Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
7382/07.1TBVNG.P1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: GRANJA FONSECA
Descritores: ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
REGIME APLICÁVEL
APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO
OPOSIÇÃO DE JULGADOS
ACÓRDÃO RECORRIDO
ACORDÃO FUNDAMENTO
EXPROPRIAÇÃO POR UTILIDADE PÚBLICA
DIREITO À INDEMNIZAÇÃO
INDEFERIMENTO LIMINAR
DESPACHO SOBRE A ADMISSÃO DE RECURSO
Data do Acordão: 11/20/2014
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação: COLECTÂNEA DE JURISPRUDÊNCIA DO STJ - Nº 259 - A. XXII - T. III/2014 - P. 123-128
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: INDEFERIDO
Área Temática:
DIREITO ADMINISTRATIVO - EXPROPRIAÇÕES / RECURSOS.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DAS EXPROPRIAÇÕES (CEXP): - ARTIGO 66.º, N.º5.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC), REDACÇÃO ANTERIOR AO D.L. N.º 303/2007, DE 24-8: - ARTIGOS 676.º, N.º1, 678.º, 679.º, 681.º.
LEI N.º 41/2013, DE 26-06: - ARTIGO 7.º
D.L. N.º 303/2007, DE 24-08: - ARTIGOS 11.º, 12.º, N.º1.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 16/01/2012; DE 18/04/2012, PROCESSO N.º 3962/08.6TJCBR.C1-A.S1; DE 28/04/2002, PROCESSO 03B1925, EM WWW.DGSI.PT .
Sumário :
I - Uma vez que a presente expropriação deu entrada em tribunal em 27-07-2007 e que o acórdão recorrido data de 10 de Julho de 2013 é aplicável ao presente recurso, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 11º do DL n.º 303/2007, de 24-08, e 7º da Lei n.º 41/2013, de 26-06, o regime recursório anterior ao DL n.º 303/2007.

II - No âmbito dos processos de expropriação, as decisões que se formem em 2ª instância não admitem recurso ordinário para o STJ, em virtude de norma especial expressa (artigo 66º, n.º 5, do Código das Expropriações), ressalvados os casos em que este é sempre admissível (artigo 678º do CPC).

III - Para a admissibilidade do recurso, nos termos do n.º 4 do artigo 678º do CPC (redacção anterior ao DL n.º 303/2007), impõe-se a verificação dos seguintes pressupostos: (i) dois acórdãos da mesma ou de diferente Relação em oposição sobre a mesma questão fundamental de direito, sendo idêntico o núcleo da situação de facto em ambos; (ii) que o acórdão fundamento seja anterior e tenha transitado em julgado; (iii) que o acórdão recorrido seja insusceptível de recurso, por motivo estranho à alçada; (iv) o acórdão recorrido não esteja de acordo com jurisprudência anteriormente fixada pelo STJ.

IV - A oposição de acórdãos, quanto à mesma questão fundamental de direito, verifica-se quando, perante uma idêntica situação de facto, a mesma disposição legal se mostre, num e noutro, interpretada e/ou aplicada em termos opostos.

V - Deve o Relator indeferir liminarmente o recurso com este fundamento sempre que não se verifique a alegada divergência jurisprudencial, quer por a questão não ter sido decidida de modo diverso, quer por ser diferente o quadro normativo em que se inserem as decisões, quer ainda por constatar que a questão de direito – sobre que incidiram as decisões contraditórias – não exerceu efectiva influencia na decisão de um dos casos, designadamente por se tratar de argumento lateral ou acessório.

VI - Ressarcíveis no âmbito do processo expropriativo são apenas os danos resultantes da expropriação, e já não os danos que resultam indirectamente da mesma, como é o caso da perda ou deterioração da qualidade ambiental, ruídos resultantes da circulação automóvel e diminuição do valor de mercado em virtude de tais deteriorações.

VII - Não tendo a questão de direito invocada pela recorrente sido decidida no acórdão recorrido, mas apenas aflorada sem influência efectiva no caso concreto, não se pode falar de contradição de julgados.

Decisão Texto Integral:
Acordam em conferência no Supremo Tribunal de Justiça:




1.

AA, E.P.E., com sede na Praça …, Almada, requereu a expropriação por utilidade pública urgente de uma parcela de terreno com a área de 874 m 2, a destacar de um prédio com maior dimensão, sito na E.N. …, freguesia de …, concelho de Vila Nova de Gaia, descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia sob o nº …, Livro B-135, fls. … e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo …, pertencente a (i) BB, e mulher, CC e (ii) DD e mulher, EE, devidamente identificados nos autos.

Realizada a vistoria ad perpetuam rei memoriam, a entidade Expropriante tomou posse administrativa da parcela e foi realizada peritagem (vide fls. 5 a 13), tendo os árbitros avaliado a indemnização a atribuir aos proprietários em € 100.907, sendo € 32.810 relativos ao valor da parcela; € 28.407 relativos ao valor das benfeitorias e € 36.690 relativos à desvalorização da parte sobrante.

Foi proferida sentença adjudicatória da propriedade do imóvel à entidade Expropriante.

Os Expropriados formularam pedido de expropriação total do prédio por a parte sobrante não assegurar proporcionalmente os mesmos cómodos que oferecia a totalidade do prédio e não ter interesse económico para si, pois deixou de confrontar com a E.N. …, passou a confrontar com um ramal de acesso à auto - estrada e não é seguro que não venha a encerrar e o logradouro com a profundidade de cerca de 20 m que tinha era imprescindível à actividade comercial e permitia a redução da incidência de ruídos e poluição. Acresce que a renda do prédio diminuiu fortemente e que o arrendatário da parte expropriada fez cessar o arrendamento, assim que se soube da expropriação.

Mais interpuseram recurso da decisão arbitral, (vide fls. 112 e seguintes), o qual veio a ser admitido.

No recurso, os Expropriados pedem que o valor do terreno da parcela expropriada seja fixado em € 149.454, uma vez que beneficia de uma considerável área descoberta de grande valor para exploração comercial, atenta a sua localização privilegiada. A rede de saneamento que servia o prédio estava ligada à estação depuradora, importando incluir a valorização de 2% na quantificação das infra-estruturas. O valor das benfeitorias descritas é de € 44.070, a que acresce um muro de suporte, em betão, avaliado pelos árbitros em € 1.000. Aceitam o valor global da construção existente em 3 pisos - € 264.600 – e qualificam de irrisória a percentagem de desvalorização considerada pelos árbitros, a qual não é inferior a 50%.


A Expropriante respondeu ao recurso apresentado pelos Expropriados e interpôs recurso subordinado, a que deu o valor de € 65.885, defendendo que a construção se encontrava a cerca de 20 m do limite da E.N. …, via com grande intensidade de trânsito gerador de elevado nível de poluição sonora e atmosférica e de filas de trânsito, que se situava numa freguesia dos arredores de Vila Nova de Gaia, pelo que o valor a fixar em termos de localização e ambiente é de 14%. As benfeitorias não podem ser objecto de indemnização e que não havia passeios do lado da parcela, pelo que não pode ser atendida esta infra-estrutura.

Mais pugnou pela improcedência do pedido de expropriação total, dizendo que o valor da depreciação da parte sobrante o não justifica e ainda que os acessos a essa parte foram assegurados através da via colectora, sendo que a venda de automóveis já estava desactivada à data da DUP, mantendo-se ainda em vigor um contrato de arrendamento que permite um rendimento mensal de € 500.


Os Expropriados apresentaram resposta ao recurso subordinado, alegando que a própria Expropriante ofereceu, na fase administrativa, valor superior ao da arbitragem. Todas as benfeitorias não carecem de ser demolidas e reiteram que se justifica a fixação em 14% do factor de localização e qualidade ambiental, sendo que na zona existem vários estabelecimentos de ensino, de todos os níveis. Existe centro de saúde, sede da junta de freguesia, pavilhão desportivo e excelentes acessibilidades, muito bem servida de transportes públicos, numa zona onde existiam vários estabelecimentos comerciais e habitação de alto nível.


Foi realizada inspecção ao local.

Após várias diligências, a Expropriante informou que, apesar de o acesso à parte restante do prédio se vir fazendo por uma via colectora paralela à auto-estrada, que pelas suas características e funções técnicas é tecnicamente um acesso precário, não se prevê que venha a ser encerrada ou a sofrer alterações, sendo expectável que continue a servir a parte sobrante do prédio dos Expropriados.

Foi realizada perícia para avaliação da parcela expropriada, tendo os peritos apresentado o relatório (vide fls. 333 a 343) e prestado os esclarecimentos que lhes foram solicitados (fls.379 a 385).

Os Expropriados apresentaram alegações.


Foi então proferida sentença que decidiu:

1º - Julgar improcedente o incidente de expropriação total deduzido pelos Expropriados.

2º - Julgar o recurso interposto pelos Expropriados parcialmente procedente por provado e o recurso subordinado interposto pela Expropriante integralmente improcedente e, em consequência, fixou o valor da indemnização a pagar pela entidade Expropriante aos Expropriados à data da DUP – 6/12/2002 - em € 202.107,65.

A esse montante fez acrescer o valor correspondente à actualização dessa quantia por aplicação do índice de preços no consumidor, com exclusão de habitação, publicado pelo Instituto Nacional de Estatística relativamente ao local da situação dos bens, que incide sobre a quantia de € 202.107,65 desde 6/12/2002 até 8/09/2011 e a partir daí sobre a diferença do valor da indemnização a haver e o montante então recebido, que se computa em € 136.222,65, desde essa data, até à decisão final a proferir nestes autos.

Condenou os Expropriados no pagamento das custas do incidente de Expropriação total a que deram causa, fixando-se a taxa de justiça em 2 UCs.

Condenou a Expropriante no pagamento das custas do recurso que interpôs e Expropriante e Expropriados no pagamento das custas relativas ao recurso interposto pelos Expropriados na proporção de 62% para a Expropriante e 38% para os Expropriados, por ser esta a proporção dos respectivos decaimentos – artigo 446º, n.os 1 e 2, do CPC.


Inconformada com esta decisão, veio dela recorrer a Expropriante AA, tendo o Tribunal da Relação, embora com um voto de vencido, julgado, por acórdão de 10 de Julho de 2013, improcedente o recurso, confirmando integralmente a sentença recorrida.


De novo inconformada, a Expropriante, invocando contradição e manifesta oposição entre este acórdão e o acórdão da Relação do Porto de 18 de Junho de 2008, veio interpor recurso de revista excepcional, nos termos do artigo 678º, n.º 4 do Código de Processo Civil e, uma vez admitido, finaliza as alegações com as seguintes conclusões:

1ª - A parcela, ao ser avaliada em função do seu rendimento, não permite que se autonomizem, indemnizatoriamente, as benfeitorias;

2ª - Uma vez fixado o valor da renda praticado na zona da parcela o resultado do valor patrimonial calculado corresponde ao justo valor de toda a parcela, aqui se incluindo as benfeitorias;

3ª - O valor da renda pressupõe o gozo da coisa tal como se encontrava, aqui se incluindo as suas partes integrantes;

4ª - É em função da renda e sua capitalização que se apura o valor da coisa, logo necessariamente se inclui o valor das benfeitorias;

5ª - O Tribunal quanto opta pelo rendimento e aceita como valor correcto 0,45 €/m.2 fá-lo na convicção de que tal valor inclui o gozo das benfeitorias existentes;

6ª - Se os senhores peritos não o incluíram, tal decorre do facto de terem mitigado dois critérios de avaliação - potencialidade edificativa e existente (artigo 28º) - e não pelo critério renda;

7ª - Autonomizar benfeitorias que estariam integradas no contrato de arrendamento significa uma contradição nos termos, logo uma atribuição abusiva de uma indemnização muito superior ao real dano;

8ª - Ocorre uma duplicação de valores de indemnização em função de um único dano;

9ª - O acórdão é nulo, por contradição insanável entre os fundamentos e a decisão, na medida em que admite destinos incompatíveis: rendimento civil e valor patrimonial;

10ª - Nulidade que expressamente se invoca nos termos do artigo 668º, n.º 1, alínea c) do Código de Processo Civil ainda aplicável aos presentes autos, para todos os devidos e legais efeitos;

11ª – Só se poderia cumular no pressuposto que as benfeitorias não estariam incluídas no contrato de arrendamento, contudo tais benfeitorias, ao integrarem a parcela, faziam parte do prédio, bem como permitiam a concretização do rendimento reconhecido;

12ª - A interpretação realizada pelo Tribunal a quo do artigo 23º, n.º 5 CE, conjugado com o artigo 28º, n.º 2 é inconstitucional, por violação do princípio da igualdade e princípio da justa indemnização, artigos 13º, n.º 1 e 62º, n.º 2 da Constituição, quando fixa uma indemnização em função do rendimento civil proveniente de um prédio susceptível de arrendamento e simultaneamente autonomiza as benfeitorias integrantes do mesmo;

13ª - Não se pode, pelo mesmo facto, indemnizar duas vezes - princípio ne bis in idem - sob pena, como sucede no acórdão de entrar em contradição;

14ª - O objecto do presente recurso prende-se com a inclusão na obrigação de indemnização de danos que decorrem da construção e abertura ao público da obra pública fundamento da expropriação;

15ª - Como decorre do Acórdão-Fundamento apenas integram o nexo de causalidade os danos que decorram directa ou exclusivamente da expropriação da parcela, ou seja, limitam-se ao prejuízo que decorre do fraccionamento predial e não das consequências resultantes da concretização do interesse público, fundamento da expropriação;

16ª - Todos os danos, que não sejam imputados directamente ao fraccionamento predial, decorrem de uma outra relação jurídica que não a expropriativa;

17ª - Não é a expropriação que funciona como condição concreta dos danos identificados no acórdão recorrido, nem tão pouco é condição em abstracto para ser considerada causa adequada dos referidos danos;

18ª - Os danos decorrem da execução e abertura ao público da obra pública, facto autónomo à expropriação;

19ª - A isto acresce, no que diz respeito aos acessos dificultados e ruído, não ter o expropriado ilidido o ónus da prova quanto à existência de um efectivo dano;

20ª - Não tendo sido provado a existência de tais danos, não podem os mesmos integrar a obrigação de indemnização;

21ª - O Tribunal a quo grosso modo confunde lesão com prejuízo, sendo que apenas o dano relativo ao desafogo da parte sobrante é imputado directamente à expropriação;

22ª - Mantendo-se o edifício existente e estando este apto a exploração comercial de per si, não se vislumbra em que medida a expropriação tenha causado um impacto maior do que aquele resultante da expropriação da parcela;

23ª - Estando atribuída uma indemnização pelo aproveitamento para fins de arrendamento e prevendo-se um aproveitamento de um edifício, a expropriação não acarreta qualquer dano suplementar pelo fraccionamento predial;

24ª - Uma vez que o prédio, quanto à parte sobrante, foi avaliado em função do existente, terá que ser em função deste que se determinará o dano que decorre do fraccionamento, ou seja o dano a existir será determinado pela restrição ou limitação no gozo e fruição da parte sobrante;

25ª - Todos os pretensos danos elencados na fundamentação da sentença, não encontram guarida na matéria de facto (nomeadamente não se provou a existência de qualquer estabelecimento comercial, nem que ocorresse com a expropriação diminuição da qualidade ambiental), como, a existirem, os danos resultariam, não por causa expropriação, mas em virtude da construção e abertura ao público de uma estrada;

26ª - A expropriação foi tão só um instrumento para a concretização da obra pública, sendo que a indemnização apenas diz respeito aos efeitos directos da expropriação;

27ª - A questão da qualidade ambiental e perda de chance de um estabelecimento inexistente resulta de um facto exógeno à expropriação, fora do nexo de causalidade e por isso não indemnizável em sede do presente processo;

28ª - A responsabilidade pelos pretensos danos com a execução da obra não corre a cargo da entidade expropriante, mas da concessionária;

29ª - Até no próprio apuramento da responsabilidade subjectiva, se coloca em causa o princípio da igualdade, ao se extravasarem os efeitos e vínculos resultantes da relação expropriativa, imputando-se a título exclusivo a responsabilidade por um acto que excede o domínio da entidade expropriante e de que esta não beneficia directamente;

30ª - Não o podem ser valorados como factor depreciativo para a parte sobrante a perda da qualidade ambiental e da chance, uma vez que as características da parcela foram alteradas pela obra e não pelo destaque operado pela expropriação. Assim andou o acórdão fundamento;

31ª - A entidade expropriante só aceita a existência de um dano quanto à perda de desafogo do edifício, por ser este o dano que exclusivamente se imputa à expropriação e que esta é causa directa;

32ª - Tal prejuízo decorria quer se tivesse construído uma estrada ou não, pelo que só para este é que pode ser a entidade expropriante chamada a responder;

33ª - Devendo o valor da depreciação ser fixado de acordo com a decisão arbitral, valor com o qual a entidade expropriante se conformou e que é restrito ao verdadeiro dano causado pela expropriação parcial;

34ª - Atribuir uma indemnização ao abrigo de uma relação expropriativa por factos decorrentes exclusivamente da obra pública, implica a violação do princípio da igualdade na medida em que não se exige ao expropriado, como sucede aos proprietários vizinhos, que ilida o ónus de prova e verificação dos pressupostos legais da responsabilidade por factos lícitos nos termos gerais, não obstante a lesão resultar da construção e abertura ao tráfego da obra pública;

35ª - Sem prescindir, a ser deferida uma indemnização diferente da fixada no acórdão de arbitragem, não poderá ser superior a 10% do valor fixado para o conjunto edificado, uma vez que somente só o dano resultante da redução do desafogo é que decorre um prejuízo imputável à expropriação;

36ª - Sem conceder, no limite o valor máximo possível de atribuir - o que não se aceita e apenas por mera questão de patrocínio se aflora - é o fixado na declaração de voto vencido do acórdão;

37ª - A respeito da qualidade ambiental e o ruído - não só a mesma não é imputada à expropriação - como nem tão pouco foi provado e assim ilidido o ónus da prova quanto à consequência danosa;

38ª - Isto porque, estando em causa o impacto do ruído numa casa de habitação, ter-se-ia que demonstrar que a casa não pudesse ser habitada e assim mantivesse o seu destino, ou que o ruído punha em causa o direito ao sossego, saúde e descanso;

39ª - A garantia do património apenas incide sobre os prejuízos decorrentes da expropriação e não por factos exógenos;

40ª - O gozo do prédio, em termos médios e standard está assegurado, uma vez que novos constrangimentos não são bastantes para concluir pela existência de um sacrifício imposto de foram excessiva e anormal;

41ª - Não existe qualquer nexo de causalidade entre a chance comercial e a qualidade ambiental e a expropriação;

42ª - Bem como não se provou que o impacto no património do expropriado tivesse contornos de dignidade jurídica;

43ª - O douto acórdão violou, inter alia, os artigos 13º, n.º e 62º, n.2º da Constituição, artigos 2º, 23º, n.º 1, 28º, 29º do Código das Expropriações.


Nestes termos deve o presente recurso de revista ser admitido e consequentemente dar-se provimento à nulidade arguida para todos os devidos e legais e efeitos, bem como apenas reconhecer o direito de indemnização para danos que tenham a expropriação como causa directa.


Os expropriados contra – alegaram, defendendo a confirmação do acórdão recorrido.


A “Formação” não admitiu o recurso como revista excepcional, remetendo os autos à distribuição como revista normal.

Foi proferida decisão singular, não admitindo o recurso, com o fundamento de que se não verificava a alegada contradição de julgados.

A expropriante reclama desta decisão para a conferência.

Colhidos os vistos legais, importa conhecer:

2.

As instâncias consideraram provados os seguintes factos:

1º – Por despacho nº 25.986-B/2002 (2ª série), publicado no D.R. II Série de 6 de Dezembro de 2002, foi declarada a utilidade pública e urgente das expropriações das parcelas de terreno, necessárias à execução da obra da concessão SCUT Costa de Prata – IC 1- Miramar/Madalena – sublanço Miramar – ER 1-18.

2º - Entre as parcelas abrangidas por esse despacho inclui-se a parcela nº 32, assinalada na planta cadastral anexa ao referido despacho que corresponde a 874 m 2 de um prédio pertencente aos Expropriados.

3º – Esse prédio situa-se na Estrada Nacional …, n.os … e … e na Travessa de …, nº …, …, Vila Nova de Gaia e encontra-se descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia sob o nº …, do Livro B-135, fls. … e encontra-se aí inscrito em nome dos Expropriados.

4º – Esse prédio encontra-se inscrito na matriz predial urbana sob o artigo …º da freguesia de …, Vila Nova de Gaia.

5º – Esse prédio é de forma triangular, com o vértice sul arredondado e confronta de Norte com FF; de Sul com o gaveto da E.N. … com a Travessa de …; de Nascente com a E.N. … e de Poente com a Travessa de ….

6º – Antes da Expropriação, a construção edificada no prédio tinha acesso exclusivo à cave pela Travessa de …, nº … e acesso exclusivo ao logradouro, rés-do-chão e primeiro andar pela E.N. ….

7º – À data da vistoria ad perpetuam rei memoriam a parcela estava subdividida em duas partes: a do sul foi um stand de automóveis, explorado pela GG Car, que estava já desactivado, sendo que esta parte do prédio tem uma área de terreno do lado norte cuja cota é superior, em cerca de 1 m à do lado sul, estando separadas por um muro em blocos de cimento, à excepção de uma rampa, junto à E.N. …, em betuminoso que vence o desnível.

8º – Na parte norte, existia uma construção de dois pisos, estando o rés-do-chão arrendado para comércio a HH, por escritura realizada em 13/02/2001, que se dedica à comercialização de antiguidades e o andar constitui uma habitação que não estava arrendada.

9º – A construção não foi atingida pela expropriação, que incidiu apenas sobre grande parte do logradouro e seus pertences.

10º – Existia uma diferença de nível entre a parte norte e a parte sul que se materializava por um muro em cimento com cerca de 1 m.

11º – As áreas dos diferentes níveis do prédio eram praticamente planas.

12º – Nessa altura, a E.N. … tinha a largura de 18 m; pavimento em betuminoso, e estava servida de redes de distribuição de água, de telefone e de energia eléctrica.

13º – E a Travessa de … tinha a largura de 6 m, incluindo passeios, pavimento em cubos de granito e estava servida de redes de distribuição de água, de telefone e de energia eléctrica em baixa tensão, bem como de rede saneamento e rede de águas pluviais, com colector.

14º – A frente que a parcela dispõe para a EN … é de cerca de 56 m e para a Travessa de … de 25 m aproximadamente.

15º – A expropriação é parcial e a parte sobrante desenvolve-se a poente da parcela, ao longo da Travessa de ….

16º – A parte sobrante encontra-se a um nível superior ao daquela travessa. Como esta tem uma inclinação para poente, este desnível vai-se acentuando, desde cerca de zero metros para atingir 5 metros no extremo poente do prédio.

17º – A parcela expropriada confronta de Norte com FF; de Sul com o Gaveto da E.N. … com a Travessa de …; de Nascente com a E.N. … e de Poente com a parte sobrante do prédio.

18º – O terreno do prédio de onde a parcela foi expropriada e o da própria parcela era na sua parte sul pavimentado com betonilha; a área imediatamente a norte é em terra e a parte do logradouro em frente da construção tem um canteiro com diversas plantas e uma acácia de bom porte e a restante área expropriada que servia de aparcamento de veículos estava pavimentada a pedras pré-fabricadas de cimento com a forma sextavada.

19º – A parcela tem a forma de um triângulo, com o vértice sul e que se desenvolve em três patamares de norte para sul.

20º – O prédio de que fazia parte a parcela tinha a área de 1.480 m 2, restando uma parte sobrante com a área de 606 m 2, que compreende a construção, a garagem, um anexo e o logradouro que resta.

21º – A parede norte da garagem confina com a parede sul do prédio donde a parcela 33 irá ser destacada, sendo que nenhuma destas construções é expropriada.

22º – À data da VAPRM toda a parcela era vedada por muro de blocos de cimento rebocados e pintados, com ombreiras em cimento armado nos três pontos de entrada, com cerca e em média, de 0,60 m de altura na frente para a E.N. …, 56 metros, e de cerca de em média de 1,20 m na frente para a Travessa de … – 25 metros. Os muretes em blocos de cimento têm a altura de cerca de 1 m e o comprimento total, dentro da parcela expropriada, de 32 m aproximadamente, sendo um deles encimado por rede metálica.

23º – O muro exterior é encimado por grade de ferro, de varões redondos, tendo no topo lanças decorativas, sendo a altura deste gradeamento de 1,30 m.

24º – Os portões, um para cada zona mais a sul, área da GG Car, e dois para o logradouro da habitação e zona de acesso e aparcamento para a HH, têm três folhas cada, são em grade de ferro com a parte de baixo em chapa, têm a altura de cerca de 1,90 m e a largura de 2,80 m, aproximadamente.

25º – A área sul expropriada era toda pavimentada a betonilha de cimento, com uma área de cerca de 480 m 2.

26º – Neste espaço, havia uma área de cerca de 60 m 2 cobertos por uma estrutura amovível, em ferro redondo que suportava uns cones de lona para servirem de protecção a veículos em exposição.

27º – Aí existia uma outra construção com a área de cerca de 8 m 2, em madeira, com a forma sextavada, coberta de chapas onduladas plásticas e tecto falso em platex e servia de gabinete de atendimento a eventuais clientes.

28º – Existiam 3 candeeiros de ferro com 4 globos em vidro suportados por 3 braços e um último no topo, esta iluminação tinha dispositivos de aparelhagem eléctrica com cabos enterrados, dijuntores, etc.

29º – Existia um poço com cerca de 8,5 m de profundidade, em argolas de cimento e 1,30 m de diâmetro.

30º – A parte do logradouro da construção principal era pavimentada a pedras de cimento e tinha a área de 360 m 2.

31º – A construção principal e a parte de stand possuíam as ligações de água e electricidade.

32º – Existe um muro em suporte em betão armado na confrontação com a Travessa de …, com cerca de 15 m de extensão, por 1,50 m de altura média e 0,25 m de espessura, com o valor aproximado de € 1.000.

33º – A construção principal, após a expropriação, ficou a cerca de 2/3 m da zona da via colectora de acesso à auto-estrada e, antes da expropriação, ficava a uma distância de cerca de 20 m da EN ….

34º – Na E.N. …, na zona do prédio expropriado existe comércio e habitações de alto nível.

35º – Esse prédio tem acesso directo para a E.N. … que liga as cidades de Vila Nova de Gaia a Espinho, com ligação directa à IC1 – Ponte da Arrábida e Auto-Estrada A1.

36º – Tem ainda boas acessibilidades ferroviárias, encontrando-se relativamente próxima da linha do norte e é servida por transportes públicos.

37º – O terreno em questão insere-se, de acordo com o plano Municipal de Vila Nova de Gaia, à data da DUP, em área urbana de edificabilidade extensiva.

38º - A construção existente no prédio dos Expropriados tinha dois pisos acima da E.N. … - e actualmente da via colectora de acesso à auto-estrada - e um piso abaixo da mesma, ficando este último ao nível da Travessa de ….

39º – A área coberta é de 126 m 2 e a área de construção total, repartida por três pisos é de 378 m 2.

40º – Antes da expropriação, o logradouro entre a construção e a E.N. … e a Travessa de … tinha a área de 1354 m 2.

41º – O edifício é de construção recente, moderna, de boa qualidade, com cerca de 15 anos, encontrando-se em bom estado de conservação.

42º – A ocupação do edifício era a seguinte: cave – comércio a cargo dos proprietários; rés-do-chão – comércio por arrendamento e andar – habitação por arrendamento.

43º – A parcela expropriada na parte norte do logradouro, na frente do rés-do-chão arrendado para comércio, tinha a forma trapezoidal e encontrava-se parcialmente pavimentada a pedra de chão de cimento.

44º – A área pavimentada com cerca de 360 m 2 servia como zona de acesso e de estacionamento para o inquilino comercial e seus clientes, bem como de estacionamento para a habitação.

45º – A envolvente da parcela, num raio de 300 m é caracterizada por ocupação urbana, dominantemente do tipo residencial, com moradias unifamiliares isoladas, geminadas e em banda, rés-do-chão e andar, havendo, no entanto, pontualmente, algumas construções de habitação colectiva – blocos habitacionais, em geral com cave e dois andares.

46º – Nas proximidades da parcela expropriada e num raio de aproximadamente 1.000 m existem estabelecimentos de ensino, lojas comerciais, agências bancárias, igreja e estação de caminhos – de - ferro.

47º – Nas imediações da parcela e com frente para a E.N. …, existiam diversos estabelecimentos comerciais nomeadamente para exposição/espaço de venda a céu aberto, stand de automóveis.

48º - O logradouro em frente à construção ficou reduzido a uma profundidade de cerca de 2/3 m.

3.

3.1.

REGIME RECURSÓRIO APLICÁVEL

Estes autos deram entrada no Tribunal Cível da Comarca de Vila Nova de Gaia em 27/07/2007, tendo sido distribuídos ao 6º Juízo Cível.

Trata-se, portanto, de um processo que nasceu antes da entrada em vigor do DL n.º 303/2007, o que aconteceu apenas em 1 de Janeiro de 2008 (artigo 12º, n.º 1), sendo-lhe, por via disso, aplicáveis as regras processuais anteriores à entrada em vigor deste último diploma.

Entretanto, com a entrada em vigor da Lei n.º 41/2013, que aprovou o NCPC, “aos recursos interpostos de decisões proferidas a partir da entrada em vigor da presente lei em acções instauradas antes de 1 de Janeiro de 2008 aplica-se o regime de recursos decorrente do Decreto – Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto, com as alterações agora introduzidas, com excepção do disposto no n.º 3 do artigo 671º do Código de Processo Civil, aprovado em anexo à presente lei”.

Em razão desta norma, o facto da acção ter dado entrada em juízo antes de 1 de Janeiro de 2008 não obstaria à aplicação do regime de recursos decorrente do Decreto – Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 41/2013, com excepção do disposto no n.º 3 do artigo 671º do Novo Código de Processo Civil, (princípio da dupla conforme)[1], contanto que o acórdão recorrido tivesse sido proferido depois de 1 de Setembro de 2013, data da entrada em vigor da citada lei, o que não aconteceu. A decisão recorrida foi proferida em 10 de Julho de 2013.

Aplica-se, portanto, aos autos o regime recursório anterior ao Decreto – Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto.

3.2.

RECORRIBILIDADE DAS DECISÕES JUDICIAIS:

Embora a recorribilidade das decisões judiciais seja o princípio geral do nosso ordenamento jurídico, sendo a irrecorribilidade considerada pela lei como excepção, como se infere do n.º 1 do artigo 676º do Código de Processo Civil, tendo esse princípio sido firmado no artigo 678º, n.º 1, ainda que sujeito á verificação de determinados pressupostos, quando diz que “só é admissível recurso ordinário nas causas de valor superior à alçada do tribunal de que se recorre desde que as decisões impugnadas sejam desfavoráveis para o recorrente em valor também superior a metade da alçada desse tribunal”, acrescentando que, “em caso, porém, de fundada dúvida acerca do valor da sucumbência, atender-se-á somente ao valor da causa”, o legislador, fora deste postulado base, foi mais além, prevendo, por um lado, casos em que é sempre admissível recurso (artigo 678º, n.os 2, 3 e 4) e outros em que o mesmo é inadmissível, seja pela sua natureza (vide artigo 679º), seja por vontade das partes (vide artigo 681º), seja por disposição especial da lei.


Esta referência aos casos em que, por princípio, não é admissível recurso assume particular relevância nestes autos, porquanto, no âmbito dos processos de expropriação, as decisões que se formem, em sede de 2ª instância, não admitem recurso ordinário, perante o Supremo Tribunal de Justiça, em virtude de norma especial. Ou seja, a regra é a irrecorribilidade para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão da Relação que tenha por objecto decisão sobre a fixação da indemnização nas expropriações (artigo 66º, n.º 5 C.E.), ressalvando a norma apenas “os casos em que é sempre admissível o recurso” e que são os elencados no artigo 678º do CPC, como acima se referiu.


A redacção desta norma tem, pois, pleno sentido no âmbito da redacção da matéria de recursos que é dada ao Código de Processo Civil, na redacção aplicável a estes autos e isto porque, de entre o elenco das decisões que admitem sempre recurso, o legislador ordinário incluiu o “do acórdão da Relação que esteja em contradição com outro, dessa ou de diferente Relação, sobre a mesma questão fundamental de direito e do qual não caiba recurso ordinário por motivo estranho à alçada do tribunal, salvo se a orientação nele perfilhada estiver de acordo com a jurisprudência já anteriormente fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça” (artigo 678º, n.º 4 CPC).

In casu, a Recorrente, admitindo que o recurso de revista lhe está vedado pela norma do n.º 5 do artigo 66º do C.E., faz apelo a esta norma excepcional do n.º 4 do artigo 678º do Código de Processo Civil.

3.3.

REQUISITOS PARA A ADMISSIBILIDADE DO RECURSO CONTEMPLADO NO ARTIGO 678º, N.º 4 DO CPC

Para a admissibilidade do recurso contemplado no n.º 4 do artigo 678º do CPC, redacção anterior ao DL n.º 303/2007, impõe-se a verificação dos seguintes pressupostos:

a) – Dois acórdãos da mesma ou de diferente Relação em oposição sobre a mesma questão fundamental de direito, verificando-se esta quando o núcleo da situação de facto, à luz da norma aplicável, é idêntico em ambos eles;

b) – O acórdão dito em oposição, o denominado acórdão fundamento, ser anterior e haver transitado em julgado;

c) – O acórdão recorrido ser insusceptível de recurso ordinário por motivo estranho à alçada do tribunal;

d) – A orientação perfilhada no acórdão recorrido não estar de acordo com jurisprudência anteriormente fixada pelo STJ, quer nos anteriores recursos para o tribunal pleno (assentos), quer nos julgamentos de revista ou agravo ampliados (acórdãos de uniformização de jurisprudência).

3.4.

3.4.1.

DA CONTRADIÇÃO ENTRE O ACÓRDÃO RECORRIDO E O ACÓRDÃO FUNDAMENTO:

Verificados os requisitos mencionados nas alíneas b) a d), acima mencionadas, importa averiguar se, com referência ao acórdão - fundamento, concorrem entre ele e o acórdão recorrido os requisitos de identidade que os coloquem em contradição.


Tem sido entendimento neste STJ que a oposição de acórdãos pressupõe que a decisão e fundamentos do acórdão recorrido se encontrem em contradição com outro ou outros relativamente às correspondentes identidades.

Em sentido técnico, a oposição de acórdãos quanto à mesma questão fundamental de direito verifica-se quando a mesma disposição legal se mostre, num e noutro, interpretada e/ou aplicada em termos opostos, havendo identidade de situação de facto subjacente a essa aplicação.

A oposição ocorrerá, pois, quando um caso concreto (constituído por um similar núcleo factual) é decidido, com base na mesma disposição legal, num acórdão num sentido e no outro em sentido contrário.

Exigível, sempre a identidade, em ambos os casos, do núcleo central da situação de facto e das normas jurídicas interpretandas e/ou aplicandas[2].

Assim, a questão fundamental de direito cuja identidade pode legitimar a contradição “não se define pela hipótese/estatuição, desenhada, abstractamente, da norma jurídica em sua maior ou menor extensão ou compreensão, a que seja possível subsumir uma pluralidade de eventos reais a regular” - pois que, se assim fosse, os casos de oposição multiplicar-se-iam de forma incontrolável - mas pela questão “nuclear necessariamente recortada na norma pelos factos da vida que revelaram nas decisões[3]”.

Daqui decorre como corolário lógico que o recurso interposto com este fundamento (artigo 678º, n.º 4) deve ser liminarmente indeferido quando se não verifique a alegada divergência jurisprudencial, quer porque, na verdade, a questão não tem sido, em absoluto, decidida de modo diverso, quer porque o quadro normativo em que se inserem as decisões seja substancialmente diverso, quer ainda por se constatar que a questão de direito sobre que incidiram decisões contraditórias não exerceu efectiva influência na decisão de algum dos casos, designadamente por se tratar de mero argumento lateral ou acessório.

3.4.2.

Segundo a Recorrente, o acórdão recorrido arbitrou uma indemnização por desvalorização da parte sobrante, em virtude da perda de valor patrimonial do edificado, uma percentagem de 30% por factos decorrentes da construção e funcionamento da estrada.

Ora, acrescenta, “o acórdão recorrido encontra-se em manifesta oposição e contradição com o Acórdão da Relação do Porto de 18 de Junho de 2008, Processo n.º JTRP00041522”, porquanto, como se refere no acórdão fundamento, “na aplicação deste artigo têm-se suscitado dúvidas quanto aos prejuízos que devem ser ressarcidos, no processo de expropriação, entendendo uns que apenas devem ser ressarcidos os prejuízos resultantes directamente da expropriação parcial e entendendo outros que devem ser ressarcidos todos os prejuízos, quer resultem directa ou indirectamente da expropriação.

Entre os prejuízos que resultam indirectamente da expropriação, (estando em causa a construção de uma via de comunicação), encontram-se, precisamente, os relativos à perda ou deterioração da qualidade ambiental, aos ruídos resultantes da circulação automóvel e à diminuição de valor de mercado resultante daquela deterioração de qualidade de vida.

Da análise do artigo e da sua conjugação com os demais artigos do Código das Expropriações, nomeadamente o citado artigo 23º, n.º 1, entendemos que os prejuízos ressarcíveis no âmbito do processo expropriativo deverão ser, apenas, os directamente resultantes da expropriação parcial.

O Código das Expropriações fala em depreciação ou outros prejuízos resultantes da divisão do prédio e ao valor real e corrente do bem à data da declaração de utilidade pública”.


Tomando em consideração este extracto do acórdão fundamento, considerou a Recorrente que, enquanto “o acórdão fundamento entendeu que não são objecto de indemnização em sede de processo expropriativo eventuais danos resultantes da proximidade da estrada e da configuração da parte sobrante que não afectem a sua aptidão construtiva ou funcionalidade”, o certo é que, “não obstante o acórdão recorrido referir que não foram consideradas somente questões de qualidade ambiental, a verdade é que o aresto estende aos efeitos da expropriação à perda de valor patrimonial do edificado, quando esta ocorre em virtude da construção da obra pública e consequências do seu funcionamento”.

“Não é a situação fundiária resultante da expropriação que afecta o destino económico da parcela, antes a obra e consequências da sua construção e funcionamento. Estas são as causas directas apontadas para a perda de funcionalidade da parte sobrante”.

Considera, assim, a Recorrente que, “em causa está a determinação do nexo de causalidade e âmbito de protecção legal da parte sobrante à luz dos artigos 23º, n.º 1 e 29º, n.º 2 do Código das Expropriações. Segundo o acórdão recorrido, e ao contrário do acórdão fundamento, será de imputar à expropriação quaisquer danos que tenham esta como causa remota. Ou seja, basta a expropriação ser um facto instrumental para a construção da obra pública, para se lhe imputarem os danos resultantes desta. Entendimento este que foi recusado pelo acórdão fundamento”.

E finaliza, concluindo que “da leitura deste aresto (acórdão fundamento) existe uma clara contradição com o acórdão recorrido”, fundamento para este recurso de revista.

4.

SERÁ QUE SE VERIFICA A ALEGADA CONTRADIÇÃO?

No acórdão fundamento, foram expropriadas quatro parcelas por serem indispensáveis á execução da obra do IP 3 – SCUT Interior Norte, (…), nó de Pedras Salgadas.

Tendo sido interposto recurso da sentença pelos Expropriados, a única questão a decidir pela Relação prendia-se com a reapreciação da indemnização fixada pela desvalorização da parte sobrante da parcela 482.1.

A sentença seguiu o laudo pericial maioritário e atribuiu a indemnização de € 8.000 pela desvalorização da parte sobrante.

A expropriada insurgiu-se contra esta decisão porque, por um lado, não foi atribuída qualquer desvalorização à parte sobrante da sub – parcela 482.1 (que havia sido arbitrada no acórdão arbitral) e a desvalorização atribuída à casa de habitação não corresponde à efectiva desvalorização que sofreu, aduzindo as razões explicitadas a fls. 567.

Apreciando a questão, considerou o acórdão fundamento que o acórdão arbitral atribuiu uma determinada percentagem sem justificar porque entendeu que resultou desvalorizada a parte sobrante e naquela percentagem.

O laudo pericial maioritário atribuiu uma desvalorização pela casa de habitação, que engloba a parcela em que ela está implantada.

E o laudo pericial minoritário entendeu que ocorria desvalorização total quer da casa, quer do terreno envolvente.

O laudo pericial maioritário atribuiu uma desvalorização pela casa de habitação que engloba a parcela em que ela está implantada.

A fundamentar a alegação de que a indemnização fixada não corresponde à desvalorização efectivamente sofrida pela casa de habitação com a expropriação, aduz a recorrente as seguintes razões:

Ficou quebrada a unidade agrícola em que se insere a casa;

Em tempos criavam-se na referida casa animais para auxílio aos trabalhos agrícolas, o que agora ficou impossibilitado, já que a estrada que antes existia para a sua passagem ficou praticamente tapada (nada consta nos autos relativamente a esta matéria);

A privacidade da quinta ficou devassada, uma vez que é atravessada a meio pela auto – estrada;

A proximidade da casa com a via pública reduz drasticamente o seu valor comercial;

O desnivelamento existente entre a auto – estrada e o terreno onde se encontra a casa, retirou aos expropriados as vistas que tinham sobre toda a propriedade;

A casa ficou sujeita a níveis de poluição mais elevados e perde a protecção acústica de que gozava.

O acórdão fundamento considerou todos esses argumentos válidos para a fixação da indemnização por desvalorização da parte sobrante, afastando apenas o argumento de que a casa ficou sujeita a níveis de poluição mais elevados, com o fundamento de que se trata de prejuízos que resultam indirectamente da expropriação.

E, nessa parte, concluiu que “o montante indemnizatório que melhor espelha a desvalorização sofrida pela casa de habitação, cuja utilização ficou bastante afectada, e pelo terreno envolvente que constituem a parte sobrante da parcela 482.1, é o valor fixado pela decisão arbitral (embora só para a desvalorização da casa, mas que entendemos englobar a desvalorização da restante área sobrante, por não resultar demostrada uma desvalorização autónoma), de € 30.000, procedendo, em parte, o recurso”.


No caso dos presentes autos, considerou o acórdão recorrido o seguinte:

“Como se viu a última das questões suscitadas pela Expropriante tem a ver com a desvalorização da parte sobrante.

E sabemos que neste ponto existe divergência entre a opinião dos três peritos nomeados pelo Tribunal e do perito indicado pelos Expropriados e a do perito indicado pela Expropriante.

Pelas razões já antes melhor enumeradas também aqui não encontramos razões para discordar da opinião assumida pela maioria dos peritos.

Recordemos pois o que a este propósito, os mesmos fizeram constar da respectiva peritagem para chegarem como chegaram ao valor de 79.380 €:

“Atenta a significativa redução do logradouro frontal da edificação existente (de primordial importância para o comércio – estacionamento e facilidade de cargas e descargas – mas também com algum peso para a componente habitacional), a grande diminuição da distância da mesma à estrada (com o consequente aumento significativo de ruído), o facto de a parte sobrante ter ficado a confrontar com um ramal de acesso directo a uma auto-estrada (sem berma sequer adequada à circulação pedonal) e ainda com acesso automóvel dificultado (quando anteriormente tinha três portões para a EN …), acarreta uma significativa desvalorização no valor real e corrente da parte sobrante, que os Peritos indicados pelo Tribunal e o Perito indicados pelos Expropriados avaliam em 30% do valor da edificação nela existente, ou seja 264.600,00 € x 0,30 = 79.380,00 €

De qualquer modo importa salientar que esta desvalorização é determinada no pressuposto de que o actual acesso á via colectora se mantém, isto é que o prédio tem acesso directo a essa via colectora (ramal de acesso e entrada na auto estrada) e que se manterá no futuro, o que, em boa verdade e dos elementos constantes dos autos, não resulta esteja assumido e garantido, nem pela Expropriante – AA S.A, nem pela concessionária – II.”


Perante as razões que constam da peritagem, a Expropriante solicitou esclarecimentos, tendo os peritos afirmado o seguinte:

“Os Peritos indicados pelo Tribunal e o Perito indicado pelos Expropriados avaliaram esta desvalorização, que é por demais evidente, de forma global.

Da leitura da explanação feita no laudo de peritagem pode concluir-se que a desvalorização avaliada resultou não só das questões “qualidade ambiental e “acessibilidade à parte sobrante” referidas no pedido de esclarecimentos formulado pela Expropriante, mas também da perda de funcionalidade acarretada para a parte sobrante em resultado da expropriação, embora esta esteja interligada de certa forma com a questão da acessibilidade.

Os Peritos podem afirmar que na sua opinião estas componentes foram todas elas afectadas de forma a justificarem a desvalorização global de 30% considerada, sendo certo que como resulta claro da mesma a componente deterioração das condições de acessibilidade e de funcionalidade tiveram o peso mais significativo e de forma a justificar plenamente a depreciação de 30% considerada (dado que a componente da depreciação ambiental/aumento de ruído apenas foi considerada como atendível na parte habitacional).

Mais referiram que “a desvalorização considerada não resultou da aplicação directa de qualquer fórmula matemática (com pesos e ponderações distintas), mas sim da apreciação global que os Peritos indicados pelo Tribunal e o Perito indicado pelos Expropriados fizeram das condições existentes antes e depois da expropriação, sendo certo que, com o devido respeito, é por demais evidente na opinião dos mesmos a desvalorização da parte sobrante.”

Depois de salientar a apreciação dos peritos, considerou o acórdão recorrido:

“Perante tal argumentação, é para nós claro que falecem os argumentos recursivos da Apelante sendo por demais evidente que em resultado do apresente acto expropriativo ocorreu uma desvalorização da parte sobrante.

Isto porque esta (desvalorização) decorre obviamente da construção da infra-estrutura rodoviária em causa e da expropriação que foi tida para o efeito como necessária.

Assim, bem andaram os peritos, quando por unanimidade, avaliaram o edifício na parte sobrante em 264.600.00€ e a maioria dos peritos quando atenderam às circunstancias resultantes da expropriação e da construção da infra-estrutura, nomeadamente, a significativa redução do logradouro frontal da edificação existente, de primordial importância para o comércio, estacionamento e facilidade de cargas e descargas mas também com algum peso para a componente habitacional, a grande diminuição da distância da mesma à estrada, com o consequente aumento significativo de ruído, o facto da parte sobrante ter ficado a confrontar com um ramal de acesso directo a uma auto-estrada, sem berma sequer adequada a circulação pedonal, com acesso automóvel dificultado (quando anteriormente tinha três portões para a E.N. …), factos estes que justificaram a desvalorização numa percentagem de 30 %.

E a tal não obsta apesar de não deixar de se ter em conta a circunstância já antes por demais referida, desta desvalorização ser determinada no pressuposto de que o actual acesso à via colectora se manterá no futuro.

Por fim, têm inteira razão os Expropriados quando defendem não haver qualquer duplicação de indemnização, já que uma coisa é a perda do logradouro que foi indemnizada, faz parte do valor do prédio expropriado e outra coisa diferente, é a perda da funcionalidade e desvalorização da parte sobrante decorrente dessa falta e das demais circunstâncias acima melhor enumeradas.

Assim sendo também nesta parte, bem andou a Sr.ª Juiz “a quo” quando aderindo a tal tese não deixou de considerar indemnizável nos termos sobreditos, a parte sobrante da parcela aqui expropriada”.


Muito embora, o acórdão recorrido a talho de foice fale na grande diminuição da distância da mesma à estrada, com o consequente aumento significativo de ruído, o certo é que arbitrou a indemnização fixada que havia sido fixada pelos peritos, sendo certo que na desvalorização encontrada os peritos acabaram por não tomar em conta o ruído ambiental, porque os outros factores foram bastantes para a desvalorização alcançada.


Aliás, analisando a sentença, para que o acórdão recorrido remete e que confirma integralmente, constata-se que, ao contrário do pretendido pela recorrente, esta salienta que a desvalorização da parte restante ocorreu em resultado do acto expropriativo, isto porque “a desvalorização decorre obviamente da construção da infra – estrutura rodoviária em causa e da expropriação que foi tida para o efeito necessária”, elencando seguidamente os factos que justificaram a desvalorização numa percentagem de 30%, onde se não inclui o ruído como factor de uma maior desvalorização.

Reanalisando o laudo dos peritos, laudo que o acórdão acolheu, estes consideraram que a desvalorização da parte restante resulta, em primeiro lugar, do acesso dificultado com que a parte sobrante ficou após a expropriação; em segundo lugar, resulta do facto da parcela ficar a confrontar com o ramal de acesso da auto - estrada, quando anteriormente confrontava com a EN … e finalmente da diminuição da distância da construção existente face à estrada. É certo que, a edificação foi implantada com determinado afastamento à via pública e de entre essas razões, não deixará certamente de estar o desejável resguardo que esse afastamento dava à habitação e área comercial.

Para além desse resguardo, tal afastamento permitia usufruir de um amplo logradouro frontal de muito relevante importância para a parte comercial mas também com alguma importância para a parte habitacional.

Isto significa que, ao contrário do pretendido pela Recorrente, o acórdão recorrido não decidiu que a desvalorização da parte sobrante que fixou, aderindo ao laudo dos árbitros, tenha sido calculada, tomando em consideração o alegado aumento do ruído.

Em parte alguma se refere que a depreciação de 30% a que chegaram haja resultado de qualquer deterioração da qualidade ambiental, nomeadamente ruídos.

Ora, como se considerou no acórdão deste STJ de 16/01/2012, para que se verifique a oposição de julgados é necessário que o acórdão fundamento e o acórdão recorrido contenham soluções opostas sobre questões expressamente tratadas e decididas.

Salvo o devido respeito, as soluções encontradas não são opostas porque a questão de direito que a Recorrente invocou não foi, em absoluto, decidida de modo diverso. Com efeito, constata-se que a questão de direito sobre que alegadamente teriam incidido as decisões contraditórias não exerceu efectiva influência no caso em apreço no acórdão recorrido.

Teremos, pois, de concluir que se não verifica a invocada contradição de julgados.

4.

A inadmissibilidade do recurso obstaculiza ao conhecimento das demais questões suscitadas no recurso.

5.

Sumariando:

I - Uma vez que a presente expropriação deu entrada em tribunal em 27/07/2007 e que o acórdão recorrido data de 10 de Julho de 2013 é aplicável ao presente recurso, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 11º do DL n.º 303/2007, de 24/08, e 7º da Lei n.º 41/2013, de 26/06, o regime recursório anterior ao DL n.º 303/2007.

II - No âmbito dos processos de expropriação, as decisões que se formem em 2ª instância não admitem recurso ordinário para o STJ, em virtude de norma especial expressa (artigo 66º, n.º 5, do Código das Expropriações), ressalvados os casos em que este é sempre admissível (artigo 678º do CPC).

III - Para a admissibilidade do recurso, nos termos do n.º 4 do artigo 678º do CPC (redacção anterior ao DL n.º 303/2007), impõe-se a verificação dos seguintes pressupostos: (i) dois acórdãos da mesma ou de diferente Relação em oposição sobre a mesma questão fundamental de direito, sendo idêntico o núcleo da situação de facto em ambos; (ii) que o acórdão fundamento seja anterior e tenha transitado em julgado; (iii) que o acórdão recorrido seja insusceptível de recurso, por motivo estranho à alçada; (iv) o acórdão recorrido não esteja de acordo com jurisprudência anteriormente fixada pelo STJ.

IV - A oposição de acórdãos, quanto à mesma questão fundamental de direito, verifica-se quando, perante uma idêntica situação de facto, a mesma disposição legal se mostre, num e noutro, interpretada e/ou aplicada em termos opostos.

V - Deve o Relator indeferir liminarmente o recurso com este fundamento sempre que não se verifique a alegada divergência jurisprudencial, quer por a questão não ter sido decidida de modo diverso, quer por ser diferente o quadro normativo em que se inserem as decisões, quer ainda por constatar que a questão de direito – sobre que incidiram as decisões contraditórias – não exerceu efectiva influência na decisão de um dos casos, designadamente por se tratar de argumento lateral ou acessório.

VI - Ressarcíveis no âmbito do processo expropriativo são apenas os danos resultantes da expropriação, e já não os danos que resultam indirectamente da mesma, como é o caso da perda ou deterioração da qualidade ambiental, ruídos resultantes da circulação automóvel e diminuição do valor de mercado em virtude de tais deteriorações.

VII - Não tendo a questão de direito invocada pela recorrente sido decidida no acórdão recorrido, mas apenas aflorada sem influência efectiva no caso concreto, não se pode falar de contradição de julgados.

6.

Pelo exposto, inverificada a contradição entre o acórdão-fundamento e o acórdão recorrido, o recurso de revista normal é inadmissível face ao disposto nos artigos 66º, n.º 5 do Código das Expropriações/99 conjugado com o artigo 678º, n.º 4 do Código de Processo Civil.


Custas pela Recorrente.


Lisboa, 20 de Novembro de 2014


Manuel F. Granja da Fonseca


António da Silva Gonçalves


Fernanda Isabel Pereira

___________________________
[1] - O que sempre afastaria a possibilidade da revista excepcional, uma vez que, tendo havido voto de vencido, não se verificaria a condição da sua admissibilidade – a dupla conforme.
[2] Ac. STJ de 18 de Abril de 2012, Processo n.º 3962/08.6TJCBR.C1-A.S1. Relator Cons. Alves Velho.
[3] Ac. STJ de 28 de Abril de 2002, Processo 03B1925 ITIJ.