Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
06P2678
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: SANTOS CABRAL
Descritores: INSUFICIÊNCIA DA MATÉRIA DE FACTO
DIREITO AO RECURSO
REJEIÇÃO DE RECURSO
CONSTITUCIONALIDADE
RECURSO DA MATÉRIA DE FACTO
CONVITE AO APERFEIÇOAMENTO
MOTIVAÇÃO DO RECURSO
CONCLUSÕES DA MOTIVAÇÃO
MEDIDA DA PENA
COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Nº do Documento: SJ200610040026783
Data do Acordão: 10/04/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Decisão: REJEITADO O RECURSO.
Sumário : I - O vício de «insuficiência para a decisão» relevante para integração do normativo do art. 410.º, n.º 2, al. a), do CPP não pode ser confundido, como frequentemente sucede, com erro de julgamento, que resultaria de errada apreciação da prova ou insuficiência desta para fundamentar a decisão recorrida.
II - É um dado adquirido em termos dogmáticos que o conceito de insuficiência da matéria de facto provada significa que os factos apurados e constantes da decisão recorrida são insuficientes para a decisão de direito, do ponto de vista das várias soluções que se perfilem
- absolvição, condenação, existência de causa de exclusão da ilicitude, da culpa ou da pena, circunstâncias relevantes para a determinação desta última, etc. - e isto porque o tribunal deixou de apurar ou de se pronunciar sobre factos relevantes alegados pela acusação ou pela defesa ou resultantes da discussão da causa, ou ainda porque não investigou factos que deviam ter sido apurados na audiência, visto a sua importância para a decisão, por exemplo para a escolha ou determinação da pena.
III - O STJ tem vindo a considerar inconstitucional, por violação do direito a um processo equitativo e do próprio direito ao recurso, as normas dos n.ºs 3 e 4 do art. 412.º do CPP, na interpretação segundo a qual o incumprimento dos ónus aí fixados conduz à rejeição do recurso, sem a possibilidade de aperfeiçoamento.
IV - Assim se decidiu que se o recorrente não deu cabal cumprimento às exigências do n.º 3 e especialmente do n.º 4 do art. 412.º do CPP, a Relação não pode sem mais rejeitar o recurso em matéria de facto, nem deixar de o conhecer, por ter por imodificável a matéria de facto,
nos termos do art. 431.º do CPP. Entendendo a Relação que o recorrente não forneceu os elementos legais necessários para reapreciar a decisão de facto nos pontos que questiona, a solução não é a «improcedência», por imodificabilidade da decisão de facto, mas o convite para a correcção das conclusões.
V - O TC já teve por aplicável às especificações referidas nos n.ºs 3 e 4 do mesmo art. 412.º a declaração com força obrigatória geral da inconstitucionalidade da norma do art. 412.º, n.º 2, do CPP (cf. Acs. n.ºs 259/03, DR, II Série, de 13-02-2002, e 140/04, DR, II Série, de 17-04-2004), distinguindo este último acórdão a deficiência resultante da omissão na motivação dessas especificações, caso em que o vício seria insanável, da omissão de levar as especificações constantes do texto da motivação às conclusões, situação que impõe o convite à correcção, aliás na senda do que tem sido o entendimento deste STJ de que o conteúdo do texto da motivação constitui um limite absoluto que não pode ser extravasado através do convite à correcção das conclusões da motivação.
VI - Se em relação aos factos integrantes dos tipos legais pelos quais foi condenado o recorrente se limita a negar a sua prática, sem concretizar quaisquer provas que imponham decisão diversa, é de concluir que em sede de motivação o recorrente não cumpre o ónus que sobre si impendia, o que sufraga a decisão de rejeição proferida pelo Tribunal da Relação.
VII - Todos estão hoje de acordo em que é susceptível de revista a correcção do procedimento ou das operações de determinação da pena, o desconhecimento pelo tribunal ou a errónea aplicação dos princípios gerais de determinação, a falta de indicação de factores relevantes para aquela, ou, pelo contrário, a indicação de factores que devam considerar-se
irrelevantes ou inadmissíveis.
VIII - Não falta, todavia, quem sustente que a valoração judicial das questões de justiça ou de oportunidade estariam subtraídas ao controlo do tribunal de revista, enquanto outros distinguem: a questão do limite ou da moldura da culpa estaria plenamente sujeita a revista, assim como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não a
determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto de pena, para controlo do qual o recurso de revista seria inadequado. Só não será assim e aquela tradução será controlável mesmo em revista, se, v. g., tiverem sido violadas regras da experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada. Esta última posição é a defendida por
Figueiredo Dias e aquela que tem sido sustentada em diversas decisões deste Supremo Tribunal.
IX - Se na decisão recorrida se equaciona devidamente a determinação do fim das penas no caso vertente e na sua tríplice dimensão de justa retribuição da culpa, de contribuição para a reinserção social do arguido em sede de prevenção especial, e de neutralizar os efeitos negativos da prática do crime em sede de prevenção; se mostram elencados os elementos
fácticos relevantes para individualização penal; e se torna patente, de forma razoável, consciente e suficiente, a conexão intelectual entre aqueles elementos de facto e os fins das penas, encontram-se correctamente definidos os parâmetros dentro dos quais tem lugar a fixação da medida concreta da pena, não se vislumbrando razão para colocar em causa a
decisão no respeitante às penas parcelares e à pena conjunta. *

* Sumário elaborado pelo Relator.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

"AA" veio interpor recurso da decisão que o condenou, pela autoria material de um crime de roubo do art° 210°, nºs 1 e 2- b), 204°, nº 1- a) e 202°- a), todos do CP, na pena de 3 anos e 4 meses de prisão, pela autoria material de um crime de burla qualificada dos art° 217° e 218, nº 1 e 202°- a), todos do CP, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão, pela autoria material de um crime de falsificação do art° 256°, nº 1- c) do CP, na pena de 1 ano de prisão, fixando-lhe a pena única, em cúmulo jurídico, de 4 anos de prisão, condenando-o ainda em indemnização civil ao demandante BB.
As razões da sua discordância encontram-se expressas nas conclusões da sua motivação de recurso onde se refere que:
a) - O recorrente levantou no presente recurso uma questão prévia, uma vez que verificou que o demandante terá respondido ao seu recurso.
b)- No entanto, o referido resposta nunca foi notificado ao recorrente, de acordo com o artigo 413°, nº2 do C.P.P.
c)- Entende, por isso, que o presente processo deveria ser remetido ao Tribunal do Comarca de Sintra, para que este possa corrigir a referida situação
d)-Refere ainda, no seu recurso que entende que o Tribunal da Relação de Lisboa não fez uma boa aplicação do artigo 420°, nº1 do C.P.P. -
e)- Corno foi referido no presente recurso, o recorrente entende que o recurso por si interposto se encontra bem fundamentado. indicando todos os factos que no seu entender deveriam ter tido outra solução.
f)- Fundamenta tal conclusão com base nas cassetes que foram gravadas em audiência de julgamento
g)-O recorrente respeitou o artigo 412 nº 2 Código de Processo Penal o que implica que o recurso não possa ser rejeitado.
h)-Sempre se poderá aceitar que as conclusões estarão muito resumidas mas a verdade é que tais apenas servem para se fazer um resumo do que se passou ou seja terá que ser sempre valorado as motivações apresentadas pelo recorrente
9-Mais entende o recorrente e face ao mencionado pelo Tribunal da Relação que deveria o mesmo ter notificado o recorrente para corrigir tal situação.
10-Aceitando-se o exposto entende o recorrente que os autos deverão ser remetidos ao Tribunal da relação de Lisboa para correcção e para que o processo siga os termos normais.
11-Mais alega o recorrente que, em sede de apreciação da prova foi invertido o ónus da prova
12-No que respeita á medida da pena entende que não foram valorados os seguintes factores: data dos factos-2003; o facto de sempre ter trabalhado como vendedor ambulante; é o mesmo que faz face ás despesas do seu lar pois é o único que possui uma actividade profissional; sempre colaborou com a justiça.
13-Entende, assim, que a pena aplicada deveria ser reduzida e suspensa na sua execução.
Pelo Ministério Público foi produzida resposta propondo a rejeição liminar do presente recurso por ser manifesta a sua improcedência ou, caso assim não se entenda, negar-lhe provimento.
Neste Supremo Tribunal de Justiça a ExªMª Sr.Procuradora Geral Adjunta apôs o seu visto.
Os autos tiveram os vistos legais

Cumpre decidir.
No julgamento a que foi sujeito em sede de primeira instância considerou-se provada a seguinte factualidade:
Em finais do mês de Setembro de 2003, BB foi contactado por três indivíduos de etnia cigana, que se mostraram interessados na compra da viatura ligeiro de passageiros, de marca Mitsubishi, modelo Pagero, com a matrícula KC, avaliada em 7500,00 Euros, em cujo vidro havia o mesmo afixado, para o efeito, o respectivo número de telemóvel;
2. Como os interessados compradores pretendiam pagar em cheque o negócio não se realizou;
3. No dia 3.10.04, cerca de uma semana depois desse primeiro contacto, BB foi contactado de novo pelos interessados que prometeram efectuar o pagamento por transferência bancária, combinando então um encontro na Av. dos Bons Amigos, no Cacém, pelas 18H00 desse mesmo dia;
4. Compareceram perante si o ora arguido AA, acompanhado de um outro indivíduo não identificado, mas que também esteve presente no primeiro contacto, combinando ir dar uma volta com eles, para que experimentassem a viatura, seguindo o arguido AA ao volante;
5. Seguiram em direcção à Quinta das Águas Férreas, em Agualva, Cacém, e, ao chegarem às proximidades do cruzamento da Renault, em Venda Seca, BB pediu que o arguido AA efectuasse inversão de marcha, o que este não acatou, parando a viatura, ocasião em que BB tentou retirar a chave da ignição, mas não o conseguiu, por causa do sistema de segurança instalado de origem n veículo;
6. Nesse instante o arguido AA desferiu sobre BB um soco, acabando. com a ajuda do indivíduo que o acompanhava, não identificado, por retirar BB, à força, do interior da viatura, que ambos fizeram sua, colocando-se em fuga;
7. No seu interior seguiam os documentos da viatura - livrete e título de registo de propriedade­ e, ainda, uma fotocópia do BI e do Cartão de Contribuinte de BB, de que o arguido também se apoderou;
8. Na posse da viatura, o arguido AA, juntamente com a filha, a arguida CC e outro indivíduo, no dia 16.10.03, a hora não determinada, dirigiram-se a casa de DD, em ...., Carvalhos, Porto, a qual desconhecia o origem do veículo;
9. Nesse dia também os acompanhou EE, mãe da arguida CC;
10, Nesse dia, porém, não se realizou o negócio, já que os arguidos queriam a totalidade do pagamento em dinheiro pretendendo DD pagar parte do preço com a entrega de uma outra viatura;
11 No dia 18.10.03, junto às Bombas da BP de ..., Porto, os arguidos encontraram-se novamente com DD e, desta vez, também com o pai desta, FF, sendo que para o efeito fizeram-se os arguidos transportar no referido veículo JC;
12. Uma vez aí foi efectuado o negócio, tendo DD entregado aos arguidos a quantia de 1 750,00 Euros em dinheiro e a viatura de marca Toyota, modelo Hiace, com a matrícula OQ, avaliada em 3 500,00 Euros;
13. Os arguidos, juntamente com a viatura, entregaram à DD as duas chaves da viatura, dois comandos do alarme, o livrete, o título de registo de propriedade e, ainda, um requerimento­ declaração para registo de propriedade, já preenchido e assinado, com excepção dos dados referentes ao comprador, bem como cópia do BI e Cartão de Contribuinte de BB;
14. DD pediu e conseguiu que os arguidos lhe passassem um termo de responsabilidade relativo à carrinha que lhes entregou o que foi assinado pela arguida CC;
15. Efectuado o negócio e com base na declaração que os arguidos lhe entregaram o marido de DD, o GG, registou a viatura em seu nome;
16, No âmbito do Processo n°159/04.8 GAALQ foi detido o arguido AA, sendo que então se fazia transportar na carrinha de marca Toyota Hiace, com a matrícula OO, que recebeu em pagamento do veículo de BB;
17. O arguido AA sabia que o requerimento-declaração para efeitos de registo automóvel não tinha sido preenchido pelo proprietário do veículo KC, mas na posse dos documentos que havia subtraído ao mesmo (cópia de bilhete de identidade e cartão de contribuinte) fez preencher o mesmo por meio não apurado e inscrever nesse documento assinatura idêntica à de BB, com a vista afazer crer à compradora que havia adquirido o veículo KC deforma lícita o que conseguiu;
18. DD acreditou na proveniência lícita do veículo KC e, só por isso, concluiu o negócio nos termos acima descritos;
19. O arguido AA, em união de esforços com um indivíduo de identidade não apurada, com o uso da força pelo modo acima descrito conseguiu subtrair o veículo KC a BB, integrando-a no seu património, bem sabendo que agia contra a vontade do proprietário e que a sua conduta era punível por lei penal;
Agiu ainda o arguido AA com o intuito de enganar DD e de obter para si um enriquecimento que sabia indevido, fazendo-a pensar que o veículo tinha proveniência lícita e que a declaração-requerimento para registo automóvel havia sido preenchido e assinado por BB;
2 J. BB viu-se privado do uso do veículo, que ainda hoje se encontra apreendido;
22. BB exerce a actividade de moldureiro, possui estabelecimento comercial próprio e teve de recorrer a favores de amigos para suprir a falta do seu transporte próprio;
23. O veículo de BB apresentava dois pneus furados, uma avaria no diferencial do eixo traseiro (ao nível da transmissão), baterias descarregadas, e a inexistência do painel do rádio;
24. À data da subtracção o veículo encontrava-se em bom estado de conservação;
25. Anteriormente o arguido AA foi condenado, por factos de
28 de Agosto de 2001 e decisão de 03 de Julho de 2003, na pena de 120 dias de multa à taxa diária de 5 Euros;
26. O arguido AA é vendedor ambulante de profissão;
27. Vive juntamente com uma companheira com quem tem 6 filhos com idades compreendidas
entre os 8 e os 25 anos de idade.
II - Factos não provados Não resultou provado que:
J. A arguida CC tivesse conhecimento da proveniência ilícita do veículo KC, e, tivesse nesse pressuposto, negociado a venda a DD;
2. O arguido se tenha deslocado a casa de DD na companhia de "HH" que sabia que GG estava interessado na compra de um veículo todo-o-terreno;
3. Tivesse sido o II a conduzir o veículo até Carvalhos, Porto;
4. A reparação do veículo custe 5.500,00 Euros".

Impugnando, por via de recurso interposto junto do Tribunal da Relação de Lisboa, a decisão recorrida, o arguido, nos artigos 11 a 49 da sua motivação de recurso, manifesta a sua discordância em relação á matéria de facto, impugnando-a. Tal impugnação emerge com a indicação dos factos que considera incorrectamente provados e, ainda, das provas que impõem decisão diversa da recorrida.
Porém, á revelia de conceitos por demais sedimentados, o recorrente, em sede de conclusões classifica a sua discordância e impugnação da matéria de facto como "uma insuficiência para a decisão" relevante para integração do normativo do artigo 410 nº2 alínea a) do Código de Processo Penal. Este vício não pode ser confundido, como frequentemente sucede e sucedeu no caso vertente, com erro de julgamento, que resultaria de errada apreciação da prova produzida ou insuficiência desta para fundamentar a decisão recorrida.
Na verdade é um dado adquirido em termos dogmáticos que o conceito de insuficiência da matéria de facto provada significa que os factos apurados e constantes da decisão recorrida são insuficientes para a decisão de direito, do ponto de vista das várias soluções que se perfilem - absolvição, condenação, existência de causa de exclusão da ilicitude, da culpa ou da pena, circunstâncias relevantes para a determinação desta última, etc. - e isto porque o tribunal deixou de apurar ou de se pronunciar sobre factos relevantes alegados pela acusação ou pela defesa ou resultantes da discussão da causa, ou ainda porque não investigou factos que deviam ter sido apurados na audiência, vista a sua importância para a decisão, por exemplo, para a escolha ou determinação da pena (entre outros, cf. o Acórdão de 3/7/2002, Proc. n.º 1748/02 da 3ª Secção, Sumários dos Acórdãos das Secções Criminais, edição anual 2002, p. 242).

Pronunciando-se sobre sobre a impugnação deduzida a decisão recorrida refere que " Ao alegar a insuficiência de prova - isto é, a não prova dos factos - com remessa simultânea para o art° 410°, nº 2- a) do CPP - onde se corporiza um vício fáctico que se verifica " ... quando os factos provados forem insuficientes para justificar a decisão proferida" ou quando, dito de outro modo, " ... a matéria de facto dada como provada não permita uma decisão de direito, necessitando de ser completada -o recorrente manifesta apenas grande confusão de conceitos.
Ora, é evidente, face à dita motivação da convicção, que se fez prova dos factos e, por outro lado, o texto da decisão recorrida não contém qualquer vício do art° 410°, n° 2 do CPP, designadamente não se verifica a referida insuficiência para a decisão da matéria de facto provada"
Sem qualquer margem para duvida que é exacta a conclusão e, necessariamente, correctas as suas premissas. Porém, a mesma não abarca toda a globalidade das questões suscitadas com a patologia do recurso apresentado pois que, se é certo que nenhum fundamento existe para invocação daquele vicio, resta apreciar a impugnação da materialidade fáctica que se consubstancia na motivação mas não se encontra traduzida nas respectivas conclusões de recurso.
A decisão de tal questão não pode, nem deve, ser afectada pela incorrecta qualificação jurídica outorgada pelo recorrente á qual o tribunal não está vinculado.
Na verdade, o Supremo Tribunal de Justiça tem vindo a considerar inconstitucional, por violação dos direitos a um processo equitativo e do próprio direito ao recurso, as normas dos n.ºs 3 e 4 do art. 412.º do CPP na interpretação segundo a qual o incumprimento dos ónus aí fixados, conduz à rejeição do recurso, sem a possibilidade de aperfeiçoamento (cfr. Acs de 26-9-01, proc. n.º 2263/01, de 18-10-01, proc. n.º 2374/01, de 10-4-02, proc. n.º 153/00, de 5-6-02, proc. n.º 1255/02, de 7-10-04, proc. n.º 3286/04-5, de 17-2-05, proc. n.º 4716/04-5, e de 15-12-05, proc. n.º 2951/05-5,).
Assim se decidiu que se o recorrente não deu cabal cumprimento às exigências do n.º 3 e especialmente do n.º 4 do art. 412.º do CPP, a Relação não pode sem mais rejeitar o recurso em matéria de facto, nem deixar de o conhecer, por ter por imodificável a matéria de facto, nos termos do art. 431.º do CPP. Entendendo a Relação que o recorrente não forneceu os elementos legais necessários para reapreciar a decisão de facto nos pontos que questiona, a solução não é "a improcedência", por imodificabilidade da decisão de facto, mas o convite para a correcção das conclusões. (Acs de 7-11-02, proc. n.º 3158/02-5 e de 15-5-03, proc. n.º 985/03-5).

O Tribunal Constitucional já teve por aplicável às especificações referidas nos n.º 3 e 4 do mesmo artigo 412.º (Ac. n.º 259/03, DR, IIS, de 13.02.02 e n.º 140.04, DR, IIS, de 17-4-04) a declaração com força obrigatória geral da inconstitucionalidade da norma do art. 412.º, n.º 2, do CPP já referida
E distingue este último acórdão a deficiência resultante da omissão na motivação dessas especificações, caso em que o vício seria insanável, da omissão de levar as especificações constantes do texto da motivação às conclusões, situação que impõe o convite à correcção. Aliás na senda do que tem sido o entendimento deste Supremo Tribunal de Justiça de que o conteúdo do texto da motivação constitui um limite absoluto que não pode ser extravasado através do convite à correcção das conclusões da motivação (cfr os Acs do STJ de 11-1-01, proc. n.º 3408/00-5, de 8-11-01, proc. n.º 2453/01-5, de 4-12-03, proc. n.º 3253/03-5 e de 15-12-05, proc. n.º 2951/05-5, do mesmo Relator).

Face ao exposto podemos sufragar uma alternativa viável na perspectivação do caso vertente: ou a motivação de recurso dirigida ao Tribunal da Relação contem os pontos referidos no nº3 do artigo 412 do CPP e o Tribunal de recurso devia convidar a corrigir as conclusões; ou não contem tais indicações e bem andou o mesmo Tribunal ao rejeitar o recurso nos termos que o fez.
No que concerne e analisando aquela motivação verifica-se que o recorrente oferece uma discordância concreta em relação a ponto secundário e irrelevante (ponto 16). Porém, em relação aos factos integrantes dos tipos legais pelos quais foi condenado o mesmo limita-se a negar a sua prática, mas sem que concretize quaisquer provas que impõem decisão diversa,
Assim estamos em crer que também em sede de motivação o recorrente não cumpre o ónus que sobre si impendia o que, nos termos indicados, sufraga a decisão de rejeição que, no que respeita, foi proferida pelo tribunal da Relação.

II
Insurge-se o recorrente em relação á medida da pena que lhe foi aplicada. Tal discordância situa-se em dois planos distintos:
a)-Entende que não foram valorados os seguintes factores: data dos factos-2003; o facto de o recorrido sempre ter trabalhado como vendedor ambulante; é o mesmo que faz face ás despesas do seu lar pois é o único que possui uma actividade profissional; sempre colaborou com a justiça.
b)-Entende, assim, que a pena aplicada deveria ser reduzida e suspensa na sua execução.
Reportando-nos á decisão recorrida e, nomeadamente, em sede de determinação da medida da pena refere-se que:
"Neste ponto, importa considerar que a ilicitude das condutas do arguido é muito elevada, pelo planeamento cuidado patenteado nas diversas abordagens a BB, a violência empregue com recurso à superioridade numérica para garantir o êxito do plano criminoso deixando, de todo, desprotegida a vítima que é defraudada e encurralada de modo insidioso.
O dolo é intenso pela persistência e planeamento por vários dias, o mesmo acontecendo para os crimes de burla e falsificação.
O arguido apresenta condenação anterior recente, embora por crime de diferente natureza.
As necessidades de prevenção especial são manifestas, pelo modo de execução vindo de descrever, não se vislumbrando a existência de mecanismos inibidores internos no comportamento do arguido que nasceu no ano de 1957 e, portanto, conta já com considerável experiência de vida que o deveria manter afastado da prática de crimes.
O arguido vive juntamente com uma companheira com quem tem 6 filhos. É vendedor ambulante de profissão".
Conforme refere Figueiredo Dias (1) o dever jurídico substantivo e processual de fundamentação visa justamente tornar possível o controlo- total nos Tribunais da Relação, limitado ás questões de direito no caso do Supremo Tribunal- da decisão sobre a determinação da pena.
Todos estão hoje de acordo em que é susceptível de revista a correcção do procedimento ou das operações de determinação, o desconhecimento pelo tribunal ou a errónea aplicação dos princípios gerais de determinação, a falta de indicação de factores relevantes para aquela, ou, pelo contrário, a indicação de factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis. Não falta, todavia, quem sustente que a valoração judicial das questões de justiça ou de oportunidade estariam subtraídas ao controlo do tribunal de revista, enquanto outros distinguem: a questão do limite ou da moldura da culpa estaria plenamente sujeita a revista, assim como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto de pena, para controlo do qual o recurso de revista seria inadequado. Esta última posição, defendida por aquele Mestre igualmente é aquela que tem sido sustentada em diversas decisões deste Supremo Tribunal.
Só não será assim, e aquela tradução será controlável mesmo em revista, se, v. g., tiverem sido violadas regras da experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada. (2)

Sindicando agora a decisão recorrida verifica-se que a mesma equaciona devidamente a determinação do fim das penas no caso vertente e na sua tríplice dimensão de justa retribuição da culpa; de contribuição para a reinserção social do arguido em sede de prevenção especial, e neutralizar os efeitos negativos da prática do crime em sede e prevenção.
Elencados estão, ainda, os elementos fácticos relevantes para individualização penal.
Patente na mesma decisão está, de forma razoável, consciente e suficiente, a conexão intelectual entre aqueles elementos de facto e os fins das penas.
Assim sendo, encontrando-se correctamente definidos os parâmetros dentro dos quais tem lugar a fixação da medida concreta da pena não se vislumbra qualquer razão para, no que concerne, colocar em causa a decisão recorrida no que concerne ás penas parcelares e á pena conjunta.

Coloca o recorrente a questão da suspensão da pena conjunta aplicada.
A primeira referência que importa precisar é que os crimes praticados se encontram numa situação de concurso que integra o crime de roubo ao qual corresponde em abstracto a pena de três a quinze anos- artigo 210 nº2 do Código Penal; ao crime de burla qualificada ao qual corresponde em abstracto a pena de prisão até cinco anos-artigo 218 do Código Penal; ao crime de falsificação de documento corresponde em abstracto a pena de prisão até três anos-artigo 256 do mesmo diploma. Relativamente aos mesmos crimes o arguido e recorrente foi condenado nas penas de, respectivamente, três anos e quatro meses; dois anos e seis meses de prisão e um ano de prisão.
Não existindo fundamento para colocar em crise as penas parcelares aplicadas é evidente que a pena conjunta, qualquer ela seja, nunca se situará no limite que constitui pressuposto material de aplicação do instituto face ao normativo do artigo 50 do Código Penal.

A manifesta improcedência constitui um fundamento de rejeição do recurso de natureza substancial (e não formal), visando os casos em que os termos do recurso não permitem a cognição do tribunal ad quem, como é o recurso para o Supremo Tribunal em que o recorrente discute matéria de facto e o modo como as instâncias apreciaram e decidiam sobre a matéria de facto, ou quando, versando sobre questão de direito, a pretensão não estiver minimamente fundamentada, ou for claro, simples, evidente e de primeira aparência que não pode obter provimento. Será o caso típico de respeitar unicamente à medida da pena e não existir razão válida para alterar a que foi fixada pela decisão recorrida (cfr., v. g., Simas Santos e Leal-Henriques, "Recursos em Processo Penal", 5ª edição, 2002, pág., 112, com indicação de jurisprudência).
É exactamente nessa previsão que se integra o presente recurso pelo que se decide a sua rejeição- artigo 420º, nº 1, do Código de Processo Penal.
O recorrente pagará 3 UCs (artigo 420º, nº 4, do Código de Processo Penal).
Taxa de justiça: 3 UCs.

Lisboa, 4 de Outubro de 2006

Santos Cabral (relator)
Oliveira Mendes
Pires Salpico
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(1) Consequências Jurídicas do Crime pag 197
(2) Também Jeschek (Tratado de Derecho Penal pag 789) refere que "É possível o pleno controle da individualização da pena mediante o tribunal de apelação, assim como mediante o tribunal de cassação com um alcance limitado que, sem embargo, vai sendo ampliado progressivamente pela jurisprudência......Dado que o recurso de cassação só permite a reconsideração da sentença impugnada no que respeita a erro de direito a individualização penal apenas pode ser passível de crítica desde que se trate de uma defeituosa aplicação de Direito enquanto que fica subtraído ao controle do recurso de cassação a componente de individualização penal referida á valoração pessoal tanto na questão da justiça da pena como na sua utilidade.Daí que a individualização da pena só posa ser censurada pelo tribunal de cassação se a fundamentação é, nesses ponto, contraditória, ou tão incompleta que o referido tribunal não consiga determinar um juízo sobre a existência ou inexistência de erros de direito ou se o juiz de instância ignorou os princípios básicos da individualização penal ou os aplicou indevidamente".