temperatura (aparelhos de arrefecimento), tendo-lhe o mesmo sido concedido em 5 de Fevereiro de 2001, sob o n.º ...... (alínea H) dos factos assentes).

9. Com base no pedido de registo português, a ré apresentou igualmente pedido de registo de marca internacional em Espanha, França e Inglaterra, indicando a data do pedido português como data de prioridade e fundamento para a marca internacional, que veio a ser concedida em 5 de Março de 2001, sob o n.º 000000 (alínea I) dos factos assentes).

10. A autora foi contactada por alguns distribuidores (resposta ao n.º 4 da base instrutória).

B. O objecto do recurso está delimitado pelas conclusões constantes das alegações da recorrente – cf. arts. 684.º, n.º 3, e 690.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (CPC), no regime anterior ao introduzido pelo D.L. n.º 303/2007, de 24-08, aqui aplicável (arts. 11.º e 12.º deste diploma)[1] – cujo cerne, repetindo substancialmente as conclusões já inseridas na apelação, se aglutina em torno de três questões:

violação do disposto no art. 169.º do CPI, por a ré ter registado a marca Foinox, em Portugal, sem autorização da autora;

violação da protecção concedida à denominação social da autora, nos termos do estatuído no art. 8.º da Convenção da União de Paris (CUP);

concorrência desleal, por violação do determinado no art. 260.º, n.º 1, do CPI.

Antes, porém, analisar-se-á a questão prévia consistente em saber se a circunstância da autora (apenas) nas alegações da sua apelação ter aludido à legislação italiana sobre marca constituirá questão nova.

B1 Questão prévia:

Pacificado que, em termos de lei aplicável a estes autos, é o CPI de 1995, aprovado pelo DL n.º 16/95, de 24-01 (entretanto revogado pelo DL n.º 36/2003, de 05-03) que haverá que ponderar na decisão do litígio, importará, todavia, iniciar por dirimir a questão prévia, implícita nos alegações e contra-alegações, que se prende com a existência ou não de uma questão nova, no que concerne ao chamamento do direito de propriedade industrial italiano, pela autora/recorrente, apenas em sede de apelação.

Os recursos constituem o meio próprio para a reapreciação das decisões proferidas pelos tribunais recorridos, daí decorrendo que o tribunal ad quem não se pode pronunciar sobre matéria não submetida previamente à apreciação do tribunal a quo.

Em suma, os recursos visam modificar a decisão de que se recorre, e não conhecer de questões novas, não submetidas à apreciação do tribunal recorrido.

Harmonicamente, decorre do estatuído nos arts. 676.º, n.º 1, e 684.º, n.º 3, do CPC, que os recursos não podem versar questões que as partes não tenham consignado à apreciação dos tribunais de instância, nos articulados da causa, e que não foram apreciadas anteriormente, comportando esta regra duas excepções: a) situações em que a lei determina expressamente o contrário; b) situações em que está em causa matéria de conhecimento oficioso.

Isto dito, e contrariamente ao entendido no acórdão da Relação, considera-se que a referência efectuada pela autora ao direito italiano e ao regime de protecção da marca aí vigente, conquanto sujeito ao disposto no art. 348.º do Código Civil (CC), não constitui, de per si, questão nova que coíba o tribunal de recurso de a apreciar, antes se enquadrando no patamar da qualificação jurídica dos factos, a que o tribunal sempre poderá oficiosamente recorrer, nos termos do art. 664.º do CPC (dado, aliás, que o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras do direito).

Destarte, considera-se que a argumentação jurídica carreada em sede de recurso, pela autora, não constitui, nem se confunde, com qualquer questão nova, sendo o respectivo regime jurídico, a que a autora alude, atendido (se necessário se revelar) no âmbito da presente revista.

B2 Violação do disposto no art. 169.º do CPI, por a ré ter registado a marca Foinox, em Portugal, sem autorização da autora.

A autora, como se disse, peticiona a reversão a seu favor da marca “marca”, concedida à ré, sua distribuidora em Portugal, a qual fora atribuída pelo INPI sob o n.º ......, tendo subsidiariamente pedido a anulação da marca respectiva (caso não lhe seja concedida a reversão), bem como a condenação da ré no pagamento de uma indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, em valor a liquidar em execução de sentença.[2]

Contestou a ré, sustentando que a autora não beneficiava, aquando do registo da marca Foinox, de qualquer direito ou prioridade e que o uso de um sinal não registado não pode consubstanciar facto gerador de concorrência desleal já que a lei o qualifica como marca livre.

São estes, sumariamente, os parâmetros em que nos movemos, sem olvidar que o pleito opõe uma sociedade comercial de direito italiano e uma sociedade comercial de direito português. [3]

Do art. 1.º do CPI de 1995 (versão a que nos referiremos ao longo deste acórdão) deflui que a propriedade industrial desempenha a função social de garantir a lealdade da concorrência pela atribuição de direitos privativos, bem como pela repressão da concorrência desleal.

Face ao CPI, o título de registo de uma marca obtém-se após um procedimento administrativo formalizado, regulado pelas normas especiais dos arts. 181.º a 187.º e pelas normas gerais dos arts. 10.º a 28.º.[4]

A marca, de acordo com o estatuído na parte final do n.º 1 do art. 165.º do CPI serve para “distinguir os produtos ou serviços de uma empresa dos de outras empresas” – trata-se da denominada função distintiva da marca.[5]

É um sinal sensível aposto em (ou acompanhando) produtos ou serviços para os distinguir dos produtos ou serviços idênticos ou similares dos concorrentes.[6]

Constitui o paradigma dos sinais distintivos do comércio[7] tendo como função primacial identificar a proveniência de um produto ou serviço relacionando-o, perante os seus destinatários, a uma determinada empresa[8], servindo para identificar esse produto ou serviço, distinguindo-os dos produzidos ou prestados por uma outra empresa.[9]

Resumindo, é o sinal que serve para diferenciar a origem empresarial do produto ou serviço proposto ao consumidor, e, por isso, se integra nos sinais distintivos do comércio, destinando-se a individualizar produtos, mercadorias ou serviços, e a permitir a sua diferenciação de outros da mesma espécie.[10]

Em diversos sistemas jurídicos europeus, o direito à marca adquire-se, em princípio, através do registo, o qual reveste eficácia constitutiva. Tais sistemas são ditos de registration based: esta solução funda-se essencialmente em considerações de certeza e segurança jurídica.[11]

A lei portuguesa consagra o sistema de registo constitutivo ou atributivo da propriedade das marcas: a propriedade de uma marca adquire-se através do respectivo registo no INPI. O registo confere ao seu titular o direito de propriedade e do exclusivo da marca para os produtos e serviços a que ela se destina, conforme resulta do art. 167.º, n.º 1, do CPI.

Analogamente, o art. 207.º preceitua que “o registo da marca confere ao seu titular o direito de impedir a terceiros, sem o seu consentimento, o uso, na sua actividade económica, de qualquer sinal idêntico ou confundível com essa marca para produtos ou serviços idênticos, ou afins àqueles para os quais aquela foi registada, ou que, em consequência da identidade ou semelhança entre os sinais ou da afinidade dos produtos ou serviços, cria, no espírito do consumidor, um risco de confusão que compreenda o risco de associação entre o sinal e a marca”.

O direito à marca é, consequentemente, em face do ordenamento jurídico português, um direito que decorre do registo de um dado sinal distintivo, inexistindo direito exclusivo sobre um determinado sinal se este não estiver registado.[12]

Como bem se enfatiza no acórdão recorrido (socorrendo-se dos ensinamentos de Carlos Olavo): o bem imaterial que é objecto desse direito [à marca] apenas se reconduz, em termos directos e imediatos, ao seu titular desde que tal conste do registo, o que se trata de aplicação do princípio geral segundo o qual os direitos privativos da propriedade industrial estão sujeitos a um sistema de registo constitutivo ou atributivo.[13]

De acordo com o já mencionado art. 167.º, n.º 1, do CPI: “Aquele que adopta certa marca para distinguir os produtos ou serviços de uma actividade económica ou profissional gozará da propriedade e do exclusivo dela desde que satisfaça as prescrições legais, designadamente a relativa ao registo” – i.e., o registo confere ao seu titular o direito de propriedade e exclusividade da marca – acrescentando o art. 6.º, n.º 1, que: “A prova dos direitos de propriedade industrial referidos no presente diploma faz-se por meio dos títulos de patente, modelo, desenho e de registo correspondentes às diversas categorias nele reguladas”.

Não haverá, assim, qualquer direito exclusivo sobre um qualquer sinal se este não estiver devidamente registado: repete-se, o direito à marca (tal como outros direitos privativos da propriedade industrial) está sujeito a um sistema de registo constitutivo ou atributivo.

Todavia, embora, em termos de direito positivo português, a utilização da marca, sem que a mesma tenha sido registada, não confira qualquer direito, a lei atendeu a tal utilização, mitigando, em certas situações o princípio do carácter constitutivo do registo.[14]

Com efeito, o art. 171.º, n.º 1, estabelece que: “Aquele que usar marca livre ou não registada por prazo não superior a seis meses terá, durante esse prazo, direito de prioridade para efectuar o registo, podendo reclamar contra o requerido por outrem durante o mesmo prazo” – ou seja, o pré-uso da marca não é título, só fundamenta a prioridade prevista no referido preceito.[15]

Concluindo, no sistema português, a propriedade da marca não resulta do seu uso, mas sim do seu registo, de tal forma que prevalecerá o direito de quem primeiro a registou e não daquele que primeiro a usou: a utilização de um sinal distintivo/marca sem que haja sido efectuado o competente registo não confere qualquer direito à marca, mas apenas um simples direito de prioridade para requerer o registo.[16]

No caso dos autos, perante a matéria de facto assente, verifica-se que, aquando do registo da marca “marca” por parte da ré, a autora não era titular do registo dessa marca, visando esta, com a acção em apreço, impugnar o registo da marca – requerido junto do INPI e por ele concedido –, tendo o mesmo sido apresentado em 12-10-2000 e concedido em 05-02-2001 (sendo certo que a ré requereu, igualmente, o registo da marca internacional em Espanha, França e Inglaterra, que lhe foi concedido em 05-03-2001).

Indo à questão em concreto, e ao preceito legal indicado pela autora/recorrente, emerge do art. 169.º do CPI que: “O agente ou representante do titular de uma marca num dos países da União pode pedir o seu registo mediante autorização do mesmo titular” – refere-se a norma à União Internacional para a Protecção da Propriedade Industrial, criada pela já mencionada Convenção de Paris de 20-03-1883 e suas revisões (CUP) – art. 3.º, n.º 1.[17]

A aplicação do regime estabelecido no CPI, pressupõe a existência de um direito sobre uma marca validamente adquirido, num dos países da União para a Protecção da Propriedade Industrial ou da Organização Mundial do Comércio (OMC).

Assim, se um sinal não se encontra registado como uma marca em Portugal ou em qualquer outro país da União ou da OMC, trata-se de uma marca livre.

Alcança-se, outrossim, da matéria de facto assente que a autora requereu o registo da marca “marca” em seu nome, junto do Instituto Nacional da Propriedade Industrial Italiano (INPII), em 19-04-1999, apenas tendo aquela marca sido licenciada em 23-05-2002.

Recapitulando, quando a ré solicitou o registo da marca em seu nome (em 12-10-2000) e, na data em que lhe foi concedido (05-02-2001) a autora não gozava de qualquer direito à marca.

Como assim, a autora não era titular da marca quando a ré efectuou o pedido de registo dessa mesma marca em Portugal e, portanto, não gozava, naquela data, da protecção que apenas lhe é concedida pelo registo definitivo da marca. Por conseguinte, a ré não estava obrigada a solicitar a sua autorização nos termos e para os efeitos do disposto no art. 169.º do CPI.

É por isso correcto o entendimento sufragado pelas instâncias de que se o principal, em contrato de agência ou distribuição, não for titular da marca, no respectivo país de origem, pode o agente ou distribuidor proceder ao registo da mesma, independentemente de qualquer autorização, sendo inaplicável ao caso o disposto naquele preceito legal.

Acresce que, não obstante o art. 11.°, n.º 1, do CPI, prever a prioridade do primeiro pedido apresentado regularmente, este normativo dirige-se única e exclusivamente aos registos efectuados em Portugal, não sendo caso de aplicação, também, do estatuído no art. 170.º daquele Código.[18]

Assim sendo, a autora para poder beneficiar de um direito de prioridade semelhante ao direito de prioridade de apresentação de um pedido feito em Portugal, teria que proceder, dentro dos limites legalmente estabelecidos – cf. arts. 11.º, 12.º e 170.º do CPI, em conjugação com o art. 4.º da CUP – ao pedido de registo da marca em território nacional.

Improcede, pois, o entendimento defendido pela autora que sustenta, para este efeito, que é proprietária da marca desde o ano de 1999 e não desde 2002.

O art. 11.º do CPI não tem alcance para disciplinar os registos requeridos em outros países: apesar do pedido do registo da autora – 19-04-1999 – ter sido anterior ao da ré – 12-10-2000 –, a mesma não poderá beneficiar dessa prioridade de apresentação porquanto a disposição abrange apenas os pedidos solicitados ao INPI, em Portugal.

Concorda-se, consequentemente, com a asserção da sentença da 1.ª Instância e acolhida no acórdão sob recurso, quando aí se escreveu: “Poderá, é certo, o pedido de registo efectuado em qualquer país da União de Paris, da OMC ou qualquer organismo intergovernamental com competência para conceder direitos de propriedade industrial que produzam efeitos em Portugal beneficiar de um direito de prioridade semelhante do direito de prioridade de apresentação de um pedido feito em Portugal, se proceder, dentro dos limites legalmente estabelecidos, ao seu pedido em território nacional. Tal resulta da conjugação do disposto no art. 12.° do CPI com o disposto no art. 4.° da CUP, de onde emana que um pedido regularmente efectuado num dos países membros, para obter protecção em Portugal, deverá, dentro do prazo estabelecido por lei (6 meses para marcas) efectuar as diligências necessárias para aí obter o seu registo. Portanto, a autora para usufruir desse direito de prioridade conferido pelo art. 11.° do CPI, teria que, nos seis meses subsequentes ao pedido por si regularmente depositado em Itália, vir requerer o registo da marca em Portugal nos termos do art. 12.° do CPI” (sic).

Sem mais comentários, corrobora-se tal conclusão por absolutamente acertada.

Discorda-se, por outro lado, que a expressão “titulares de marcas”, inserta no art. 6.º-septies da CUP[19], não possa ser interpretada no sentido de abranger apenas os titulares de marcas registadas, como sustenta a recorrente, pois tal significaria, na sua óptica, excluir de protecção os agentes económicos que adquiriram a marca por outros meios, que não o registo (inclusivamente o simples uso), ou que a interpretação que subjaz ao acórdão recorrido se afaste do sentido que o legislador pretendeu conferir ao art. 196.º, n.º 1, do CPI (aliás, nem se compreende a alusão a este preceito que é bem claro ao reportar-se ao “titular de um registo de marca” (n.º 1) e ao “requerente de um registo de marca” (n.º 2)).

Como bem se salientou no aresto recorrido, não se pode olvidar, igualmente, o estatuído no art. 2.º, n.º 1, da CUP, que preceitua: “Os nacionais de cada um dos países da União gozarão em todos os outros países da União, no que respeita à protecção da propriedade industrial, das vantagens que as leis respectivas concedem actualmente ou venham a conceder no futuro aos nacionais, sem prejuízo dos direitos especialmente previstos na presente Convenção. Por consequência, terão a mesma protecção que estes e o mesmo recurso legal contra qualquer ofensa dos seus direitos, desde que observem as condições e formalidades impostas aos nacionais”.

Este normativo consagra o princípio do tratamento nacional dos estrangeiros que sejam nacionais de outros Estados contratantes, sem prejuízo dos direitos especialmente previstos na convenção. Neste caso, o princípio do tratamento nacional ou assimilação pressupõe que a questão se coloca no Estado de protecção: cada Estado contratante aplica o seu próprio Direito à protecção, no seu território, da propriedade industrial.[20]

Tal significa que as protecções que são concedidas, pela CUP, ficam sempre dependentes da observância das condições e formalidades previstas na legislação nacional aplicável.

Tanto basta para que a argumentação explanada pela autora/recorrente nas suas alegações não possa ser acolhida.

Finalmente e ainda no âmbito desta questão, restam umas breves palavras a propósito da invocação do regime da propriedade industrial constante da lei italiana (clarificado que está que se trata de mais um argumento de direito e não de uma questão nova).

É verdade que a legislação italiana, apesar do princípio geral de que o direito exclusivo de marca se adquire com o registo, consagra soluções que tutelam as marcas usadas não registadas, de notoriedade não local e de notoriedade local[21], o que implicaria, como de forma acertada se diz no acórdão recorrido, que, ara o sucesso da tese da autora, se apurassem elementos factuais donde decorresse que a marca Foinox dispunha dessa notoriedade em Itália.

Porém, a autora, nos seus articulados, mormente na petição inicial, coibiu-se de alegar qualquer factualidade de que resultasse que, em virtude de um uso notório, fosse titular de uma marca não registada em Itália.

Cingiu-se, apenas e tão só, a invocar, de modo conclusivo, que se podia fazer prevalecer da prioridade do seu pedido de registo em Itália, de modo a desencadear a aplicação do preceituado nos arts. 169.° do CPI e 6.º da CUP.

Todavia, tal argumentação foi rebatida e afastada por nós, tal como o tinha sido nas instâncias, ponderando que a autora, à data do registo da marca “Foinox”, em nome da ré, não era titular desta marca, pelo que a última não lhe estava obrigada a solicitar qualquer autorização.

Improcede, em consonância, esta 1.ª questão, bem como o expendido nas conclusões 1 a 11 das alegações de recurso, não se detectando qualquer violação, pelo acórdão recorrido, do disposto nos arts. 11.º, 170.º, 196.º, n.º 1, e 214.º, n.º 1, al. b), do CPI.

B3 Violação da protecção concedida à denominação social da autora, nos termos do estatuído no art. 8.º da Convenção da União de Paris (CUP)

A este respeito, a autora/recorrente considera que o registo da marca “marca”, pela ré, infringe o direito ao nome comercial “AA, S.R.L.”, previamente constituído em Itália, sendo os factos provados sob os n.ºs 1, 5 e 8, suficientes para provocar a invalidade do registo da marca nacional n.º ...... “Foinox”, nos termos dos arts. 33.º, n.º 1, al. b) – referido ao art. 189.º, n.º 1, al. f), ambos do CPI – e 8.º da CUP.

O art. 33.º, n.º 1, do CPI, refere que: “Os títulos de propriedade intelectual são total ou parcialmente anuláveis quando o titular não tiver direito a eles, e nomeadamente: a) (…); b) Quando tiverem sido concedidos com preterição dos direitos de terceiros, fundados em prioridade ou outro título legal”.[22]

O art. 8.º da CUP enuncia o princípio de que: “O nome comercial será protegido em todos os países da União sem obrigação de registo, quer faça ou não parte de uma marca de fábrica ou de comércio”.

Esta norma tem de cotejar-se com o disposto no art. 2.º, n.º 1, da CUP, a que já anteriormente nos referimos, que consagra o princípio da assimilação ou do tratamento nacional, razão pela qual a regra do art. 8.º se deverá subordinar àquele princípio, de forma a impedir que os direitos dos estrangeiros se possam sobrepor aos direitos dos nacionais.

A essência da tutela conferida pelo art. 8.º da CUP consiste assim na atribuição de um direito à identidade da designação da empresa, que não é um direito exclusivo, nem se funda no registo ou na prioridade do uso. O efeito do preceito em referência para os países que conhecem um direito privativo ao nome comercial, por intermédio do registo, é assim o de limitar o exclusivo que a lei interna atribui. Há que admitir a coexistência com direitos não registados. Mas paralelamente, também os titulares convencionais não poderão impedir que os direitos titulados pelo registo continuem a ser usados.[23]/[24]

Do princípio da territorialidade decorre que no território de cada Estado são protegidos os direitos de propriedade industrial atribuídos pela sua lei, e que os direitos atribuídos em diferentes Estados são independentes entre si.[25]

Daqui deriva uma “situação anómala, mas de leal concorrência, de utilização no mesmo espaço territorial (país de destino) de dois nomes comerciais ou firmas caracterizadas por elementos distintivos análogos”.[26]

Corrobora-se, assim, e na íntegra, o que se consignou no acórdão recorrido a este propósito e que aqui se reproduz: “Este art. 8.º [da CUP] não visa, em caso de conflito com nomes existentes no país de destino, ainda quando nestes países o nome é objecto de direito privativo e de registo, estabelecer qualquer prioridade. A essência da tutela conferida pelo art. 8.º consiste na atribuição de um direito à identidade da designação da empresa, que não é um direito exclusivo, nem se funda no registo ou na prioridade de uso. O efeito do art. 8.º, para os países que conhecem um direito privativo ao nome comercial, por intermédio de um registo, é assim o de limitar o exclusivo que a lei interna atribui. Há que admitir a coexistência com direitos não registados. Mas paralelamente, também os titulares convencionais não poderão impedir que os direitos titulados pelo registo continuem a ser usados. Para que se assegure que o nome regularmente adquirido possa ser usado transfronteiras tem de se admitir que esse nome comercial coexista com outros nomes regularmente adquiridos nos países de destino, e que não seja um direito exclusivo” (sic).

Por fim, saliente-se, a factualidade dada como assente (nomeadamente os n.°s 1, 5 e 8) é manifestamente insuficiente para permitir concluir no sentido da notoriedade ou conhecimento da denominação social da autora, sendo ainda de sublinhar que a mesma não possui em Portugal qualquer estabelecimento, filial ou sucursal que possa justificar a aplicação do regime do art. 8.º da CUP.

Destarte, o art. 189.º, n.º 1, al. f), do CPI, não constituía fundamento para a recusa do registo da marca – ou seja, mesmo que a designação “marca” contivesse firma que não pertencesse ao requerente do registo e fosse susceptível de induzir o consumidor em erro ou confusão – dado que nenhuma disposição nacional impunha a recusa do registo.

Improcede, por conseguinte, esta questão e o que consta das conclusões 12 a 27, não se descortinando que o acórdão recorrido viole o art. 33.º, n.º 1, al. b), referido ao art. 189.º, n.º 1, al. f), ambos do CPI, nem o art. 8.º da CUP.

B4 Concorrência desleal, por violação do determinado no art. 260.º, n.º 1, do CPI.

Termina a autora/recorrente por sustentar que a conduta da ré – ao registar em nome próprio uma marca igual à denominação social daquela – consubstancia um comportamento de concorrência desleal e, por consequência, que o registo daquela marca deve ser revertido para a recorrente ou, subsidiariamente, invalidado.

O art. 260.° do CPI estatui que configura crime de concorrência desleal “quem, com intenção de causar prejuízo a outrem ou de alcançar para si ou para terceiro um beneficio ilegítimo, praticar qualquer acto de concorrência contrário às normas e usos honestos de qualquer ramo de actividade, nomeadamente: a) os actos susceptíveis de criar confusão com o estabelecimento, os produtos, os serviços ou o crédito dos concorrentes, qualquer que seja o meio empregue (...)”.[27]

A noção de concorrência desleal é dada através de uma definição geral, seguida de uma enumeração exemplificativa de actos desleais. A existência de uma cláusula geral, de carácter valorativo, e não taxativa, torna a apreciação da deslealdade do acto muito dependente da sensibilidade do julgador, propiciando a criação de zonas nebulosas e cinzentas, mas tem inegáveis vantagens, pela maleabilidade e fluidez que permite e a consequente possibilidade de adequar o conceito de concorrência desleal às várias situações que, em cada momento e sector de actividade, se considerem contrárias às normas e usos honestos.

De acordo com essa noção constituem pressupostos da concorrência desleal: (i) a prática de um acto de concorrência; (ii) contrário às normas e usos honestos; (iii) de qualquer ramo de actividade económica.

Detalhemos, sumariamente, estes três pressupostos[28]:

(i) A concorrência é um tipo de comportamento: diferentes agentes económicos competem pela realização de planos e interesses individuais que, nalguma medida, não são compatíveis. O acto de concorrência é aquele que é idóneo a atribuir, em termos de clientela, posições vantajosas no mercado; em sentido económico, pressupõe a existência de regras de livre iniciativa económica, bem como a existência de uma pluralidade de agentes económicos e de um público consumidor com liberdade de escolha.

O que interessa saber é se a actividade de um agente económico atinge ou não a actividade de outro, através da disputa da mesma clientela: inequivocamente, há um acto de concorrência, na sua máxima expressão, quando dois concorrentes, de modo actual e efectivo, produzem ou comercializam um produto ou prestam serviços idênticos, com simultaneidade e no mesmo domínio territorial relevante.

No próprio conceito de acto de concorrência está ínsita a sua susceptibilidade de causar prejuízos a terceiros, ainda que tais prejuízos possam efectivamente não ocorrer; a conquista de posições vantajosas no mercado é feita em detrimento dos outros agentes económicos que nele actuam e cuja clientela, actual ou potencial, é disputada. O acto de concorrência, para verdadeiramente o ser, tem como elemento co-natural, implícito na própria noção, a sua idoneidade ou aptidão para provocar danos a terceiros.

(ii) A opção do legislador foi aceitar as normas e usos próprios de um ramo ou sector de actividade económica. A deslealdade afere-se pela violação autónoma de normas sociais de conduta e não por violação de normas legais (ainda que possa haver actos desleais que também sejam ilegais).

As normas de comportamento são regras constantes dos códigos de boa conduta, elaborados, com crescente frequência, por diversas associações profissionais. Por sua vez, os usos honestos são padrões sociais de conduta de carácter extra-jurídico, correspondentes a práticas sociais, nem sempre uniformes, pois podem variar consoante o sector de actividade considerado.

 (iii) De qualquer ramo de actividade económica. Mesmo com o actual qualificativo, continua a ser defensável a aplicabilidade do regime da concorrência desleal às profissões liberais, não só pelo manifesto carácter económico dessas actividades, como porque, não o fazendo, se isentariam, injustificadamente, alguns desses profissionais de responsabilidades a que estão sujeitos os demais agentes económicos.

É usual, por fim, referir a tripartição dos actos de concorrência desleal em actos de aproveitamento, actos de agressão e actos enganosos (ou de indução do público em erro ou de falsa apresentação própria).

A concorrência desleal traduz, em síntese, os actos repudiados pela consciência normal dos comerciantes, por contrários aos usos honestos do comércio, que sejam susceptíveis de causar prejuízo à empresa de um competidor pela usurpação, ainda que parcial, da sua clientela, com vista à criação e expansão, directa ou indirecta, de uma clientela própria.

Há então que indagar se a conduta da ré é susceptível de configurar uma situação de concorrência desleal, de modo a que, por este meio, possa a pretensão da autora com vista à reversão/anulação da marca ser acolhida.

Compete clarificar que existe autonomia entre a concorrência desleal e a violação dos direitos privativos da propriedade industrial: assim, pode haver acto de concorrência desleal sem haver violação do direito privativo, do mesmo modo que pode haver violação daquele direito sem que se registe qualquer acto de concorrência desleal.[29]

Não se encontra, pois, a repressão da concorrência desleal subordinada necessariamente à existência de um direito privativo violado. Trata-se de institutos distintos na medida em que através dos direitos privativos da propriedade industrial se procura proteger uma utilização exclusiva de determinados bens imateriais, enquanto que através da repressão da concorrência desleal se pretende estabelecer deveres recíprocos entre os vários agentes económicos.[30]

Revertendo ao caso sub judice, é de exigir, como se acentuou desde logo na 1.ª Instância, a existência de uma certa “proximidade” entre as actividades desenvolvidas pelos agentes económicos em “confronto”, o que se registará tratando-se de actividades idênticas ou afins.

Essa similitude ressalta, na situação em apreço, do vertido nos n.ºs 1 e 8 dos factos assentes, relativos ao objecto da autora – “projecto-produção-comércio de equipamentos de electricidade e gás para uso doméstico, profissional, industrial, além de abatedores de temperatura, instalação e aparelhos para refrigeração” – e da marca registada a favor da ré – destinada a assinalar “fornos eléctricos e a gás, incluindo fornos mistos, fornos de padaria e pastelaria, fornos de convecção e abatedores de temperatura (aparelhos de arrefecimento)”.

O conflito latente é, então, entre a marca da ré e a denominação social da autora.

Não obstante, não olvidando que a ré distribuía em Portugal, desde 1994, produtos da autora, a verdade é que esta invocou ter obtido o registo da marca em causa em Itália em 2002 e não alegou que, até então, os seus produtos – designadamente os vendidos pela ré em Portugal –, fossem apresentados com indicação de tal marca. Ou seja, de nenhum dos factos resulta que, até ao pedido de registo da marca que se quer ver anulada, os produtos da autora, que a ré vendia em distribuição, fossem distinguidos pela aposição da marca “Foinox”.

Acresce que, de tudo o que já se expôs anteriormente, resulta que à data em que à ré foram concedidos os registos nacional e internacional da marca “Foinox” a autora não era titular de nenhum registo (em seu nome) daquela mesma marca, sucedendo, igualmente, que não foi alegado, nem provado, que a autora fosse titular de tal marca em Itália em virtude de uso notório.

Em resumo, para que a actuação da ré pudesse ser havida como concorrência desleal, seria imprescindível que se provasse factualidade da qual resultasse que o uso da marca “Foinox”, por parte desta, configurava acto contrário às normas e usos honestos.

Por essa razão, aliás, este Supremo Tribunal, através do acórdão que nestes autos foi proferido em 22-01-2008[31], determinara a baixa dos autos para que a 1.ª Instância ampliasse a matéria de facto, de modo a apurar se ocorriam – ou não –factos susceptíveis de consubstanciar concorrência desleal (que na óptica da autora levariam à procedência do pedido de anulação da marca da ré e também do pedido indemnizatório formulado, ou, pelo menos, à procedência deste último).

Todavia, nada se apurou donde se possa inferir a prática de actos de concorrência desleal por parte da ré, sendo de salientar, de resto, que dos nove artigos que compuseram a base instrutória (cuja feitura foi ordenada pelo STJ), apenas um deles, o 4.º, mereceu resposta restritiva, a qual, pelo seu conteúdo, se afigura inócua para dirimir o dissídio.

Como bem se salienta no acórdão recorrido, a cujos fundamentos aderimos, “para que haja um acto desleal de confusão entre produtos não basta a confusão entre sinais distintivos mesmo que um deles se encontre registado. É necessário que à usurpação do sinal se junte ainda, por exemplo, a confusão objectiva dos produtos, a relação de concorrência e a contraditoriedade de normas ou usos honestos comerciais, bastando, porém, a susceptibilidade de confusão ou confundibilidade, não a efectiva confusão”.

Acresce que, como aí se frisa: “Poderá, em qualquer caso, sustentar-se, perante a concreta factualidade apurada, que a ré se aproveitou da denominação social da autora para obter o registo da marca “Foinox”. Porém, tal é insuficiente para concluir pela existência de concorrência desleal, uma vez que não se alegou que os produtos vendidos em Portugal fossem identificados com a marca “Foinox” ou que a ré soubesse, em virtude das relações comerciais que mantinha com a autora, que esta pretendia desde 1999 obter o registo de uma marca com esta denominação.

E, para além de tudo isto, não se poderá deixar de realçar que todos os factos incluídos na base instrutória donde decorreria, neste caso, um comportamento desonesto e desleal por parte da ré não se provaram. Mais concretamente, não se provou que a ré, ao registar a marca "Foinox”, teve por objectivo introduzir produtos no mercado beneficiando da reputação e garantia de qualidade que os produtos da autora representam, do prestígio e fama da autora, da sua denominação social e sua marca, sabendo que o cidadão especializado seria levado a acreditar estar na presença de produtos da autora (cfr. respostas negativas aos n.°s 5 a 7). Tal como não se provou que a ré tenha obtido ganhos à custa da confusão que cria entre os seus produtos e a empresa e os produtos da autora (cfr. respostas negativas aos n.°s 8 e 9)” (sic).[32]

Tudo visto, e acolhendo por correctíssimas as considerações tecidas no aresto sob recurso, resulta evidente que não é possível extrair dos factos a conclusão de que a conduta da ré, ao requerer o registo da marca “Foinox” em seu nome, se caracterizou pela má fé, configurando uma situação de concorrência desleal.

Nesta consonância, improcede esta questão, e o constante das conclusões de recurso sob os n.ºs 28 a 39, não se assinalando que ocorra qualquer violação do estatuído nos arts. 25.º, n.º 1, al. d), 33.º, n.º 1, al. a), 257.º e 260.º do CPI.

Pelos fundamentos supra apontados, soçobram, integralmente as pretensões da autora/recorrente.

C. Concluindo:

- Os recursos constituem o meio próprio para a reapreciação das decisões proferidas pelos tribunais recorridos, não podendo o tribunal ad quem pronunciar-se sobre matéria não submetida previamente à apreciação do tribunal a quo, não se confundindo, porém, os argumentos jurídicos com questão nova.

- A marca desempenha, fundamentalmente, uma função distintiva, constituindo um sinal do comércio que serve para diferenciar produtos ou serviços de uma empresa dos de outras empresas.

- O CPI (de 1995) consagra o sistema de registo constitutivo ou atributivo da propriedade da marca, inexistindo qualquer direito exclusivo sobre a marca se esta não estiver registada, sem prejuízo do estatuído quanto ao uso da marca livre e da marca notória.

- Se o principal, em contrato de agência ou distribuição, não for titular da marca, no respectivo país de origem, pode o agente ou distribuidor proceder ao registo da mesma, independentemente de qualquer autorização.

- O art. 2.º, n.º 1, da Convenção da União de Paris (CUP), consagra o princípio do tratamento nacional dos estrangeiros que sejam nacionais de outros Estados contratantes (ou da assimilação).

- Para a autora/recorrente beneficiasse da tutela da lei de propriedade industrial italiana – que protege as marcas usadas não registadas, de notoriedade local e não local –, teria de alegar e provar factualidade de que emergisse que, em virtude de um uso notório, era titular de uma marca não registada em Itália.

- O art. 8.º da CUP, cuja essência consiste na atribuição de um direito à identidade da designação da empresa, que não é um direito exclusivo, nem se funda no registo ou na prioridade do uso, tem de cotejar-se com o estabelecido no art. 2.º, n.º 1, da mesma Convenção, de forma a impedir que os direitos dos estrangeiros se possam sobrepor aos direitos dos nacionais, permitindo a coexistência de titulares convencionais com titulares de direitos protegidos pelo registo.

- A noção de concorrência desleal é dada através de uma definição geral, seguida de uma enumeração exemplificativa de actos desleais, sendo usual referir a tripartição dos actos de concorrência desleal em: a) actos de aproveitamento, b) actos de agressão, e c) actos enganosos (ou de indução do público em erro ou de falsa apresentação própria), constituindo seus pressupostos a prática de um acto de concorrência, contrário às normas e usos honestos, de qualquer ramo de actividade económica.

- Pode haver acto de concorrência desleal sem haver violação de direitos privativos da propriedade industrial (e vice-versa), tratando-se de institutos distintos na medida em que através dos direitos privativos da propriedade industrial se procura proteger uma utilização exclusiva de determinados bens imateriais (v.g. direito à marca), enquanto que através da repressão da concorrência desleal se pretende estabelecer deveres recíprocos entre os vários agentes económicos.

- Se à data em que à ré foram concedidos os registos nacional e internacional da marca “marca” a autora não era titular de nenhum registo (em seu nome) daquela mesma marca, não tendo sido alegado nem provado, que a autora fosse titular de tal marca em Itália, em virtude de uso notório, para que a actuação da ré pudesse ser considerada como concorrência desleal seria imprescindível que se provasse factualidade de que resultasse que o uso daquela marca, por parte desta, configurava acto contrário às normas e usos honestos.

III.

Nestes termos, em conformidade com o exposto, nega-se provimento à revista, mantendo-se, integralmente, o acórdão recorrido.

Custas a cargo da recorrente.

 Lisboa, 24 de Abril de 2012


Martins de Sousa (Relator)
Gabriel Catarino
António Joaquim Piçarra

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[1] A acção deu entrada em juízo em 9 de Junho de 2005 (cf. carimbo de entrada da petição inicial – cf. fls. 2).
[2] Fundamentou-se, por sua vez, no regime da Propriedade Industrial que permite a oposição do titular do registo de uma marca não registada em Portugal ao pedido do registo feito pelo seu agente ou representante em Portugal sem a sua autorização (sendo-lhe assim permitida a sua anulação e/ou reversão a seu favor, caso tal registo tenha sido, entretanto, concedido em favor de tal agente ou representante não autorizado), tendo arguido que a conduta da ré consubstancia, de igual forma, um comportamento de concorrência desleal.
[3] Como refere Luís de Lima Pinheiro: “A grande maioria dos litígios relativos a propriedade intelectual é apreciada pelos tribunais do país de protecção, razão pela qual geralmente são decididos por aplicação da lex fori. Daí que em situações internacionais nem sempre se tome consciência de que a aplicação do Direito material do foro tem de resultar da actuação de uma norma de conflitos” – A Lei Aplicável aos Direitos de Propriedade Intelectual, “Direito da Sociedade da Informação”, Volume III, 2002.
Importa salientar que o CPI não contém nenhuma norma de conflitos explícita, para lá do que consta do art. 3.º, determinando a sua aplicabilidade tanto a nacionais como a estrangeiros. Por sua vez, o art. 48.º, n.º 2, do CC, manda aplicar a lei do “país da criação”, i.e., do Estado de protecção, ou seja, aquele em cujo território é pretendida a protecção, por nele se ter praticado um acto de utilização ou um acto lesivo do direito.
[4] Luís Couto Gonçalves, Função Distintiva da Marca, 1999, pág. 153.
[5] Miguel Moura e Silva, Direito da Concorrência (Uma introdução jurisprudencial), 2008, pág. 480: “As marcas são sinais distintivos utilizados numa actividade económica”.
[6] Alberto Francisco Ribeiro de Almeida, Denominação de Origem e Marca, 1999, pág. 333.
[7] Outros sinais distintivos do comércio são a firma, o nome e insígnia do estabelecimento e o logótipo.
[8] Nogueira Serens, Colectânea de Jurisprudência, Ano XVI, 1991, tomo IV, págs. 59 e segs..
[9] Do ponto de vista económico, a marca aspira a permitir a atracção e fidelização de uma clientela e procura concretizar esse propósito pela via jurídica da concessão ao seu titular de um direito de natureza real que se traduz na exclusividade de exploração dos produtos ou serviços a que se refere – Oliveira Ascenção, Lições de Direito Comercial, Volume II, 1988, págs. 404 e segs..
[10] Carlos Olavo, Propriedade Industrial, Volume I, 2.ª edição, 2005, pág. 71: “Marca pode assim ser definida, em termos gerais, como o sinal adequado a distinguir os produtos e serviços de um dado empresário em face dos produtos e serviços dos demais” (sic). Cf., também, Ferrer Correia, Lições de Direito Comercial, Volume I, 1965, pág. 132.
[11] Dário Moura Vicente, A Tutela Internacional da Propriedade Intelectual, 2008, pág. 64.
[12] “Podemos, assim, afirmar que se consagra, como sempre se consagrou, o princípio do registo como fonte do direito de marca” – Luís Couto Gonçalves, Direito de Marcas, 2000, pág. 32.
[13] O direito à marca é, pois, um direito sobre um bem imaterial, tendo por conteúdo a exploração económica exclusiva do sinal que constitui a marca, cuja titularidade é atribuída através das regras do registo, podendo o seu titular exigir de terceiro que não só se abstenha de continuar a utilizar indevidamente a marca registada, como a reposição no estado anterior à ofensa, através de indemnização reparadora.
[14] Carlos Olavo, Marca Registada em Nome Próprio por Agente ou Representante, Revista da Ordem dos Advogados, Abril de 1999, Tomo II, pág. 577.
[15] Situação excepcional é a das marcas notórias, pelo especial poder sugestivo que possuem, gozam de protecção especial, ainda que não estejam registadas no país em que se pede a protecção, em sintonia com o art. 6.º-bis da CUP – cf. Carlos Olavo, op. cit. na nota 10, pág. 578. Em todo o caso, o art. 190.º do CPI, reflectindo o disposto no art. 6.º-bis da CUP (que consagra a protecção às marcas notoriamente conhecidas) sujeita essa protecção ao pedido de registo em Portugal – Luís Couto Gonçalves, op. cit. na nota 11, pág. 33.
[16] Depois de efectuado o registo, como bem se fez notar na decisão da 1.ª Instância, beneficia o seu titular de um poder com alcance erga omnes de exclusão de terceiros, desde que se mostrem observados os seguintes pressupostos: a) prioridade da marca registada; b) sejam ambas destinadas a assinalar produtos ou serviços idênticos ou de afinidade manifesta; c) semelhança gráfica, figurativa ou fonética que induza facilmente o consumidor em erro ou confusão, ou que compreenda um risco de associação com a marca anteriormente registada, de forma que o consumidor não possa distinguir as duas marcas senão depois de exame atento ou confronto.
[17]  A CUP de 1883 – que acolhe certos princípios fundamentais em que ainda hoje assenta o sistema de protecção internacional da propriedade industrial – foi revista, por último, através do Acto de Estocolmo, de 14-07-1967, aprovado para ratificação pelo Decreto n.º 22/75, de 22-01.
[18] Prescreve esse dispositivo legal (art. 170.º do CPI):
“1 - Aquele que tiver apresentado regularmente, por si ou seu representante legal, em qualquer dos países da União, ou em qualquer organismo intergovernamental com competência para registar marcas que produzam efeitos em qualquer dos países da União, pedido de registo de marca gozará, para apresentar o mesmo pedido em Portugal, do direito de prioridade estabelecido na Convenção da União de Paris para a Protecção da Propriedade Industrial.
2 - Reconhece-se o direito de prioridade a qualquer pedido com o valor de pedido nacional regular, formulado nos termos da lei interna de cada país da União ou de tratados bilaterais ou multilaterais celebrados entre países da União.
3 - Deve entender-se por pedido nacional regular todo o pedido efectuado em condições de estabelecer a data em que o mesmo foi apresentado no país em causa ou no organismo intergovernamental competente, independentemente de tudo o que ulteriormente possa, de algum modo, vir a afectá-lo.
4 - Em consequência, o pedido apresentado ulteriormente em Portugal antes de expirado o prazo de prioridade não poderá ser invalidado por factos verificados nesse intervalo, designadamente por outro pedido, exploração da marca ou qualquer outro facto de terceiro”.
[19] O art. 6.º-septies da CUP estabelece que:
“1) Se o agente ou representante do titular de uma marca num dos países da União pedir, sem autorização desse titular, o registo desta marca em seu próprio nome, num ou em vários destes países, terá o titular do direito de se opor ao registo pedido ou requerer a anulação ou, se a lei do país o permitir, a transmissão em seu benefício do referido registo, a menos que este agente ou representante justifique o seu procedimento.
2) O titular da marca terá, com as reservas da alínea 1), o direito de se opor ao uso da sua marca pelo seu agente ou representante, se não tiver autorizado esse uso.
3) As legislações nacionais têm a faculdade de prever um prazo razoável dentro do qual o titular de uma marca deverá fazer valer os direitos previstos no presente artigo”.
[20] Neste sentido, cf. Luís de Lima Pinheiro, op. cit., págs. 140/141.
[21] Luís Couto Gonçalves, Direito de Marcas, 2.ª edição, 2003, págs. 37 a 41. Este autor enfatiza a discórdia existente em Itália em torno da definição do conceito e do âmbito de notoriedade da marca não registada. E escreve: “Em relação ao primeiro aspecto a jurisprudência prevalecente considera que a notoriedade da marca não registada deriva do conhecimento efectivo da parte do público consumidor do produto assinalado, ou seja, a notoriedade só ocorreria com a efectiva venda do produto. A doutrina, por sua vez, surge dividida. Uns autores subscrevem a posição jurisprudencial; outros aceitam que a marca não registada possa alcançar notoriedade mesmo antes da venda efectiva do produto através da sua utilização publicitária”.
[22] Por sua vez, o art. 189.º, n.º 1, al. f), do CPI, preceitua: “Será ainda recusado o registo das marcas que contrariem o disposto nos artigos 165.º, 168.º e 183.º ou que, em todos ou alguns dos seus elementos, contenham: A firma, denominação social, nome ou insígnia de estabelecimento que não pertençam ao requerente do registo da marca, ou que o mesmo não esteja autorizado a usar, ou apenas parte característica dos mesmos, se for susceptível de induzir o consumidor em erro ou confusão”.

[23] Oliveira Ascensão, A aplicação do Artigo 8.° da Convenção da União de Paris nos Países que Sujeitam a Registo o Nome Comercial, Revista da Ordem dos Advogados (ROA), Ano 56, 1996, pág. 469.
[24] Por sua vez, Orlando Carvalho, em anotação ao Acórdão do STJ, de 11-2-1979, Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 113, n.º 3675, pág. 287, escreveu (ainda no âmbito do CPI de 1940): “Sem dúvida que o artigo 8.º da Convenção da União de Paris de 1883 dispõe que «o nome comercial será protegido em todos os países da União sem obrigação de registo» e que o artigo 146.º do nosso Código da Propriedade Industrial ao estatuir que «a propriedade e o uso exclusivo do nome e insígnia do estabelecimento são garantidos pelo seu registo», ressalva o disposto no artigo 8.º. Simplesmente, se a Convenção de Paris liberta o titular estrangeiro de um nome da obrigação de registo a que, depois da norma do tratamento igualitário do artigo 2.º, submete as patentes, os modelos e as marcas de comércio ou de fabrico, de que se ocupa nos artigos 4.º a 7.º, inclusive – esse o sentido e só esse, que resulta do contexto do mencionado artigo 8.º –, não parece que o liberte das outras «condições (…) impostas aos nacionais» de cuja observância faz depender, no artigo 2.º, a referida igualdade de tratamento”.
[25] Luís de Lima Pinheiro, op. cit., pág. 141.

[26] Acórdão do STJ de 03-10-2002, Colectânea de Jurisprudência –- Acórdãos do STJ, Ano X, tomo III, pág. 80.

[27] Desde logo, o art. 257.º do CPI contempla que: “A propriedade industrial tem as garantias estabelecidas por lei para a propriedade em geral e é especialmente protegida nos termos do presente diploma e demais leis e convenções em vigor”.
[28] Acompanham-se, de muito perto, os ensinamentos de Jorge Patrício Paúl, Concorrência Desleal e Direito do Consumidor, ROA, Ano 65, 2005, págs. 89-108; Luís Couto Gonçalves, Concorrência Desleal, “Estudos em Homenagem do Prof. Dr. António Marques dos Santos”, Volume I, 2005, págs. 1025-1051; e de Oliveira Ascensão, Concorrência Desleal: As Grandes Opções, “Nos 20 Anos do Código das Sociedades Comerciais”, Volume I, 2007, págs. 119-138.
[29] Oliveira Ascensão, Concorrência Desleal, 1994, págs. 32 e segs..
[30] Carlos Olavo, Concorrência Desleal e Direito Industrial, “Concorrência Desleal”, 1997, pág. 64.
[31] Cf. fls. 653 a 660.
[32] Cf. fls. 24/25 do acórdão recorrido (fls. 1508/1509 dos autos).