Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
03B1917
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: ARAÚJO BARROS
Descritores: MATÉRIA DE FACTO
IMPUGNAÇÃO
REQUERIMENTO
INTERPOSIÇÃO DE RECURSO
PRAZO
APRESENTAÇÃO DAS ALEGAÇÕES
Nº do Documento: SJ200307080019177
Data do Acordão: 07/08/2003
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL PORTO
Processo no Tribunal Recurso: 3205/02
Data: 02/11/2003
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Sumário : 1. O apelante não tem que manifestar a sua intenção de impugnar a matéria de facto da sentença de que recorre, com a reapreciação da prova gravada, no requerimento de interposição do recurso.
2. Tal manifestação, expressa ou tácita, mas inequívoca, pode ser efectuada em qualquer momento, antes naturalmente de ter decorrido o prazo regra para apresentação das alegações previsto no nº. 2 do artº. 689º do C.Proc.Civil.
3. Serve como manifestação da intenção de impugnar a matéria de facto, designadamente para que goze do prazo adicional de 10 dias para alegar, nos termos do nº. 6 daquele artº. 689º, o requerimento em que, ainda antes de proferida a sentença de que vai recorrer, o recorrente pede que lhe seja fornecida cópia das gravações realizadas em audiência de julgamento.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

"A- Arquitectura e Construção, Lda." instaurou, no Tribunal Judicial de Ovar, acção declarativa de condenação, sob a forma ordinária, contra "B- Cooperativa de Habitação e Construção, CRL", pedindo a condenação desta no pagamento da quantia de 18.378.141$00, referente a trabalhos executados e ainda não liquidados relativamente a um contrato de empreitada, bem como de uma indemnização de 1.500.000$00 pelos prejuízos patrimoniais sofridos pela autora.
Contestou a ré, deduzindo reconvenção, que concluiu peticionando a sua absolvição do pedido e a condenação da autora no pagamento da quantia de 9.750.000$00, acrescida de juros moratórios desde a data da contestação até efectivo e integral pagamento, bem como no montante que se venha a liquidar em execução de sentença.
Os autos seguiram os seus normais termos, vindo, em 17 de Maio de 2002, a ser proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente, condenando a ré a pagar a autora os trabalhos por esta realizados e ainda não pagos e que se vierem a apurar em execução de sentença, bem como os prejuízos que, igualmente em execução de sentença, se vierem a apurar pela resolução do contrato de empreitada, absolvendo a ré do mais que lhe vinha pedido; e julgou improcedente a reconvenção, absolvendo dela a autora.

Nenhuma das partes se conformou com a decisão proferida, pelo que interpuseram recurso da mesma. Ambos os recursos foram admitidos como de apelação, com subida nos próprios autos e efeito suspensivo, por despachos de 13 de Junho de 2002.
Refere-se, depois, nos autos (fls. 407 e 408) que a Secretaria expediu a notificação desse despacho em 14 de Junho de 2002.
Em 20 de Setembro de 2002 deu entrada na Secretaria um requerimento do Exmo. Mandatário da ré-reconvinte dizendo que pretendia impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto, pelo que requeria lhe fossem confiadas as fitas magnéticas que contêm os registos dos depoimentos prestados em audiência de julgamento (fls. 411).
Em 25 de Setembro de 2002, deu entrada em juízo um outro requerimento, subscrito por ambas as partes, em que pediam a suspensão da instância ao abrigo do disposto no artº. 279º, nº. 4, do CPC, alegando necessidade de concluírem negociações em curso com vista a transacção, e tendo em conta que ambas haviam interposto recurso da sentença (fls. 413).
Por despacho de 9 de Outubro de 2002, o Mmo. Juiz julgou desertos os recursos por falta de alegações, e, face à decisão anterior, indeferiu o pedido de suspensão da instância, julgando o pedido inviável, em virtude de aquela se encontrar já finda.
De novo ambas as partes interpuseram recurso desse despacho, sendo estes recursos admitidos como de agravo, com subida imediata, nos próprios autos e efeito suspensivo (fls. 419, 423 e 430).
Na sequência do respectivo processamento, o Tribunal da Relação do Porto proferiu o acórdão de 11 de Novembro de 2003, no qual decidiu: "no provimento parcial do agravo da autora e provimento total do agravo da ré, revoga-se a decisão que indeferiu a suspensão da instância a pedido das partes (quando não havia ainda sentença transitada em julgado) e que considerou deserto o recurso da ré-reconvinte por falta de alegações, procedendo-se à substituição de tal decisão por outra que ordena a pretendida suspensão da instância, durante um período não superior a seis meses, e em que se não pode considerar ainda deserto o recurso da ré, em virtude de o prazo de alegações em recurso a respeito da matéria de facto não ter terminado ainda - e poder vir a ser retomado - se porventura, decorrido o período de suspensão e o período de tempo ainda em falta para apresentação delas, as partes não tiverem chegado a bom termo; mantém-se no entanto o despacho recorrido na parte em que julga deserto o recurso (de apelação) da autora, por falta de alegações.
Inconformada recorreu, agora, a autora (recurso de agravo em 2ª instância), pretendendo que, no provimento do recurso, se revogue o acórdão recorrido, na parte em que mantém o despacho proferido pelo Mmo. Juiz da 1ª instância, em que julga deserto o recurso (de apelação) da autora por falta de alegações, sendo proferido, em sua substituição, novo acórdão que considere ainda não deserto o recurso da autora em virtude do prazo de alegações em recurso a respeito da matéria de facto não ter terminado ainda.
Não foram apresentadas contra-alegações.
Verificados os pressupostos de validade e de regularidade da instância, corridos os vistos, cumpre decidir.

A recorrente findou as respectivas alegações formulando as conclusões seguintes (e é, em princípio, pelo seu teor que se delimitam as questões a apreciar no âmbito do recurso - artºs. 690º, nº. 1 e 684º, nº. 3, do C.Proc.Civil):
1. A agravante interpôs recurso da sentença proferida no Tribunal de 1ª Instância, recurso que foi admitido pelo Mmo. Juiz por despacho que foi notificado à recorrente em 17 de Junho de 2002.
2. Também a parte contrária interpôs recurso, nos mesmos termos, recurso este também aceite.
3. No decorrer de negociações estabelecidas entre a recorrente e a parte contrária, entenderam as partes requerer a suspensão da instância nos termos do nº. 4 do artº. 279º do CPC, o que fizeram em 24 de Setembro de 2002.
4. Posto isto, proferiu o Mmo. Juiz um despacho, em que julgou desertos os recursos, condenou os recorrentes nas respectivas custas e indeferiu a requerida suspensão da instância.
5. Deste despacho recorreu a autora, ora agravante, para o Tribunal da Relação do Porto, alegando em suma que o prazo para apresentação das alegações de ambas as partes só terminava em 27 de Setembro de 2002, prazo alargado a 40 dias conforme o preceituado no artº. 698º, nºs. 2 e 6 do CPC, dado estar em causa a reapreciação da prova gravada e que, tendo em conta o facto da agravante ter requerido a suspensão da instância no dia 24 de Setembro de 2002, ou seja, durante os 40 dias de prazo de que dispunha para o fazer, estava a mesma dentro do prazo legalmente estabelecido para apresentar as suas alegações.
6. No entanto, na decisão de que agora se recorre, esse não foi o entendimento dos Venerandos Desembargadores, que concluíram que a autora, ora agravante, não manifestou intenção de recorrer da fixação da matéria de facto, ao contrário da ré-reconvinte porquanto a mesma, no dia 20 de Setembro de 2002, deu entrada um requerimento em que pede lhe sejam confiadas as fitas magnéticas que contêm os registos dos depoimentos prestados em audiência de julgamento, o que significa que o prazo para as alegações primitivo seria alargado por mais dez dias sobre o prazo inicial para alegações, de acordo com o disposto no artº. 698º, nº. 6, do CPC.
7. No entanto tal facto não é verdadeiro, isto porque a ora agravante, muito antes da ré-reconvinte, requereu, em ordem a poder recorrer da fixação da matéria de facto, através de requerimento, que lhe fossem concedidas as reproduções das fitas magnéticas.
8. Tal era a intenção da autora, ora agravante, em recorrer da matéria de facto, que o fez ainda antes do Mmo. Juiz proferir sentença, ou seja: em 6 de Março de 2002, o Mmo. Juiz fixa por acórdão os factos que considerou provados, e os factos que considerou não provados; após tomar conhecimento desta decisão, a autora, prevendo o sentido da sentença a proferir, deu entrada em 18 de Março de 2002, de um requerimento no qual requereu a entrega de cópia da gravação integral da prova produzida em audiência de julgamento e bem assim como certidão da acta de audiência de julgamento; no seguimento do seu requerimento de 18 de Março de 2002, o Mmo. Juiz, por despacho de 8 de Abril de 2002, autorizou a entrega de cópia da gravação da prova e certidão da acta de audiência de julgamento, informando que para tal deveria entregar no tribunal 7 cassetes audio; as quais foram remetidas, junto com requerimento que deu entrada naquele tribunal em 12 de Abril de 2002.
9. Não poderiam, pelo exposto, os Venerandos Desembargadores concluir que a autora, ora agravante, não manifestou intenção de recorrer da fixação da matéria de facto, porque, na verdade, manifestou essa intenção, e muito antes da ré-reconvinte, pelo que não se pode julgar deserto o recurso interposto com fundamento na falta de apresentação das alegações, pois, tal como a ré-reconvinte, a autora dispunha ainda do prazo suplementar concedido pelo artº. 698º, nº. 6, do CPC.
10. Mais referindo o artº. 689º, nº. 6, que "se o recurso tiver por objecto a reapreciação da prova gravada, são acrescidos de 10 dias os prazos referidos nos números anteriores", fica a questão de saber quando deve o recorrente definir o objecto do recurso.
11. A essa questão responde o artº. 684º do CPC - "Delimitação subjectiva e objectiva do recurso", mais propriamente na segunda parte do seu nº. 2, que refere: "na falta de especificação, o recurso abrange tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao recorrente", ou seja, na falta de especificação o recurso abrange, quer a matéria de facto, quer a matéria de direito.
12. Nem outro entendimento poderia ser alcançado quando é a própria lei que define quais os requerimentos de interposição de recurso em que é necessária a indicação do respectivo fundamento (artº. 687º, nº. 1, do CPC), não sendo a falta de manifestação da intenção de recorrer da fixação da matéria de facto, uma das excepções do referido artigo, pelo que não necessitava a agravante de fazer menção do mesmo, mais é apenas e no âmbito das alegações de recurso que se torna indispensável definir o objecto do mesmo.
13. Assim, os Desembargadores do Tribunal da Relação do Porto, ao não permitirem à ora agravante apresentar as suas alegações tempestivamente, aplicaram erradamente o preceito legal constante do nº. 2 do artº. 291º do CPC, violando claramente o disposto nos artºs. 698º, nºs. 2 e nº. 6, 684º, nº. 2, segunda parte, e 687º, nº. 1, todos do CPC.

Não há necessidade de reproduzir, de novo, os factos que serviram de fundamento ao acórdão recorrido, na medida em que já constam do relatório acima elaborado.
Teremos, porém, em consideração, porquanto podem relevar para a decisão a proferir, ainda que:
i) - em 6 de Março de 2002, o Mmo. Juiz da 1ª instância proferiu decisão acerca da matéria de facto controvertida, e dessa decisão foram notificados os mandatários das partes, que se encontravam presentes (fls. 356 a 365);
ii) - em 18 de Março de 2002, a autora, ora agravante, deu entrada de um requerimento, solicitando a entrega de cópia da gravação integral da prova produzida em audiência de julgamento e bem assim como certidão da acta de audiência de julgamento (fls. 367);
iii) - em 5 de Abril de 2002, pronunciando-se sobre tal requerimento, o Mmo. Juiz proferiu despacho do seguinte teor: "Fls. 367 - entrega de cópia da gravação da prova - cumpra-se o disposto no artº. 7º, nºs. 1 e 2, do Dec.lei nº 37/95, de 18 de Fevereiro; - certidão da acta de audiência de julgamento - satisfaça (fls. 368);
iv) - a Secretaria passou a certidão da acta (fls. 368 vº), notificando o mandatário da agravante para fazer a entrega no tribunal 7 cassetes (fls. 369);
v) - tais cassetes foram remetidas, acompanhando requerimento que deu entrada no tribunal em 12 de Abril de 2002 (fls. 370);
vi) - em 24 de Abril de 2002, foi lavrado pela Secretaria termo de entrega de 7 cassetes ao Senhor C (fls. 394).

Está em causa no âmbito do recurso tão somente a questão de saber se na data em que ambas as partes (agravante e agravada) requereram a suspensão da instância - 25 de Setembro de 2002 - estava ou não esgotado o prazo para a agravante apresentar as alegações no recurso de apelação que interpusera da sentença proferida na 1ª instância, tanto quanto é certo que os recursos são julgados desertos pela falta de alegação (tempestiva) do recorrente (artºs. 291º, nº. 2 e 690º, nº. 3, do C.Proc.Civil) (1).
Entende a recorrente, ao contrário do decidido no acórdão em crise, que tal prazo ainda não havia transcorrido, porquanto só terminaria em 27 de Setembro.
O artº. 698º, nº. 2, fixa, como regra, o prazo de alegações em 30 dias, contados da notificação do recebimento do recurso. Por seu turno, excepcionando aquele regime, estabelece o nº. 6 do mesmo artº. 698º que se o recurso tiver por objecto a reapreciação da prova gravada, aquele prazo é acrescido de 10 dias.
Ora, uma vez que na data em que foi apresentado o requerimento a pedir a suspensão da instância já o prazo de 30 dias estava esgotado (tendo ocorrido a notificação do despacho de recebimento da apelação em 17 de Junho de 2002, aquele prazo, contado nos termos do artº. 144º, nº. 1, findara em 17 de Setembro - ou em 20 com multa), importa averiguar se, in casu, a recorrente beneficiava ou não do prazo adicional de 10 dias previsto no nº. 6 do citado artº. 698º.
A ora agravante, no requerimento de interposição do recurso da sentença da 1ª instância, limitou-se a referir que "não se conformado com a douta decisão, dela vem interpor recurso de apelação para o Tribunal da Relação do Porto" (fls. 405).
Não fez nele qualquer referência à intenção de, nesse recurso, impugnar também a decisão recorrida quanto à matéria de facto (através da reapreciação da prova gravada).
Nem teria, em nossa opinião, que o fazer naquele momento.
É certo que, sob pena de subversão do regime estatuído no artº. 698º - transformando-se a excepção do nº. 6 em regra e a regra do nº. 2 em excepção - sempre terá que existir, por parte do recorrente, para poder beneficiar do prazo adicional de 10 dias previsto no nº. 6, a inequívoca manifestação de que pretende impugnar a matéria de facto.
Todavia, nada na nossa lei adjectiva exige que tal manifestação seja efectuada especificadamente no requerimento de interposição do recurso.
Com efeito, por um lado, do nº. 3 do artº. 684º extrai-se a ilação de que, por norma, o recorrente não tem que indicar, no requerimento de interposição, os fundamentos por que pretende impugnar a decisão recorrida: quando não especificados tais fundamentos, o recurso abrange tudo o que na sua parte dispositiva for desfavorável ao recorrente. E só nas alegações posteriormente apresentadas é que o recorrente tem o ónus de indicar, de forma sintética, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida: versando o recurso sobre matéria de direito, indicará as normas jurídicas violadas, o sentido em que, no seu entender, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas e, invocando erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada (artº. 690º, nº. 2); quando se impugne a matéria de facto, especificará quais os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados e quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que imponham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida (artº. 690º-A, nº. 1).
Doutro passo, e a contrario, uma vez que só excepcionalmente o fundamento do recurso tem que ser imediatamente indicado - violação das regras de competência internacional, da matéria ou da hierarquia; ofensa de caso julgado; contradição entre dois acórdãos da mesma ou de diferente Relação sobre a mesma questão fundamental de direito, a menos que a orientação perfilhada pelo último acórdão esteja de acordo com a jurisprudência anteriormente fixada pelo STJ; discordância com jurisprudência uniformizada pelo STJ; oposição de acórdão interlocutório da Relação, editado em recurso de agravo, com outro, proferido no domínio da mesma legislação pelo STJ ou por qualquer Relação, e não tiver sido fixada pelo Supremo, nos termos dos artºs. 732º-A e 732º-B, jurisprudência conforme ao último acórdão (2) - não será exigível para o recorrente que proceda logo no requerimento de interposição do recurso à indicação de que intende impugnar a decisão do tribunal recorrido acerca da matéria de facto.
Foi, aliás, nesta perspectiva que o acórdão recorrido considerou procedente o agravo interposto pela ré, porquanto também esta não exprimiu no requerimento de interposição a sua intenção de impugnar a decisão sobre a matéria de facto (cfr. fls. 401).
Ora, a nosso ver, não subsistem quaisquer dúvidas sobre a intenção da agravante em impugnar a matéria de facto, vendo reapreciada a prova gravada, quando, logo após a leitura da decisão de facto, e ainda antes de proferida a sentença, requereu a entrega da cópia da gravação integral da prova produzida em audiência de julgamento, gravação essa que lhe foi entregue em 7 cassetes.
Não se tratará de uma manifestação expressa, mas não pode deixar de se considerar inequívoca (traduz um comportamento em tudo dirigido àquele desiderato).
Com um senão. É que o pedido de entrega da prova gravada foi apresentado quando ainda não havia sido interposto qualquer recurso (nem mesmo a sentença havia sido proferida).
Simplesmente, neste aspecto, não pode esquecer-se a tendência desburocratizante da Reforma de 1995, que considera "o processo civil um instrumento ou talvez mesmo uma alavanca no sentido de forçar a análise, discussão e decisão dos factos e não uma ciência que olvide esses factos para se assumir apenas como uma teorética de linguagem hermética, inacessível e pouco transparente para os seus destinatários". E isto na medida em que "o direito de acesso aos tribunais envolverá identicamente a eliminação de todos os obstáculos injustificados à obtenção de uma decisão de fundo, que opere a justa e definitiva composição do litígio, privilegiando-se assim claramente a decisão de fundo sobre a mera decisão de forma" (3).

É nesta evolução do direito processual que se consagram, agora (alguns deles já anteriormente aplicados) princípios como o da adequação formal, do máximo aproveitamento dos actos praticados pelas partes, da cooperação e da economia e celeridade processuais, de que resulta que "a dinâmica do processo, em geral, e de cada qual dos actos processuais em particular, deve desenrolar-se e ser levada a cabo em termos de estrita indispensabilidade e adequação funcional e pelo modo mais idóneo, de harmonia com a ideia base de deverem ser produzidos e merecer consideração e aproveitamento todos aqueles que relevam, em termos de utilidade e eficácia, para a validade e regularidade da instância e para a obtenção de uma decisão de mérito vinculante de todos os efectivamente interessados. Deste modo, além de uma ideia de oportunidade e de idoneidade dos actos praticados - e respectivas formalidades - para atingir os fins visados com a sua previsão legal ou a sua determinação pelo tribunal, estará ainda subjacente a este princípio uma ideia de aproveitamento útil dos mesmos actos, ainda que tenham sido realizados com preterição de algumas formalidades, desde que não colidam com as garantias das partes ou não possam influir negativamente, de forma relevante, no interesse público da administração da justiça" (4).
E, assim sendo, por se enquadrar no domínio dos princípios equacionados (e designadamente no espírito de normas como as dos artºs. 265º, 265º-A e 288º, nº. 3) afigura-se-nos que o pedido de entrega de cópia da gravação da prova em audiência apresentado pela recorrente (e deferido) se bem que antes ainda de proferida a sentença final, devia ter sido tomado em consideração como manifestação da intenção, por parte da requerente, de impugnar a decisão sobre a matéria de facto, com a reapreciação da prova gravada, por forma a que as suas alegações, em conformidade com o disposto no nº. 6 do artº. 289º, pudessem ser apresentadas no prazo de 40 dias a contar da notificação do despacho de recebimento do recurso.
Sendo assim, como é óbvio, no dia 25 de Setembro de 2002, quando entrou em tribunal o pedido de suspensão da instância, ainda o prazo para que a recorrente apresentasse as alegações da apelação não tinha decorrido.
Em consequência, o recurso de apelação por ela interposto não devia ter sido julgado deserto.

Termos em que se decide:
a) - conceder provimento ao recurso de agravo interposto pela autora "A- Arquitectura e Construção, Lda.";
b) - revogar o acórdão recorrido, e considerar que o recurso de apelação interposto por aquela autora da sentença da 1ª instância se não encontra deserto por não se ter ainda esgotado o prazo para apresentação das alegações;
c) - não tributar o recurso, por força do preceituado no artº. 3º, al. o), do C. Custas Judiciais.

Lisboa, 8 de Julho de 2003
Araújo Barros
Oliveira Barros
Salvador da Costa
_________________
(1) Diploma a que pertencem todas as disposições adiante indicadas sem outra referência.
(2) Fernando Amâncio Ferreira, in "Manual dos Recursos em Processo Civil", Coimbra, 2000, pág. 113.
(3) Cfr. Preâmbulo do Dec.lei nº 329-A/95, de 12 de Dezembro.
(4) J. Pereira Batista, in "Reforma do Processo Civil - Princípios Fundamentais", Lisboa, 1997, págs. 77 e 78.