Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
474/14.2T8PNF.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: LOPES DO REGO
Descritores: ALIENAÇÃO DE PARTICIPAÇÕES SOCIAIS
TÍTULOS AO PORTADOR
REGISTO DE TRANSFORMAÇÃO DA SOCIEDADE
NULIDADE
VIOLAÇÃO DE DISPOSIÇÃO LEGAL IMPERATIVA
CONVALIDAÇÃO
EFEITOS DA NULIDADE DO CONTRATO
OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAR
INTERESSE CONTRATUAL NEGATIVO
OBRIGAÇÃO DE RESTITUIR
CONVOLAÇÃO DO PEDIDO
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 02/05/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICOS / NEGÓCIO JURÍDICO / EXERCÍCIO E TUTELA DE DIREITOS / PROVAS.
DIREITO DAS SOCIEDADES COMERCIAIS - SOCIEDADES ANÓNIMAS / ACÇÕES ( AÇÕES) / TRANSMISSÃO DE ACÇÕES ( TRANSMISSÃO DE AÇÕES ).
Doutrina:
- Lopes do Rego, “O Princípio Dispositivo e os Poderes de Convolação do Juiz”, in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Lebre de Freitas, I, p. 789 e segs..
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): -ARTIGOS 289.º, N.º1, 294.º, 351.º.
CÓDIGO DAS SOCIEDADES COMERCIAIS (CSC): - ARTIGO 304.º, N.º6, 327.º, N.º1,
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 14/6/11, PROCESSO N.º 550/05.2TBCBR.C1.S1;
-DE 19/4/12, PROCESSO N.º 34/09.0T2AVR.C1.S1.
Sumário :
1. É nulo, por violação de disposição legal imperativa ( a que constava do nº6 do art. 304º do CSC), o contrato de compra e venda de acções, realizado na sequência de transformação de sociedade por quotas em sociedade anónima, com aumento de capital, realizado com base nos títulos provisórios, antes de registados tais factos referentes à sociedade e emitidos os títulos definitivos ao portador .

2. Tal nulidade não se convalidou, já que, mesmo após se haver  lavrado o registo de tais factos societários e de terem sido emitidas as acções ao portador, os títulos definitivos não foram entregues à sociedade compradora, por força do estatuído no nº1 do art. 327º.nº 1, do CSC.

3. Sendo o contrato de compra e venda – cujos efeitos extravasam o alcance e sentido meramente obrigacional – nulo, não pode proceder o pedido de entrega da coisa vendida, nem o de indemnização fundada no interesse contratual positivo, reportada a danos resultantes do incumprimento das obrigações emergentes do contrato.

4. Não estando processualmente adquirido, face à matéria de facto fixada pelas instâncias, o pagamento efectivo do preço estipulado, não pode convolar-se do pedido fundado em indemnização pela lesão do  interesse contratual positivo para a obrigação de restituir, consequente ao decretamento de nulidade do contrato , operando no caso com plena eficácia retroactiva.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:



1. AA - Sociedade Gestora de Participações Sociais, S.A., intentou acção de condenação, com processo comum, sob a forma ordinária, contra:

  - BB e mulher CC,

  - DD,

- EE e mulher FF,

- GG,

- HH,

- II,

- JJ,

- KK,

- LL,

- MM e

- NN,

Em síntese, alegou que:

Os Iº, 2º e 3º Réus maridos, OO e PP foram, até 20/12/93, os únicos sócios e gerentes da sociedade comercial por quotas GG, S.A., com o capital social de 105 000 000$00.


Por escritura pública de 20/12/93, os referidos sócios, procederam à transformação da GG em sociedade anónima e ao aumento do seu capital social, de 105.000$00 para 140.000$00, recebendo cada sócio o número de acções correspondente ao valor da sua quota, com o valor nominal de 1.000$00 cada acção e fazendo entrar no dito capital social a "QQ" com uma subscrição de 35.000 acções.

Estas alterações estatutárias foram determinadas pelo acordo firmado entre os mencionados sócios e a QQ - Cooperativa Agrícola de Produtores de Leite do Centro Litoral, CRL, nos termos do qual esta, mediante o pagamento aos referidos Réus da quantia de 537.500.000$00, para além da subscrição das referidas 35.000 novas acções, adquiriu ainda mais 35 000 acções do capital social da GG, cujos vendedores foram, formalmente, os réus EE e mulher, assim perfazendo 70 000 acções, correspondente a 50% do capital social da GG.

No mesmo dia 20/12/93, os Iº, 2º e 3° Réus e os seus consócios OO e PP, com o objectivo de concentrarem as participações detidas na GG e de reajustarem, nesta, as sua posições sociais, constituíram a AA, SGPS, SA, sociedade gestora de participações sociais, com o capital social de cinco milhões de escudos, representado por cinco mil acções com o valor nominal de 1000$00 cada uma, subscrevendo cada um deles 1000 acções.

Entre os réus BB e mulher (l°s réus), DD (2o réu) e a autora foram então celebrados os seguintes contratos:

- Contrato de compra e venda de 35 000 acções da GG, pelo qual os réus pelo qual os réus BB e mulher (l°s réus) declararam que vendiam as 35 000 acções pelo preço de 297 500 000$00, preço já pago, fazendo o contrato prova plena de tal pagamento e que pelo contrato a autora ficava com direito de pedir e tomar posse dos títulos definitivos das acções (contrato que havia sido precedido por contrato-promessa no âmbito do qual os referidos réus entregaram à autora 35 títulos provisórios nominativos representativos das 35 000 acções da GG). BB e mulher (l°s réus) declararam que vendiam as 35 000 acções pelo preço de 297 500 000$00, preço já pago, fazendo o contrato prova plena de tal pagamento e que pelo contrato a autora ficava com direito de pedir e tomar posse dos títulos definitivos das acções (contrato que havia sido precedido por contrato-promessa no âmbito do qual os referidos réus entregaram à autora 35 títulos provisórios nominativos representativos das 35 000 acções da GG).

- Contrato de compra e venda de 11 670 acções da GG, pelo qual o réu DD (2o réu) declarou que vendia as 11 670 acções, pelo preço de 99. 195 000$00, preço já pago, fazendo o contrato prova plena de tal pagamento e que pelo contrato a autora ficava com o direito de pedir e tomar posse dos títulos definitivos das acções (contrato que havia sido precedido por contrato-promessa no âmbito do qual o referido réu entregou à autora 24 títulos provisórios nominativos representativos das 11 670 acções da GG).

Idênticos actos e contratos foram praticados e subscritos pela Autora com os sócios OO e PP.

A partir de certo momento, o conselho de administração da GG, em conjugação de esforços com o seu conselho fiscal e demais co-réus, gizaram e puseram em marcha um plano que visava retirar a qualidade de accionista da GG à Autora e apropriar-se das respectivas acções.

Para tanto, o conselho de administração da GG começou por não entregar aos accionistas os títulos definitivos das acções nos seis meses subsequentes ao registo definitivo da transformação e aumento do seu capital social, que ocorreu em 29 de Julho de 1994, e, sem prévia consulta aos accionistas, decidiu posteriormente emitir acções ao portador, quando os estatutos admitiam igualmente acções nominativas.

Em 21 de Julho de 1995, a Autora solicitou ao presidente do conselho de administração da GG a entrega das 70000 acções que lhe pertenciam, contra a entrega dos 70000 títulos provisórios - e este recusou-se a entregar as acções e procedeu ao seu depósito no Banco …, à ordem de PP (11 665 acções), OO (11 665 acções), DD (11 670 acções) e BB (35 000 acções) e autorizou que os Iº e 2º Réus procedessem ao seu levantamento, sem que tenham entregue os títulos provisórios.

A Autora interpelou, então, tais pessoas para lhe entregarem as acções representativas do capital social da GG, nos termos dos contratos que com eles havia celebrado.

PP e OO procederam à entrega de 23 330 acções da GG.

Os réus BB e mulher recusaram-se a entregar as 35 000 acções da GG e, por declaração datada de 10 de Agosto de 1995, declararam que transferiam definitiva e imediatamente o domínio e posse de 14 000 acções para o réu EE, tornando-se assim este o seu legítimo dono e proprietário.

Em 8 de Fevereiro de 1996, o réu DD levantou as aludidas acções do Banco … e vendeu-as ao réu NN, o qual é um testa de ferro do réu DD e da QQ, sabendo ambos que estavam a fazer um negócio simulado de compra e venda de acções, porque o vendedor não era o legítimo dono e proprietário das acções objecto dessa compra e venda, uma vez as acções eram propriedade da AA, visando tais réus, com a sua conduta, causar prejuízo à AA.

Por seu lado, os réus EE, LL e MM integrando o conselho fiscal da GG, agiram em flagrante violação da lei e com o premeditado objectivo de causar prejuízo à AA.

Conclui assim que todos os Réus praticaram factos ilícitos e culposos, geradores de responsabilidade civil, uma vez que:

- Os l°s Réus não cumpriram e violaram o contrato-promessa de compra e venda e o contrato definitivo de venda de acções da GG à AA, sendo o Iº réu, à data dos factos, administrador desta última, causando-lhe prejuízos com a sua conduta, violadora dos seus deveres e obrigações legais e contratuais.

- O 2º Réu não cumpriu e violou o contrato-promessa de compra e venda e o contrato definitivo de venda de acções da GG à AA e, posteriormente, vendeu simuladamente 11.670 acções ao réu NN, apesar de um e outro bem saberem que esse negócio era simulado.

- Os réus HH, II, JJ e KK, que integram o conselho de administração da GG, em conjugação de esforços e com o propósito de retirarem à AA a qualidade de accionista da GG, não emitiram os títulos definitivos representativos das acções, no prazo de seis meses a contar da data do registo definitivo da transformação e aumento do capital social da GG; e, sem consulta aos accionistas, decidiram emitir acções ao portador para deste modo criarem as condições que permitissem a subtracção fraudulenta das acções à AA; recusaram entregar os 70 000 títulos definitivos de acções da GG por troca por idêntico número de títulos provisórios, quando instados para tal em 21 de Julho de 1995; decidiram depositar as acções no Banco … em nome de quem já não era comprovadamente seu accionista; autorizaram o levantamento dessas acções pelos Iº e 2º réus sem que estes tenham entregue os títulos provisórios que já não lhes pertenciam; fizeram com que haja em circulação 70 000 títulos provisórios representativos do capital social da GG e 140 000 títulos definitivos, o que lança a maior confusão sobre quem é accionista e o número de votos de que é detentor.

Os réus EE, LL e MM, omitiram os seus deveres de membros do conselho fiscal e concorreram activamente para a execução do plano exposto.

Violaram, pois, os seus poderes-deveres, incorrendo em responsabilidade civil, conforme o disposto nos art.s 81° e 82° do C.S. Comerciais, responsabilidade agravada no caso do réu EE, por ser à data dos factos administrador e accionista da AA, e, no caso da ré MM, por ser revisora oficial de contas da GG e da AA.

Conclui pedindo que se condenem solidariamente os Réus, em alternativa, à escolha da Autora, a:

- Entregarem à AA SGPS, SA, 46 670 títulos definitivos das acções representativas do capital social da Ré GG, S.A., ou

- No pagamento à AA, SGPS, SA, da quantia de 537.500.000$00, acrescida de juros à taxa de 10% a contar de 21 de Julho de 1995 e até efectivo e integral pagamento; ou, se assim se não entender, acrescida dos juros compensatórios destinados a compensar a desvalorização monetária sofrida pela quantia indemnizatória pedida até ao trânsito em julgado da sentença que for proferida nos presentes autos.

Citados, os réus contestaram, deduzindo alguns deles reconvenção.

Os réus GG, S.A., e os recorrentes, BB e mulher e DD, contestando em conjunto, alegaram que, no dia 20 de Dezembro de 1993, data em que se procedeu à transformação e ao aumento de capital da GG, a administração desta, designada nessa mesma escritura, emitiu e entregou à QQ e aos outros cinco sócios, BB, DD, EE, OO e PP os títulos provisórios destinados a representar a percentagem que, no capital resultante do aumento, a cada um pertencia, segundo o acordo inicialmente conseguido entre todos, isto é, 50% (correspondente a 70.000.000$00) para a QQ, CRL e os restantes 50% (também 70.000.000$00) em partes iguais de 10% (correspondente a 14.000 000$00) para cada um daqueles cinco sócios.

Durante as negociações que conduziram ao acordo mediante o qual a QQ, CRL adquiriu o direito a 50% do capital social da GG, criaram-se relações de confiança recíproca entre a QQ, CRL e os seus directores, de um lado, e os restantes cinco sócios da GG, do outro lado e, de entre estes, particularmente o Dr. OO; este, que na mesma escritura foi designado presidente da mesa da assembleia geral da GG, anunciou à QQ que ele e os restantes quatro sócios iriam vender à AA as suas acções no capital social da GG.

O registo definitivo da alteração e aumento de capital social da GG foi efectuado apenas em 29 de Julho de 1994.

Logo no dia da alteração da sociedade e do aumento de capital, a administração da GG emitiu e entregou os títulos provisórios nominativos aos seus sócios EE, BB, DD, OO, PP e QQ.

Em face das relações de confiança entre todos, a administração da GG não entregou aos sócios, nem estes nunca lhe pediram, os títulos definitivos, representativos das acções que a cada um deles pertencia no seu capital social, no prazo de seis meses seguintes à data do registo definitivo, como dispõe o n°3, do art. 304°, do Código das Sociedades Comerciais, o que acabou por fazer apenas depois de Julho de 1995.

Em meados de 1995, os cinco sócios da GG e da AA desentenderam-se entre si. Na sequência desses desentendimentos, OO, no dia 19 de Julho de 1995, compareceu na sede da GG, pedindo que lhe fossem entregues, para a AA, S.A., os títulos definitivos representativos de 70.000 acções no capital da própria GG, alegando que os mesmos pertenciam à sociedade que representava, ou seja, a aqui Autora.

Os sócios EE e BB comunicaram à administração da GG que se opunham à entrega dos títulos definitivos ao Dr. OO ou à AA; e, alegando que os mesmos eram deles e não da AA, exigiram à administração da GG que lhes entregasse a eles os títulos definitivos correspondentes às participações sociais que lhes tinham ficado a pertencer em consequência da escritura de transformação e aumento de capital. A administração da GG ainda pediu ao Dr. OO os títulos provisórios para trocar pelos títulos definitivos, tendo este respondido que não sabia deles.

A administração da GG pediu-lhe então que, ao menos, entregasse documentos dos restantes sócios, subscritores da escritura de transformação e aumento, autorizando-o a entregar-lhe as respectivas acções, ou documento comprovativo de que a AA tinha adquirido validamente as participações sociais daqueles, sendo que o Dr. OO alegou não possuir qualquer documento nesse sentido.

Em 21 de Julho de 1995, os cinco sócios reuniram-se com a administração da GG para decidirem a quem entregar as acções definitivas. Dois desses sócios, o EE e o BB, diziam que as acções lhes pertenciam e que as queriam para a sua mão e opunham-se à entrega das acções à AA.

Os outros três - OO, DD e PP - queriam que as acções fossem entregues à AA, mas continuaram a não apresentar, nem os títulos provisórios, nem qualquer documento de aquisição pela AA das participações sociais ou do direito às acções dos seus cinco sócios, incluindo as deles próprios.

Daí que a Administração da GG tenha entendido que seria prudente e desejável depositar as acções em disputa pelos referidos cinco sócios junto de um banco idóneo.

Por isso, e com a anuência prévia e o acordo expresso do Réu EE, depositou no Banco … os títulos definitivos representativos de 70.000 acções, na proporção correspondente às respectivas participações, resultantes do aumento de 20/12/93, e mandatou irrevogavelmente o referido Banco para fazer entrega dos títulos definitivos nas seguintes condições: - ao sócio BB, títulos representativos de 35.000 acções; - ao sócio DD, títulos representativos de 11.670 acções; - ao sócio OO títulos representativos de 11.665 acções; - ao sócio PP títulos representativos de 11.665 acções.

Os valores dessas entregas estavam de acordo com o valor das participações que a cada um dos sócios aí referidos ficavam a pertencer pela escritura de transformação e aumento de capital.

Em 28/11/95, o Réu EE levantou da referida conta do Banco …, do lote de 35.000 acções destinado ao sócio BB, e, com a colaboração deste, tomou logo posse de 14.000 acções.

Em 8/02/1996, o sócio BB levantou da mesma conta do Banco … 16.330 acções. No mesmo dia 8/02/96, o sócio DD levantou dessa mesma conta 11.665 acções e BB entregou ao sócio DD 2.330 das 16330 acções por ele acabadas de levantar, passando em consequência cada um deles a possuir 14.000 acções. Por seu lado, o sócio OO levantou do Banco e conta referidos, em 13 de Março de 1996, 11.665 acções. E o sócio PP levantou também, em 13/03/96, outras tantas 11.665 acções, encontrando-se ainda depositadas na conta e banco referidos os títulos representativos de 4.670 acções.

Posteriormente, em 23 de Fevereiro de 1996, o réu BB vendeu ao réu EE, pelo preço recebido de 100.000.000$00, as 14.000 acções que levantou e ficou a possuir. No mesmo dia, o réu DD, por igual preço recebido de 100.000.000$00, vendeu as suas 14.000 acções à QQ/RR, S.G.P.S., S.A.

É certo que o artigo 304°, n°2, do C. S. Comerciais dispõe que os títulos provisórios substituem, para todos os efeitos, os títulos definitivos, mas tal só sucede enquanto os títulos definitivos não forem emitidos.

Daí que, tendo esses títulos provisórios, invocados pela Autora, sido substituídos pelos correspondentes títulos definitivos, deixaram de substituir estes e, portanto, não têm já qualquer valor legal.

Acresce que esses títulos provisórios sempre seriam e efectivamente são nulos e de nenhum efeito, porque violam o disposto no n°6, do art. 304°, do CSC, dado que foram emitidos no próprio dia da transformação e aumento do capital que supostamente queriam representar, em 20/12/1993, e, portanto, muito antes do registo definitivo dessa transformação e aumento no registo comercial, que ocorreu apenas em 29/07/1994.

É que as acções não podem ser emitidas ou negociadas antes da inscrição da sociedade no registo comercial ou, tratando-se de emissão de novas acções por ocasião de um aumento de capital, antes da inscrição da realização do aumento no mesmo registo, sem o que as acções são nulas.

Sendo nulos, não podem esses títulos provisórios valer para substituir os títulos definitivos, muito menos para conferir à autora o direito que reclama com a presente acção.

Nulos são também os contratos-promessa de compra e venda e os contratos de compra e venda referidos na petição, porque, por força do disposto no n°6 do art. 304° do C. S. Comerciais, é ilegal a emissão e transmissão de cautelas ou títulos provisórios antes do registo definitivo do contrato de sociedade ou do aumento de capital, com a consequente nulidade dessas operações, se ocorrerem naqueles condições: e defendem ainda que os referidos contratos-promessa de compra e venda e subsequentes vendas foram simulados, já que tiveram como único objectivo, resultante de prévia combinação entre os supostos vendedores ou promitentes vendedores, concentrar na AA o direito de voto correspondente a 50% do capital social da GG, sendo que a AA não pagou qualquer preço aos supostos promitentes vendedores ou vendedores.

Concluem, por tudo isto, pela improcedência da acção, com a sua consequente absolvição do pedido.

Para o caso de vir a proceder o pedido da Autora no tocante às 46.670 acções que reclama ou à respectiva indemnização, pedem, em reconvenção, a condenação da Autora a pagar aos réus BB e mulher a quantia de 297.5000.000$00 e ao réu DD a quantia de 99.195.000$00, quantias estas acrescidas de juros de mora – pedindo ainda a condenação da Autora a pagar a cada um deles, a título de indemnização por danos de natureza não patrimonial, a quantia que vier a liquidar-se em execução de sentença.

Requereram ainda a intervenção de SS, OO e PP, bem como dos actuais membros do conselho de administração da Autora - TT, UU, VV, XX, PP - e do réu EE, para, ao lado da autora e como associados dela, serem demandados pelo pedido reconvencional.

Na réplica, a Autora pugnou pela improcedência dos pedidos reconvencionais deduzidos.

Na tréplica, os réus GG, S.A., BB e mulher, DD, concluíram como na contestação/reconvenção.

Admitida que foi a intervenção dos chamados, todos contestaram.

Após a fase da instrução do processo, vieram a Autora, os chamados SS, OO e PP e a ré-reconvinte MM, desistir reciprocamente dos pedidos que haviam formulado, desistência que se mostra homologada por sentença.

Teve lugar a audiência de discussão e julgamento, sendo proferida sentença, a qual foi objecto de recurso em que, além do mais, se determinou a anulação parcial do julgamento da matéria de facto.

Procedeu-se a nova audiência de julgamento, restrita à matéria que fundamentou a anulação parcial do julgamento, sendo proferida nova sentença em cujo dispositivo se consignou:

"I - Julgar a presente acção parcialmente procedente por parcialmente provada e, em consequência,

1) Condenar:

a) Os Réus BB e mulher, CC, a entregarem à AA, SGPS, SA 18.670 títulos definitivos das acções representativas do capital social da GG, S.A e no pagamento à AA da quantia que vier a liquidar-se em incidente ulterior, correspondente ao prejuízo que a subtracção da participação social de 16.330 títulos definitivos das acções representativas do capital social da GG, S.A lhe causa;

b) O Réu DD no pagamento à AA da quantia que vier a liquidar-se em incidente ulterior, correspondente ao prejuízo que a subtracção da participação social de 11.670 títulos definitivos das acções representativas do capital social da GG, S.A lhe causa.

2) - Absolver os Réus BB e mulher CC e DD dos demais pedidos contra eles formulados.

3) - Absolver os Réus EE e mulher, FF, GG, S.A., HH, II, JJ, KK, LL, NN, dos pedidos contra eles formulados.

II - Julgar os pedidos reconvencionais deduzidos pelos Réus BB e mulher, CC, DD, HH, KK, LL improcedentes, por não provados e, consequentemente, deles absolver a Autora reconvinda e os Intervenientes.


2. É desta sentença que os réus BB e mulher e DD interpuseram recurso de apelação, invocando nulidades da sentença e impugnando a matéria de facto fixada.

A Relação, no acórdão ora recorrido, julgou improcedentes as nulidades invocadas, negando provimento à impugnação do julgamento de facto feito em 1ª instância, o que conduziu à fixação do seguinte quadro factual:

1) - No dia 20 de Dezembro de 1993, os Iº, 2º e 3º Réus maridos, OO e PP eram os únicos sócios e gerentes da sociedade comercial por quotas GG, S. A..

2) - A GG tinha o capital social de 105 000 000$00, distribuído da seguinte forma:

- BB detinha uma quota de 35 000 000$00;

- DD detinha uma quota de 11 670 000$00;

- EE detinha uma quota de 35 000 000$00;

- OO detinha uma quota de 11 665 000$00;

- PP detinha uma quota de 11 665 000$00.

3) - Por escritura pública outorgada no Cartório Notarial de Oliveira de Azeméis/em 20 de Dezembro de 1993, os aludidos cinco sócios procederam:

 a) - A mudança da sede social da GG para o Monte de Santa Catarina, Costa,  Guimarães;

 b) - À transformação da GG de sociedade por quotas em sociedade anónima;

 c) - Ao aumento do capital social da GG de 105 000 000$00 para 140 000 000$00, recebendo cada sócio o número de acções correspondente ao valor nominal da sua quota.


4) - Entre os cinco aludidos sócios e a QQ - Cooperativa Agrícola de Produtores de Leite do Centro Litoral, CRL, foi acordada a aquisição por esta Cooperativa de 50% do capital social da GG.

5) - Tal aquisição operou-se nos seguintes termos:

 a) - Subscrição pela QQ das 35 000 novas acções emergentes do aumento de capital social da GG;

  b) - Aquisição de mais 35 000 acções.

6) - Tais acções foram adquiridas pelos seguintes compradores:

a) - 34 700 acções pela QQ - Cooperativa Agrícola de Produtores de Leite do Centro Litoral, CRL;

b) - 100 acções pela ZZ - Comércio de Produtos Alimentares, Lda;

c) - 100 acções pela AAA - Importação, exportação e comércio de produtos, Lda;

d) - 100 acções pela BBB - Construção e Promoção Imobiliária, Lda.

7) - No dia 20 de Dezembro de 1993 foi constituída a sociedade AA, SGPS, SA, com o capital social de cinco milhões de escudos, representado por cinco mil acções, com o valor nominal de 1000$00 cada uma, que os accionistas subscreveram nos seguintes termos:

-1000 acções subscritas por BB; -1000 acções subscritas por DD; -1000 acções subscritas por EE; - 1000 acções subscritas por OO; -1000 acções subscritas por PP.

8) - Entre os primeiros Réus e a Autora foram celebrados os seguintes contratos:

 a) Contrato-promessa de compra e venda de 35 000 acções da GG, no qual ficou acordado que prometiam vender essas acções à Autora por 297 500 000$00; que o preço seria adiantado pela Autora, ficando o contrato-promessa a fazer prova plena de tal pagamento; que a venda definitiva seria feita a solicitação da Autora e que em caso de incumprimento os primeiros Réus obrigavam-se a pagar à Autora o dobro do sinal.

No âmbito deste contrato os primeiros Réus entregaram à AA 35 títulos provisórios nominativos representativos das 35 000 acções da GG.

 b) Contrato de compra e venda de 35 000 acções da GG, pelo qual declararam que vendiam as 35 000 acções pelo preço de 297 500 000$00, o preço já tinha sido pago, fazendo o contrato prova plena de tal pagamento e que por este contrato a Autora ficava com direito de pedir e tomar posse dos títulos definitivos das acções.

9) - Entre o 2o Réu e a Autora foram ainda celebrados os seguintes contratos:

  a) - Contrato-promessa de compra e venda de 11 670 acções da GG, no qual declarou prometer vender tais acções à Autora por 99 195 000$00; o preço seria pago adiantadamente e na sua totalidade, ficando o contrato a fazer prova plena de tal pagamento; a venda e entrega definitiva seria feita a solicitação da Autora e em caso de incumprimento o 2º Réu obrigava-se a pagar à Autora o dobro do sinal.


No âmbito deste contrato entregou à Autora 24 títulos provisórios nominativos, representativos das 11 670 acções da GG.

b) - Contrato de compra e venda de 11 670 acções da GG, pelo qual declarou que vendia 11 670 acções por 99 195 000$00; que o preço já tinha sido pago, fazendo o contrato prova plena de tal pagamento e que por este contrato a AA ficava com o direito de pedir e tomar posse dos títulos definitivos e das acções.

10) - Idênticos actos e contratos foram praticados e subscritos pela Autora com os sócios OO e PP.

11) - Foi ainda acordado entre os cinco aludidos sócios e a Autora que se qualquer deles tivesse que pagar IRS sobre as mais valias geradas pelos negócios acima aludidos, esse pagamento seria suportado por todos em partes iguais.

12) - Da acta n° 14 da Assembleia Geral da GG de 7 de Março de 1994 ficaram a constar como presentes os seguintes accionistas:

a) - QQ - Cooperativa Agrícola de Produtores de Leite do Centro Litoral, CRL, detentora de 69 700 acções; AAA, Lda, detentora de 100 acções; BBB, Lda, detentora de 100 acções; ZZ, Lda, detentora de 100 acções, todas representadas pelo Réu KK.

b) - AA - Sociedade Gestora de Participações Sociais, S.A.., detentora de 70 000 acções, representada pelos Iº, 2º e 3º Réus, e por OO e PP.

13) - Os Réus EE, LL e MM integram o Conselho Fiscal da GG.

14) - Em 1993, o Réu EE era accionista e administrador da AA e MM era revisora oficial de contas da GG e da AA.

15) - Os Réus HH, II, JJ e KK integram o Conselho de Administração da GG.

16) - O Conselho de Administração da GG não entregou aos accionistas os títulos definitivos das acções nos seis meses subsequentes ao registo definitivo da transformação e aumento do seu capital social, que ocorreu em 29 de Julho de 1994.

17) - Decidiu emitir acções ao portador quando os estatutos admitem acções nominativas.

18) - Em 21 de Julho de 1995, a AA, em carta subscrita por todos os seus administradores, solicitou ao Presidente do Conselho de Administração da GG a entrega das 70 000 acções contra a entrega dos 70 000 títulos provisórios.

19) - E o Conselho de Administração da GG recusou-se a entregar tais acções.

20) - E procedeu ao seu depósito no Banco …, à ordem de:

- PP- 11 665 acções;

- OO - 11 665 acções;

- DD - 11 670 acções;

- BB - 35 000 acções.

21) - E autorizou que os Iº e 2º Réus procedessem ao seu levantamento, sem que tenham entregue os títulos provisórios.

22)       A AA interpelou, então, tais pessoas para lhe entregarem as acções representativas do capital social da GG, nos termos dos contratos que com eles havia celebrado.

23) - PP e OO procederam à entrega de 23 330 acções da GG.

24) - Os Réus BB e mulher recusaram-se a entregar as 35 000 acções da GG.

25) - E por declaração datada de 10 de Agosto de 1995 declararam que transferiam definitiva e imediatamente o domínio e posse de 14 000 acções para o Réu EE.

26) - Após ter sido notificado pela GG de que tinha depositadas em seu nome, no Banco …, 11 670 acções, o Réu DD enviou uma carta ao Conselho de Administração da GG, declarando que não era accionista da GG e que essas acções pertenciam à AA e que as mesmas lhe deviam ser entregues, ficando proibidos de as depositar em seu nome no Banco …, sob pena de serem responsabilizados.

27) - E enviou uma carta ao Presidente de Administração do Banco … fazendo idêntica declaração e ameaçando responsabilizar esta instituição de crédito pelas respectivas consequências.

28) - Após isso, em 8 de Fevereiro de 1996, o DD levantou as aludidas acções do Banco ….

29) - No dia 21 de Julho de 1995, quando o Dr. HH, acompanhado dos administradores da AA, PP, OO e DD, num primeiro momento, tendo entretanto chegado o Réu BB e o filho do Réu Arnaldo, o Interveniente TT, se dirigiram à instalações da GG para obter a troca dos títulos, HH, administrador da GG, conduziu aqueles administradores à sala de reuniões, sendo que previamente esse Réu HH e o Réu KK tinham dado ordens a um funcionário da GG, de nome DDD, para ir ao cofre, apossar-se dos títulos e sair das instalações para os ir entregar ao Réu KK, ordens que aquele DDD cumpriu. Por isso que quando os identificados administradores da AA se dirigiram as instalações da GG os título definitivos já não se encontravam no cofre daquela sociedade.

30) - A administração efectiva da AA pertencia aos seus cinco administradores por igual.

31) - O Réu II só assumiu funções de administrador da GG em 4 de Agosto de 1994.

32) - E desempenha as funções de controle de compras e cálculo de custos.

33) - As funções de controle da GG - área administrativa e financeira - sempre estiveram a cargo do administrador e financeiro Dr. HH e do Presidente do Conselho de Administração, KK.

34) - A AA participou nas assembleias da GG, sendo que o Dr. OO, na qualidade de Presidente da mesa da assembleia-geral da GG, mandou lavrar as actas em conformidade.

35) - EE, BB, DD, OO e PP assinaram o documento junto a fls. 336, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

36) - Foi esse documento que serviu de base ao registo da inscrição dos membros do conselho fiscal da GG referidos nesse documento como tendo sido eleitos.

37) - No dia da alteração e aumento de capital referido no artigo 3o da petição inicial, a administração da GG entregou os títulos provisórios nominativos aludidos no artigo 46° da contestação.

38) - Entre Maio e Julho de 1995 os sócios da AA, EE e BB desentenderam-se com os sócios daquela sociedade DD, OO e PP.

39) - No dia 19 de Julho de 1995 o Dr. OO compareceu na sede da GG, na qualidade de administrador da AA, pedindo que lhe fossem entregues os títulos definitivos representativos de 70.000 acções no capital da GG.

40) - Pelo menos no dia da ocorrência dos factos referidos em 29) os sócios EE e BB comunicaram à administração da GG que se opunham à entrega dos títulos à AA.

41) - Alegando que tais títulos eram deles e não da AA.

42) - Nem o Dr. OO nem nenhum dos outros sócios da AA apresentaram à administração da GG nem os títulos provisórios nem qualquer documento de aquisição, pela AA, das participações sociais ou do direito às acções dos seus cinco sócios.

43) - Os depósitos efectuados no Banco …, aludidos em 20), foram feitos com a anuência prévia e o acordo expresso do Réu EE.

44) - E o Conselho de Administração da GG mandatou irrevogavelmente o aludido Banco para fazer entrega dos títulos definitivos nas condições referidas no artigo 75° da contestação.

45) - Em 28 de Novembro de 1995, o Réu EE levantou, do lote de 35 000 destinado ao sócio BB e com a colaboração deste e tomou logo posse de 14 000 acções.

46) - Em 8 de Fevereiro de 1996, o sócio BB levantou 16 330 acções.

47) - Nesse mesmo dia, 8 de Fevereiro de 1996, o sócio DD levantou 11.670 acções.

48) - E ainda nesse dia o sócio BB entregou ao sócio DD 2330 acções das 16330 acções por ele levantadas.

49) - No dia 13 de Março de 1996, o sócio OO levantou 11 665 acções.

50) - E o sócio PP levantou, também nesse dia, 11 665 acções.

51) - À data da entrada da contestação (Janeiro de 1998) encontravam-se ainda depositados no aludido banco os títulos representativos de 4 670 acções.

52) - Em 23 de Fevereiro de 1996, o Réu BB vendeu ao Réu EE, pelo preço de 100.000.000$00, as 14 000 acções que levantou.

53) - E nesse mesmo dia, o DD vendeu, pelo preço de 100.000.000$00, as 14 000 acções à QQ/RR, S-G.P.S., S.A..

54) - E entretanto a QQ CRL vendeu as suas 70 000 acções à QQ/RR.

55) - E posteriormente, o Réu NN adquiriu à QQ/RR 14 000 acções.

56) - No dia 23 de Fevereiro de 1996, os Réus EE, BB e DD, na qualidade de accionistas da Autora e sendo então seus administradores, assinaram o documento junto aos autos a fls. 344 a 348, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

57) - A celebração dos contratos aludidos nos artigos 10° a 12° da petição inicial teve como único objectivo, resultante de prévia combinação entre os vendedores ou promitentes vendedores, concentrar na AA o direito de voto correspondente a 50%do capital social da GG.

58) - Para desse modo evitar que a QQ, CRL enquanto detentora dos restantes 50% de votos nesse capital pudesse, nas deliberações sociais da assembleia geral da GG, fazer valer essa maioria de votos em relação a cada um dos sócios da AA, individualmente, e ficasse obrigada a ceder às opiniões da maioria dos sócios desta e às condições ali impostas por essa maioria.

59) - O Réu BB é administrador de várias empresas e homem de negócios.

60) - O Réu HH é licenciado em economia, administrador da GG e consultor de várias empresas.

61) - O Réu JJ é licenciado em Engenharia Agro-Alimentar e administrador de várias empresas e Director Industrial da EEE - Produtos Alimentares, S.A..

62) - O Réu KK é presidente do Conselho de Administração da GG, da EEE e de outras empresas.

63) - O Réu LL é licenciado em Contabilidade e administração empresarial e consultor de várias empresas, designadamente a GG e EEE.

64) - O Réu NN é licenciado em Economia e consultor de várias empresas, e designadamente a EEE.

65) - A MM é licenciada em economia e Revisora Oficial de Contas.


3. Passando a apreciar o mérito da apelação, no plano das razões de direito esgrimidas pelos recorrentes, a Relação negou-lhe provimento, confirmando a sentença recorrida com a seguinte fundamentação:

A sentença recorrida considerou válidos os contratos pelos quais os réus BB e mulher e DD venderam à Autora respectivamente 35.000 e 11.670 acções da GG e na consideração que os réus, não obstante do pagamento haverem dado quitação, não entregaram as acções à Autora e transmitiram a terceiros, os primeiros parte delas (16.330 acções) e o segundo a totalidade das mesmas, condenou os preditos BB e mulher a entregarem à Autora 18.670 títulos definitivos das acções da GG e a indemnizarem a Autora pelo prejuízo, a liquidar em execução de sentença, decorrente da subtracção da participação social de 16.330 títulos definitivos das acções representativas do capital social da GG e condenou o réu DD no pagamento de uma indemnização, com idêntico fundamento, natureza e procedimento de cálculo referente a 11.670 acções.


Contra o decidido argúem agora os recorrentes:

 - o incumprimento dos contratos não constitui objecto do processo porque a causa de pedir é o plano de subtracção das acções comum a todos os réus, não sendo discutido o incumprimento ou cumprimento desses contratos por parle dos réus Recorrentes que assim não o entenderam e de tal incumprimento não se defenderam.

 - os contratos são nulos por violação do disposto no n°6 do art° 304° do Código das Sociedades Comerciais;

 - a não se entender assim, o pedido de entrega das acções é legalmente inviável porque a respectiva condenação traduziria a execução específica dos contratos, a qual, atento o sinal expressamente convencionado, mostra-se afastada por lei.

 - não se provam no caso prejuízos e, por isso, não é legalmente admissível a condenação em indemnização, ainda que a liquidar em execução de sentença.


O incumprimento dos contratos de compra e venda como facto constitutivo da causa de pedir.

Na terminologia legal, a causa de pedir é o facto jurídico donde emerge o direito que o autor invoca e pretende fazer valer (art° 498°, n°4, do CPC); facto jurídico que pode ser simples ou complexo, mas sempre concreto.

Nas acções de condenação, ensina Alberto dos Reis "(...) para que o autor consiga plenamente o seu fim, é indispensável que, ao lado do facto constitutivo do seu direito, alegue um facto ilícito praticado pelo réu, isto é, um facto ofensivo do direito que se arroga; desde que pede a condenação do réu a prestar uma coisa ou um facto, há-de mostrar que o réu estava constituído na obrigação de fazer a prestação e não fez."

A Autora pediu a condenação dos Réus na entrega de 46.670 títulos definitivos das acções representativas do capital social da GG, alegando como facto constitutivo a compra de tais acções aos réus Recorrentes, compra que havia sido precedida de um contrato promessa, mediante o qual lhe foram entregues os títulos provisórios das acções, mais alegando, concretamente quanto aos Recorrentes, que estes não cumpriram e violaram o contrato promessa de compra e venda e o contrato definitivo da venda das acções.

Sendo esta a configuração da causa, não se vê como dar razão aos Recorrentes quando defendem que o incumprimento dos contratos não constitui o objecto do processo; ao contrário, é um facto constitutivo da causa de pedir e, estamos em crer, é a questão essencial à procedência da pretensão que a Autora formulou nos autos. Foi porque os réus Recorrentes venderam à Autora acções que não lhe entregaram (com a colaboração de outros) que vieram a juízo pedir a sua entrega.

E ainda que não se hajam provado, de entre os alegados, outros factos ilícitos que justificavam o pedido contra outros réus, tal não significa que a acção não proceda na parte em que se provam factos constitutivos da causa de pedir; o argumento que a prova parcial dos factos constitutivos do direito não pode conduzir a uma procedência parcial da acção, subjacente à tese dos Recorrentes não colhe apoio na lei e, por assim ser, não estranha que a não indiquem, a este propósito, a norma que entendem violada Não se lhes reconhece, pois, razão quanto a este ponto.

Nulidade dos contratos por violação do disposto no n°6 do art° 304° do Código das Sociedades Comerciais.

Sobre a nulidade dos contratos de compra e venda de acções por alegada violação do n°6 do art° 304°, do Cod. Soc. Comerciais (CSC)35 já se pronunciou o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23/11/2000, em acção intentada pela GG contra a AA, no Tribunal de Comarca de Guimarães.

Ponderou-se então que não obstante o teor do artigo 304°, n°6, do CSC, impedir a A. de emitir ou negociar as suas acções (títulos provisórios ou definitivos) antes da inscrição definitiva do acto de aumento de capital, o disposto no art° 327°, nº l, do mesmo Código, determinar que a transmissão entre vivos de acções ao portador só podia efectuar-se pela entrega dos títulos e que "a transmissão dos títulos provisórios emitidos (irregularmente), necessariamente nominativos (como o eram), obedecia a um determinado formalismo não observado (art. 326° do Cod. das Sociedades Comerciais e Dec.-Lei n° 408/82, de 29 de Setembro40", os acordos com sentido e alcance meramente obrigacional respeitaram a lei.

E isto porque, como se escreveu, "(...) os respectivos contraentes conheciam o preceituado nas normas agora invocadas (...)" e (...) nos termos do disposto no art. 879°, do Código Civil, o contrato de compra e venda transmite o direito de propriedade da coisa vendida ou o direito alienado. Porém, este efeito pode ficar dependente de um facto futuro. Conjugando esta norma com aqueles preceitos do C.S. Comerciais, resulta que o sentido juridicamente relevante das declarações de vontade daqueles contratos (que cabe a este Tribunal estabelecer nos termos do art. 236° do Código Civil) é a de que os alienantes se obrigaram a, no futuro, após registo da alteração da sociedade e aumento do capital e da emissão das acções, proceder a entregar dos títulos a adquirente, assim se lhe transmitindo a propriedade e a posse dos títulos (definitivos) negociados, com os inerentes poderes. A efectiva transmissão da propriedade das acções, dos alienantes para a adquirente, ficou dependente da futura emissão das acções pela autora aos alienantes e da entrega das mesmas acções à adquirente AA (sendo certo que esta obrigação de entrega do objecto do contrato decorre também do art. 879°, ai b), do Código Civil), Por isto mesmo é que se declarou nos contratos que o preço foi pago adiantadamente, com o sentido de a obrigação de pagar o preço ter sido cumprida antes da obrigação de entrega das coisas. Com este sentido e alcance, meramente obrigacional, aqueles acordos de vontade respeitam a lei."

Foi com esta fundamentação que a sentença recorrida concluiu que os contratos de compra e venda de acções não violaram o apontando art0 304°, n°6, do CSC e é esta mesma fundamentação que agora se reitera para afastar, nesta parte, a pretensão recursiva.

A inviabilidade da condenação enquanto execução específica dos contratos afastada por vontade das partes.

O contrato-promessa é a convenção pela qual alguém se obriga a celebrar certo contrato (art0 410°, n° l, do Cód. Civil); celebrado o contrato objecto da promessa o contrato-promessa mostra-se cumprido.

A Autora celebrou com os réus Recorrentes respectivamente contratos-promessa de compra e venda de acções a que se sucederam os respectivos contratos de compra e venda - 8) e 9) - dos factos provados; cumpridos que se mostram os contratos-promessa de compra e venda das acções, a decisão recorrida não condenou, nem podia condenar, qualquer das partes no seu cumprimento.

Os contratos cuja violação justificaram a decisão foram, assim, os contratos de compra e venda de acções, como claramente resulta da sua fundamentação designadamente quando refere: "Concluímos, assim, pela validade dos contratos em apreço, os quais foram claramente incumpridos pelos Réus BB e esposa e pelo Réu DD, em virtude de não terem procedido à entrega de, respectivamente, trinta e cinco mil acções e onze mil seiscentas e setenta acções à AA, conforme se obrigaram."

Não relevando os contratos-promessa enquanto fundamento da decisão, mostra-se deslocado, por inaplicável, o seu regime, designadamente quanto à natureza da condenação defendida pelos Recorrentes.

A ausência de prejuízos e a condenação em execução de sentença.

A Autora pediu a condenação dos RR na entrega de 46.670 títulos definitivos das acções representativas do capital social da ré GG ou, em alternativa e à sua escolha, no pagamento da quantia de 537.500.000$00, acrescida de juros.

A decisão recorrida, não obstante ponderar que os pedidos formulados não se resolvem em alternativa impondo a sua correcta formulação uma relação de subsidiariedade, terminou por absolver os RR da instância quanto ao pedido alternativo de indemnização referente às acções cuja entrega não se mostra impossível e por condenar os réus Recorrentes, respectivamente, a pagarem à A. a título de indemnização a quantia que vier a liquidar-se em incidente ulterior, correspondente ao prejuízo que a subtracção da participação social de 16.330 e de 11.670 títulos definitivos das acções representativas do capital social da GG, S.A lhe causa, por não dispor de factos que permitam fixar desde já o dano a atender. É contra esta condenação que estes agora se insurgem porque, dizem, não há factos demonstrativos do prejuízo e sem a prova de tais factos não assiste à Autora o direito a qualquer indemnização.

E em tese têm razão.

"A responsabilidade civil, incluindo a obrigacional, traduz-se na obrigação de indemnizar, ou seja, de reparar prejuízos, e portanto, sem estes não existe.

E, assim, só é admissível deixar para liquidação de sentença, a indemnização respeitante a danos relativamente aos quais, embora provada a sua existência, não existam elementos para fixar o seu montante. Sem a prova de danos, que não se confunde com a sua quantificação, não existe obrigação de indemnizar e, como tal, não pode haver condenação e sem condenação não se coloca a questão da liquidação.

Analisando o pedido de indemnização formulado pela Autora, os factos susceptíveis de configurar o prejuízo cuja indemnização peticiona são escassos e, assim, não surpreende que os factos provados não os contenham, porém há um dano que se prova, a Autora tinha direito a obter dos réus Recorrentes a entrega das acções e estes impossibilitaram tal entrega com a sua transmissão a terceiros; este prejuízo prova-se e não existem nos autos elementos para fixar o seu montante, daqui que a sua liquidação - a determinação do valor das acções - deva ser, como foi, relegado para a execução da sentença; é este o sentido do decido (não se prova, nem foi alegada a existência concreta de outros danos) e, como tal, impõe confirmação.


4. Novamente inconformados, interpuseram os dois primeiros RR. a presente revista, que encerram com as seguintes conclusões:

1ª - Como decorre do alegado a fls... das precedentes alegações, o acórdão da Relação do Porto objecto da presente revista não apreciou o recurso de agravo da decisão de 1ª instância que não deferira a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide baseada no caso julgado formado pelo Acórdão do STJ na acção n° 391/96 do 1o Juízo Cível de Guimarães, interposto a fls. 1874 e admitido pelo despacho de fls. 1794.

2ª - O acórdão da Relação do Porto objecto da presente revista também não se pronunciou sobre as questões referidas em 2), 3), 4), 5) e 6) de fls. 1 das precedentes alegações - desconsideração da personalidade colectiva da A., abuso do direito, presunções judiciais e ilações de facto a retirar da prova existente nos autos e da produzida em julgamento, prova de novos factos não considerados provados, da questão colocada nas conclusões 38° a 40° das alegações da apelação -,

3ª - Com o referido nas duas conclusões precedentes, que provém do alegado de fls. 2 a 5 das precedentes alegações, o douto acórdão da Relação do Porto cometeu a omissão de pronúncia a que alude o art° 615°, n° 1, al. d) do NCPC, o que, nos termos desse próprio preceito, é causa da sua nulidade, implicando o seu retorno à 2ª instância para apreciação e decisão dessas questões.

4ª- 1. Na situação em causa no presente processo, é inquestionável que o Acórdão do STJ proferido contra a aqui A. na acção n° 391/96 do então 1º Juízo Cível de Guimarães não pode deixar de actuar como autoridade de caso julgado, impossibilitando a continuação desta lide, porque,

2. Tendo a presente acção sido proposta em 2/9/97 e tendo-se nela alegado como pressuposto base e como elemento estruturante da causa de pedir o facto de a A. ser (alegadamente) detentora de 70.000 acções correspondentes a 50% do capital social da GG, ininterruptamente, desde a data da transformação desta em sociedade anónima, em 20/12/93, até, pelo menos, àquela data (2/9/97) da entrada da petição inicial em juízo (artigos 9 a 12, 13,17,18, 21, 22 a 26, 33, 39 e 72, 78 a 82 da p.i), mas tendo posteriormente, em 23/11/2000, na acção declarativa de simples apreciação n° 391/96 do então 1o Juízo Cível de Guimarães, que já anteriormente (cerca de um ano antes) tinha sido proposta contra ela pela aqui R. GG, vindo a ser proferido Acórdão pelo Supremo Tribunal de Justiça (a fls. 1616 e ss.) que declarou que ela, naquele período (e portanto quando deu entrada à presente acção), afinal não era dona daquele número de acções, este acórdão passou a ter força ou autoridade de caso julgado na presente acção, no sentido de que a A., quando a propôs, afinal não era dona nem possuidora daquelas 70.000 acções.

5ª- Essa força e autoridade de caso julgado daquele acórdão do STJ, como melhor se defende de fis 10 a 14 das precedentes alegações, veio impedir que na presente acção seja de novo discutida e de novo decidida a questão base que dela é objecto - ser ou não ser a A., na data em que propôs a presente acção dona de uma participação de 50% do capital social da R GG e das correspondentes 70.000 acções, porque a decisão quanto a essa questão foi tomada já pelo STJ, implicando a extinção da presente instância por "julgamento de forma", com fundamento no art° 287°, a) do CPC e inviabilizando por isso uma pronúncia de mérito e o julgamento pela segunda vez da mesma questão.

6ª - Se porventura se viesse a adoptar entendimento contrário, então, o Acórdão do STJ referido nas duas conclusões precedentes, só por si e ou em conjunto, por um lado, com as decisões proferidas nas duas acções judiciais referidas a fls 24 e 25 e as posições nelas reconhecidas e documentalmente confessadas pela aqui A. no sentido de que afinal ela não era dona das 70.000 acções que aqui antes invocara como base da causa de pedir e do seu pedido, e, por outro lado, com o teor do Livro de Registo de Acções da R. GG, constituem uma excepção peremptória inominada que era e é do conhecimento oficioso do tribunal, por força do estabelecido nos artigos 494° e 495° do CPC, dando igualmente lugar à extinção da presente instância por inutilidade superveniente, nos termos do art° 287°, e) do mesmo CPC.

7ª- E, por ser do conhecimento oficioso, pode e deve tal excepção ser conhecida por este Venerando STJ, com as legais consequências, ou seja, a determinação da extinção da instância.

Ainda sem conceder,

8ª- Tendo a R., a partir do pressuposto de que era dona de 70.000 acções da R. GG, configurado e baseado a restante causa de pedir, no que respeita à "apropriação" daquelas acções, num plano da iniciativa do conselho de administração daquela R., "gizado e posto em marcha" "mancomunado e em co-autoria com o seu conselho fiscal e demais co-réus (arts 29 e segs da petição inicial), "plano que visava retirar a qualidade de acionista da "GG" à AA e apropriar-se das respectivas acções, plano esse composto pelos factos alegados nos artigos 30 a 67 da petição inicial, no qual envolveu todos os 11 RR contra todos os quais propôs a acção, pedindo a condenação solidária de todos eles, não podia a sentença, depois de não se terem provado os factos demonstrativos daquele plano, absolver 9 daqueles 11 RR e condenar apenas 2 deles (que nada tinham a ver com o conselho de administração da GG) por apenas um dos factos integrantes do plano alegado mas não provado (o não cumprimento dos contratos que eles os 2 haviam celebrado com a A.), na medida em que, nos termos integrantes daquele suposto plano, o eventual incumprimento desses contratos foi apresentado pela A. como um mero elemento do conjunto daquele plano mais vasto, concorrendo para a causa de pedir, tal como foi desenhada e configurada, mas não se confundindo com ela, assumindo-se como um dos efeitos do cumprimento daquele plano e não a sua causa, tudo como decorre do alegado de fls 14 a 22 das precedentes alegações.

9ª - Não tendo a A. pedido a condenação destes 2 RR. por estes não terem cumprido os contratos (respeitantes a uma parte das acções em causa), mas apenas pedido a sua condenação, solidariamente com os restantes 9, porque eles quiseram colaborar no plano gizado por todos os 11 RR., por iniciativa do conselho de administração da GG, para subtraírem fraudulentamente toda a participação e ou todas as acções da A.- e não apenas as acções supostamente em poder destes 2 RR -, ao não se ter provado aquele plano conjunto para a totalidade das acções e absolver nove dos onze RR. e condenar apenas os outros dois pela parte das acções que estes supostamente não teriam entregue, e fazê-lo apenas com fundamento num dos elementos que foi invocado como uma quota parte da causa de pedir no seu todo, a sentença afastou-se da causa de pedir tal como foi desenhada e configurada na petição inicial, linha de coincidência, identidade relacional e causal entre a causa de pedir (causa petendi) e a causa de julgar (causa de judicandi), e bem assim se afastou da finalidade da A. e do objecto do processo, que, desde o início, foi construído e sempre encaminhado contra todos os 11 RR., e por todas as partes percebido na base daquele plano conjunto e para o qual aqueles contratos tinham apenas contribuído numa pequena parte.

10ª - Ao assim decidir, o tribunal alterou qualitativamente a pretensão da A., quer quanto à causa de pedir, como já se referiu, quer quanto ao pedido (porque acabou por condenar apenas 2 RR, justamente aqueles que na tese da própria A. teriam apenas uma parte da totalidade das acções cuja entrega ou indemnização ela pedia de todos os 11 RR), afastou-se dos limites e dos contornos que a própria A. atribuiu à causa e ao seu pedido.

11ª - Considerando que os artigos 661°, 1 e 668°, 1,e) do CPC, de acordo com o princípio do dispositivo e da coincidência entre a causa de pedir, a causa de julgar e o pedido (e, até, por respeito ao princípio do contraditório em que aqueles princípios também se fundam), e de acordo, finalmente, com o entendimento da doutrina e da jurisprudência descritos a fls. 14 e seguintes das precedentes alegações, as instâncias alteraram qualitativamente as pretensões das partes, condenaram com base em causa de pedir qualitativa e quantitativamente diversa e até em objecto processual diverso daquele que foi entendido e discutido pelas partes ao longo de todo o processo, a partir da configuração que lhe foi atribuída pela A. na petição inicial.

12ª - As decisões das instâncias são, por isso, nulas, por violação e desrespeito das normas e princípios atrás citados e da jurisprudência uniforme deste STJ sobre a matéria, como melhor se demonstra ao logo de fls. 14 a 23.

13ª - Tendo em conta que o princípio do dispositivo, interligado com o princípio da aquisição processual, permite que o tribunal funde a sua decisão nos factos essenciais articulados pelas partes que integram a causa de pedir e naqueles em que baseia as excepções, mas, também, nos factos instrumentais relevantes que resultam da instrução e discussão da causa e em todas as provas constantes dos autos, então, tendo a A., na acção ordinária n° 368/01 da 2ª Vara Mista de Guimarães, por ela proposta contra a R. GG, bem como na acção ordinária n° 66/2001 da 1ª Vara Mista de Guimarães, igualmente proposta por ela contra a R. GG, alegado e reconhecido que afinal não era sócia da R. GG e pedindo por isso (como sucedeu nesta última) a declaração da inexistência das deliberações tomadas por esta com o concurso do seu voto ao longo do período de tempo em causa na presente acção e no momento em que esta foi proposta, como melhor se demonstra a fls. 25/26 das precedentes alegações e está demonstrado documentalmente nos autos (cfr docs ali referidos), essa expressa confissão deve ser considerada pelo tribunal, na presente acção, decidindo-se que, por reconhecimento da própria A., ela não possuía nem possui a qualidade de sócia/acionista da R. GG, que invocou como pressuposto base da sua causa de pedir e do pedido, com as necessárias consequências quanto - só por isso - à improcedência total da acção, se porventura não se entender que isso, como atrás se defendeu, será antes causa da extinção da instância por inutilidade superveniente.

14ª - Tendo em conta que, como decorre do alegado de fls. 27 a 50 das precedentes alegações e dos documentos aí invocados e juntos aos autos, e de convocando de novo o princípio da aquisição processual:

  a) O R. EE é dono da A., com ela se confunde e confundem os seus interesses e nela se esconde e é por ela substituído;

  b) O R. EE (e, logo, a A.) têm em seu poder, pela confissão do próprio, pelo menos, 28.000 das 46.670 acções cuja entrega é pedida na presente acção, sendo:

  a. - 14.000 desde, pelo menos, 14.8.95;

b. - 14.000 desde, pelo menos, 23/2/1996, data em que as comprou ao R. BB e esposa, então isso implicaria que os RR ora recorrentes, se pudessem ser, como foram, condenados desacompanhados dos demais RR, não poderiam sê-lo, como foram, com referência às 46.670 acções, porque, dessa, 28.000 já estariam em poder da A./EE.

15ª - Ainda de acordo com o mesmo princípio da aquisição processual, e tendo particularmente em conta o significado dos factos das respostas aos quesitos 49 e 50 (factos 57 e 58 da sentença) e de acordo com o defendido de fls. 45 a 75 das precedentes alegações, os contratos promessa de compra e venda e de compra e venda alegados nos artigos 10° a 12° da petição inicial e que foram a base da condenação dos RR recorrentes, devem ser considerados nulos, determinando essa nulidade a absolvição dos RR, se isso não fosse imposto por outras razões.

16ª - Não devendo haver dúvidas sobre a nulidade dos contratos de compra e venda de acções, quer por violação do n° 6 do cit. art° 304° do CSC, quer porque a compra e venda de acções se consuma com a mera transmissão e entrega dos respectivos títulos, então, sendo nulos, não podiam produzir nem produzem qualquer efeito, porque essa é uma consequência legal da nulidade, e, não produzindo quaisquer efeitos, não podiam nem podem, por isso mesmo, valer com nenhum sentido e alcance (porque isso seria reconhecer-lhes o efeito que a lei impede) e, por maioria de razão, com o sentido juridicamente relevante de que os alienantes se obrigaram a, no futuro, após o registo da transformação e do aumento de capital, proceder à entrega dos títulos definitivos negociados, com os inerentes poderes, como se defendeu, embora não decisivamente, na sentença recorrida, certamente por se não ter notado no explícito teor da nota de rodapé n° 9 do citado Ac. do STJ de fls. 1616 e ss, em que, para tal, se suportou.

17ª - Quanto aos contratos promessa de compra e venda de acções, se, tal como os contratos de compra e venda, não fossem nulos pelas demais razões invocadas nas presentes alegações, sê-lo-iam igualmente por violação do citado preceito legal (n° 6 do art° 304° do CSC), uma vez que os mesmos, ao estipular que "os títulos provisórios ou definitivos não podem ser emitidos ou negociados antes da inscrição definitiva do contrato de sociedade ou do acto de aumento de capital no registo comercial", abrange também o contrato promessa de compra e venda, por este ser um negócio jurídico bilateral e, como tal, um modo ou um meio de negociar os títulos, e não é por ser "meramente obrigacional" que deixa de ser um negócio jurídico, dizendo-se obrigacional porque dele resulta a constituição de uma relação obrigacional e não porque não seja um negócio jurídico.

18ª - A nulidade dos contratos aqui em causa seria também imposta pelos factos resultantes das respostas aos quesitos 49° e 50° (Factos 57 e 58 da sentença), porquanto esses factos significam que aqueles contratos tiveram o objectivo - aliás "único" (sic) - de os sócios da AA cederem a esta o direito de voto correspondente a 50% do capital social da GG (que era quanto eles possuíam em consequência dos actos a que se reportam os Factos 3 e seguintes da sentença), desse modo querendo eles transferir para os órgãos sociais da própria AA o direito de controlar e mesmo impedir a livre e espontânea formação da vontade social na assembleia geral da GG, o que está claramente proibido pelo n° 3 do art.° 17° do CSC; com efeito, com essa "cessão do seu voto" à AA, os sócios desta, enquanto titulares das acções, dissociariam destas o direito pessoal em que o voto se traduz, transmitindo-o autonomamente.

19ª - No caso concreto dos presentes autos, é irrelevante contra essa nulidade o facto de a AA ser uma SGPS, uma vez que, como demonstrado está, só formalmente o é, não exerce nenhuma actividade, muito menos a actividade que lhe é própria e imposta por lei, não tendo tido qualquer outra participação a não ser a que está aqui em discussão, e que, por outro lado, a cessão do direito de voto aqui em causa teve por fim, de modo definitivo, evitar que a QQ, CRL, enquanto detentora dos restantes 50% de votos nesse capital pudesse, nas deliberações sociais da assembleia gerai da GG, pudesse valer essa maioria de votos em relação a cada um dos sócios da AA, individualmente, e ficasse obrigada a ceder às opiniões da maioria dos sócios desta e às condições ali impostas por essa maioria." (Facto 58), com isso se visando, claramente, a "cessão do voto" para satisfação de interesses extra-sociais e, bem assim, o controle da formação da vontade social nas assembleias gerais da GG actos e finalidades proibidos por lei, o que, nada tendo a ver com a SGPS, reforça a nulidade, comummente defendida, do acordo de cessão ou de venda do voto.

Finalmente, e ainda os contratos promessa de compra e venda de acções,

20ª - Mesmo que não fossem nulos por nenhuma das várias razões e fundamentos invocados, e mesmo que pudessem ser desintegrados da causa de pedir para constituir só por si uma causa autónoma de julgamento e condenação no pedido, estes contratos promessa não podiam ter levado a sentença a condenar os RR. recorrentes a entregar as acções ou a indemnizar caso as não entreguem, uma vez que na acção não foi invocado nem é discutido o cumprimento e ou incumprimento desses contratos por parte dos RR. recorrentes e não foi esse o objecto do processo, nem querido pela A., porque não pede ao tribunal que seja apreciado e decidido tal incumprimento (e os factos que alega nesse sentido são direccionados para uma causa de pedir distinta - o plano de subtracção comum a todos os 11 Réus -), mas também porque os RR., não o entenderam como tal e disso não se defenderam.

21ª - No entanto, para a hipótese de assim se não entender, e uma vez que na respectiva cláusula 6a foi expressamente convencionado que "Para o caso de incumprimento atribui-se ao preço estipulado e já pago a natureza de sinal pelo que, em tal hipótese, o primeiro deverá restitui-lo em dobro e a segunda perdê-lo conforme o incumprimento seja de um ou de outro.", essa estipulação, por força do disposto nos números 1 e 2 do artigo 830°, do Código Civil torna legalmente inviável a procedência do pedido quanto à entrega das acções, porque a condenação nessa traduziria a execução específica dos contratos, a qual, atento o sinal expressamente convencionado, está expressamente afastada pelos citados n° 1 e 2 do art.° 830° do Código Civil.

22ª - Ao decidir condenando na entrega das acções ou em alternativa a essa entrega, na indemnização a liquidar em execução de sentença, a douta sentença aqui em recurso violou as estipulações expressas dos contratos promessa e aqueles preceitos legais.

23ª - Não podendo condenar na entrega das acções, também o tribunal não podia condenar na indemnização pela sua não entrega, muito menos em alternativa da opção da A., porque isso constituiria igualmente a execução específica dos contratos (a indemnização substituiria a entrega das acções, o que é o mesmo).

24ª - Aquela cláusula 6a impede a A. de retirar qualquer consequência e efeito do incumprimento dos contratos - se eles fossem válidos e eficazes, claro - que não seja a consequência legal relativa ao funcionamento do mecanismo do sinal, mas isso não foi pedido e não está em discussão na presente acção.

25ª - Sabendo-se que qualquer sentença só pode condenar quem quer que seja no pagamento de uma indemnização por prejuízos - ainda que a liquidar em execução de sentença, como foi o caso presente - se tiverem sido provados factos que comprovem esse prejuízo, e que compete a quem alega o direito a essa indemnização e a pede, o ónus de alegar e provar tais factos, e sabendo-se que nos presentes autos a A. alegou factos tendentes a demonstrar prejuízos mas ao final não se mostra provado nenhum facto que demonstre prejuízos e que estes não podem ser presumidos pelo tribunal, não lhe assiste direito a nenhuma indemnização, seja em quantia líquida ou a liquidar.

26ª - Se, nas circunstâncias de facto concretas resultantes da matéria de facto assente e dos documentos juntos aos autos e dos depoimentos prestados, à luz das conclusões precedentes e das relações de identidade, confusão de interesses e de controlo e mando do R. EE em relação à A., e do facto de, com a conivência daquele, a A. saber que pelo menos 28.000 das acções peticionadas dos RR estão em poder do próprio R. EE e ou da A., se, repete-se, viesse a ser reconhecido à A. o direito que proclama nesta acção, o seu exercício em tais circunstâncias seria manifestamente abusivo e constituiria também um intolerável e inadmissível venire contra factum proprium, que impediria tal exercício, porque está a pedir dos RR. uma coisa que sabe que estes não têm e que está em seu próprio poder, se não no seu todo, pelo menos na sua maior parte.

27ª - Também nessa parte a douta sentença se excedeu e violou a lei.

28ª - A sentença recorrida violou e ou fez errada interpretação das normas legais citadas e princípios processuais invocados ao longo das precedentes alegações.

Nos termos e com os fundamentos expostos, e nos demais de direito do douto suprimento, deve o recurso merecer provimento e, consequentemente:

a. - ser anulado o acórdão recorrido, por omissão de pronúncia, ordenando-se a baixa do processo para que a Relação conheça das questões de que devia ter conhecido e não conheceu, referidas nas precedentes conclusões 1ª, 2ª e 3ª;

     b. - para o caso de assim não entender, serem revogadas as decisões das instâncias e, no seu lugar, proferir-se acórdão que absolva os RR recorrentes do pedido, com as legais consequências, se, em vez disso, não se entender ser caso de extinção da instância, por inutilidade superveniente ou por força da autoridade do caso julgado, como também se defendeu nas alegações precedentes e nas respectivas conclusões,

Se, por hipótese, vier a proceder o pedido da A., no tocante ao direito às acções, deve a reconvenção proceder quanto a eles, na parte respeitante ao preço que àquela competia pagar-lhes pelas acções respeitantes a cada um deles, com as legais consequências.


Antes da subida do recurso, a Relação pronunciou-se sobre as nulidades imputadas ao acórdão proferido, considerando-as improcedentes.


5. Na sua extensa alegação, abordam os recorrentes múltiplas questões, todas elas tendentes a infirmar o sentido decisório do acórdão recorrido.

Como é evidente, movendo-nos no âmbito de um recurso de revista, o seu objecto está naturalmente circunscrito à apreciação de questões de direito, só elas podendo configurar-se como objecto idóneo dos poderes cognitivos do STJ.

Sucede, porém, que uma parte substancial da argumentação dos recorrentes se situa no plano da impugnação da matéria de facto dada como provada pelas instâncias – reproduzindo-se, neste ponto, a factualidade dada como assente na sentença proferida em 1ª instância, como decorrência de se ter julgado improcedente a impugnação que os ora recorrentes haviam deduzido, no recurso de apelação, contra o julgamento de facto exarado na decisão proferida no tribunal a quo, -questionando novamente , na presente revista, as presunções judiciais , as ilações de facto extraídas pelo julgador de meios probatórios sujeitos à livre apreciação das instâncias – transcrevendo, para isso, vários depoimentos prestados em audiência e que permitiriam, na óptica dos recorrentes, se bem interpretados, conduzir a diferentes conclusões de facto.

É, porém, manifesto que tal pretensão não se pode compaginar com a fisionomia típica de um recurso de revista, no qual não é possível sindicar a livre valoração dos meios probatórios, incluindo as presunções naturais que , com base nas regras ou máximas da experiência, as instâncias hajam formulado : ou seja, o uso ou não uso de presunções naturais, no âmbito da livre apreciação dos meios probatórios produzidos, é, em regra,  insindicável pelo STJ, por, em bom rigor, tais presunções naturais serem indissociáveis da actividade de livre e prudente apreciação dos meios probatórios, desprovidos de valor legal ou tarifado .


Assim – como se vem entendendo reiteradamente – está situado fora do âmbito da revista uma apreciação da substância ou do mérito de tais presunções, formuladas pelas instâncias com vista a integrar e desenvolver a matéria de facto, elencada na base instrutória e atomisticamente tida por provada em função dos restantes meios probatórios, com decisivo apelo a critérios de razoabilidade e previsibilidade e às regras ou máximas de experiência; ou seja: por se tratar de matéria manifestamente desprovida de natureza normativa, não cabe, em princípio, ao STJ a tarefa de sindicar o uso de tais presunções naturais, de modo a verificar se, porventura, ocorreu algum erro de julgamento na ilação extraida pelo tribunal de determinado facto, tido por assente .

Para além da determinação e aplicação dos limites legais à utilização de tais presunções ( art. 351º do CC), apenas compete ao Supremo (como se afirma, por exemplo, no AC. de 14/6/11, proferido no p. 550/05.2TBCBR.C1.S1, por ser questão de direito, “verificar da correcção do método discursivo de raciocínio” e, em geral, saber se as ilações foram tiradas pelo julgador de um facto conhecido  para afirmar um facto desconhecido ou  presumido, segundo as regras da experiência da vida, da normalidade, dos conhecimentos científicos, ou da lógica - ou seja, decidir se, no caso concreto, era ou não permitido o uso da presunção:

As presunções judiciais, também designadas materiais, de facto ou de experiência art. 349º do Código Civil, não são, em bom rigor, genuínos meios de prova, mas antes “meios lógicos ou mentais ou operações firmadas nas regras da experiência” – Vaz Serra, in RLJ, Ano 108, pág.352 – ou, no entendimento de Antunes Varela, RLJ, Ano 123, pág.58 nota 2, “operação de elaboração das provas alcançadas por outros meios”, reconduzindo-se, assim, a simples “ prova da primeira aparência”, baseada em juízos de probabilidade.

Na definição legal, são ilações que o julgador tira de um facto conhecido (facto base da presunção) para afirmar um facto desconhecido (facto presumido), segundo as regras da experiência da vida, da normalidade, dos conhecimentos das várias disciplinas científicas, ou da lógica.

O Supremo Tribunal de Justiça, cuja competência, em regra, se limita à matéria de direito, não pode sindicar o juízo de facto formulado pela Relação para operar a ilação a que a lei se reporta, salvo se ocorrer a situação prevista na última parte do nº2 do artigo 722º do Código de Processo Civil (artigos 729º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil e 26º da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais - Lei nº 3/99, de 13 de Janeiro).

É, no entanto, da competência do Supremo Tribunal de Justiça “verificar da correcção do método discursivo de raciocínio” e, em geral, saber se esses critérios se mostram respeitados, produzindo alteração factual, examinando a questão “estritamente do ponto de vista da legalidade”, ou seja, decidir se, no caso concreto, era ou não permitido o uso da presunção (cfr. Acs. de 31.3.93, CJSTJ, I-II-54; de 20.1.99, Revista 1003/98-1; 18.1.01, Revista 3516/00-2; de 13.3.01, Revista 278/01, in “Sumários”, 20, 42 e 95).

É questão de direito, da competência do Supremo Tribunal de Justiça, a da admissibilidade ou não das referidas ilações, face ao disposto no artigo 351º do Código Civil.

Constitui matéria de facto a formulação pelo Tribunal da Relação de um juízo de valor com base em ilações logicamente deduzidas dos factos provados, em regra da experiência ou presunções judiciais.

Como dissemos o Supremo Tribunal de Justiça deve “verificar da correcção do método discursivo de raciocínio” que levou à ilação.

Compete exclusivamente às instâncias fixar os factos e deles tirar as conclusões ou ilações lógicas, não podendo estas serem incompatíveis com o resultado, positivo ou negativo, da prova definitivamente fixada


Deste modo, só pode o Supremo imiscuir-se nessa matéria, sindicando o quadro factual fixado pelas instâncias em consequência da livre apreciação das provas, se das ilações ou presunções naturais efectuadas pelas instâncias tiver resultado prova de um facto ilógico ou impossível, ou aquelas hajam extraído ilação sem o menor suporte factual na matéria dos autos – não cabendo nos poderes cognitivos do STJ sindicar o conteúdo substancial das presunções naturais ou judiciais extraídas pelas instâncias, com uma  base racional minimamente consistente, do quadro factual global subjacente ao litígio ( cfr., vg, Ac de 19/4/12, proferido pelo STJ no P. 34/09.0T2AVR.C1.S1)

Ora, não se vislumbrando que, ao fixar a matéria de facto provada e não provada, a Relação tenha desconsiderado indevidamente provas dotadas de valor legal – tendo ofendido disposição legal expressa que exigia certa espécie de prova para a existência de determinado facto ou que fixasse a força plena de certo meio probatório constante dos autos – ou que haja feito apelo a ilações contrárias à lógica e normalidade da vida, construindo com base nelas um raciocínio ou método discursivo manifestamente absurdo ou incoerente, - o que verdadeiramente está em causa é o mérito ou correcção do julgamento de facto, subtraído à apreciação de um tribunal de revista, como inquestionavelmente o é o STJ.

Por outro lado, considera-se que a Relação, ao apreciar, nomeadamente, a impugnação deduzida contra a matéria de facto fixada na sentença apelada, pronunciou-se sobre todas as questões relevantes que lhe haviam sido colocadas nessa sede pelos recorrentes, exercendo de modo procedimentalmente adequado os poderes cognitivos que lhe são conferidos para o exercício do duplo grau de jurisdição acerca do julgamento de facto.


E, assim sendo, daqui resulta que o quadro factual, ao qual irá subsumir-se juridicamente a matéria litigiosa, é o definitivamente fixado pelas instâncias, atrás transcrito do acórdão recorrido.

Ora, perante tal quadro factual, é manifestamente insubsistente a invocação das figuras do abuso de direito, da desconsideração da personalidade jurídica e da simulação dos contratos que visavam operar a transmissão das acções para a esfera jurídica da sociedade /A. : na verdade, perante os factos definitivamente fixados pelas instâncias, não se vê como se poderiam considerar preenchidos os específicos pressupostos de tais institutos ou figuras jurídicas, que, aliás, os recorrentes invocam num plano puramente conceptual e abstracto.

Saliente-se que o problema fulcral não reside sequer na circunstância de tais figuras serem invocadas perante o tribunal de recurso como questões novas, não colocadas anteriormente à apreciação do tribunal a quo: é que, mesmo admitindo que tal matéria pudesse ser objecto de conhecimento oficioso, sempre seria indispensável que os factos susceptíveis de integrar adequadamente tais institutos – do abuso de direito e da desconsideração da personalidade jurídica – emergissem do quadro factual definitivamente fixado pelas instâncias – o que manifestamente não ocorre no caso dos autos.

Finalmente – e quanto à invocada simulação dos contratos que visavam a transmissão das acções a favor da A. – o problema não reside na omissão indevida, na base instrutória, de matéria factual relevante, oportunamente alegada para consubstanciar os pressupostos de tal figura jurídica, mas no insucesso probatório dos RR., no respeitante ao núcleo essencial da respectiva causa de pedir, perfeitamente expresso na resposta negativa dada aos quesitos 51º e 52º- e mantida pela Relação, ao exercer o duplo grau de jurisdição sobre o julgamento de facto da 1ª instância ( não ficando, por isso, provado que a AA não pagou o preço estipulado como contraprestação da transmissão das acções, o que naturalmente abala decisivamente a tese dos RR de que os contratos celebrados seriam simulados…).


6. Uma das questões suscitadas pela sociedade recorrente ao longo do processo – e reiterada na presente revista – consiste na invocação da excepção dilatória de inutilidade superveniente da lide, face ao definitivamente decidido pelo STJ no ac. proferido em 23/11/00, no âmbito da acção proposta em 1996 pela GG contra a AA: tratava-se de acção de simples apreciação negativa, visando pôr termo à situação de incerteza objectiva acerca da titularidade das acções, também na presente causa controvertidas, na qual se decidiu que – em período temporal compreendido entre 1995 e 1996 – a AA não era titular ou possuidora de qualquer acção da ali A., não lhe assistindo, consequentemente, qualquer direito social, designadamente o de participação e votação nas assembleias gerais da sociedade/A.

É, porém, manifesta a improcedência deste argumento dos recorrentes, se ponderarmos devidamente os objectos litigiosos daquela acção de simples apreciação e da presente causa: na verdade, visava-se ali exclusivamente apurar da titularidade das acções em determinado período temporal, com vista a determinar se poderiam ser exercitados os direitos sociais que das mesmas fluiriam; pelo contrário, a presente causa tem como objecto o apuramento de invocadas responsabilidades civis de múltiplos sujeitos (decorrentes, quanto a alguns dos demandados, do incumprimento dos contratos que visavam produzir a transferência da titularidade das acções em litígio; e, quanto a outros RR., da comparticipação na frustração de tal aquisição dos títulos).

Ora, como é evidente, tais objectos litigiosos são estruturalmente diferenciados, não se vendo qualquer razão para concluir que a sentença que decreta a não titularidade das acções em litígio pela sociedade ali demandada – a AA - envolve preclusão e inutilidade absoluta quanto à questão da possível responsabilidade civil, resultante precisamente da frustração da aquisição projectada e negociada quanto a tais títulos: é que, bem ao contrário do sustentado pelos recorrentes, o decidido naquela acção de simples apreciação é perfeitamente congruente com as pretensões indemnizatórias deduzidas nesta causa, uma vez que só tem sentido pretender apurar as possíveis responsabilidades pela frustração da aquisição das acções se estas não pertencessem, afinal, á A. /AA …

O que provavelmente esvaziaria totalmente de sentido as pretensões indemnizatórias aqui deduzidas seria a constatação de que, afinal, a AA era a verdadeira titular das acções em litígio, estando legitimada para o exercício dos respectivos direitos sociais – conclusão esta  – frontalmente oposta à que foi tirada no citado Ac. de 23/11/00 -  que, essa sim, naturalmente retiraria todo o sentido ao apuramento de possíveis responsabilidades fundadas na frustração da aquisição desses títulos; ou seja, o que retiraria sentido e utilidade à matéria do apuramento de possíveis responsabilidades dos ora RR., controvertida nos presentes autos, seria a constatação de que afinal não teria ocorrido qualquer frustração da aquisição das acções pela AA – e não obviamente a verificação de que, bem pelo contrário, a AA não era legítima titular ou possuidora desses títulos em determinado período temporal…

Na presente revista, a recorrente convola, aliás, da dita excepção de inutilidade da lide para a invocação da autoridade de caso julgado, decorrente do decidido em 2000 pelo STJ acerca da titularidade das acções em litígio: e efectivamente poderia entender-se que, entre o objecto da acção definitivamente julgada em 2000 e a presente causa, existe um nexo de prejudicialidade jurídica, na medida em que a dirimição do litígio acerca da efectiva titularidade das acções pode condicionar ou influenciar a decisão a proferir agora acerca de possíveis responsabilidades civis dos demandados pela frustração na aquisição de tais títulos sociais.

Sucede, porém, que não pode invocar-se a autoridade do caso julgado quando são diversas as partes na causa já definitivamente julgada e naquela em que se pretende invocar tal definitividade ou autoridade do anterior julgamento; ora, se o decidido naquela acção de simples apreciação vincula efectivamente as sociedades AA e GG, valendo em quaisquer outras acções que corram termos estre estas duas sociedades e em que a questão da titularidade das acções se configure como condicionante ou prejudicial da relação material controvertida, já não vale no confronto dos RR./ora recorrentes, os quais não foram partes na acção de simples apreciação dirimida em 2000…

Note-se, de qualquer modo que – como adiante melhor se verá – a solução do presente litígio – ou seja, a procedência ou improcedência das pretensões indemnizatórias nele formuladas pela A./AA no confronto dos vários demandados – passa inquestionavelmente pela consideração de que efectivamente esta sociedade nunca adquiriu a titularidade das acções projectadas vender pelos RR./ora recorrentes – pelo que o decidido pelo STJ acerca da titularidade das acções em litígio naquela acção de simples apreciação negativa não será minimamente beliscado ou posto em causa pela solução que se irá adoptar quanto à procedência ou improcedência das pretensões indemnizatórias aqui deduzidas ( e que – repete-se – só têm sentido se se partir do pressuposto de que ocorreu uma efectiva frustração da aquisição - projectada e negociada - das acções pela AA).


7. Sustentam ainda os recorrentes que o acórdão recorrido teria extravasado o objecto da lide, tal como o mesmo havia sido definido pela A. na petição inicial, ao fundar a respectiva condenação no incumprimento dos contratos que visavam transmitir a titularidade das acções, já que a causa de pedir em que se estribavam as pretensões formuladas não seria, afinal, o incumprimento de tais contratos, mas antes e apenas o plano, globalmente delineado com o concurso ou comparticipação de todos os RR., para inviabilizar ou frustrar a efectiva aquisição das acções pela sociedade/A., delas se apropriando em seu prejuízo.

Não parece, todavia, que assim seja, se interpretada adequadamente a petição inicial.

É, na verdade, manifesto que as pretensões formuladas têm uma base contratual quanto a alguns dos demandados e uma base extracontratual quanto a outros: na verdade, a privação da titularidade das acções pela A. é, em primeira linha, imputada aos RR., ora recorrentes – radicando precisamente no incumprimento dos contratos promessa de compra e venda e dos subsequentes contratos definitivos de venda das acções da GG à AA; em segunda linha, imputa-se aos demais demandados – que não intervieram em tais contratos – uma responsabilidade de contornos claramente extracontratuais, fundada na prática de alegados actos ilícitos e culposos de comparticipação na frustração da aquisição e detenção das acções alienadas (sendo certo que tais pretensões ressarcitórias soçobraram por falta de demonstração dos pressupostos das invocadas responsabilidades por facto ilícito, decretada em sentença definitiva, por não ter sido, nessa parte, impugnada pela sociedade/A).

Não pode, pois, afirmar-se que a estruturação da responsabilidade imputada aos RR., ora recorrentes, por incumprimento contratual, traduz um injustificado ir além da causa petendi, violador do princípio dispositivo, já que o fundamento primacial da responsabilidade imputada a estes demandados sempre radicou precisamente na afirmação do incumprimento dos contratos que visavam produzir a alienação as acções para a esfera jurídica da A.( cfr. art. 59º da P.i.).

Por outro lado, não se tratando de caso de litisconsórcio necessário, é por demais evidente que nada obstava a que as instâncias pudessem proferir decisões diversas – condenatórias ou absolutórias – no confronto dos vários demandados, consoante se tivessem ou não provado os específicos pressupostos em que assentava a invocação da respectiva responsabilidade civil…


8. A questão fulcral – decisiva para dirimir o litígio que opõe as partes nesta acção – centra-se na validade/nulidade do negócio jurídico através do qual se teriam transmitido as acções da titularidade dos RR./ora recorrentes para a esfera da sociedade/A.

Da matéria apurada resulta que os RR. começaram por celebrar contratos promessa de alienação dos títulos – relativamente aos quais, como nota o acórdão proferido pelo STJ no âmbito da acção de simples apreciação que correu termos entre a AA e a GG, nenhuma objecção se suscita quanto à respectiva validade, na óptica da disciplina instituída pelo CSC: na verdade, a circunstância de aos titulares do capital social da GG estar vedada a negociação e disposição dos títulos provisórios que certificam o aumento do capital social antes da respectiva inscrição definitiva no registo não obsta à celebração de acordos, visando uma ulterior transmissão da titularidade das acções logo que essa condição se verifique, desde que dotados de um sentido e alcance meramente obrigacional; ou seja: a inexistência de um poder actual de disposição dos títulos por parte dos promitentes vendedores não obsta a que estes assumam perante a sociedade compradora a obrigação de oportunamente virem a celebrar contrato definitivo, vinculando-se, na medida das suas possibilidades, a que seja preenchida a condição de que depende a licitude da alienação projectada (exactamente nos mesmos termos e pelas mesmas razões porque nada obsta a que seja validamente celebrado contrato promessa de alienação de coisa alheia, apesar de, nesse momento, o promitente vendedor não ser ainda titular de um poder de disposição actual do bem prometido vender, vinculando-se apenas a celebrar o contrato definitivo, logo que haja adquirido um efectivo poder de disposição sobre o bem).

Porém, no caso dos autos, as partes foram bem mais além deste plano da celebração de contratos promessa de alienação, uma vez que, logo de seguida – e antes que estivesse preenchida a referida condição objectiva de que dependia a licitude da alienação das acções – celebraram contratos de compra e venda das acções, com base nos títulos provisórios subscritos, vinculando-se à ulterior entrega dos títulos definitivos, logo que emitidos, e declarando que o preço estipulado já se encontrava pago adiantadamente.

Ora, como nos parece evidente, o originário contrato promessa foi consumido ou exaurido com a celebração do contrato definitivo de venda das acções, passando a ser por esta relação contratual definitiva, resultante do cumprimento da obrigação de contratar originariamente assumida, que se passaram a moldar as relações entre as partes: celebrado o contrato definitivo, em consequência do cumprimento da obrigação de contratar inicialmente assumida mediante a celebração de contrato promessa, é por esse contrato definitivo de compra e venda  que passam a moldar-se as relações entre as partes, consumindo a celebração deste contrato definitivo a anterior promessa de contratar, exaurida ou esgotada no momento em que  os promitentes cumpriram a obrigação de contratar a que originariamente se haviam vinculado, através da outorga no contrato promessa.

Daí que a questão da validade do negócio jurídico celebrado entre os litigantes tenha naturalmente, neste circunstancialismo, de ser abordada no plano do contrato definitivo: celebrado este, é em relação à compra e venda de certo bem – e não relativamente à anterior promessa de venda, já exaurida em consequência da outorga partes no contrato prometido – que deve colocar-se a questão da sua validade jurídica.

Ora, será compatível com a disciplina instituída pelo CSC – na versão em vigor à data da celebração dos negócios jurídicos em causa, nomeadamente com a norma constante do nº6 do art. 304º desse Código (que proíbe a emissão ou negociação dos títulos provisórios ou definitivos antes da inscrição definitiva no registo do contrato de sociedade ou do acto de aumento do capital social),  - a celebração de uma compra e venda, dotada de efeitos reais, transmitindo a titularidade das acções com base na mera subscrição dos títulos provisórios, logo entregues ao adquirente, antes do registo definitivo dos actos de transformação da sociedade e de alteração do capital social e da emissão pela sociedade em causa dos títulos definitivos, representantes do capital social actual?

Considera-se que a resposta à questão atrás enunciada deve ser claramente negativa: em primeiro lugar, temos como evidente que tal norma se configurava como obviamente imperativa, ao estabelecer limites ou condições objectivas e temporais à transmissibilidade dos títulos que consubstanciam participação no capital social – só permitindo o exercício de um poder de disposição sobre eles quando toda a regularidade do acto societário em questão tiver sido devidamente certificada pelo conservador do registo comercial e estiver assegurada, com o registo,  a respectiva publicidade.

Note-se que ao contrato, subsequente a anterior promessa de compra e venda, em que o primeiro outorgante declara vender os títulos referidos na cláusula anterior, ou as acções definitivas que os mesmos representam, por certo preço global, aceitando a segunda outorgante a venda anteriormente feita pelo primeiro outorgante e dando quitação do preço pago adiantadamente, não pode deixar de se atribuir, segundo o critério da impressão do destinatário, a produção de efeitos reais, transmissivos – na óptica das partes e embora em colisão com o regime legal em vigor - da titularidade das acções; ou seja, tal contrato, consubstanciado nas referidas declarações negociais, posterior à celebração do contrato promessa a que nele se alude, extravasa efectivamente o plano meramente obrigacional, visando, não apenas criar uma ( nova) obrigação de, no futuro, contratar, mas operar desde logo a transmissão dos títulos, negociando-os em detrimento do estatuído no citado nº6 do art. 304º.

Aliás, na réplica – confrontada com a suscitação da questão da nulidade do negócio – não veio, de nenhum modo, a sociedade A. invocar a natureza meramente obrigacional dos aludidos contratos de compra e venda dos títulos, assentes nos referidos títulos provisórios, limitando-se a sustentar que (fls. 398) não havia nenhuma limitação à alienação das quotas ou à venda das acções – o que claramente indicia que, na óptica da sociedade/A., as vendas celebradas eram idóneas para, no plano real, operar a transmissão dos títulos.

Deste modo, o negócio de transmissão dos títulos que consubstanciam a participação social dos RR., conexionado com os actos de transformação da GG de sociedade por quotas em anónima e com o aumento do respectivo capital social, e feito (no caso dos autos) com base na mera entrega dos títulos provisórios, viola a disposição legal imperativa constante daquela disposição legal, então em vigor, sendo, consequentemente, nulo, por força do estatuído no art. 294º do CC.

É certo que esta nulidade não era irremediavelmente insanável – podendo admitir-se a convalidação do negócio prematuramente celebrado no momento em que estivessem plenamente preenchidas as condições objectivas de que dependia a licitude da transmissão da titularidade das acções – ou seja, logo que se mostrasse inscrito no registo comercial o acto de transformação da sociedade e de aumento do capital e desde que – uma vez que os títulos definitivos tinham sido emitidos ao portador – os mesmos tivessem sido entregues ao adquirente, nos termos prescritos no art. 327º do CSC, então em vigor (por, como se nota na sentença proferida, o negócio transmissivo de títulos ao portador assumir a fisionomia de contrato real quoad constitutionem).

Sucede, porém, que – para além desta questão da possível convalidação do contrato de compra e venda não ter sido suscitada pelas partes (cabendo à sociedade /A. o ónus de, confrontada com a arguição da nulidade do negócio pelos contestantes, suscitar, ao menos subsidiariamente, esta matéria e o seu substrato factual na réplica, o que não fez) – as referidas condições objectivas de que dependeria a convalidação do negócio transmissivo das acções não se verificam manifestamente, já que as acções definitivas, emitidas ao portador, nunca foram entregues à sociedade/A. (sendo, aliás, parte substancial delas alienada pelos RR. a terceiros).

Deste modo e pelos fundamentos apontados considera-se procedente a excepção de nulidade dos contratos de compra e venda das acções, realizados – com efeitos reais e não puramente obrigacionais – antes de se mostrarem preenchidas as condições objectivas a que o nº6 do art. 304º do CSC sujeitava imperativamente a negociação dos títulos representativos de participação social.


9. Quais as consequências desta nulidade dos negócios de compra e venda celebrados pelas partes nos pedidos formulados na presente acção pela sociedade/A. no confronto dos RR., ora recorrentes?

Na verdade, a sociedade/A. formulou:

- um pedido principal – de reivindicação ou entrega em espécie dos títulos definitivos, representativos das acções alegadamente transmitidas pelos RR. a seu favor, em consequência dos contratos celebrados;

- e um pedido alternativo de indemnização na quantia pecuniária que representaria o valor dos prejuízos emergentes da perda de 50% do capital social da GG, avaliados pela A. em 537.500.000$00.

De salientar que este pedido alternativo foi, pela sentença proferida (fls. 4023), considerado processualmente inadmissível, decretando-se a absolvição da instância dos RR. quanto ao pedido alternativo de indemnização deduzido, com referência às acções quanto às quais não resulta a impossibilidade da respectiva entrega (por terem, entretanto, sido transmitidas pelos RR, a terceiros). E tal segmento decisório transitou em julgado, já que a parte prejudicada – a sociedade / A.- dele não apelou.

Em primeiro lugar, é manifesto que o pedido principal de entrega em espécie das acções vendidas é frontalmente incompatível com o decretamento da nulidade dos contratos de compra e venda, celebrados em infracção à norma imperativa que contava do nº6 do art. 304º do CSC – não podendo obviamente reivindicar-se e obter-se a entrega em espécie do bem alienado através de negócio nulo. Terá, assim, por este motivo, de improceder.

E quanto ao pedido alternativo de indemnização em dinheiro (naturalmente a considerar dentro do referido limite em que foi tido por processualmente admissível pela sentença proferida - e não impugnada pela A)?

Como é evidente, nada obsta a que a parte prejudicada pela celebração de um contrato nulo possa formular uma pretensão indemnizatória no confronto da outra parte, a quem considere imputável a invalidade do negócio celebrado: simplesmente – ao menos nos casos em que a nulidade produza o seu normal e típico efeito retroactivo – essa indemnização terá necessariamente de reportar-se ao interesse contratual negativo, tendo como objecto  o ressarcimento dos danos que a parte lesada não teria sofrido se não tivesse sido celebrado o contrato nulo; não pode, na verdade, numa relação contratual, destruída retroactivamente por via de certa invalidade jurídica, peticionar-se o ressarcimento do interesse contratual positivo – ou seja, a indemnização dos danos que emergem do incumprimento das obrigações emergentes do contrato declarado nulo.

Ora, no caso dos autos, a argumentação da A. não se reporta a qualquer enunciação ou especificação minimamente consistente de danos resultantes da lesão do dito interesse contratual negativo, radicando a quantia pecuniária peticionada em danos resultantes da violação da obrigação de entrega das acções alienadas a seu favor, num caso em que se mostrava já inviável a entrega em espécie dos títulos (entretanto transmitidos em parte pelos RR. a terceiros) à sociedade/A.

Ou seja: na sua estratégia processual - que, em nenhuma circunstância contemplou, ainda que a nível subsidiário, a possível ocorrência da nulidade do contrato de venda dos títulos representativos do capital social, apesar da suscitação de tal questão nas contestações apresentadas – não tratou a A. de alegar minimamente factualidade que pudesse conexionar-se com o dito interesse contratual negativo, de modo a poder ver reconhecido um direito indemnizatório no caso de procedência da excepção de nulidade.

E daqui decorre que – quanto a tal categoria de danos, integradores do interesse contratual negativo – ocorra, não apenas uma indeterminação quantitativa, ainda suprível na fase de liquidação, mas uma total omissão de especificação de um elemento factual fundamental , integrador da respectiva causa de pedir, o que não poderá deixar de produzir a irremediável improcedência da pretensão que neles se pudesse porventura fundar.

Em suma: perante a nulidade do contrato de compra e venda das acções, operando aqui de modo plenamente retroactivo, não tem cabimento o pedido de indemnização de danos, consubstanciadores do interesse contratual positivo, decorrentes da violação das obrigações assumidas precisamente através do contrato declarado nulo; e, não especificando minimamente a A., nem na petição inicial, nem na réplica, quaisquer danos conexionados com o interesse contratual negativo, falta um elemento factual fundamental para o reconhecimento do eventual direito a uma indemnização dessa natureza.


10. A nulidade do contrato – operando em regra retroactivamente – implica que deva ser restituído tudo o que tiver sido prestado pelas partes ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente (art. 289º, nº 1, do CC).

Estando em causa a destruição retroactiva de um contrato de compra e venda de acções, importa verificar se será possível convolar juridicamente dos pedidos de entrega das acções alienadas e de indemnização pelos danos consequentes ao incumprimento de tal obrigação do vendedor para a condenação fundada na referida obrigação de restituir tudo o que se recebeu em consequência do contrato nulo; ou seja: poderá atribuir-se à A. uma quantia pecuniária que, em vez de representar a indemnização pelos danos peticionados, traduza antes a restituição do preço pago como contrapartida venda das acções, através do contrato cuja nulidade se decretou?

Saliente-se que, por força da uniformização de jurisprudência formulada no Assento de 28/3/95, quando o tribunal conhecer oficiosamente da nulidade de negócio jurídico invocado no pressuposto da sua validade e se na acção tiverem sido fixados os necessários factos materiais, deve a parte ser condenada na restituição do recebido com fundamento no nçº1 do art. 289º do CC.

Importa realçar que a concreta situação dos autos não se reconduz exactamente, pela sua fisionomia peculiar, ao caso dirimido naquele aresto, já que a nulidade do contrato de compra e venda dos títulos não foi oficiosamente decretada, uma vez que tal questão havia sido levantada pelos RR. na contestação – suscitando precisamente a excepção peremptória de nulidade dos contratos de compra e venda dos títulos em que a A. fazia assentar, em parte, a causa de pedir – podendo entender-se que, neste caso, numa estratégia processual cautelosa, cumpriria à A. , na réplica que oportunamente apresentou (e como era então processualmente admissível), fundar subsidiariamente o seu direito numa pretensão de restituição, consequente à eventual procedência daquela excepção de nulidade.

No entanto – e dentro da posição que temos vindo a sustentar acerca da ampla possibilidade de reconfiguração normativa do pedido formulado, permitindo-se ao juiz atribuir os bens realmente peticionados através de uma coloração jurídica das pretensões diversa da feita pelo A. na petição, - assente decisivamente na ideia de que o objectivo da parte se mede pelo efeito prático-jurídico que a mesma visa alcançar, e não pela estrita qualificação jurídica de tal pretensão (cfr. O Princípio Dispositivo e os Poderes de Convolação do Juiz, in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Lebre de Freitas, I, pags. 789 e segs. ) – não veríamos obstáculo inultrapassável a que se pudesse atribuir ainda  à A. uma parcela do valor pecuniário peticionado, embora a título de restituição do preço pago pela transmissão dos títulos, agora invalidada em consequência do decretamento da excepção peremptória da nulidade do negócio de alienação.

É, na realidade, outro o obstáculo que obsta à feitura de tal convolação jurídica – e que se traduz em não estar processualmente adquirido o pagamento de quantia pecuniária, como contraprestação da alienação das acções: na verdade, esta matéria foi amplamente controvertida pelas partes ao longo do processo, desde logo na óptica da invocada simulação dos negócios, tendo, aliás, levado à anulação do primeiro julgamento, a fim de que – após renovação da prova pericial, de natureza contabilístico-financeira - se procedesse ao julgamento de matéria factual constante dos quesitos 51º e 52º, em que se indagava se a AA não teria pago os preços declarados nos aludidos contratos, não dispondo sequer nunca de tais quantias pecuniárias.

Ora, ambos os quesitos foram considerados não provados, tendo a Relação, no acórdão recorrido, na sequência da improcedência da impugnação deduzida pelos apelantes quanto à matéria de facto, confirmado tais respostas.

E, como é evidente, tal resposta de não provado à matéria fulcral do quesito 51º não é susceptível de levar a considerar demonstrado positivamente o facto do pagamento a título de preço das referidas quantias pecuniárias, mencionadas nos contratos, - pelo que- face à dúvida existente sobre esta factualidade essencial, não pode considerar-se que estejam fixados nos autos, de forma segura e incontroversa, os factos materiais de que dependeria decisivamente a condenação na referida obrigação de restituir os valores efectivamente recebidos em consequência do contrato nulo.


11. Nestes termos e pelos fundamentos apontados concede-se provimento à revista, revogando o acórdão recorrido na parte em que, pronunciando-se pela validade dos contratos de compra e venda das acções, reconheceu a titularidade pela A. de um direito de indemnização pelos prejuízos decorrentes do respectivo incumprimento, relegando o apuramento do seu montante para a fase de liquidação.

E, considerando procedente a excepção peremptória de nulidade de tais contratos de compra e venda, por violação de disposição legal imperativa (a que constava do nº6 do art. 304º do CSC) :

 - julgam-se improcedentes os pedidos de entrega das acções vendidas, deduzidos a título principal, e de indemnização, deduzidos em alternativa pela A., enquanto fundado num interesse contratual positivo, deles se absolvendo os RR;

- não se opera a convolação da pretensão de indemnização pecuniária pelo incumprimento dos contratos de compra e venda, declarados nulos, para a de restituição das quantias eventualmente prestadas a título de preço por não estar processualmente adquirido o facto consubstanciador de tal pagamento.


Custas pela A.


Lisboa, 05 de fevereiro de 2015


Lopes do Rego (relator)


Orlando Afonso


Távora Victor