Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
340/03.7TBPNH.C1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: CUSTÓDIO MONTES
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
INDEMNIZAÇÃO
DANOS FUTUROS
DANO BIOLÓGICO
PERDA DE RENDIMENTO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 12/17/2009
Votação: UNANIMIDADE COM * DEC VOT
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE
Doutrina: Acs. deste STJ de 5.5.94 e da RC de 4.4.95; Ac. deste STJ de 18.1.79;
Sumário :
1. O denominado dano biológico provocado no lesado num acidente de viação, é o dano in natura por ele sofrido, cuja repercussão o atinge quer em termos patrimoniais quer não patrimoniais.
2. Na incapacidade permanente parcial para o trabalho, o que o lesado perde é parte da sua capacidade para o trabalho.
3. É essa capacidade diminuída para o trabalho que é indemnizável, a apurar da mesma forma, independentemente de o lesado perder ou não rendimentos do trabalho, embora, neste último caso, se imponha, em termos de equidade, uma redução do montante a fixar.
4. Sendo a força de trabalho diminuída que se indemniza, deve atender-se ao tempo provável de vida activa do lesado cujo termo, actualmente, se deve considerar ser aos 70 anos.
Decisão Texto Integral:
Acordam Supremo Tribunal de Justiça

Relatório

AA

Intentou contra a

Companhia de Seguros BB, S.A

Acção declarativa de condenação sob a forma ordinária

Pedindo

A condenação desta a pagar-lhe a quantia de €452.577,7 (1), acrescida de juros de mora legais, desde a citação e até efectivo pagamento e uma indemnização a liquidar ulteriormente, também acrescida de juros de mora, em consequência de danos patrimoniais e não patrimoniais, que quantifica e que lhe advieram do acidente de viação que descreve e que imputa a culpa exclusiva do segurado da R., dono do veículo pesado de mercadorias …-…-KF/L 136053, na altura conduzido por um empregado deste.

A R. contestou, por impugnação.

Efectuado o julgamento, foi a acção julgada parcialmente procedente, sendo a R. condenada a pagar ao A. a quantia de €229.171,12 acrescida de juros de mora, à taxa legal, sobre a importância de €44.171,12, desde a citação, e sobre o restante valor, desde a própria sentença, e, ainda, na importância que se liquidar ulteriormente, relativa aos danos que o autor venha a sofrer com as operações a que terá, ainda, de se submeter.

Apelaram A. e R., sendo a apelação julgada parcialmente procedente, alterando-se a sentença e condenando-se a R. a pagar ao A.

. a quantia que se liquidar em incidente próprio, relativamente à actualização da quantia de €21.125,57, entre Junho de 2000 e a data da citação, nos termos acima referidos.

. A quantia de €284.171,12, acrescida de juros, à taxa legal, pela forma seguinte:

– sobre a quantia de €240.000,00 desde a data da sentença e até integral pagamento;

– sobre o demais, desde citação e até efectivo pagamento.

Mantendo-se, no restante, o que foi decidido em primeira instância.

Novamente inconformados, A e R. pedem revista mas só a do A. é de considerar porque a da R. foi julgada deserta por falta de alegações (2).

O A. termina as suas alegações com as seguintes

Conclusões

I. O recorrente sofreu os danos não patrimoniais que se traduziram em sofrimento, dores, angústia, desespero, tristeza, desgosto, inibição e dano/perda estética sofridos e a sofrer, no futuro, conforme ficou provado pela resposta dada aos quesitos 4 a 66, inclusive, e, em especial, aos quesitos 67 a 71, inclusive, da base instrutória. Por tais danos, atenta a gravidade dos mesmos e a sua duração futura deverá a recorrida compensar o recorrente com o pagamento de uma quantia não inferior a € 75.000,00.

II. O dano biológico permanente traduzido na perda parcial da disponibilidade e uso do corpo para os normais afazeres do dia a dia (que não os profissionais) e fixados numa INCAPACIDADE GERAL OU ANÁTOMO-FUNCIONAL/FISIOLÓGICA e um dano autónomo que não se confunde com o dano patrimonial futuro de perda de rendimentos pela diminuição da capacidade de trabalho e fixado por uma incapacidade parcial permanente profissional, devendo, como tal, ser indemnizado de forma autónoma em relação a este último dano.

III. Essa indemnização - destinada a ressarcir o dano de privação de uso do seu corpo por um homem - não poderá ser inferior, mas antes superior, à atribuída pelo dano de privação de uso de um bem material como um veículo automóvel.

IV. O recorrente sofreu e irá sofrer aquele dito dano biológico permanente, até ao fim dos seus dias (o grau de handicap de que ficou afectado) com a perda da disponibilidade e uso do seu corpo para os normais afazeres da sua vida quotidiana (que não os profissionais), fixada num juízo médico-legal em 40% (35%+5%) de incapacidade parcial permanente geral ou anátomo-funcional, conforme tudo ficou demonstrado na resposta dada, para além do mais, aos quesitos 66 e 66-D da base instrutória. Tal dano deverá ser ressarcido pela recorrida ao recorrente com o pagamento de uma quantia não inferior a €120.450.00.

V. Para além daquele dano biológico permanente o recorrente sofreu também, a título de lucros cessantes, o dano patrimonial futuro de perda de rendimentos resultante da diminuição em 40% da sua capacidade de trabalho e ganho, ou seja da INCAPACIDADE PARCIAL PERMANENTE PROFISSIONAL/LABORAL de 40% de que ficou afectado, conforme resulta da resposta dada aos quesitos 66-E', 72 a 75 e 93 da base instrutória.

VI. Tal dano, de acordo com os cálculos e critérios a que a jurisprudência normalmente recorre, aliado aos juízos de equidade que também se deverão ter em conta, não deverá ser indemnizado pela recorrida ao recorrente em quantia inferior a €800.000,00.

VII. O recorrente desembolsou a quantia de: € 224.45 em exame médico-legal anterior aos presentes autos e destinado a apurar as lesões e sequelas por ele sofridas, conforme decorre da resposta dada aos quesitos 1, 2, 3 e 88 da base instrutória. Deverá, pois, ser reembolsado pela recorrida por essa quantia.

VIII. A data dos pagamentos feitos pela parte constante de documentos juntos aos autos, indicada por aquela como sendo a aposta nesses documentos, que a mesma deu ainda como reproduzida, por constante desses documentos, na sua petição, tendo depois o tribunal dado como provados esses pagamentos com base nesses documentos é um facto atendível nos autos e que neles se deverá dar como provado.

IX. A existência de inflação e a sua taxa anual são factos públicos e notórios, que não carecem de alegação e prova pela parte, por serem anualmente divulgados pelo competente organismo do Estado, o INE, mormente para execução de inúmeros diplomas legais.

X. O recorrente desembolsou as quantias peticionadas nos art.s 92 e 95 da petição inicial, respectivamente de €22.770,19 e € 1. 000,00, bem como aquelas que ele deixou de auferir, peticionadas no art. 92 da mesma petição, no valor de €21.125,57, e das quais o tribunal a quo já mandou a recorrida pagar ao recorrente um total de €44.395,76. Sendo todas elas quantias que o recorrente deixou de poder dispor como bem entendesse desde a data em que as suportou ou desde as data em que as poderia ter recebido, mas que, desde então, e até à entrada da petição inicial em juízo perderam o seu valor aquisitivo. O que tudo deverá levar a que sobre elas se vençam juros compensatórios, destinados a manter aquele dito valor aquisitivo até à data da citação da ré, ou sempre, ao menos, desde aquela dita data de 24.11.2003, contados a uma taxa anual, pelo menos, igual à da inflação, ou seja, de 4%, para o que tudo o tribunal dispõe de todos os elementos necessários – cfr. doc.s de fls. 66 a 70 e 189 a 208 dos autos, inclusive. Tais juros, calculados, até 24.11.2003, foram peticionados pelo recorrente nos art.s 96° a 101°, inclusive, e 120° da sua petição inicial, no valor de €8.600,00, que a recorrida deverá ser condenada a pagar-lhe.

XI. O tribunal recorrido fez, salvo o devido respeito, uma errada aplicação dos art.s 483°, 496°, 562°, 564° e 566° do Código Civil, devendo a sua decisão, nas partes acima aludidas, ser alterada e substituída por outra que condene a recorrida no pagamento ao recorrente das quantias supra e, pois, a pagar a este último um total indemnizatório, já com o mais fixado pelas instâncias, de € 1.048.721,00.

Termina pedindo se conceda a revista.

A R. contra alegou para pugnar pela manutenção da decisão recorrida.

Corridos os vistos, cumpre decidir.

Fundamentação

Matéria de facto provada:

1. No dia 9 de Fevereiro de 1999, pelas 13h15, no Itinerário Principal (IP), nº 5, ao km 178.2, freguesia de Pínzio, concelho e comarca de Pinhel, ocorreu um acidente de viação – alínea A) dos factos assentes.

2. Foram intervenientes no mesmo, o veículo ligeiro de passageiros de matrícula …-…-EH, conduzido por EE e o veículo pesado de mercadorias de matrícula …-…-KF/ L-136053, conduzido por CC – alínea B) dos factos assentes.

3. O A. fazia-se transportar como passageiro no banco traseiro do veiculo de matricula …-…-EH – alínea C) dos factos assentes.

4. Nesta data, este veículo estava em poder da empresa DD Importação EBP Alimentares, com sede na Av. J… M… n.º …, em Lisboa, a quem a mesma pertencia – alínea D) dos factos assentes.

5. Era esta empresa que zelava pelo bom estado e manutenção do veículo – alínea E) dos factos assentes.

6. A condução do veículo …-…-EH exercia-se no interesse desta empresa – alínea F) dos factos assentes.

7. EE conduzia o …-…-EH por conta e sob as ordens de DD Importação EBP Alimentares e no cumprimento de instruções e funções que esta lhe havia confiado – alínea G) dos factos assentes.

8. A empresa DD Importação EBP Alimentares transferiu a respectiva responsabilidade civil por todos os danos causados ou decorrentes da utilização do veículo …-…-EH para a ora Ré, através de acordo com esta, designado de contrato de seguro, e titulado pela apólice n.º AU.11011497, em vigor à data do acidente – alínea H) dos factos assentes.

9. A viatura …-…-EH circulava no sentido Guarda/Vilar Formoso – alínea I) dos factos assentes.

10. A viatura …-…-KF/L-136053 circulava em sentido oposto – alínea J) dos factos assentes.

11. Pelo facto de o condutor do veículo …-…-EH não ir atento à sua condução e a olhar para o trânsito que vinha em sentido contrário, este veículo saiu da hemi-faixa por onde circulava, a da direita, atento o sentido por ele seguido – alínea K) dos factos assentes.

12. Transpôs o eixo da via – alínea L) dos factos assentes.

13. E invadiu a hemi-faixa de rodagem do sentido Vilar Formoso/Guarda, por onde circulava o veículo …-…-KF/L-136053 – alínea M) dos factos assentes.

14. Nessa hemi-faixa de rodagem (destinada ao trânsito com o sentido Vilar Formoso/Guarda), a viatura …-…-EH chocou com a respectiva parte da frente esquerda na parte frontal esquerda deste outro veículo – alínea N) dos factos assentes.

15. O condutor do veículo …-…-EH contribuiu de forma exclusiva para a produção da colisão – alínea O) dos factos assentes.

16. Dessa colisão resultou a morte de EE – alínea P) dos factos assentes.

17. E ferimentos ligeiros no passageiro e condutor do …-…-KF/L, respectivamente FF e CC – alínea Q) dos factos assentes.

18. E, ainda, lesões físicas no A – alínea R) dos factos assentes.

19. Autor e Ré combinaram entre si que o primeiro se sujeitaria a exame médico a realizar pelo Instituto de Medicina Legal do Porto – resposta ao facto 1º da base instrutória.

20. E que a Ré se vinculava ao resultado do exame médico – resposta ao facto 2º da base instrutória.

21. Na sequência de tal observação, foi realizado exame e elaborado relatório em 25-09-2001 – resposta ao facto 3º da base instrutória.

22. Como consequência directa e necessária da colisão descrita, o Autor sofreu traumatismo facial no lado esquerdo com destruição da órbita, malar, maxilar superior e arco zigomático esquerdos – resposta ao facto 4º da base instrutória.

23. E fractura do lado esquerdo da mandíbula – resposta ao facto 5º da base instrutória.

24. E fractura do maxilar superior tipo Le Fort I do lado direito – resposta ao facto 6º da base instrutória.

25. E, também, fractura sagital entre ambos os maxilares – resposta ao facto 7º da base instrutória.

26. E diversas fracturas dentárias (incisivo central direito 1.1) – resposta ao facto 8º da base instrutória.

27. E, ainda, fractura coronal de ambos pequenos-molares superiores e inferiores – resposta ao facto 9º da base instrutória.

28. Para tratamento de tais lesões o Autor foi atendido de urgência no Hospital da Guarda – resposta ao facto 10º da base instrutória.

29. Tendo sido transferido no mesmo dia para o Hospital Ruber Internacional de Madrid, no qual esteve internado até ao dia 26 de Fevereiro de 1999 – resposta ao facto 11º da base instrutória.

30. No dia 17 de Fevereiro de 1999 o Autor foi submetido a uma intervenção cirúrgica para reduções ósseas e imobilização com mini e micro placas de titânio e seus correspondentes parafusos, reconstrução do chão orbitário com placas de ácido poliláctico reabsorvível – resposta ao facto 12º da base instrutória.

31. No dia 24 de Fevereiro de 1999 foi submetido a nova intervenção cirúrgica para realizar ferulizacão metálica com aparatologia de Erich e bloqueio intermaxiliar elástico – resposta ao facto 13º da base instrutória.

32. No dia 23 de Março de 1999, foi-lhe retirado o bloqueio intermaxilar – resposta ao facto 14º da base instrutória.

33. No dia 5 de Abril 1999 foram-lhe retiradas as férulas sob anestesia loco-regional – resposta ao facto 15º da base instrutória.

34. No dia 14 de Junho de 1999, fez nova intervenção cirúrgica de oftalmologia com cerclajem 2,4 vitrectomia e intercâmbio C3-F8, reaplicação da retina – resposta ao facto 16º da base instrutória.

35. O que o obrigou a um internamento hospitalar de 13 a 16 de Junho – resposta ao facto 17º da base instrutória.

36. Após o qual foi obrigado a um período de repouso absoluto com decúbito prono no domicílio por espaço de 30 dias – resposta ao facto 18º da base instrutória.

37. Até 14 de Outubro de 1999, realizou controlos clínicos semanais – resposta ao facto 19º da base instrutória.

38. Em 2 de Novembro de 1999, foi examinado no Centro Oftalmológico Gomez de Liano, no qual lhe foi diagnosticado, em consequência das lesões supra descritas, diplopia do OE por hipotropia – resposta ao facto 20º da base instrutória.

39. Em Fevereiro de 2000, apresentou complicação de infecção e inflamação de tecidos moles na região orbitária esquerda, relacionada com a existência de diminutas comunicações do complexo órbito-naso-maxilar – resposta ao facto 21º da base instrutória.

40. O que o obrigou a tratamentos com antibioterapia – resposta ao facto 22º da base instrutória.

41. Em 7 de Novembro de 2000, fez nova intervenção cirúrgica para resolução de catarata em OE, tendo tido alta hospitalar em 8 de Novembro de 2000 – resposta ao facto 23º da base instrutória.

42. Desde esta data que o Autor continua a fazer controlos médicos ambulatórios, cada 3 meses – resposta ao facto 24º da base instrutória.

43. No dia 14 de Junho de 2001 fez novo tratamento com laser por aumento da pressão intraocular do olho esquerdo, acompanhado de diminuição da aquidade visual – resposta ao facto 25º da base instrutória.

44. No conjunto destes tratamentos recebidos, o autor esteve internado, no hospital, durante um total de dezassete dias – resposta ao facto 26º da base instrutória.

45. Na data em que foi submetido a exame médico-legal pelo Instituto Nacional de Medicina Legal – Delegação do Porto, o A. apresentava, ainda, por causa daquela colisão, assimetria facial com afundamento do globo ocular esquerdo (enoftalmos) – resposta ao facto 27º da base instrutória.

46. E assimetria de ambos os globos oculares – resposta ao facto 28º da base instrutória.

47. Epífora (lacrimejo) do olho esquerdo na posição horizontal – resposta ao facto 29º da base instrutória.

48. Ausência de função pupilar (miose) – resposta ao facto 30º da base instrutória.

49. Afectação motora dos músculos oculares que impedem a elevação e o movimento à esquerda do globo ocular – resposta ao facto 31º da base instrutória.

50. Grande restrição do campo visual e diminuição da aquidade visual, área de edema da regia palpebral inferior e malar com um tamanho de 2.5 por 1.5 cm – resposta ao facto 32º da base instrutória.

51. Área de hipoestesia em hemiface esquerda e ramo mandibular esquerdo – resposta ao facto 33º da base instrutória.

52. Anestesia ao nível da mucosa oral da hemiboca esquerda e hipoestesia ao nível do hemilábio esquerdo – resposta ao facto 34º da base instrutória.

53. Assimetria da fenda bucal na abertura (diâmetro de abertura aproximado 3 cm - 3 traveses de dedo - 85%) – resposta ao facto 35º da base instrutória.

54. Assimetria da mordida, com desvio à direita – resposta ao facto 36º da base instrutória.

55. Ligeira crepitação à mobilização da articulação temporo-mandibular esquerda – resposta ao facto 37º da base instrutória.

56. Defeito de consolidação da fractura de apófise coronoides do ramo mandibular esquerdo – resposta ao facto 38º da base instrutória.

57. Presença de material de osteossíntese – resposta ao facto 39º da base instrutória.

58. Na sequência das sequelas resultantes das lesões provocadas pelo acidente as capacidades físicas e mentais do autor sofreram alguma alteração – resposta ao facto 41º da base instrutória.

59. O autor sofre de diplopia (visão dupla) no olhar para cima – resposta ao facto 42º da base instrutória.

60. Obrigando-o a adoptar uma posição forçada da cabeça para trás e na lateral, na tentativa de diminuir a percepção de duas imagens – resposta ao facto 43º da base instrutória.

61. Sofrendo de diminuição da aquidade visual 3/10 – resposta ao facto 44º da base instrutória.

62. O autor ficou com ausência de reflexo pupilar – resposta ao facto 45º da base instrutória.

63. De afectação motora dos músculos oculares que impedem a elevação e o movimento à esquerda do globo ocular – resposta ao facto 46º da base instrutória.

64. De redução do campo visual – resposta ao facto 47º da base instrutória.

65. De dificuldade para a mastigação dos alimentos em geral e, em particular, de alimentos duros (como sandes, maçãs, etc.) – resposta ao facto 48º da base instrutória.

66. Apresenta alguma dificuldade na elaboração das palavras, denominada de dislexia – resposta ao facto 49º da base instrutória.

67. Por vezes, tem dores ao nível da região zigomâtico-malar e mandibular esquerda – resposta ao facto 50º da base instrutória.

68. Estas dores obrigam-no, de forma esporádica, a tratamento com fármacos analgésicos e anti-inflamatórios – resposta ao facto 51º da base instrutória.

69. O A. passou a ter dificuldade em conduzir veículos automóveis durante o dia – resposta ao facto 53º da base instrutória.

70. E deixou de poder conduzir à noite – resposta ao facto 54º da base instrutória.

71. O autor, em virtude do referido nas respostas dadas aos artigos 42º a 47º da base instrutória passou a sentir maiores dificuldades para ler, ver televisão e trabalhar no computador, tendo necessidade de alguns períodos de descanso e pausas – resposta aos factos 55º a 58º da base instrutória.

72. Devido ao referido na resposta ao facto 48º da base instrutória, o autor viu-se obrigado a, na sua dieta alimentar, dar preferência a alimentos tenros – resposta aos factos 59º e 60º da base instrutória.

73. Como consequência das lesões sofridas e das sequelas de que ficou afectado, o autor sofreu uma incapacidade temporária absoluta geral durante 93 dias – resposta ao facto 63º da base instrutória.

74. E sofreu uma incapacidade temporária parcial geral de 574 dias – resposta ao facto 64º da base instrutória.

75. O autor sofreu uma incapacidade temporária permanente profissional para o trabalho de 547 dias – resposta ao facto 64º-A da base instrutória.

76. E sofreu uma incapacidade temporária absoluta profissional e para o seu trabalho de 113 dias – resposta ao facto 65º da base instrutória.

77. O autor ficou com uma incapacidade parcial permanente de 35% – resposta ao facto 66º da base instrutória.

78. O autor ficou afectado de anomalias ao nível da articulação tempora-mandibular esquerda – resposta ao facto 66º-A da base instrutória.

79. Onde se esboça artrose da mesma – resposta ao facto 66º-B da base instrutória.

80. Sendo de prever o agravamento, quer desta articulação, quer da contralateral – resposta ao facto 66º-C da base instrutória.

81. O que faz acrescer o grau de incapacidade descrito a resposta dada ao facto 66º, a título de dano futuro, de mais 5% – resposta ao facto 66º-D da base instrutória.

82. O autor ficou afectado de incapacidade permanente para o trabalho de 40% – resposta ao facto 66º-E da base instrutória.

83. Apenas quando conheceu o relatório junto aos autos a fls.417-426 o autor teve conhecimento exacto das sequelas e incapacidades que no mesmo se mostram determinadas – resposta ao facto 66º-F da base instrutória.

84. Com as lesões sofridas e os tratamentos a que foi submetido, o A. sofreu fortes dores, angústia e desespero – resposta ao facto 67º da base instrutória.

85. Sendo o seu "quantum doloris" fixável num grau 6 numa escala de l a 7 – resposta ao facto 68º da base instrutória.

86. O autor sofreu dano estético valorizável num grau 5, numa escala de 1 a 7 – resposta ao facto 68º-A da base instrutória.

87. O que lhe causou e causa tristeza, desgosto, inibição e angústia – resposta ao facto 70º da base instrutória.

88. Antes do acidente em apreço, o Autor era um homem forte, robusto e saudável – resposta ao facto 71º da base instrutória.

89. Na altura do acidente supra descrito, o A. exercia funções de assessor e director comercial na sociedade comercial S… P… D… d… V…, S.A. (P…), em Espanha – resposta ao facto 72º da base instrutória.

90. Onde auferia um vencimento mensal laboral de € 5 709,61 – resposta ao facto 73º da base instrutória.

91. O qual era auferido 12 meses por ano – resposta ao facto 74º da base instrutória.

92. Sendo que o salário base anual era cindido em 14 prestações, num total de rendimentos laborais anuais no valor de € 79 934,54 – resposta ao facto 75º da base instrutória.

93. A incapacidade temporária de trabalhar causou uma perda de vencimentos no valor de € 21 125,57 – resposta ao facto 76º da base instrutória.

94. O autor teve que pagar pelos tratamentos descritos de l0 a 26 um total de € 22 770,19 – resposta ao facto 77º da base instrutória.

95. Tendo sido as quantias de 1.176.126 pesetas e 412.591 pesetas ao Hospital Ruber Internacional, SA – resposta ao facto 78º da base instrutória.

96. E 980.000 pesetas à Clínica Berguer, SL – resposta ao facto 79º da base instrutória.

97. E 207.580 Pesetas à Stratec Medical, SA – resposta ao facto 80º da base instrutória.

98. E 20.000 pesetas à Recoletas C. Real – resposta ao facto 81º da base instrutória.

99. E 120.000 pesetas à Anesmar, SL – resposta ao facto 82º da base instrutória.

100. E 650.000 pesetas à AL Regeras Flores – resposta ao facto 83º da base instrutória.

101. E 15.000 pesetas à Clínica Sales Sanz – resposta ao facto 84º da base instrutória.

102. E 60.000 pesetas, à Dra Sendagorda Gomendio – resposta ao facto 85º da base instrutória.

103. E 75.000 pesetas ao Dr. Bordel Bianco – resposta ao facto 86º da base instrutória.

104. E €210,35 ao Dr. Ortega – resposta ao facto 87º da base instrutória.

105. E € 224,45 ao Instituto de Medicina Legal do Porto – resposta ao facto 88º da base instrutória.

106. O autor, com as deslocações que teve de fazer, despendeu quantias não concretamente apuradas, mas não inferiores a € 500,00 – resposta aos factos 89º e 90º da base instrutória.

107. Para tratamento das lesões sofridas, o A. terá que ser sujeito a novas intervenções cirúrgicas, em concreto, para extracção da placa de osteossíntese do ângulo mandibular esquerdo, para exodontia do 3º grande molar (3.8) e para reconstrução dentária – resposta ao facto 91º da base instrutória.

108. Com as intervenções cirúrgicas que irá fazer o autor irá sentir dores – resposta ao facto 91º-A da base instrutória.

109 Nas referidas intervenções cirúrgicas terá que gastar, no mínimo, o montante de € 8 425,00 – resposta ao facto 92º da base instrutória.

110. O A. tinha 42 anos à data do acidente – resposta ao facto 93º da base instrutória.

O direito

As conclusões balizam o objecto do recurso, tendo nelas o recorrente colocado as seguintes

Questões

1. O dano patrimonial futuro deve ser fixado na quantia de €800.000.

2. Além deste dano deve ser autonomizado o dano biológico sofrido pelo recorrente, no montante de €120.000.

3. A quantia a fixar por danos não patrimoniais não deve ser inferior a €75.000.

4. Deve a R. ser condenada ainda a pagar-lhe a quantia de €224,45 que despendeu com a realização do exame médico-legal.

5. Devem considerar-se como provadas as datas constantes dos documentos dos pagamentos.

6. Sobre a quantia de €44.395,76 (soma das quantias de €22.770,19, €500 e €22.127,57) devem incidir juros compensatórios à taxa de 4%, correspondente à taxa de inflação desde o pagamento e que na p.i se quantificou em €8.600.

7. Foram violados os arts. 483.º, 496.º, 562.º, 564.º e 566.º do CC, devendo a revista ser concedida, condenando-se a R. a pagar ao A. a quantia total de €1.048.721.

1.ª questão – quantificação do dano patrimonial futuro.

A decisão recorrida fixou a indemnização, a esse título, em €200.000 (3).

O recorrente pretende que o seu quantitativo seja fixado em €800.000.

Vem demonstrado que o A. ganhava, à data do acidente, 5.709,61,12 vezes por ano, o qual era cindido em 14 prestações, num total de rendimento laborais anuais de 79.934,54 (4) (5.709,54x14).

Tinha, à data do acidente, 42 anos de idade (5).

Ficou a padecer duma incapacidade permanente parcial para o trabalho (6) de 40%.

Com base nestes dados, vejamos qual o dano patrimonial futuro sofrido pelo A.

A nossa lei (7) manda, por princípio, proceder à restituição natural, só sendo arbitrada indemnização em dinheiro quando aquela não for possível. (8)

Sabemos que a força de trabalho é um bem patrimonial importante, implicando, por isso, a sua diminuição ou a sua perda total um dano patrimonial.

Assim, quer no caso de IPP (9), quer no caso de morte, a força de trabalho diminuída ou a sua perda total devem ser indemnizadas, por a restauração natural não ser possível.

E a capitalização dessa indemnização em dinheiro correspondente ao dano futuro previsível deve abranger tão só a vida activa da vítima, pois é durante a vida activa que a vítima perde a força do seu trabalho, agora diminuída: é a força de trabalho que se perde no caso da incapacidade permanente para o trabalho ou no caso de morte, sendo esse valor que se substitui pelo equivalente em dinheiro.

É, pois, a força de trabalho perdida ou diminuída que se deve ter em conta e não a previsibilidade da esperança de vida.

E qual o período da vida activa a considerar?

A nossa jurisprudência tem-na limitado nos 65 anos, por ser essa a idade normal da reforma no nosso País.

Contudo, actualmente, na sociedade discute-se o alargamento da idade da reforma, tendencialmente até aos 70 anos; em face disso, caso a caso, deve a indemnização capitalizar-se até essa idade, o que a lei nos permite, fazendo uso do princípio da equidade (10) que serve precisamente para fazer a justiça do caso concreto, porque previsivelmente a idade da reforma vai sofrer um alongamento.

Ensina A. Varela que (11) “quando sejam determinados os danos a indemnizar, mas não seja possível a fixação do seu valor exacto (...) designadamente por ser impreciso algum dos elementos que influem no cálculo, manda o n.º 3 do art. 566º que o tribunal julgue segundo critérios de equidade, dentro dos limites provados (se os houver).”

Mas equidade não equivale a arbitrariedade, pelo que, para a minorar faremos uso das tabelas matemáticas que procuram encontrar o capital produtor do rendimento que a vítima irá perder e que se extinguirá no final do período provável da sua vida activa, tal como se fez na decisão impugnada.

Claro que o seu uso apenas deve servir para nos auxiliar a calcular da indemnização, sem lhe obedecermos cegamente, porque, como se disse, o princípio a ter em conta é o da equidade.

Ora, fazendo uso das tabelas exibidas nos Acs. deste STJ de 5.5.94 e da RC de 4.4.95, obtemos, respectivamente, os montantes de €599.960,22 e €783.557,93.

A Relação considerou, no entanto, que a indemnização a fixar devia ser substancialmente diminuída porque o lesado não teve uma perda efectiva de rendimentos e que se não podia “equiparar quem nada perdeu a quem viu diminuída de forma efectiva a sua capacidade de ganho”, o que constituiria atropelo à equidade e à justiça, sendo certo ainda que o que se indemniza não é a perda de ganho efectiva mas, antes, o dano biológico.

Não concordamos, especialmente com o termo substancial, ou, pelo menos, que a indemnização, por danos patrimoniais futuros seja assim tão reduzida, no caso concreto.

A nossa lei manda indemnizar danos patrimoniais e não patrimoniais. Não se refere ao dano biológico porque este mais não é do que o dano real que o lesado sofreu in natura (12).

A lei manda indemnizar o dano patrimonial sofrido pelo lesado, dano esse que é o reflexo que o dano real tem sobre a situação patrimonial do lesado (13).

Ora, o dano que o A. sofreu consiste na redução do valor da sua força de trabalho (14) – 40% - e não na sua perda de rendimento.

A perda de capacidade de ganho é um dano patrimonial indirecto, como ensina Dário Martins de Almeida (15), porque deriva directamente do dano real sofrido.

Se, sem incapacidade, o lesado ganhava 5.709,61,12/mês, agora que a sua capacidade de trabalho ficou reduzida em 40%, ele tem direito a ser indemnizado na medida dessa perda, correspondente ao seu vencimento, porque se ganha o mesmo é porque, para o conseguir, fará muito mais esforço; além disso, se à noite não pode conduzir e de dia o faz com dificuldade, atenta a função que desempenha, não será muito arriscado prever, tendo em conta a incerteza de um emprego para toda a vida e a denominada flexissegurança, que, no caso de vir a deixar as funções que tem, os 40% de incapacidade o impedirão de obter um emprego com as mesmas condições actuais; e, então, seria premiar o infractor em vez de indemnizar o lesado pela perda de capacidade de ganho.

Mesmo quando a incapacidade não afecta a capacidade de ganho, a jurisprudência deste STJ segue como orientação maioritária (16) a de que a incapacidade parcial permanente é ela própria um dano de carácter patrimonial presente, ainda que não determine diminuição do rendimento do trabalho, porque se traduz num agravamento da penosidade para a execução, com normalidade e regularidade, das tarefas diárias no trabalho, acarretando-lhe um esforço suplementar.

No citado acórdão de 7.2.2002 – nota 18 – diz-se expressamente relativamente à “incapacidade funcional, vulgarmente designada por deficiência” (handicap) ou dano biológico (17), que “a repercussão negativa da respectiva IPP centra-se na diminuição de condição física, resistência e capacidade de esforços por parte do lesado, o que se traduzirá numa deficiente ou imperfeita capacidade de utilização do corpo no desenvolvimento das actividades pessoais em geral e numa consequente e igualmente previsível maior penosidade, dispêndio e desgaste físico na execução das tarefas que do antecedente vinha desempenhando com regularidade”.

Diz-se ainda que essa penosidade derivada desse dano biológico deve ser indemnizada a título de danos futuros, mesmo que não haja perda de rendimentos: trata-se de “indemnizar “a se” o “dano corporal” sofrido, quantificado por referência a um índice 100 (integridade psicossomática plena), e não qualquer perda efectiva de rendimento ou de correcta privação de angariação de réditos”.

E, no caso presente, exercendo o lesado, como já se disse, as “funções de assessor e director comercial na sociedade comercial S… P… D… d… V…, S.A (P…) em Espanha”, as lesões graves oculares sofridas – que o impedem de conduzir de noite e lhe causam muitas dificuldades de dia – traduzem-se numa maior penosidade e desgaste físico na execução dessas tarefas e, como tal, representam um grave dano patrimonial futuro.

E a quantificação desse dano patrimonial futuro há-de encontrar-se de acordo com as regras acima referidas que, no dizer do Ac. deste STJ de 18.1.79 (18) “deve ser calculada em atenção ao tempo provável de vida activa da vítima, de forma a representar um capital produtor do rendimento que cubra a diferença entre a situação anterior e a actual até final desse período, segundo as tabelas financeiras usadas para determinação do capital necessário á formação de uma renda periódica correspondente, ao juro anual” de 3%, considerando as actuais taxas de juros e a sua previsível manutenção.

No caso concreto, como não resulta da matéria de facto um futuro próximo de alteração dos rendimentos do lesado, deve atender-se mais à equidade, tendo-se, no entanto, em conta os valores que o método matemático evidencia; impõe-se, é certo, a fixação dum montante inferior ao mínimo que tais tabelas indicam, mas não de forma tão significativa como se fez na decisão recorrida.

Tomando, pois, em consideração o quadro acima descrito (idade, incapacidade permanente para o trabalho, vencimento) entendemos que se justifica fixar a indemnização em causa em €400.000.

2.ª questão – defende o recorrente que, além deste dano patrimonial, deve ser autonomizado o dano biológico sofrido pelo recorrente, pretendendo a sua fixação no montante de €120.000.

Esta pretensão do recorrente não tem qualquer fundamento nem suporte legal.

Com efeito, não se pode indemnizar duas vezes a mesma coisa porque a indemnização emergente de acidente de viação não visa um enriquecimento ilegítimo à custa do lesante mas, antes, a reparação do dano causado.

A referência doutrinal e jurisprudencial ao dano biológico não tem visado esse desiderato.

O que nela se tem discutido é a questão de saber se esse dano deve ser indemnizado a título de danos não patrimonial (19) ou a título de dano patrimonial, quando se verifica que a incapacidade permanente parcial não implica uma perda de ganho do rendimento auferido (20).

No entanto, ninguém defende que o dano biológico seja indemnizado autonomamente, para além da indemnização da perda de ganho, porque isso seria uma duplicação indemnizatória, como acima se demonstra, violadora da lei e dos princípios de equidade que presidem à fixação do montante indemnizatório em causa.

Por isso, nesta parte, a revista não pode proceder.

3.ª questão – danos não patrimoniais.

Refere a lei (21) que devem ser indemnizados os danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito e o montante “será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, …., as circunstâncias referidas no art. 494.º…”.

Como ensinam P.L. e A. Varela, (22) “o montante da indemnização correspondente aos danos não patrimoniais deve ser calculado...segundo critérios de equidade, atendendo ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica e às do lesado e do titular da indemnização, às flutuações do valor da moeda, etc.. E deve ser proporcionado à gravidade do dano, tomando em conta na sua fixação todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida.”

Ensina também Leite de Campos (23) que nos danos não patrimoniais “a grandeza do dano só é susceptível de determinação indiciária fundada em critérios de normalidade. É insusceptível de determinação exacta, por o padrão ser constituído por algo qualitativo diverso como é o dinheiro, meio da sua compensação. Aqui, mais do que nunca, nos encontramos na incerteza, inerente a um imprescindível juízo de equidade.”

Visa a lei, no dano não patrimonial, proporcionar ao lesado uma compensação para os sofrimentos que a lesão lhe causou, contrabalançando o dano com a satisfação que o dinheiro lhe proporcionará.(24)

Sem se cair em exageros, a indemnização “deve ter um alcance significativo e não meramente simbólico,”(25) impondo-se que a jurisprudência caminhe seguramente para indemnizações não miserabilistas.

Ora, a forma como ocorreu o acidente, as consequências para o A. e as sequelas de que ficou a padecer, já acima mencionadas, não podem deixar de nos levar a atribuir ao A. uma quantia significativa.

De facto, o A. sofreu o acidente sem ter contribuído, de qualquer forma, para ele, advindo-lhe graves danos e sequelas futuras, no auge da sua vida activa – 42 anos.

Sofreu graves lesões (26), foi submetido a várias intervenções cirúrgicas, com enormes dores, sofrimento, tristeza e angústia, ficando a padecer de uma incapacidade permanente parcial grave (27) – 40% - não podendo conduzir à noite e tendo dificuldades durante o dia, ficando gravemente afectado da visão(28).

Por tudo isto, pensamos ser adequado fixar a indemnização a este título na quantia de €50.000.

4.ª questão - Deve a R. ser condenada ainda a pagar-lhe a quantia de €224,45 que despendeu com a realização do exame médico-legal.

O custo do exame médico a que o recorrente se refere é o de fls. 638 (29), no valor de 239,42€, porque não se vê do processo que tenha sido realizado outro.

Do despacho de fls. 651 – 15.4.2008 – não impugnado, verifica-se que aí se decidiu que o respectivo valor entrava em regra de custas, sendo, então, reembolsado o A. do quantitativo gasto, porque no ofício do IML do Porto se declara que esse valor “foi pago pelo próprio”.

Assim, tal como se defende na decisão recorrida, o recurso não pode proceder nesta parte.

5.ª questão – devem considerar-se como provadas as datas constantes dos documentos dos pagamentos.

A data dos pagamentos não consta da matéria de facto nem foi objecto de discussão na acção ou na apelação nem é de conhecimento oficioso nem, finalmente, os documentos que os atestam fazem prova plena da data desses pagamentos porque não são documentos particulares assinados pelo R.(30)

Deduz a sua pretensão do facto de constar dos documentos a data de pagamento e de, na sua alegação, os ter dado por reproduzidos; e, tendo o tribunal dado como provados esses pagamentos, a conclusão é que as datas neles constantes devem ser consideradas como datas dos pagamentos.

Mas, o dar-se por reproduzido um documento, em termos de alegação, segundo o princípio do dispositivo, não é nada, contando apenas como prova dos factos alegados e que neles são atestados.

Logo, esta questão não tem aqui cabimento nem pode proceder.

6.ª questão - sobre a quantia de €44.395,76 (soma das quantias de €22.770,19, €500 e €22.127,57) devem incidir juros compensatórios à taxa de 4%, correspondente à taxa de inflação desde o pagamento e que na P.I. se quantificou em €8.600.

Sobre esta questão, a Relação considerou, que o A. não alegou nem demonstrou factos para se poder actualizarem as importâncias de 22.770,19€ e 500€, não se demonstrando em que data foram feitos esses pagamentos, verificando-se até que o A. alegou que os últimos pagamentos que efectuou se situaram na data do próprio acidente – 9.2.1999.

Apenas se determinou que fosse actualizada a quantia de 21.125,57, a partir de Junho/2000 até à data da citação, mas, como não foi alegada e demonstrada a taxa de inflação, a fixação do respectivo quantitativo devia relegar-se para ulterior liquidação, desde que alegada e demonstrada a respectiva taxa de inflação, porque o facto notório é a inflação e não a respectiva taxa.

Concorda-se, em parte, com a decisão recorrida, pois, entende-se que o relegar para ulterior liquidação deve abranger não só esta última quantia como todas elas, porque, o facto de o A. não ter demonstrado o momento em que ocorreram aqueles pagamentos – 22.770,19 e 500€ - isso não o impede de fazer essa demonstração em ulterior liquidação porque o dano derivado da inflação demonstrou-se, devendo dar-se mais uma oportunidade ao lesado para o efeito (31).

Por isso, nessa medida, a revista é concedida.

Decisão

Pelo exposto, concede-se parcialmente a revista, revogando-se também parcialmente a decisão recorrida e, em consequência, condena-se a R. a pagar ao A. a quantia

. que se liquidar em incidente próprio, relativamente à quantia de €44.395,76: entre a data do pagamento dos tratamentos - €22.770,19 - e do pagamento das despesas com tratamentos e deslocações - €500; e desde Junho de 2000 quanto ao rstante; tudo até à data da citação

. de €550.000 (quinhentos e sessenta mil euros), por danos patrimoniais futuros (€500.000)e não patrimoniais (€50.000);

No mais, mantém-se a decisão recorrida.

Custas por A. e R. na proporção do vencimento.

Lisboa, 17.12.2009

Custódio Montes (Relator)

Alberto Sobrinho

Maria dos Prazeres Pizarro Beleza (Embora sem repercussão no montante indemnizatório, dada a fundamentação, contaria com a vida posterior à idade da reforma).

____________________________

(1) Montante depois ampliado para €1.000.000.000.

(2) Ver fls. 1026.

(3) A 1.ª instância havia-o fixado em €160.000.

(4) N.ºs 90 e 91 da matéria de facto.

(5) N.º 110 da matéria de facto.

(6) 35% mais um previsível aumento de 5%, num total de 40% - n.º 82 da matéria de facto.

(7) Art. 562 do CC (são deste Diploma Legal os normativos doravante referidos, sem qualquer menção): o lesante “deve reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação”.

(8) Art. 566º, 1.

(9) Incapacidade permanente parcial.

(10) Art. 566º, 3.

(11) Das Obrigações em Geral, Vol. I, 9ª Ed., pág. 942.

(12) “Por dano pode entender-se por um lado o prejuízo que o lesado sofreu in natura, em forma de destruição, subtracção ou deterioração de um certo bem corpóreo ou ideal” – Pereira Coelho, O Problema da causal Virtual na Responsabilidade Civil, pág. 250.

(13) Menezes Leitão, Direito das Obrigações, 5.ª ed., vol. I, pág. 330 e A. Varela, Das Obrigações em Geral, 9.ª ed., vol. I, págs. 619 e 620.

(14) Menezes leitão, Ob. e vol. Cits, pág. 333.

(15) Manual de Acidentes de Viação, pág. 77.

(16) Ver, entre muitos outros, na dgsi, os Acs de 30.10.2007, processo n.º 07A3340, de 63.2007, n.º 07A189, de 31.10.2006, n.º 06A2988, de 18.5.2004, n.º 04A861, de 21.9.2004, n.º 04A2327, de 5.3.2002, n.º 01A4177, de 7.2.2002, n.º 01B3985, de 11.2.99, n.º 98B1099, de 24.2.99, n.º 99B005; de 6.2.76, BMJ 254 (1976), págs. 202-206, citado por Menezes leitão, Ob. e vol. Cits, pág. 333, nota 695; e o recente Ac. de 17.1.2008, processo n.º 07B4538; Sinde Monteiro, Estudos Sobre a responsabilidade Civil, pág. 248.

(17) Por incapacidade permanente, entende-se a “redução de potencial físico, psico-sensorial ou intelectual resultante da ofensa feita à integridade corporal dum indivíduo” – L. Derobert, citado por Dario Martins de Almeida, ob. Cit., pág. 131, nota 1; a aludido dano biológico tem sido definido como a “diminuição somático-psiquica do indivíduo, com natural repercussão na vida de quem o sofre”, para usar a expressão utilizada no Ac. deste STJ de 4.10.2005, dgsi, processo n.º 05A2167.

(18) BMJ283, 273.

(19) Ac. deste STJ de 27.10.2009, dgsi processo n.º 560/09.0YFLSB, onde se defende que tal dano deve ser indemnizado como dano não patrimonial quando se demonstre que o lesado não perde capacidade de ganho, ao longo da sua vida activa.

(20) Por exemplo, o Ac. deste STJ de 19.5.2009, dgsi processo n.º 298/06.0TBSJM.S1.

(21) Art. 496.º, do CC.

(22) CC Anot., Vol. I, 2ª Ed., pág. 435.

(23) A Indemnização do Dano da Morte, pág. 12.

(24) Mota Pinto, Teoria Geral, 3ª Ed., pág. 115.

(25) Ac. da RL de 15.12.94, CJ 1994, tomo , pág. 135.

(26) Fracturas: mandíbula, maxilar superior, fracturas dentárias.

(27) Ficou a sofrer de diplopia (visão dupla), diminuição do campo visual (3/10), ausência de reflexo pupilar, afectação motora dos músculos oculares que impedem a elevação e o movimento à esquerda do globo ocular, redução do campo visual, ficou a sofrer de dores ao nível da região zigomâtico-molar a mandibular esquerda, com a necessidade de recurso a medicamentos, dificuldades de mastigação, dificuldade de elaboração das palavras (dislexia), dificuldades para ler, ver televisão, trabalhar no computador, necessitando de maiores descansos.

(28) O dano biológico tem, obviamente, repercussões patrimoniais e não patrimoniais na esfera jurídica do lesado: afecta-lhe a sua capacidade para o trabalho e traz-lhe sofrimentos, desgostos, mal-estar…

(29) Ver arts 93.º, parte final, e 27.º da P.I.

(30) Art. 376.º, 1 do CC.

(31) Ver O Ac. da Rel do Porto, de 2.12.1999, Sumário n.º 592 de “Sumários de Acórdãos” do Tr. Relação do Porto, Boletim 7, pág. 14, por nós relatado, onde se refere que “o art. 661º, 2 do CPC, norma dirigida ao juiz e não às partes, impõe àquele o comando de condenar no que se liquidar em execução de sentença se não houver elementos para fixar o objecto ou a quantidade quer no caso de o A. formular pedido genérico quer no caso de ter especificado o dano e não provar a especificação.”