Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
06B1441
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: SALVADOR DA COSTA
Descritores: OMISSÃO DE PRONÚNCIA
NULIDADE
CONTRATO-PROMESSA
INEFICÁCIA
INCUMPRIMENTO DEFINITIVO
RESOLUÇÃO
INDEMNIZAÇÃO
ABUSO DE DIREITO
ÓNUS DA PROVA
Nº do Documento: SJ200605180014417
Data do Acordão: 05/18/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE A REVISTA.
Sumário : 1. As questões a que se reporta a alínea d) do nº 1 do artigo 668º do Código de Processo Civil, em perspectiva de serem de direito substantivo, são os pontos de facto e ou de direito relevantes no quadro do litígio, ou seja, os concernentes ao pedido, à causa de pedir e às excepções.
2. Mas uma coisa é a falta absoluta de fundamentação e outra a fundamentação insuficiente, errada ou medíocre, e só a primeira constitui o fundamento de nulidade a que se reporta a alínea b) do nº 1 do artigo 668º do Código de Processo Civil.
3. Negócio jurídico indeterminável é o que tenha conteúdo indeterminado e não insira o critério da sua determinação, seja através de elementos objectivos, seja por via da sua atribuição a alguma das partes ou a outrem.
4. Não é indeterminável o conteúdo do contrato-promessa relativo a uma parcela de terreno com determinada área a desanexar de um prédio rústico que insira a declaração de imediata entrega ao comprador e a autorização para este nela iniciar obras ou a transmudar.
5. Os factos posteriores à celebração do contrato-promessa relativos à demarcação pelas partes da área da parcela de terreno com esteios de granito e marcas de tinta podem ser provados por testemunhas, nada tendo a ver com a questão da nulidade ou validade das cláusulas verbais acessórias contemporâneas ou posteriores ao documento a que se reporta o artigo 221º do Código Civil.
6. O promitente vendedor, contratualmente vinculado a obter os documentos necessários à escritura de compra e venda, que, após a sua notificação pelo promitente comprador para lhos entregar, incluindo o de autorização camarária do destaque, até certa data, e a comparecer no cartório notarial para a outorga na escritura dias depois, lhe comunicou não ter a Câmara autorizado o destaque, ser por isso impossível concretizar a promessa e ter à sua disposição o sinal passado, incumpriu definitivamente o contrato-promessa.
7. A exigência pelo promitente comprador, no confronto com o promitente vendedor, do documento comprovativo da autorização camarária do destaque da parcela de terreno, ainda que o primeiro conhecesse a recusa da sua concessão pela câmara municipal, é insusceptível de se traduzir em abuso do direito de exigir outorga no contrato prometido.
8. A exigência pelo promitente comprador, no confronto do promitente vendedor, que incumpriu definitivamente o contrato-promessa, do valor da coisa ou do sinal passado em dobro, a que se reporta o artigo 442º, nº 2, do Código Civil., não depende de pedido de resolução daquele contrato.
9. Não tendo o promitente comprador provado o aumento do valor da parcela de terreno nos seis meses que intermediaram entre a celebração do contrato-promessa e o seu incumprimento, a indemnização que pediu deve limitar-se ao valor do dobro do sinal passado.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:


I

"AA" intentou, no dia 11 de Outubro de 2000, contra BB e CC, acção declarativa constitutiva, com processo ordinário, pedindo execução específica de indicado contrato-promessa de compra e venda de uma parcela de terreno para construção a destacar de determinado prédio ou a pagar-lhe 8 500 000$ relativos a indemnização pelo aumento do valor daquela parcela e a reconhecer-lhe o direito de retenção sobre ela, com fundamento no incumprimento pelos réus daquele contrato.
Os réus, em contestação, negaram o direito da autora à execução específica e, em reconvenção, pediram a declaração da nulidade do referido contrato-promessa por envolver prestações de realização impossível, e a condenação da autora por litigância de má fé, e a autora replicou no sentido da validade daquele contrato.
À autora foi concedido, por despacho proferido pelo órgão da segurança social no dia 29 de Outubro de 2002, pedido no dia 16 desse mês, na fase de oferecimento de prova, apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo.
Realizado o julgamento, foi proferida sentença no dia 17 de Maio de 2005, reformada por outra de 7 de Junho de 2005, por via da qual os réus foram absolvidos do pedido de execução específica do contrato-promessa e condenados a pagar à autora € 14 291, 79 e juros, e a autora absolvida do pedido reconvencional.
Apelaram os réus, e a Relação, por acórdão proferido no dia 14 de Dezembro de 2005, negou provimento ao recurso.

Interpuseram os apelantes recurso de revista, formulando, em síntese, as seguintes conclusões de alegação:
- o acórdão é nulo por não ter tomado posição devidamente fundamentada sobre a determinabilidade do objecto do contrato-promessa;
- a Relação violou os artigos 286º do Código Civil e 660º, n.º 2 e 668º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Civil por não haver declarado a nulidade da sentença;
- o contrato-promessa é nulo por ser indeterminável em razão de dele não constarem as circunstâncias da delimitação da parcela de terreno e não poder ser posteriormente individualizada;
- as estipulações verbais, posteriores ao documento do contrato-promessa não podiam ser provadas por testemunhas, por deverem ser reduzidas a escrito e, como o não foram, são nulas;
- não podia ser aplicado o disposto no artigo 442º, nº 2, do Código Civil porque a recorrida não resolveu o contrato-promessa nem pediu a sua resolução;
- a posse da parcela de terreno pela recorrida não lhe acrescentou qualquer valia, e, como o preço convencionado foi inferior ao seu valor objectivo à data do contrato, para efeito de indemnização deve ser considerado o valor de mercado e não o de 2 000 000$;
- o incumprimento do contrato-promessa também é imputável à recorrida por virtude da sua inoperância quanto à elaboração do projecto de construção de que dependia a autorização camarária do destaque e deste sendo também dependente a celebração da escritura;
- a responsabilidade dos recorrentes pela não celebração da escritura deve ser excluída ou pelo menos reduzida, nos termos do artigo 570º, n.º 1 do Código Civil, por a recorrida ter contribuído decisivamente para que não fosse cumprido o contrato-promessa;
- a exigência pela recorrida da entrega no notário da certidão camarária de autorização do destaque, sabendo que isso é impossível, constitui abuso do direito;
- a recorrida não gerou mais valia na parcela de terreno, o pedido de indemnização em virtude do aumento do valor da coisa é exagerado, visou o enriquecimento da recorrida, excede os limites pela boa-fé e pelo seu fim económico, configurando abuso de direito;
- não devem ser condenados a indemnizar a recorrida pelo aumento do valor da coisa, ou, pelo menos, deve a indemnização ser substancialmente reduzida;
- o acórdão recorrido violou os artigos 220º, 221º, n.º 2, 238º, 280º, nº 1, 334º, 393º, 410º, nº 2, 436º, nº 1, 442º, n.º 2, 570º e 875º do Código Civil, 6º, n.º 4 do Decreto-Lei nº 555/99, de 16 de Dezembro, e 660º, nº 2, e 668º, nº 1, alínea d), do Código de Processo Civil.

Respondeu a recorrida, em síntese de alegação:
- a sentença não é nula, porque conheceu das questões suscitadas, e o acórdão recorrido tomou posição fundamentada sobre a determinabilidade do contrato-promessa;
- ao autorizarem-na a transmudar a parcela, deixaram os recorrentes ao seu critério a sua própria localização, pelo que o contrato-promessa não é nulo por indeterminabilidade do seu objecto;
- a interpretação das declarações negociais produzidas no contrato-promessa podem ser objecto de prova testemunhal;
- não entregou o projecto de construção na Câmara por virtude de os recorrentes haverem recusado a sua colaboração, questão só levantada em sede de recurso;
- o incumprimento do contrato resultou de culpa dos recorrentes, que se presume, e não há abuso de direito na exigência da entrega da certidão camarária de autorização do destaque, porque lhe competia marcar a escritura e aos recorrentes a entrega dos documentos necessários;
- no pedido de indemnização pelo incumprimento do contrato-promessa está implícito o pedido de resolução do contrato-promessa;
- a indemnização pelo valor da coisa está dependente da tradição da coisa, e o aumento do seu valor verificado entre a data do contrato e a do não cumprimento é a diferença entre o seu valor actual e o montante do preço convencionado;
- não agiu nesta parte com abuso do direito.


II

É a seguinte a factualidade declarada provada no acórdão recorrido:
1. A autora e os réus declararam, por escrito, no dia 3 de Setembro de 1999:
- os últimos prometer vender e a primeira prometer comprar, por 2 000 000$, uma parcela de terreno com a área de 1 000 metros quadrados do prédio rústico denominado Campo da Espregueira, situado em Breia, freguesia de Fragoso, Município de Barcelos, descrito na Conservatória do Registo Predial de Barcelos sob o nº 84 631 - Fragoso, inscrito na matriz rústica sob o artigo 2577 - antigo artigo 440º - da freguesia de Fragoso, a destacar do prédio mencionado;
- ser o pagamento de 500 000$ de sinal e o resto no acto da escritura, a efectuar após a entrega pelos réus de todos os documentos necessários para a sua realização;
- ser a parcela vendida livre de quaisquer ónus e encargos e que com a assinatura do presente contrato e com o recebimento do sinal, os réus entregavam-na à autora, autorizando-a a ocupá-la e a iniciar nela as obras que pretendia levar a efeito, bem como, se assim o entendesse, a transmudá-la total ou parcialmente, e que a escritura de compra e venda seria feita em dia, hora e local a indicar aos réus pela autora.
2. A autora entregou aos réus a quantia de 500 000$, e a aquisição do prédio referido sob 1 não se encontrava registada em nome dos réus, sendo composto por culturas, videiras, uma ramada e castanheiros, e a primeira, aquando das declarações mencionadas sob 1, tinha conhecimento que a parcela dava para a construção e podia ser desanexada.
3. Na sequência das declarações mencionadas sob 1, a autora e os réus delimitaram, no local, através de esteios de granito cortados e espetados no terreno bem como através de um traço de tinta branca, uma parcela de terreno, correspondente à que pretendiam negociar, da qual a autora tomou logo posse, estando essa parcela implantada a partir de um caminho público que a confronta a Sul, sendo aí limitada por um muro com um desenvolvimento curvilíneo, sendo a nascente limitada pelo muro de granito na Quinta da Espregueira, medindo a referida parcela, em linha recta, a sul, 33,0 metros, a norte 25,94 metros, a nascente 32,32 metros e a poente 31 metros, com a área total de 880 metros quadrados.
4. O terreno confina com uma estrada parcialmente pavimentada com calçada de cubo de granito, há naquela estrada energia eléctrica, próximo do prédio existe uma casa de habitação, a nascente da Quinta da Espregueira, e outra a Sul e na parcela há vestígios de uma casa nela implantada.
5. A autora limpou a parcela das silvas, mato e ervas, passou a entrar nela quando o entendesse, descolou, no muro do terreno, as pedras que estavam caídas, à vista de toda a gente, como se de coisa própria se tratasse, e o prédio situa-se em zona classificada como de construção no Plano Director Municipal de Barcelos, podendo ser loteado e ou desanexado.
6. O preço corrente do terreno para construção ronda na freguesia de Fragoso € 25 por metro quadrado, e os réus não apresentaram o pedido à Câmara Municipal de Barcelos para destacar a parcela mencionada sob 1.
7. No dia 24 de Fevereiro de 2000, a autora notificou judicialmente os réus para comparecerem no dia 28 de Março de 2000, pelas onze horas e trinta minutos, na Secretaria Notarial de Esposende, a fim de efectuarem a escritura, e que estava nessa data à sua disposição naquela Secretaria a restante parte do preço, e para, no dia 20 de Março de 2000, entregaram a fotocópia dos bilhetes de identidade, dos cartões com o número do contribuinte, bem como as certidões do teor matricial, da conservatória do registo predial e da câmara municipal a autorizar o referido destaque, necessários à celebração da escritura.
8. Após a notificação mencionada sob 7 os réus escreveram à autora, no dia 22 de Março de 2000, uma carta, em que lhe expressaram o seguinte: "Solicitada a informação junto dos serviços competentes da Câmara Municipal de Barcelos, foi-nos dito que aquela instituição não autoriza o destaque de qualquer parcela do prédio correspondente ao artigo 2577º da matriz predial de Fragoso. Dada tal posição da Câmara Municipal de Barcelos, verifica-se que, por razões que não nos são imputáveis, o contrato-promessa de 3 de Março de 1999 não é possível de concretizar. Comunicava-mos ainda a V.Exª que a partir desta data encontra-se ao dispor de V.Exª a quantia de 500 000$ a que o contrato mencionado se refere".
9. A carta mencionada sob 8 foi recebida pela autora e os réus deslocaram-se ao Cartório Notarial de Esposende e colocaram à disposição daquela a referida quantia de 500 000$.

III

A questão essencial decidenda é a de saber se a recorrida tem ou não direito a exigir dos recorrentes a indemnização no montante de € 14 291,79.
Tendo em conta o conteúdo do acórdão recorrido e das conclusões de alegação dos recorrentes e da recorrida, a resposta à referida questão pressupõe a análise da seguinte problemática:
- está ou o não acórdão recorrido afectado de nulidade por omissão de pronúncia?
- infringiu ou não a Relação o disposto nos artigos 286º do Código Civil e 660º, n.º 2 e 668º, n.º 1, alínea d) do Código de Processo Civil por não haver declarado a nulidade da sentença?
- natureza e efeitos do contrato celebrado entre os recorrentes e a recorrida?
- está ou não o referido contrato afectado de nulidade por indeterminabilidade do respectivo objecto?
- há ou não declarações das partes posteriores ao documento que consubstancia o contrato afectadas de nulidade ou de ineficácia?
- pode ou não exigir-se indemnização de valor do terreno sem pedido de resolução contratual?
- incumpriram ou não os recorrentes exclusivamente o contrato em causa?
- agiu ou não a recorrida com abuso do seu direito ao invocar o incumprimento do contrato pelos recorrentes?
- tem ou não a recorrida direito a exigir dos recorrentes a indemnização correspondente valor da parcela de terreno conforme o decidido?
- síntese da solução para o caso espécie decorrente dos factos provados, da dinâmica processual envolvente e da lei.

Vejamos, de per se, cada uma das referidas sub-questões:

1.
Comecemos pela sub-questão de saber se o acórdão recorrido está ou não afectado de nulidade por virtude de omissão de pronúncia que os recorrentes invocaram.
Eles fundamentaram a referida arguição na circunstância de a Relação não haver tomado posição devidamente fundamentada sobre a determinabilidade do objecto do contrato-promessa, invocando o disposto no artigo 668º, nº 1, alínea d), do Código de Processo Civil.
Expressa a lei que o acórdão da Relação é nulo quando deixe de se pronunciar sobre questões de que devia conhecer (artigos 668º, nº 1, alínea d), e 716º, nº 1, do Código de Processo Civil).
O juiz deve, com efeito, resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (artigo 660º, nº 2, do Código de Processo Civil).
Importa, porém, ter em linha de conta que uma coisa são os argumentos ou as razões de facto e ou de direito e outra, essencialmente diversa, as questões de facto ou de direito a que a lei se reporta.
As questões a que se reporta a alínea d) do nº 1 do artigo 668º do Código de Processo Civil, em perspectiva de serem de direito substantivo, são os pontos de facto e ou de direito relevantes no quadro do litígio, ou seja, os concernentes ao pedido, à causa de pedir e às excepções.
O tribunal deve conhecer de todas as referidas questões, mas não de todos os argumentos expressados pelas partes a fim de o convencer do sentido com que devem ser interpretados os factos e as normas jurídicas envolventes.
Julgada procedente a nulidade decorrente de omissão de pronúncia pela Relação, se for caso disso, impõe-se a baixa do processo a fim de aquele Tribunal operar a reforma do acórdão (artigo 731º do Código de Processo Civil).
A Relação enunciou como questão segunda a decidir a de saber se o contrato-promessa era indeterminável ou meramente indeterminado, acrescentando ser nulo o negócio jurídico que não esteja completamente individualizado e não possa vir a sê-lo por falta ou inoperância de um critério para esse efeito estabelecido pelas partes no próprio contrato ou decorrente de normas supletivas.
Depois da referida enunciação, analisando o normativo do artigo 280º, nº 1, do Código Civil, expressou a Relação ser negativa a resposta à mencionada questão.
Em consequência, ao invés do que os recorrentes alegaram, a Relação não omitiu pronúncia sobre a referida questão, pelo que não ocorre a nulidade do acórdão a que se reporta os artigos 668º, nº 1, alínea d), primeira parte, e 716º, nº 1, do Código de Processo Civil.
Todavia, na realidade, tal como os recorrentes colocaram a questão da nulidade, o que pretenderam afirmar não foi a omissão de pronúncia, mas a falta de fundamentação do acórdão.
Expressa a lei que o acórdão da Relação é nulo quando careça de fundamentação de facto e ou de direito ou deixe de se pronunciar sobre questões de que devia conhecer (artigos 668º, nº 1, alínea b) e 716º, nº 1, do Código de Processo Civil).
A Constituição estabelece que as decisões judiciais que não sejam de mero expediente devem ser fundamentadas nos termos da lei ordinária (artigos 205º, nº 1).
Por seu turno, a lei ordinária prescreve que as decisões relativas a qualquer pedido controvertido ou a alguma dúvida suscitada no processo devem ser fundamentadas e que para tal não basta a simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição (artigo 158º do Código de Processo Civil).
Assim, deve o acórdão representar a vontade abstracta da lei ao caso particular submetido à Relação, pelo que, sem fundamentação de facto e ou de direito não se consegue esse escopo nem se permite às partes por ele afectadas o conhecimento do seu acerto ou desacerto, designadamente para efeito de interposição de recurso.
Mas uma coisa é a falta absoluta de fundamentação e outra a fundamentação insuficiente, errada ou medíocre, e só a primeira constitui o fundamento de nulidade a que se reporta a alínea b) do nº 1 do artigo 668º do Código de Processo Civil.
A Relação, no que concerne à questão da nulidade do contrato-promessa invocada pelos recorrentes com fundamento na indeterminabilidade do respectivo objecto, motivou em quadro suficiente, a decisão negativa a que chegou.
Em consequência, também se não verifica a nulidade do acórdão por falta de fundamentação de facto e de direito a que se reportam os artigos 668º, nº 1, alínea b), e 716º, nº 1, do Código de Processo Civil.
Improcede, por isso, a arguição da nulidade do acórdão formulada pelos recorrentes.

2.
Atentemos agora sobre se a Relação infringiu ou não o disposto nos artigos 286º do Código Civil e 660º, n.º 2 e 668º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Civil por não haver declarado a nulidade da sentença proferida no tribunal da 1ª instância.
Os recorrentes, sob o argumento de a nulidade do contrato-promessa dever ser oficiosamente declarada pelo tribunal e de terem invocado a nulidade da sentença proferida em 1ª instância por virtude da sua omissão de conhecimento dessa nulidade, afirmaram no recurso de revista a violação pelo acórdão recorrido do disposto nos artigos 668º, nº 1, alínea d), primeira parte, e 716º, nº 1, do Código de Processo Civil.
O tribunal da 1ª instância, com a fundamentação que explanou, designadamente sob a argumentação de os réus não haverem provado os fundamentos do referido vício, declarou não estar o contrato-promessa afectado de nulidade.
A Relação, por seu turno, na questão décima que enunciou, considerou não se verificar a nulidade da sentença proferida no tribunal da 1ª instância por omissão de pronúncia.
Perante este quadro e porque a deficiência e o erro na fundamentação é matéria diversa, como é natural, da omissão de pronúncia, a conclusão não pode deixar de ser no sentido de que a Relação, ao julgar improcedente a arguição da nulidade da sentença proferida no tribunal da 1ª instância, não infringiu as normas dos artigos 668º, nº 1, alínea d) e 716º, nº 1, do Código de Processo Civil.

3.
Vejamos agora a natureza e os efeitos do contrato celebrado entre os recorrentes e a recorrida.
Como a recorrida e os recorrentes declararam, por escrito, no dia 3 de Setembro de 1999, prometer, os últimos vender e a primeira comprar, por 2 000 000$, uma parcela de terreno a destacar de determinado prédio, estamos perante um contrato-promessa de compra e venda bilateral (artigo 410º, n.º 1, do Código Civil).
Como a lei exige para a feitura do contrato de compra e venda da referida parcela de terreno a escritura pública, o concernente contrato-promessa deve ser celebrado por escrito (artigo 410º, nº 2 e 875º do Código Civil).
No caso vertente, como o aludido contrato foi reduzido a escrito, não está afecto da nulidade a que se reporta o artigo 220º do Código Civil.
Por via do referido contrato, os recorrentes e a recorrida, os primeiros como promitentes-compradores e a última como promitente compradora, vincularam-se a outorgar no futuro em contrato de compra e venda, ou seja, a uma recíproca prestação de facto infungível.
O objecto mediato daquele contrato é, com efeito, uma recíproca prestação de facto, isto é, a celebração de um contrato de compra e venda cujo objecto mediato se consubstancia, por seu turno em uma parcela de terreno com a área de mil metros quadrados, a destacar de identificado prédio rústico.

4.
Verifiquemos agora se o referido contrato está ou não afectado de nulidade por indeterminabilidade do seu objecto mediato.
A lei estabelece que o negócio jurídico cujo objecto seja indeterminável é nulo (artigo 280º, nº 1, do Código Civil).
Tendo em conta a previsão da lei, importa distinguir entre negócios indetermináveis e indeterminados mas determináveis.
Resulta, pois, deste normativo, além do mais, que o conteúdo da prestação deve ser determinado ou determinável, ou seja, é necessário que, desde a celebração do contrato, esteja determinado o que o devedor deve prestar ou, não o estando, que essa determinação seja possível em momento posterior, com base em critérios estabelecidos pelas partes ou pela lei.
Assim, um negócio jurídico pode ser, ab initio, de conteúdo indeterminado, mas as partes haverem fixado os critérios da respectiva determinação, seja através de elementos objectivos desde logo definidos na própria convenção, seja confiando-a a uma ou a outra ou a terceiro.
Para a hipótese de as partes confiaram a uma ou a outra ou a terceiro a determinação do conteúdo negocial, rege o artigo 400º do Código Civil, do qual resulta que, sem prejuízo do regime legal relativo às obrigações genéricas ou alternativas, na falta de outros critérios que tenham sido convencionados pelas partes, a determinação deve operar segundo juízos de equidade, e se tal não for possível ou a determinação não tiver ocorrido em tempo devido, deve o tribunal declarar os respectivos termos.
Assim, quando a prestação não for ab initio determinada, devem as partes estabelecer com clareza o critério da sua determinação, para que o devedor não fique à mercê do credor.
Ocorre uma situação de negócio jurídico de conteúdo indeterminado e indeterminável, por exemplo, quando alguém se obriga a pagar a outra o que esta ou um terceiro quiser, ou seja, quando não tenha sido determinado o objecto do negócio jurídico e as partes não tenham convencionado critérios objectivos idóneos tendentes à respectiva determinação.
Os recorrentes alegaram que, na espécie, as partes não poderiam determinar a posteriori o objecto do contrato-promessa por dele não constar qualquer critério para tal determinação.
O objecto mediato do referido contrato-promessa é a celebração de um contrato de compra e venda de uma parcela de terreno com a área de 1 000 metros quadrados de determinado prédio rústico a destacar deste.
Em consequência, as prestações de facto derivadas do mencionado contrato - são as declarações negociais de compra e de venda de uma parcela com a área de mil metros quadrados, a destacar de identificado prédio rústico.
A determinação dos limites da referida parcela só era susceptível de assumir relevo no âmbito da celebração do contrato de compra e venda prometido, naturalmente por via da sua autonomização predial material e jurídica.
Assim, ao invés do que os recorrentes afirmaram, a circunstância de o contrato-promessa de compra de venda de bens imóveis dever ser celebrado por escrito, a sua validade não dependia, na espécie, da demarcação ou delimitação geográfica da aludida parcela de terreno.
Não tem apoio legal a alegação dos recorrentes no sentido de as partes não poderem determinar a posteriori o objecto do contrato-promessa por dele não constar qualquer critério para o efeito.
Não obstante, os recorrentes declararam por escrito no próprio instrumento do contrato-promessa que com a sua assinatura e o recebimento do sinal entregavam a parcela de terreno à recorrida e que a autorizavam a transmudá-la.
Embora não conste do texto do referido contrato-promessa a expressa delimitação da mencionada parcela de terreno, certo é que dele consta a sua delimitação tácita por via da sua entrega à recorrida e da autorização a esta de operar o início das obras.
Isso mesmo é confirmado por via da declaração de autorização dos recorrentes à recorrida de ela transmudar a parcela, pois só se pode transmudar o que já está delimitado.
Na realidade, conforme resulta dos factos provados, na sequência da assinatura do referido contrato, os recorrentes e a recorrida delimitaram a referida parcela de terreno por via de esteios de granito espetados no terreno e um traço de tinta branca.
Perante este quadro de facto, não tem qualquer apoio legal a alegação dos recorrentes no sentido de que se está na espécie perante um contrato de prestação indeterminada.
Em consequência, não pode relevar a alegação dos recorrentes no sentido da nulidade do referido contrato-promessa por violação do disposto no artigo 280º, nº 1, do Código Civil.

5.
Atentemos agora se há ou não declarações das partes posteriores ao documento que consubstancia o contrato-promessa afectadas de nulidade.
Afirmaram os recorrentes, por um lado, que eles e a recorrida, após celebrarem o contrato-promessa, terão estipulado no local, verbalmente, os limites da parcela, com uma área inferior à constante do referido documento de cento e vinte metros quadrados.
Na realidade, está provado, no quadro do contraditório dos recorrentes e da recorrida, que ambos delimitaram materialmente a parcela de terreno em causa por via de peças de granito e tinta.
Mas os recorrentes acrescentam que eles e a recorrida nada mais fizeram do que acrescentar cláusulas ao contrato-promessa celebrado, individualizando a parcela objecto do negócio e alterando a vertente da respectiva área dele constante.
A propósito do âmbito da forma legal, expressa a lei, além do mais, por um lado, que as cláusulas verbais acessórias contemporâneas do documento legalmente exigido para a declaração negocial são nulas, salvo quando a razão determinante da forma lhes não seja aplicável e se prove que correspondem à vontade do autor da declaração (artigo 221º, nº 1, do Código Civil).
E, por outro, que as estipulações posteriores ao documento só estão sujeitas à forma legal prescrita para a declaração se as razões da exigência especial da lei lhes forem aplicáveis (artigo 221º, nº 2, do Código Civil).
Assim, as estipulações verbais contemporâneas do documento exigido para a declaração negocial são válidas se forem acessórias - não essenciais - não abrangidas pela razão de ser da exigência do documento e corresponderem à vontade das partes.
Ao invés, no que concerne às cláusulas acessórias ou adicionais verbais posteriores ao referido documento, a regra é no sentido da sua validade, a não ser que a razão de forma exigida para o negócio em causa as abranger.
A essencialidade ou acessoriedade das cláusulas contratuais deve aferir-se em relação a cada tipo contratual envolvente.
Assim, no que concerne ao contrato-promessa de compra e venda, a indicação da coisa a alienar e do respectivo preço consubstanciam cláusulas essenciais (artigos 410º, nº 1 e 874º do Código Civil).
Todavia, a data da celebração do contrato prometido, a demarcação dos limites da coisa vendida, a forma de pagamento do sinal ou o local do seu pagamento já se consubstanciam em cláusulas acessórias.
A exigência de forma relativa ao contrato-promessa de compra e venda de bens imóveis, que tem a ver com a necessidade de ponderação dos seus efeitos no que concerne à celebração do contrato prometido, não se estende, dada a sua natureza, às referidas cláusulas acessórias.
Não obstante a validade das referidas cláusulas, é interdita a sua prova por vida de testemunhas (artigo 393º, nº 1, do Código Civil).
No caso vertente, se estivéssemos perante declarações dos recorrentes e da recorrida no sentido de delimitar a parcela de terreno em causa, seriam válidas, mas não podiam ser provadas por via de declarações de testemunhas.
Todavia, não é disso que se trata no caso espécie, pois o que os factos mencionados sob II 3 revelam é a realização de actos materiais concretizadores da vontade negocial expressa no texto do contrato-promessa em causa.
Em consequência, não tem apoio legal alegação dos recorrentes no sentido da existência, na órbita do contrato-promessa em causa, de clausulas acessórias nulas por falta de forma ou ineficazes por haverem sido provadas por via de declarações de testemunhas.

6.
Vejamos agora se pode ou não exigir-se indemnização de valor do terreno sem específico pedido de resolução contratual.
Os recorrentes afirmaram não poder funcionar o disposto no artigo 442º do Código de Processo Civil por virtude de a recorrida não haver resolvido o contrato-promessa nos termos do artigo 436º, nº 1, do Código Civil, nem pedido a sua resolução.
A recorrida alegou, por seu turno, que no pedido de indemnização pelo incumprimento do contrato-promessa está implícito o pedido de resolução do contrato-promessa.
A resolução do contrato, fundada na lei ou em convenção, é essencialmente a sua dissolução ex tunc com base em facto posterior à sua celebração, colocando as partes, tanto quanto possível, na posição que teriam se o não tivessem celebrado,
Trata-se, pois, de um direito potestativo extintivo dependente do incumprimento.
No caso de resolução do contrato fundada na lei, a regra é no sentido de que não pode ocorrer com base na mera situação de mora, porque esta, se imputável ao devedor, só gera para o credor o direito de àquele exigir o cumprimento e a indemnização pelo prejuízo resultante do atraso de cumprimento (artigos 432º, n.º 1, 801º, n.º 1, e 804º, n.º 2, do Código Civil).
Salvo nos casos especialmente previstos na lei, não tem a resolução que ser objecto de declaração judicial, mas, como declaração de vontade receptícia que a veicula, impõe-se que o seja por via da sua comunicação pelo credor ao devedor (artigos 224º, n.º 1, e 436º, n.º 1, do Código Civil).
O sentido normativo que resulta da letra do n.º 1 do artigo 436º do Código Civil, não limitado pelo respectivo escopo finalístico, é o de que a resolução do contrato pode fazer-se por declaração à outra parte.
O referido normativo não proíbe, porém, que a resolução contratual possa operar por via de acção judicial, com a consequência de que, sem prejuízo da respectiva eficácia retroactiva, a resolução só ocorre com a prolação da sentença em que se reconheçam os concernentes pressupostos de facto.
Vejamos agora a estrutura do caso vertente, em que está em causa a especificidade da matéria relativa ao contrato-promessa.
Se houver tradição da coisa o promitente-comprador pode exigir o seu valor objectivamente determinado à data do incumprimento do contrato-promessa, com dedução do preço convencionado, acrescido do sinal passado que haja (artigo 442º, nº 2, do Código Civil).
Mas o contraente faltoso, no caso de o contraente não faltoso optar pelo pedido de indemnização relativo ao aumento do valor da coisa, pode oferecer-se para cumprir, salvo o disposto no artigo 808º do Código Civil (artigo 442º, nº 3, do Código Civil).
No caso vertente, a recorrida pediu a título subsidiário a indemnização correspondente ao aumento do valor da parcela de terreno em causa com fundamento no incumprimento do contrato-promessa por parte dos recorrentes.
A procedência do referido pedido, não pressupõe, porém, a resolução do contrato-promessa, ou seja, é compatível com o seu mero não cumprimento, exactamente por virtude do que se prescreve no nº 2 do artigo 442º do Código Civil.
No pedido da indemnização correspondente ao aumento do valor da coisa está implícito o pedido de condenação do sinal em dobro bem como o de resolução do contrato-promessa (artigo 217º, nº 1, do Código Civil).
Com efeito, o pedido do valor da coisa baseado na traditio contém implícito o pedido do dobro do sinal passado, sempre inferior àquele, dado que se trata de duas vertentes indemnizatórias.
Em consequência, ao invés do que os recorrentes alegaram, a circunstância de a recorrida não haver pedido a resolução do contrato-promessa em causa não inviabiliza a sua pretensão indemnizatória correspondente ao aumento do valor da referida parcela de terreno.

7.
Atentemos agora na sub-questão de saber se apenas os recorrentes incumpriram o contrato-promessa em causa ou se a recorrida também o incumpriu.
O devedor cumpre a obrigação quando realiza a prestação a que está vinculado, ou seja, quando realiza pontualmente, com diligência e boa fé, o comportamento devido (artigo 762º do Código Civil).
E considera-se constituído em mora quando, por causa que lhe seja imputável, não realiza no tempo devido a prestação ainda possível a que está vinculado (artigo 804º, n.º 2, do Código Civil).
O incumprimento definitivo da obrigação pressupõe sempre uma situação de mora de cumprimento de uma das partes e consuma-se por via da perda do interesse do credor na prestação, verificada em termos objectivos, ou pela omissão de cumprimento pelo devedor em prazo razoável que lhe tenha sido fixado e comunicado pelo credor (artigos 801º e 808º do Código Civil).
A interpelação admonitória de cumprimento da obrigação em prazo razoável não tem razão de ser quando o comportamento do devedor exprima, em termos categóricos, a vontade de não cumprir, caso em que se deve inferir desde logo o incumprimento definitivo.
Perante esta súmula do quadro jurídico, vejamos os factos com que deve ser confrontado.
As partes convencionaram que a escritura seria celebrada após a entrega pelos recorrentes de todos os documentos necessários para a sua celebração, em dia, hora e local a indicar àqueles pela recorrida.
No dia 24 de Fevereiro de 2000, a recorrida fez notificar os recorrentes para, no dia 20 de Março de 2000, apresentarem vários documentos necessários à celebração da escritura, entre eles a certidão camarária do acto de autorização do destaque da parcela de terreno, e para a referida outorga, que marcaram para o dia 28 desse mês.
Assim, a recorrida procedeu à referida notificação dos recorrentes cinco meses e vinte e um dias depois da celebração do contrato-promessa e marcou a entrega dos documentos para vinte e seis dias depois e a escritura para um mês e quatro dias depois.
Perante a referida notificação, os recorrentes informaram a recorrida de que solicitada a informação junto da Câmara Municipal de Barcelos lhes fora dito que esta não autorizava o destaque de qualquer parcela do prédio e por essa razão, que lhes não era imputável, não era possível concretizar o contrato e que a partir dessa data se encontrava ao seu dispor a quantia de 500 000$ a que o referido contrato-promessa se referia.
Todavia, no Plano Director Municipal de Barcelos, o prédio em causa consta situado em zona de construção e poder, por isso, ser loteado e ou desanexado.
As partes não convencionaram no âmbito do contrato-promessa o tempo de cumprimento pelos recorrentes da sua obrigação de obtenção dos documentos necessários à outorga do contrato de compra e venda nem de participar nesse acto de outorga.
A determinação do referido tempo de cumprimento só foi veiculada por via da notificação judicial avulsa acima referida dirigida pela recorrida aos recorrentes e, se eles se limitassem a não entregar os mencionados documentos e ou a não comparecerem perante o notário para outorga do contrato de compra e venda, constituíam-se na situação de mora (artigo 804º, nº 2, do Código Civil).
Todavia, por via da carta que dirigiram à recorrida, embora imputando a causa a recusa camarária, manifestaram-lhe em termos categóricos a vontade de não cumprir o contrato-promessa.
Em consequência, a conclusão é no sentido de que os recorrentes incumpriram em sentido próprio o contrato-promessa em causa.
Resulta da matéria de facto provada, designadamente de II 1 e 4, confinar o terreno em causa com uma estrada parcialmente pavimentada com calçada de cubo de granito e que os recorrentes entregaram à recorrida a parcela de terreno e a autorizaram a ocupá-la e a iniciar nela as obras que pretendia levar a efeito.
O artigo 6º, nº 4, do Decreto-Lei nº 555/99, de 16 de Dezembro, expressa que os actos que tenham por efeito o destaque de uma única parcela de prédio com descrição predial situada em perímetro urbano estão isentos de licença ou autorização, desde que as parcelas resultantes do destaque confrontem com arruamentos públicos e a construção erigida ou a erigir na parcela a destacar disponha de projecto aprovado se exigível no momento da construção.
Com base nos factos mencionados, no referido normativo e na circunstância de a recorrida não haver apresentado na Câmara Municipal de Barcelos um projecto de edificação, os recorrentes também imputam àquela o incumprimento do contrato-promessa.
Afirmam, com efeito, que apesar de se terem vinculado a entregar à recorrida todos os documentos necessários à realização, que para a sua efectivação era necessário proceder a uma operação de loteamento, e que a não dispensa de licenciamento se deveu à omissão da recorrida de apresentar na Câmara Municipal de Barcelos o respectivo projecto de construção.
Os recorrentes, na referida notificação judicial avulsa, comunicaram à recorrida que a Câmara Municipal de Barcelos não autorizava o destaque de qualquer parcela do prédio em causa e não está provado que ela não tenha apresentado àquela entidade algum projecto de construção da casa que nela pretendia implantar.
Por outro lado, no contrato-promessa não ficou estipulada alguma obrigação da recorrida no sentido de apresentar na Câmara Municipal de Barcelos algum projecto de construção da moradia como condição da apresentação pelos recorrentes da documentação necessária à outorga do contrato de compra e venda.
Por isso, ao invés, do que os recorrentes afirmaram, os factos provados não permitem a inferência de que a recorrida tenha incorrido, em relação ao contrato-promessa em causa, em situação de incumprimento ou de simples mora.

8.
Vejamos agora se a recorrida agiu ou não com abuso do seu direito ao invocar o incumprimento do contrato pelos recorrentes.
Expressa a lei ser ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito (artigo 334º do Código Civil).
Reporta-se, pois, este artigo à existência de um direito substantivo que é exercido com manifesto excesso em relação aos limites decorrentes do seu fim social ou económico, da boa fé ou dos bons costumes.
O fim económico e social de um direito traduz-se, essencialmente, na satisfação do interesse do respectivo titular no âmbito dos limites legalmente previstos.
O agir de boa fé envolve a actuação nas relações em geral e em especial no quadro das relações jurídicas, honesta e conscienciosamente, isto é, numa linha de correcção e probidade, sem proceder de modo a alcançar resultados opostos aos que uma consciência razoável tolera.
Os bons costumes são, por seu turno, o conjunto de regras de comportamento relacional acolhidas pelo direito, variáveis no tempo e, por isso, mutáveis, conforme as concepções ético-jurídicas dominantes na colectividade.
Traduz-se em excepção peremptória imprópria de direito adjectivo, o seu funcionamento não depende de consciencialização pelo sujeito, e constitui um limite ao exercício de direitos.
E ocorre quanto a atitude do seu titular se manifeste em comportamento ofensivo do sentido ético-jurídico da generalidade das pessoas em termos clamorosamente opostos aos ditames da lealdade e da correcção imperantes na ordem jurídica.
Afirmaram os recorrentes que a invocação pela recorrida do incumprimento por eles do contrato-promessa se traduz em abuso do direito por exceder os limites da boa-fé.
Baseiam-se na exigência da recorrida por via da notificação judicial avulsa de apresentação até 20 de Março de 2000 da certidão camarária do acto de autorização do destaque, apesar de saber da necessidade de apresentação por ela de um projecto de construção ainda não iniciado.
Os factos provados não revelam que a recorrida soubesse que os recorrentes não podiam, no prazo que lhes foi fixado, obter a autorização do destaque da parcela em causa.
Ademais, a referida notificação não desencadeava desde logo a situação de incumprimento definitivo do contrato-promessa de compra e venda, pois para o efeito, não fora a resposta dos recorrentes a essa notificação, era necessária a interpelação admonitória por via da fixação de prazo razoável para o cumprimento.
Por isso, ao invés do que os recorrentes alegaram, não se verificam na espécie os pressupostos do abuso do direito a que ser reporta o artigo 334º do Código Civil.

9.
Atentemos agora na sub-questão de saber se a recorrida tem ou não direito a exigir dos recorrentes a indemnização correspondente ao valor da parcela de terreno conforme o decidido nas instâncias.
Os recorrentes alegaram que para efeito da indemnização em causa não deve ser considerado o valor de € 9 975,95, mas sim valor objectivo ou de mercado da parcela de terreno à data da celebração do contrato-promessa.
Salientou, por um lado, que o preço convencionado - dez euros por metro quadrado - se reportou a uma parcela de terreno situada em zona de construção, e que o preço corrente do terreno para construção na mesma freguesia é de cerca de € 25 por metro quadrado.
E, por outro, ser manifestamente improvável que na referida freguesia os terrenos para construção tenham aumentado desde 1999 em mais de cento e cinquenta por cento, concluindo ser o preço convencionado relativo à mencionada parcela de terreno bastante inferior ao valor objectivo da parcela de terreno à data da celebração do contrato-promessa.
Finalmente, concluíram no sentido de que o pedido de indemnização pelo aumento do valor da coisa formulado pela recorrida excedia manifestamente os limites impostos pela boa-fé e pelo seu fim social e económico, constituindo assim um claro abuso do direito.
A propósito, está assente, terem a recorrida e o recorrente declarado, no dia 3 de Setembro de 1999, data da celebração do contrato-promessa em causa, ser o preço correspondente à referida parcela de terreno, com área de mil metros quadrados, de 2 000 000$ - correspondentes a € 9 975, 95 - e que na freguesia de Fragoso, onde se situa aquela parcela, o preço corrente do terreno para construção ronda € 25 por metro quadrado.
Sabe-se, por via da decisão da matéria de facto ocorrida, proferida no primeiro trimestre de 2005, que o preço corrente do terreno para construção na freguesia de Fragoso, no âmbito da qual se situa a parcela de terreno em causa, rondava € 25 por metro quadrado.
O referido segmento fáctico assentou em perícia de avaliação ocorrida no dia 20 de Fevereiro de 2003, que utilizou o método comparativo - conhecimento dos valores de mercado de bens semelhantes situados em contextos urbanos similares - referindo-se ao valor actual.
Expressa a lei que se a parte que recebeu o sinal deixar de cumprir as obrigações decorrentes do contrato-promessa tem a outra parte o direito de exigir o dobro do que prestou ou, se houver tradição da coisa a que se refere o contrato prometido, pode exigir o valor da coisa, determinado objectivamente à data do incumprimento daquele contrato, com dedução do preço convencionado, e a restituição do sinal passado (artigo 442º, nº 2, do Código Civil).
Conforme resulta do disposto no nº 3 do artigo 442º do Código Civil, onde se refere a opção pelo aumento do valor da coisa, o direito ao valor da coisa a que alude o seu nº 2 significa que a exigência do valor da coisa corresponde à exigência do aumento do valor da coisa entre o momento da celebração do contrato-promessa e o momento do seu incumprimento.
O ónus de prova dos factos relativos ao aumento do valor da coisa entre o momento da celebração do contrato-promessa e o momento do seu incumprimento incumbe, como é natural, a quem faz valer em juízo esse direito (artigo 342º, nº 1, do Código Civil).
No caso vertente, entre a celebração do contrato-promessa e o seu incumprimento decorreram apenas seis meses e dezanove dias, e os factos provados não revelam qual era o valor de mercado da parcela de terreno em qualquer dos referidos momentos.
Assim, a factualidade provada não revela qual foi o aumento de valor da parcela de terreno em causa no referido período temporal, nem mesmo se durante o mesmo ocorreu algum aumento do valor.
Em consequência, não pode proceder a pretensão da recorrida no sentido de fazer corresponder a indemnização a que tem direito ao aumento do valor da parcela de terreno em causa.
Decorrentemente, o que ela apenas pode exigir dos recorrentes é o pagamento de € 4 987, 97, correspondentes ao dobro do valor do sinal passado, vertente abrangida no pedido por ela formulado para efeito, em termos de não infracção do disposto no artigo 661º, nº 1, do Código de Processo Civil.
Em consequência, o conhecimento da questão de saber se a recorrida agiu ou não com abuso de direito ao formular o pedido indemnização correspondente ao aumento do valor da parcela de terreno em causa está prejudicado (artigos 660º, nº 2, 713º, nº 2 e 726º do Código de Processo Civil).

10.
Vejamos, finalmente, a síntese da solução para o caso espécie decorrente dos factos provados, da dinâmica processual envolvente e da lei.
O acórdão recorrido não está afectado de nulidade por omissão de pronúncia, e a Relação não infringiu o disposto nos artigos 286º do Código Civil e 660º, n.º 2 e 668º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Civil.
O contrato-promessa celebrado entre os recorridos e a recorrida não está afectado de nulidade por indeterminabilidade do respectivo objecto.
Inexistem declarações negociais posteriores ao documento que consubstancia o contrato afectadas de nulidade ou de ineficácia, porque do que se trata é de actos materiais de delimitação do objecto mediato do futuro contrato de compra e venda.
O pedido de indemnização correspondente ao aumento do valor da parcela de terreno, a que se reporta o contrato-promessa, baseado no seu incumprimento definitivo, não pressupõe a formulação de pedido de resolução.
Os recorrentes incumpriram exclusiva e definitivamente o contrato-promessa em causa, e a recorrida não agiu com abuso do seu direito substantivo ao invocar na acção aquele incumprimento.
Não tem a recorrida direito a exigir dos recorrentes indemnização correspondente a aumento do valor da parcela de terreno em causa, porque não provou verificação do acréscimo de valor entre a data da celebração do contrato-promessa e a data do seu incumprimento.
O seu direito indemnizatório circunscreve-se ao recebimento do valor do dobro do sinal passado, e a sua atribuição não infringe o princípio do pedido.
De entre as normas invocadas pelos recorrentes como tendo sido infringidas pela Relação, esta só infringiu as dos artigos 342º, nº 1, e 442º, nº 2, do Código Civil.
Vencidos parcialmente, são os recorrentes e a recorrida responsáveis pelo pagamento das custas respectivas, conforme o vencimento, extensível à acção e ao recurso de apelação (artigo 446º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).
Mas como a recorrida beneficia do apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento de custas a partir de 29 de Outubro de 2002, tendo em conta o disposto nos artigos 15º, nº 1, 37º, nº 1, 54º, nºs 1 a 3, do Decreto-Lei nº 387-B/87, de 29 de Dezembro, 57º, nºs 1 e 2, da Lei nº 30-E/2000, de 20 de Dezembro, e 51º, nºs 1 e 2, da Lei nº 34/2004, de 29 de Julho, inexiste fundamento legal para que seja condenada no respectivo pagamento para além do devido até à mencionada data.

IV
Pelo exposto, dá-se parcial provimento ao recurso, revoga-se o acórdão recorrido na parte confirmatória da sentença proferida no tribunal da 1ª instância, substituindo-se o segmento condenatório no pagamento de catorze mil duzentos e noventa e um euros e setenta e nove cêntimos pelo segmento condenatório no pagamento de quatro mil novecentos e oitenta e sete euros e noventa e sete cêntimos, mantendo-se o restante objecto da respectiva condenação, e condenam-se os recorrentes no pagamento das custas respectivas, incluindo as da acção e do recurso de apelação, na proporção do vencimento, sem prejuízo de a recorrida dever pagar os valores devidos até ao momento da formulação do pedido de concessão do apoio judiciário.

Lisboa, 18 de Maio de 2006
Salvador da Costa
Ferreira de Sousa
Armindo Luís