Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
060748
Nº Convencional: JSTJ00004295
Relator: ALBUQUERQUE ROCHA
Descritores: INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE
SEDUÇÃO
UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Nº do Documento: SJ196607190607481
Data do Acordão: 07/19/1966
Votação: MAIORIA COM 4 VOT VENC
Referência de Publicação: DG IS DE 1966/10/15, PÁG.490 - BMJ Nº 159, ANO 1966, PÁG. 277
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PARA O PLENO.
Decisão: TIRADO ASSENTO.
Indicações Eventuais: ASSENTO DO STJ.
Área Temática: DIR CIV - DIR FAM.
Legislação Nacional: D 2 DE 1910/12/25 ARTIGO 34 N4.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO STJ DE 1964/12/18 IN BMJ N142 PAG349.
ACÓRDÃO STJ DE 1937/10/29 IN COL OF V36 PAG324.
Sumário :
A epoca da sedução, para o efeito do disposto no n. 4 do artigo 34 do Decreto n. 2, de 25 de Dezembro de 1910, não termina necessariamente com a primeira copula.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

A... recorre para o Tribunal Pleno do acordão do Supremo de 18 de Dezembro de 1964 - Boletim, n. 142, pagina 349 - que lhe negou a revista na acção de investigação de paternidade ilegitima contra ele movida por B...
Invoca oposição com o acordão do mesmo Tribunal, de 29 de Outubro de 1937- Colecção Oficial, volume
36, pagina 324.
Julgando acção de investigação de paternidade ilegitima, com fundamento em sedução com promessas de casamento
- n. 4 do artigo 34 do Decreto n. 2, de 25 de Dezembro de 1910 - o acordão recorrido entendeu não cessar a sedução com a primeira copula, mas continua "enquanto persiste o imperio da actuação ardilosa ou fraudulenta que o sedutor exerce sobre a sua vitima" pelo que julgou procedente a acção, não obstante a autora ter nascido em 19 de Março de 1960 e sua mãe se ter entregue ao seu namorado, o ora recorrente, pela primeira vez, em meados de 1949, seduzida pelas promessas de casamento que ele lhe fizera e repetiu ate que a abandonou por se recusar ao aborto que ele lhe impunha.
Ora o acordão de 1937, julgando uma acção identica e com igual fundamento, decidiu não se verificar o requisito daquele preceito legal quando o nascimento ocorreu em Dezembro de 1901, datando de Novembro de 1899 a primeira copula do sedutor com a seduzida e que o aresto designou por "data da sedução".
Verifica-se assim o conflito de jurisprudencia relevante para a interposição e seguimento do presente recurso ja reconhecido pela secção e nunca posto em duvida por alguem.
E isto não obstante algumas diversidades de pormenor nas hipoteses decididas pelos dois arestos, sendo mais saliente que o recorrido permanecia solteiro quando da concepção da recorrida, enquanto que o investigado na acção em que foi tirado o acordão de 1937, casara com outra mulher, vinte e um meses antes do nascimento da investigante.
Ainda a contradição se evidencia pela seguinte declaração de voto do Conselheiro Lopes Cardoso, no acordão recorrido, alias deturpada na certidão junta aos autos: "vencido. Continuo a pensar que a sedução e um facto e não um estado que se mantenha. No caso, a sedução deu-se dez anos antes do nascimento...".
Passa-se, assim, a conhecer do recurso.
O recorrente defende a tese do acordão de 1937, alvitrando que o assento a proferir seja no sentido de:
"O n. 4 do artigo 34 do Decreto n. 2, de 1910, considera que a coincidencia entre a sedução e o nascimento do investigante deve ser determinada a partir da epoca da primeira entrega de sua mãe ao investigado".
Tardia e descabidamente - ja depois de apresentada a contra-alegação da recorrida - permitiu-se o recorrente voltar aos autos e, a pretexto de correcção a omissões e deficiencias da sua alegação veio aditar esta com nada menos de quatro formulas para o assento a proferir!
Tese oposta defende a recorrida apoiada pelo ilustre magistrado do Ministerio Publico que conclui o seu tão lucido como breve parecer, sugerindo esta formulação para o assento:
"Para efeitos do artigo 34, n. 4, da Lei n. 2 de 25 de Dezembro de 1910, a epoca da sedução não termina com a primeira copula".
O artigo 34 do Decreto n. 2, de 25 de Dezembro de 1910, permite a investigação da paternidade ilegitima, alem de outros casos, no de sedução com promessa de casamento, coincidindo a epoca de concepção - assim e entendida a formula legal: "epoca do nascimento, nos termos indicados no artigo I" - com a epoca dasedução.
Pode considerar-se corrente, de ha muito, que o conceito de sedução envolve o estado de espirito da mulher que consente em manter relações sexuais ilicitas pelo engano a que foi levada por meios ardilosos ou fraudulentos usados pelo homem para vencer o seu pudor natural.
Quando esse engano resulta da esperança no casamento pelo sedutor prometido - mesmo quando este tenha efectivamente o proposito de com ela casar - e evidente que a epoca de sedução perdura enquanto a mulher razoavelmente acredita em tais promessas e, por isso, continua o trato sexual com o sedutor.
A lei não distingue, nem se ve razão para distinguir, qualquer das conjunções carnais consentidas durante esse estado de engano e so por ele determinadas.
Assim o disse o Professor Alberto dos Reis, a paginas
340 do ano 81 da Revista de Legislação e de Jurisprudencia, respondendo a pergunta que formula:
"Qual foi,... a epoca da sedução?
Foi, manifestamente, o periodo de tempo que decorreu desde o primeiro acto sexual ate ao abandono. Durante toda esta epoca a mulher viveu iludida e enganada; continuou a manter relações sexuais com o sedutor, pela mesma razão por que assentiu a primeira copula: por estar convencida de que o seu amante ia recebe-la em casamento.
A sedução so desapareceu no momento em que se viu abandonada e traida".
E ainda o que expressivamente se diz nestes passos do douto parecer do Ministerio Publico:
"Para se determinar se se esta na epoca da sedução, apenas uma pergunta ha a fazer: a mulher manteve relações por estar convencida de que o homem a desposaria?
Se a resposta for afirmativa, existe sedução, nada importando que a copula não seja a primeira, ja que, afinal, as proprias relações subsequentes foram mantidas precisamente pelo mesmo motivo por que a mulher assentira na primeira copula".
Mais não e preciso, assim o cremos, para impor a rejeição da doutrina do douto acordão aqui invocado em oposição ao recorrido.
Por isso se nega provimento ao recurso com custas pelo recorrente.
E assente-se em que:
A epoca da sedução, para o efeito do disposto no n. 4 do artigo 34 do Decreto n. 2, de 25 de Dezembro de 1910, não termina necessariamente com a da primeira copula.

Lisboa, 19 de Julho de 1966

Albuquerque Rocha (Relator) - Torres Paulo - Ludovico da Costa - Joaquim de Melo - Oliveira Carvalho - Francisco Soares - J. S. Carvalho Junior - Lopes Cardoso (Vencido.
O Codigo Civil ao indicar os fundamentos da acção de investigação de paternidade ilegitima enumerava apenas, alem das duas conjecturas classicas entre nos
- escrito do pai e posse de estado -, a do esturpo ou rapto, que foi colher ao Codigo Napoleonico.
Depois, o Decreto de 1910 acrescentou dois outros que foi buscar ao projecto de 1901 que serviu de base a lei francesa de 1912: sedução e convivio marital.
A exemplo do aludido projecto, o artigo 34 do Decreto portugues equiparou certas formas de esturpo não violento ao esturpo com violencia, para o efeito de fazer presumir paternidade ilegitima. Como para o esturpo violento, exige-se que a epoca da sedução coincida com a " epoca de nascimento".
A exigencia tambem constava do projecto frances mas foi suprimida quando ele foi transformado em lei.
A supressão fez-se precisamente para permitir a investigação fundada em sedução, " contanto que, depois de ter sido seduzida, a mae tenha continuado fiel ao seu sedutor, de modo que não se possa atribuir a outro pai o filho que ela concebeu".
Assim se disse no relatorio Guillier para a segunda deliberação do Senado frances.
Justifica-se pois, que os tribunais franceses tenham passado a entender a sua lei nos termos do referido relatorio, mas o entendimento não justifica perante uma lei em que a restrição foi mantida.
Na verdade, tanto quanto se averigue que a mãe foi raptada ou violada na epoca em que ficou gravida como quando se prove que foi seduzida nessa epoca, e fortissima a conjectura de que o filho concebido tem por pai o raptor, violador ou sedutor.
Não tem paralelo como presunção de paternidade, a aparente fidelidade da mulher violada, raptada ou seduzida, que concebeu em epoca distante da violação do rapto ou da sedução.
Quer pela sua historia, quer pela sua letra, a nova lei ao falar em sedução refere-se ao aspecto activo desta e não ao passivo. Tanto que fale em sedução praticada e não em sedução sofrida. Votei, pois, que a coincidencia exigida por essa lei, relativamente a epoca do nascimento respeita a data da primeira entrega, ou seja ao momento em que a mãe foi efectivamente seduzida).
Gonçalves Pereira (Vencido pelos mesmos fundamentos)
- Adriano Vera Jardim (Vencido pelos mesmos fundamentos)
- Eduardo Correia Guedes (Vencido pelos mesmos fundamentos). Tem voto de conformidade dos Conselheiros Dias Freire e Bernardes de Miranda. Tem ainda voto de vencido do Conselheiro Alberto Toscano. Não assinam por os dois primeiros não estarem presentes e por o ultimo ja não pertencer ao Tribunal. - Albuquerque Rocha.