Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
9831/17.1T8PRT.P1.S1
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: PEDRO LIMA GONÇALVES
Descritores: RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
RESPONSABILIDADE BANCÁRIA
INTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA
DEVER DE INFORMAÇÃO
NEXO DE CAUSALIDADE
ACÓRDÃO UNIFORMIZADOR DE JURISPRUDÊNCIA
ILICITUDE
PRESUNÇÃO DE CULPA
DANO
VALORES MOBILIÁRIOS
OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAR
PRESSUPOSTOS
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 01/31/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Sumário :
I. A Ré violou os seus deveres de informação quando não prestou informação detalhada à Autora sobre as características do produto que estava a apresentar-lhe, designadamente que, por serem obrigações subordinadas, no caso de insolvência da sociedade emitente, o seu titular veria o seu crédito graduado depois dos créditos não subordinados sobre a insolvência (cf. artigos 48.º e 177.º do CIRE), sendo certo que não está demonstrado que a Autora tivesse conhecimentos e experiência para conhecer (ou complementar) as informações (ou a falta delas) prestadas pelo empregado da Ré, sendo certo que a Autora tinha um perfil conservador no que respeitava ao investimento do seu dinheiro, aplicando-o em regra em depósitos a prazo.

II. Configura uma informação não verdadeira, a afirmação do gestor de cliente quando refere que era um produto cujo capital investido era garantido, ”que era produto completamente seguro, com retorno assegurado”.

Constitui omissão de informação a não explicação, com exatidão, das características do produto financeiro.

III. Está demonstrada a essencialidade da informação omitida pela Ré sobre a decisão de a Autora em investir nas “Obrigações”, em outubro de 2004, pois a Autora não investiria se conhecesse as características do produto.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

I. Relatório

1. AA instaurou ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra Banco BIC Português, S.A., pedindo a condenação da Ré a pagar-lhe uma indemnização no montante de €50 000,00, correspondente ao capital investido e não reembolsado, acrescido de juros à taxa legal desde 30/09/2014 até efetivo e integral pagamento que a 8/05/2017 ascende a € 5 283,33.

Subsidiariamente pede que seja declarado nulo qualquer contrato de adesão que o Banco Réu invoque para reter o montante de €50,000,00 que lhe entregou em obrigação subordinada; seja declarado ineficaz a aplicação que o Banco Réu tenha feito desse montante e seja condenado a restituir-lhe a quantia de €50 000,00, acrescido de juros à taxa legal desde 30/09/2014 até efetivo e integral pagamento que, à data de 8/05/2017, ascende a €5 283,33.

Alega, em síntese, que lhe foi proposto pelo banco réu (então banco BPN, S.A.), uma aplicação em ativos financeiros com garantia do montante do capital investido, o que aceitou, face à garantia dada e por ser desconhecedora desse tipo de produtos financeiros, aplicando a quantia de €50 000,00 na subscrição desse produto, que se venceria em 2014, sendo certo que nem nessa data, nem posteriormente, lhe foi devolvido o montante investido.

2. Citada, a Ré veio contestar, por impugnação e por exceção, impugnando os factos alegados pelos Autores e invocando a exceção de incompetência territorial, bem como a prescrição, pugnando pela absolvição do pedido.

3. Foi proferido despacho saneador, que julgou improcedente a exceção de incompetência territorial e relegou para final o conhecimento da exceção perentória de prescrição, com enunciação dos temas de prova.

4. Realizada a audiência final, foi proferida sentença, que julgou improcedente a exceção de prescrição invocada pelo Banco réu e procedente a ação condenando a Ré a pagar à Autora AA, a quantia de €50 000,00, acrescida de juros de mora à taxa legal, vencidos e vincendos até integral pagamento e contados desde a data da citação da Ré.

5. A Ré interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação do Porto.

6. O Tribunal da Relação do Porto julgou o recurso improcedente, confirmando a sentença recorrida.

7. Inconformada com tal decisão, a Ré veio interpor o presente recurso de revista, formulando as seguintes (transcritas) conclusões:

1.ª A decisão recorrida veio a confirmar a condenação do Banco R. na qualidade de intermediário financeiro.

2.ª Para tanto, o douto aresto verifica como verificados os gerais pressupostos da responsabilidade civil, e concretamente a ilicitude – que identifica com a dita falsidade de informação -, a culpa – que se presume nos termos gerais do artº 799º do CCiv. e 314º do CdVM -, e o dano – correspondente ao valor da prestação não cumprida pela entidade emitente!

3.ª O recurso interposto é de revista excepcional, a admitir nos termos do disposto no art.º 672, nº 1, als. a), b) e c) do CPC.

4.ª A decisão recorrida condena o Banco-R. no pagamento de indemnização por violação do dever de informação, na qualidade de intermediário financeiro.

5.ª O âmbito dos concretos deveres de informação a observar pelo intermediário financeiro tem sido objecto de vasta jurisprudência, com soluções e orientações bastante distintas nas várias instâncias, para não fizer completamente opostas, pontificando, a este propósito, as diferentes posições quanto à necessidade e grau de informação do risco de insolvência da entidade emitente (ou, na formulação neste concreto aresto, do grau de segurança imputado ao instrumento financeiro em causa), bem como do risco de incumprimento da obrigação de reembolso, por oposição à menção de “capital garantido”.

6.ª De facto, varia, igualmente, e diríamos de forma inaudita, a interpretação e consequências jurídicas do anúncio do produto de “capital garantido” ou da afirmação de que se estávamos na presença de um produto seguro, ali vendo algumas decisões uma verdadeira afirmação de uma segurança indefectível e absoluta – como parece ser o caso da decisão recorrida, ao passo que outras veem na mesma exacta expressão apenas uma afirmação de segurança do investimento num contexto de pressuposta segurança por parte de todo o contexto social e financeiro no momento em que é feita a aplicação.

7.ª Estes concretos temas e questões, além de relevantes na discussão da pura dogmática jurídica, são hoje, na ressaca da chamada “crise das dívidas”, uma das pedras de toque de todo o sistema financeiro, por um lado, e judicial por outro, em face do volume de contencioso pendente em todos os Tribunais perante o não reembolso de inúmeras emissões de vários instrumentos de dívida - cabe estabilizar a aplicação do direito em face deste cenário de tamanha incerteza e face a tal dimensão de contencioso. E essencialmente na concretização de cláusulas abertas como as previstas no âmbito do Código de Valores Mobiliários a propósito da intermediação financeira.       

 Por outro lado,

8.ª É sabido que que pende um contencioso enorme à volta exactamente da problemática da responsabilidade do Banco-Réu, na pele de intermediário financeiro.

9.ª O volume do contencioso exactamente com este objecto, com a definição e delimitação do dever de informação na comercialização de instrumentos financeiros em momento anterior a Dezembro de 2007, é hoje considerável e com um grande impacto na economia e na sociedade portuguesa em geral, até pela repetição de situações análogas em várias instituições bancárias, por corresponder a uma actividade corrente antes da chamada crise das dívidas.

Por fim,

10.ª Sobre esta matéria já se pronunciaram as várias instâncias, sendo que se mostram já transitadas várias decisões que versam sobre esta matéria, invocando-se aqui, a título de fundamento, o douto acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido no âmbito do processo 1236/15.5T8PVZ.

11.ª É de admitir, pois, o presente recurso nos termos de qualquer das alíneas do art.º 672º nº 1 do CPC.

Dito isto,

12.ª O douto acórdão recorrido parece assentar a sua afirmação de ilicitude da conduta do R. por omissiva ou deficiente referência o risco das Obrigações SLN 2004 em geral, por um lado, e em particular pela sua natureza subordinada.

13.ª Em primeiro lugar, cabe estabelecer que o único risco que percebemos existir na emissão obrigacionista em causa é, de facto, o relativo ao cumprimento da obrigação de reembolso. Este risco corresponde ao incumprimento da prestação principal da entidade emitente! Ou seja, corresponde ao chamado RISCO GERAL DE INCUMPRIMENTO!

14.ª E não se diga, como faz o Tribunal a quo, que é a natureza subordinada das obrigações que aqui implica um especial risco, pois que uma tal afirmação constitui uma mera conjectura de um resultado da liquidação da sociedade emitente em caso de insolvência, como nunca poderia decorrer de uma pura dedução lógica, pois que não apenas implica admitir que um credor subordinado não recebesse na dita liquidação, como mais, que um credor subordinado recebesse o seu crédito em igual cenário.

15.ª O risco de incumprimento existe em todo e qualquer contrato, sendo que qualquer tipo de vinculação jurídica tem como destino necessário uma de duas possibilidades: ou CUMPRIMENTO ou INCUMPRIMENTO! Vale isto por dizer que, a possibilidade deste incumprimento não corresponde a qualquer especial risco inerente ao modo de funcionamento endógeno do instrumento financeiro... antes corresponde ao normal e universal risco comum a todos, repete-se... a todos, os contratos!

16.ª Este não é objecto de qualquer tipo de obrigatoriedade de advertência ou informação especial!

17.ª Não estamos aqui a discutir uma qualquer característica própria do instrumento financeiro, ou sequer uma qualquer insondável e complexa figura jurídica ou financeira – trata-se aqui de saber que sempre que contrato com alguém posso não ver cumprida a prestação de que sou credor! Tão-só...

Ora,

18.ª Do incumprimento da obrigação de reembolso da entidade emitente, em 2014, não podemos, sem mais, retirar que esse o risco dessa eventualidade fosse relevante – sequer concebível, à excepção de ser uma mera hipótese académica -, em 2004, dez anos antes!

Pelo contrário,

19.ª A própria decisão considera como provado que o produto em causa era seguro, e até explica tal segurança por via das relações sociais entre o Banco e entidade emitente dos títulos.

20.ª E não se diga que a afirmação de segurança do produto equivale à menção de que não haveria objectivamente qualquer risco! É que uma tal afirmação apenas poderia prevalecer no já referido caso de se resumir o declaratário não a uma pessoa financeiramente inapta, mas juridicamente incapaz!

21.ª E essa afirmação implicaria que alguém acreditasse – como se fosse possível! – que seria possível estabelecer uma qualquer relação jurídica sem risco!

22.ª Não podemos, de resto, deixar passar esta oportunidade para dirigir esta mesma crítica à douta decisão recorrida!

23.ª Toda a lógica interna deste aresto pressupõe a possibilidade, não apenas teórica, mas prática, de existir um qualquer contrato, ou produto financeiro, com segurança absoluta – o que jurídica e pragmaticamente, é simplesmente impossível! Não podemos admitir passivamente que se diga, como faz o douto acórdão recorrido, que não se avisou de que estaria a subscrever um “produto de risco”. Desde logo, por que todos os produtos são, para este efeito, produtos de risco! Mas depois, porque a expressão “produtos de risco” é associada a produtos de natureza especulativa cujo risco assente em variantes completamente desconhecidas dos investidores e associadas estritamente ao mercado – o exemplo clássico será a subscrição de acções, warrants ou produto estruturados indexados a critérios puramente aleatórios!

24.ª A menção à segurança do produto, como de resto do capital garantido, não pode senão ser entendida no contexto da atribuição de uma segurança acima da média ao produto, de confiança no normal cumprimento de todas as obrigações da emitente, sustentada em factos e juízo objectivamente razoáveis e previsíveis – neste sentido vejam-se dois acórdãos do STJ, de 6 de Junho de 2013 e de 12 de Janeiro de 2017.

25.ª Se deixou de ser um produto seguro isso apenas se deve a uma intervenção externa, cuja efectivação, momento e condições foram completamente determinadas politicamente!

26.ª O Tribunal a quo violou, por errada interpretação ou aplicação, o disposto no art.º 312º do CdvM na redacção aplicável.

27.ª Já quanto ao nexo de causalidade, o douto acórdão limita-se a determinar como que naturalisticamente a relação causal entre a afirmação de segurança do instrumento financeiro a subscrever e o dano – e isto sem a afirmação de um facto provado que o suportasse, nem tampouco a invocação de uma qualquer presunção judicial ou legal – que ainda assim deveria conduzir à afirmação de um facto provado!

Ora,

28.ª A prestação de informação falsa (ou a falta de prestação de informação) está umbilicalmente ligada ao regime do erro, no que diz respeito ao nexo de causalidade.

Ou seja,

29.ª Num primeiro momento seria indispensável que o investidor prove que, sem a violação do dever de informação, não celebraria qualquer negócio, ou celebraria um negócio diferente do que celebrou. Num segundo momento é necessário provar que aquele concreto negócio produziu um dano. E, num terceiro momento é necessário provar que esse negócio foi causa adequada daquele dano, segundo um juízo de prognose objectiva ao tempo da lesão.

30.ª E nada disto foi feito, quer na alegação de factos pela A., quer na decisão recorrida!

31.ª Ou a Autora alegava e provava que se tivesse sido cumprido o dever de informação, não teria realizado o investimento, ou então, tem que arcar com as normais consequências de um investimento que se tornou ruinoso, pois não há forma de corrigir a titularidade do risco, pela responsabilidade — the risk lies where it falls!

De todo o modo, e por mera cautela acrescenta-se que,

32.ª Têm vindo alguns tribunais a invocar a sua presunção da causalidade, por extensão da presunção de culpa do artº 799º, aliás, a par da presunção também da ilicitude – na esteira de posição do Prof. Menezes Cordeiro.

33.ª Olvidam tais decisões que essa posição doutrinária assenta na aproximação à solução histórica francesa da faute, quando o sistema acolhido no nosso Código Civil tem origem germânica, e, portanto, em pouco toca aqueloutro.

Mais,

34.ª Do texto do art. 799º nº 1 do C.C. não resulta qualquer presunção de causalidade. E, de resto, nos termos do disposto no artº 344º do Código Civil, a inversão de ónus depende de presunção, ou outra previsão, expressa da lei!

35.ª E não se alcançam razões (que o acórdão recorrido também não adianta...) que justifiquem que a presunção própria da censura ético-jurídica da conduta do agente deva ser estendida à relação consequencial entre o facto e o dano.

Todavia,

E ainda que se admitisse a solução de extensão de presunção de culpa à causalidade,

36.ª A verdade é que uma tal solução não é adequada aos casos de incumprimento de prestações contratuais acessórias, apesar do cumprimento da prestação principal.

37.ª Prestação principal será aquela que é típica de um contrato, que o define enquanto figura contratual.

38.ª No âmbito do contrato de execução de intermediação financeira de recepção e transmissão de ordens por conta de outrem- como é o caso-, a prestação principal não pode deixar de ser só a boa recepção da ordem e sua retransmissão a fim de ser executada nos termos ordenados – é este o único conteúdo típico essencial do contrato.

39.ª A prestação de informação exaustiva, suficiente, clara sobre o produto em causa constitui já uma prestação daquela secundária, destinada a complementar ou tornar perfeita aquela prestação principal.

40.ª De todo o modo, no âmbito da responsabilidade contratual, presumindo-se a culpa, caberá a quem alega o direito demonstrar a ilicitude, o nexo causal e o dano, que em caso algum se presumem!

Acresce que,

Mesmo que se admitisse a dita presunção,

41.ª Aquele insigne professor afirma que “quando na presença de acordo entre o banqueiro e o seu cliente a mera falta de informação responsabiliza, automaticamente, o obrigado (...)”

42.ª Estamos perante uma situação em que e configuram dois contratos distintos e autónomos entre si: por um lado, (i) um contrato de execução de intermediação financeira, e por outro, (ii) a contratação de um empréstimo obrigacionista do cliente a entidade terceira ao primeiro contrato.

43.ª Fica por determinar, de forma expressa, qual o resultado normativamente prefigurado a que se refere no caso, a douta decisão sob recurso.

44.ª O único resultado relevante perspectivado será o referente ao reembolso do investimento efectuado. Mas neste caso, estaremos perante uma falta de resultado no âmbito da subscrição de emissão obrigacionista e não do contrato de execução de intermediação financeira, aliás, há muito cumprido.

45.ª Todavia, não pode a falta do resultado normativamente prefigurado de um contrato desencadear uma presunção de ilicitude, culpa e causalidade no âmbito de um outro contrato!

46.ª Vale isto por dizer que o incumprimento alegado não é apto a desencadear a tão desejada presunção!

De todo o modo,

47.ª No âmbito da responsabilidade contratual, presumindo-se a culpa, caberá a quem alega o direito demonstrar a ilicitude, o nexo causal e o dano. Que em caso algum se presumem!

48.ª O Tribunal a quo violou, portanto, por errónea interpretação e aplicação, o disposto nos artºs 342º, 344º e 563º todos do Código Civil!

E conclui “pela revogação da douta decisão recorrida e sua substituição por outra que absolva o R. do pedido”.

8. A Recorrida apresentar contra-alegações, concluindo pela improcedência do recurso.

9. A instância veio a ser suspensa até ao julgamento para uniformização de jurisprudência.

10. Foi proferido Acórdão pelo Pleno das Secções Cíveis no processo n.º1479/16...., que transitou em julgado.

11. Cumpre apreciar e decidir.


II. Delimitação do objeto do recurso

Como é jurisprudência sedimentada, e em conformidade com o disposto nos artigos 635º, nº 4, e 639º, nºs 1 e 2, ambos do Código de Processo Civil, o objeto do recurso é delimitado em função das conclusões formuladas pelo recorrente, pelo que, dentro dos preditos parâmetros, da leitura das conclusões recursórias formuladas pela Recorrente decorre que o objeto do presente recurso está circunscrito à questão de saber se estão verificados os pressupostos da responsabilidade civil da Ré.


III. Fundamentação

1. As instâncias deram como provados os seguintes factos:

1.1. O Banco Português de Negócios, S.A., até à data da nacionalização do seu capital, era uma instituição de crédito e um intermediário financeiro em instrumentos financeiros, nomeadamente, de papel comercial.

1.2. E é actualmente denominado Banco BIC Português, S.A., aqui Réu, na sequência da incorporação, por fusão, das duas sociedades (Banco BIC Português, S.A. no Banco Português de Negócios, S.A.).

1.3. A autora AA era, desde 2004, cliente do Banco Português de Negócios, S.A., na Agência de ..., sita na Avenida ..., ... ..., e, actualmente, continua a ser cliente do Banco BIC Português, S.A., na mesma agência.

1.4. A Autora é titular da conta de depósitos à ordem n.º ...0, domiciliada na Agência de ... do Banco Réu.

1.5. Por sugestão dos funcionários do então BPN, da Agência de ..., a Autora subscreveu, em 1 de Outubro de 2004, uma “Obrigação SLN Rendimento Mais 2004”, pelo valor nominal e global de € 50.000,00.

1.6. Porque nessa altura, terminara o prazo de um depósito a prazo da autora nesse valor, foi aconselhada pelos funcionários da referida ... no sentido de desmobilizar o dinheiro que se encontrava nesse depósito a prazo para o aplicar neste produto, por o mesmo ter uma maior rentabilidade.

1.7. A Autora foi informada que a obrigação em causa apresentava um prazo de reembolso de 10 (dez) anos, a amortizar em 30 de Setembro de 2014, e que tinha uma remuneração de juros superiores a uma conta a prazo, que seriam depositados na conta à ordem associada.

1.8. Na altura, a Autora assinou documentação a autorizar a aquisição daquele produto.

1.9. À data, a autora desconhecia o que era a SLN e a Galilei SGPS e nunca teve qualquer contacto com tal entidade.

1.10. A autora aceitou subscrever a supra mencionada aplicação porque os funcionários do Banco Réu, da Agência de ..., lhe garantiram que se tratava de um produto completamente seguro, com reembolso de capital garantido na data de vencimento, não envolvendo qualquer risco.

1.11. Assim, o Autora adquiriu aquele produto financeiro sem conhecer com exactidão as suas características.

1.12. A autora é licenciada em Letras e professora de Geografia no Ensino Secundário.

1.13. O Banco Réu sabia que a Autora é uma investidora não qualificada e com perfil conservador no que respeita ao investimento do seu dinheiro.

1.14. A autora só adquiriu aquele produto porque confiou na informação prestada pelos funcionários do Banco Réu, que lhe garantiram que era um produto completamente seguro, com retorno assegurado.

1.15. Ficando a autora convencida de que estava a colocar o seu dinheiro numa aplicação segura, com as características de um depósito a prazo e que o capital lhe seria restituído na data de vencimento.

1.16. Se soubesse que estava a adquirir um produto de risco, em que o capital não estava integralmente garantido, a autora não teria autorizado a subscrição de tal produto.

1.17. A Administração do BPN, para comercialização do produto em causa, fez distribuir entre os seus funcionários a “Nota Interna” que se mostra junta de fls. 196 a 198 e que se dá por reproduzida, em espacial no que se refere ao “Argumentário”.

1.18. O pagamento do valor dos juros contratualizados relativo à aludida aplicação financeira foram sempre pontualmente creditados na conta à ordem da autora, o que lhe transmitiu segurança.

1.19. Porém, na data de vencimento da referida aplicação, ou seja, em 30 de Setembro de 2014, a conta da Autora não foi creditada pelo respectivo valor de 50.000,00€ (cinquenta mil euros).

1.20. O Banco Réu atribui agora a responsabilidade pelo pagamento do capital à SLN, entidade que a autora desconhecia ser pessoa colectiva diferente da ré.

1.21. A Autora pensava que SLN era uma denominação de produto utilizado pelo banco réu.

1.22. Apesar das insistências da Autora junto do Banco Réu, até à presente data, ainda não foi efectuado o pagamento da referida quantia.

1.23. No mês seguinte à da operação supra, a autora recebeu por correio, não só o aviso de débito correspondente à subscrição efectuada, bem como os avisos de crédito a cada seis meses relativos aos juros, bem como também e desde então os vários extractos periódicos onde lhes apareciam essas obrigações como integrando as suas carteiras de títulos, que nunca suscitaram qualquer reparo ou reclamação da autora.

1.24. A SLN, entidade emitente, era “mãe” do Banco, sendo este, necessariamente, um componente da solvabilidade daquela, por ser um dos principais activos do seu património.

1.25. À data, aquele produto financeiro era considerado seguro.

1.26. À data da sua contratação, a probabilidade da entidade emitente (SLN) não cumprir era muito semelhante à do banco BPN não cumprir, tendo em conta a estrutura accionista existente à data, pois que nesse momento não havia qualquer indicação de que a emissão pudesse vir a não ser paga.

1.27. Anteriormente a esta operação, já a autora subscrevera outros produtos que não meros depósitos a prazo (doc. de fls. 51, doc. nº 1 junto com a contestação).

1.28. Em 2004, a autora foi informada que o produto em causa não lhe permitia reembolso antecipado e que a única forma de o investidor liquidar este produto de forma unilateral seria transmitindo as suas obrigações a um terceiro interessado, mediante endosso, o que na altura era possível, comum e rápido, uma vez que os títulos tinham elevada procura.

2. Da verificação da responsabilidade civil da Ré

No Acórdão recorrido entendeu-se que estavam demonstrados todos os pressupostos da responsabilidade civil da Ré.

A Ré insurge-se contra o assim decidido, colocando em causa, essencialmente, a verificação da ilicitude (por, no seu entendimento, não se ter verificada a violação dos seus deveres de informação) e do nexo de causalidade.

Vejamos.

No caso presente, pretende-se apurar da responsabilidade civil da Ré, como intermediário financeiro: o BPN comercializou junto dos seus clientes como produtos bancários obrigações em que foi emitente a SLN - Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, S.A. (SLN Rendimento Mais 2004: obrigações subordinadas, no valor de €50 000,00 cada uma)

- cf. artigos 289.º, n.º1, alínea a), 293.º, n.º1, alínea a) e 290.º, n.º1, alíneas a) e b), do Código dos Valores Mobiliários –


Assim, no caso presente, está em questão a responsabilidade civil da Ré, como intermediária financeira (artigos 312.º e 314.º, do CMV).


Ora, foi proferido Acórdão Uniformizador de Jurisprudência (proferido no processo n.º 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A) que apresenta os seguintes segmentos uniformizadores:

1. No âmbito da responsabilidade civil pré-contratual ou contratual do intermediário financeiro, nos termos dos artigos 7.º, n.º 1, 312.º n.º 1, alínea a), e 314.º do Código dos Valores Mobiliários, na redação anterior à introduzida pelo Decreto-Lei n.º 357-A/2007, de 31 de outubro, e 342.º, n.º 1, do Código Civil, incumbe ao investidor, mesmo quando seja não qualificado, o ónus de provar a violação pelo intermediário financeiro dos deveres de informação que a este são legalmente impostos e o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano.

2. Se o Banco, intermediário financeiro – que sugeriu a subscrição de obrigações subordinadas pelo prazo de maturidade de 10 anos a um cliente que não tinha conhecimentos para avaliar o risco daquele produto financeiro nem pretendia aplicar o seu dinheiro em “produtos de risco” – informou apenas o cliente, relativamente ao risco do produto, que o “reembolso do capital era garantido (porquanto não era produto de risco”), sem outras explicações, nomeadamente, o que eram obrigações subordinadas, não cumpre o dever de informação aludido no artigo 7.º, n.º1, do CVM.

3. O nexo de causalidade deve ser determinado com base na falta ou inexatidão, imputável ao intermediário financeiro, da informação necessária para a decisão de investir.

4. Para estabelecer o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação, por parte do intermediário financeiro, e o dano decorrente da decisão de investir, incumbe ao investidor provar que a prestação da informação devida o levaria a não tomar a decisão de investir.  


No caso dos autos, atenta a data em que foram celebrados os contratos (12 de abril de 2006 e 11 de maio de 2007), são aplicáveis as disposições do Código dos Valores Mobiliários, na redação anterior à introduzida pelo Decreto-Lei n.º 357-A/2007, de 31 de outubro.

O intermediário financeiro encontrava-se obrigado ao cumprimento dos princípios e regras de conduta estabelecidas nos artigos 304.º a 342.º do CVM.


Deveres de informação. Ilicitude.

Como se referiu no citado Acórdão: “a informação a prestar pelo intermediário financeiro ao investidor (cliente) relativa a atividades de intermediação e emitentes, que seja suscetível de influenciar as decisões de investimento, deve ser completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita (artigo 7.º do CVM), devendo o intermediário financeiro prestar todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada, sendo que a extensão e a profundidade da informação devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimento e de experiência do cliente, informando dos riscos especiais que as operações envolvem (artigo 312.º do CVM) e orientar a sua atividade no sentido da proteção dos legítimos interesses dos seus clientes, devendo observar os ditames da boa fé, com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência, informando-se, previamente, sobre a situação financeira dos clientes, a sua experiência e investimentos (aspetos que o intermediário financeiro tem o dever de conhecer) e sem esquecer que compete ao intermediário financeiro tomar a iniciativa de prestar todas as informações e não aguardar que o investidor (cliente) as solicite.”

E, mais à frente, refere-se: “Assim, as informações não serão verdadeiras se se proceder a essa equiparação, porquanto as obrigações não são um produto equivalente aos depósitos a prazo e constituem um investimento com riscos superiores aos dos depósitos a prazo, não podendo o capital investido e respetivos juros serem levantados quando o cliente assim o desejar.

Retomando a linha de pensamento já afirmada, compete ao intermediário financeiro o dever de esclarecer sobre as reais características das obrigações e sobre os riscos que a operação envolve (mesmo sem olvidar que nos depósitos bancários também há o risco de insolvência da entidade depositária, mas esse risco sempre é atenuado pela existência do Fundo de garantia de devolução de depósitos, pelo menos, parcialmente).

Por outro lado, exige-se que o intermediário financeiro preste uma informação detalhada e verdadeira sobre o tipo de investimento que propõe ao investidor, designadamente, dando-lhe conta de a restituição, quer do montante investido, quer dos juros contratados depender sempre da solidez financeira da entidade emitente e que não há fundo de garantia nem mecanismos de proteção contra eventos imprevisíveis.

Isto significa que o intermediário financeiro deve informar o investidor que o risco de não retorno do capital investido corre por conta do cliente (investidor), não estando o Banco obrigado a restituir-lhe o valor investido nem a pagar-lhe os juros respetivos, com capitais próprios, tendo sempre em mente que para certo tipo de cliente (investidor) a garantia do reembolso do capital investido é essencial.

Deve, ainda, o intermediário financeiro informar o cliente que não poderá levantar o capital e respetivos juros quando assim entender, tornando claro o sentido do endosso como mecanismo de transmissão - desmobilização do investimento - do produto.

Não menos relevante: o intermediário financeiro deve informar o cliente (investidor) da sua relação com a sociedade emitente das obrigações, na medida em que possa estar em causa um potencial conflito de interesses.

Por outro lado, o intermediário financeiro deve esclarecer o cliente (investidor) no que consistem as “obrigações subordinadas”, isto é, informar que, em caso de insolvência do emitente, os obrigacionistas apenas serão reembolsados depois dos demais credores de dívida não subordinada.

Com tudo o que se referiu, não se pretende afirmar que, para prestar um melhor esclarecimento ao cliente (investidor) - atendendo ao seu nível de conhecimento -, o intermediário financeiro não possa socorrer-se de outras figuras ou produtos financeiros, comparando-os, desde que esclareça as respetivas diferenças.

Deste modo, é forçoso concluir que o intermediário financeiro que não informa o cliente (investidor não profissional) dos riscos do reembolso do capital investido, ou a sua perda significativa, sabendo que esse reembolso depende da solidez financeira do emitente das obrigações, bem como não esclarece o que sejam obrigações subordinadas, viola os seus deveres de informação”.


No caso presente, e perante a factualidade provada, temos de concluir, como o fez o Tribunal da Relação do Porto, que a Ré violou os seus deveres de informação quando não prestou informação detalhada à Autora sobre as características do produto que estava a apresentar-lhe, designadamente que, por serem obrigações subordinadas, no caso de insolvência da sociedade emitente, o seu titular veria o seu crédito graduado depois dos créditos não subordinados sobre a insolvência (cf. artigos 48.º e 177.º do CIRE), sendo certo que não está demonstrado que a Autora tivesse conhecimentos e experiência para conhecer (ou complementar) as informações (ou a falta delas) prestadas pelo empregado da Ré, sendo certo que a Autora tinha um perfil conservador no que respeitava ao investimento do seu dinheiro.

Encontra-se provado que a Autora adquiriu aquele produto financeiro sem conhecer com exatidão as suas características, desconhecendo o que era a SLN e a Galilei SGPS, e o empregado do Banco nenhum esclarecimento prestou.

Por outro lado, encontra-se provado que o empregado do Banco referiu à Autora que era um produto cujo capital investido era garantido,” que era produto completamente seguro, com retorno assegurado”.

Daqui que se conclua pela verificação da ilicitude por parte da Ré.


Quanto à culpa, a mesma presume-se nos termos do disposto nos artigos 304.º, n.º2, do CVM e 799.º do Código Civil:


Quanto ao nexo de causalidade:

Como se afirmou no Acórdão Uniformizador, “incumbe ao cliente (investidor) a prova do nexo de causalidade entre o facto e o dano, ou seja, que se tivesse sido informado, por completo, da concreta identificação, natureza e características do produto financeiro que lhe foi proposto, bem como da sua natureza, não as teria adquirido, pois cabe a quem invoca o direito à indemnização alegar e demonstrar o nexo causal entre o facto ilícito e o dano, que também não se presume, nos termos do disposto no n.º1 do artigo 342.º do Código Civil.”

Ora, no caso presente, e perante a factualidade dada como provada, temos de concluir que o nexo de causalidade  entre a violação do dever de informação por parte do intermediário financeiro e o dano consubstanciado na não devolução do valor investido pela Autora (€50 000,00) – uma obrigação subordinada, no valor de €50 000,00 (SLN Rendimento Mais 2004), enquanto investidora não qualificada, se encontra demonstrado, porquanto mostra-se provado que:

“1.14. A autora só adquiriu aquele produto porque confiou na informação prestada pelos funcionários do Banco Réu, que lhe garantiram que era um produto completamente seguro, com retorno assegurado.

1.15. Ficando a autora convencida de que estava a colocar o seu dinheiro numa aplicação segura, com as características de um depósito a prazo e que o capital lhe seria restituído na data de vencimento.

1.16. Se soubesse que estava a adquirir um produto de risco, em que o capital não estava integralmente garantido, a autora não teria autorizado a subscrição de tal produto.”


Estes factos são suficientes para se considerar demonstrado o nexo de causalidade, pois demonstrada está a essencialidade da informação omitida pela Ré sobre a decisão da Autora em investir nas “Obrigações”, em 1 de outubro de 2004, pois a Autora não investiria se conhecesse as características do produto, isto é, sem a informação referida nos pontos 1.14. a 1.16. dos factos provados a Autora não daria o seu acordo na aquisição do ”identificado ativo financeiro”, como refere o Acórdão recorrido.


Deste modo, o recurso terá de improceder.


IV. Decisão

Posto o que precede, acorda-se em negar a revista, e, consequentemente, em manter o Acórdão recorrido.

Custas pela Recorrente.


Lisboa, 31 de janeiro de 2023


Pedro de Lima Gonçalves (Relator)

Maria João Vaz Tomé

António Magalhães