Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
9184/07.6TBMTS-A.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: MARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA
Descritores: INSOLVÊNCIA
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
OPOSIÇÃO DE JULGADOS
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 06/24/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECLAMAÇÃO
Decisão: INDEFERIDA A RECLAMAÇÃO
Sumário :
1. É condição de admissibilidade do recurso previsto no artigo 14º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas a demonstração, pelo recorrente, de que o acórdão recorrido está em oposição com outro, do Supremo Tribunal da Justiça ou das Relações, que, “no domínio da mesma legislação”, “haja decidido de forma divergente a mesma questão fundamental de direito”, não tendo “sido fixada pelo Supremo, nos termos dos artigos 732º-A e 732º-B do CPV, jurisprudência com ele conforme”.
2. Para ser relevante a oposição, é imprescindível que a mesma norma (ou o mesmo conjunto normativo) tenha sido interpretada e aplicada, como ratio decidendi, de forma diferente no caso apreciado pelo acórdão recorrido e pelo ou pelos acórdãos fundamento.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça:


1. A fls. 200, foi proferida a seguinte decisão:

«1. Por sentença do Tribunal de Comarca e de Família e de Menores de Matosinhos, de fls. 52, e a requerimento do Banco Comercial Português, SA, foi declarada a insolvência de AA e BB.
Como fundamento, o requerente alegou ser portador de onze livranças subscritas pelas sociedades C... – Paredes Têxtil, Lda, C...I... – Distribuição de Produtos Têxteis e Alimentares, Lda. e C... – Custóias Têxtil, Lda., avalizadas pelos requeridos, no valor global de € 1.890.680,52, acrescido de juros de mora vencidos no montante de € 243,467,97, que foram apresentadas a pagamento nas datas de vencimento, mas não pagas. Disse ainda ter instaurado nove acções executivas para pagamento de quantia certa contra os requeridos, sem ter obtido qualquer quantia; que em determinada execução, na qual foi penhorado o único imóvel conhecido dos requeridos, cujo valor não será superior a € 25.000,00 o BPI reclamou créditos no montante de € 644.784,58; que têm dívidas a outros credores em montante superior a € 1.000.000,00; que alienaram o resto do seu património; que as participações sociais que detêm nas sociedades que avalizaram e de que são sócios não têm qualquer valor; que não exercem qualquer actividade remunerada; que, assim, se encontram impossibilitados de cumprir as suas obrigações, e, portanto, em evidente estado de insolvência (sentença, fls. 52).
Os requeridos deduziram oposição, alegando nulidade das livranças e do aval, por violação do pacto de preenchimento, “uma vez que, ao tempo em que foram completadas, o crédito da requerente sobre as referidas sociedades estava reduzido a 16%” (sentença), que o requerente tinha preenchidos as livranças por valores superiores aos que justificara no processo de recuperação das empresas avalizadas e “juros sobre juros” e que este processo de recuperação vai conduzir à “erradicação de tais créditos”, levando a que o valor das participações sociais e dos suprimentos que fizeram às sociedades seja suficiente para o cumprimento de todas as obrigações que sobre si recaem; que uma das sociedades referidas tem no seu património um imóvel avaliado em mais de € 10.000.000,00 (sentença).
A sentença, considerando a prova feita, teve como verificado o “facto-índice da situação de insolvência invocado pela requerente e referido na al. b) do artº 20º do C.I.R.E.”
Para chegar a esta conclusão, a sentença afastou a alegação de abuso de preenchimento de (parte das) livranças apresentadas, observando que a redução “a 16% dos valores dos créditos” do requerente, determinada no processo de recuperação de empresas, não lhe era oponível, por ter votado contra, não afectando “a existência nem o montante” dos seus créditos; e que o preenchimento por valores superiores aos justificados no processo de recuperação (incluindo os juros entretanto vencidos) não relevava, dada a autonomia do aval. Concluiu, portanto, não ocorrer “preenchimento abusivo, do que decorre a exigibilidade dos montantes apostos nas referidas livranças, ao qual acrescerão os juros moratórios (…), porquanto a proibição de anatocismo consagrada no artº 560º do C.P.C. não se aplica à actividade bancária”.
Assim, a sentença decidiu que “conforme alegou a requerente, a mesma é credora dos requeridos no valor de € 1.890.680,52, valor global das livranças avalizadas pelos requeridos, valor a que acrescem juros vencidos no montante de € 243.467,92.”
Verificado o facto índice invocado e previsto na al. b) do artigo 20º do C.I.R.E., e que, “neste momento, os requeridos não dispõem de qualquer activo líquido com o qual possam solver as suas obrigações financeiras” não tendo os requeridos logrado “provar a sua recuperabilidade económica”, concluiu que,“por conseguinte, mostrando-se verificadas as situações previstas nas alíneas b) e e) do nº 1 do artigo 20º do C.I.R.E., julga-se verificada a existência dos pressupostos para decretar a insolvência dos requeridos (…)”.
A sentença foi confirmada pelo Tribunal da Relação do Porto:
«Ora, a esse propósito, verifica-se que os recorrentes avalizaram títulos de crédito num valor global de € 1.890.680,52 (um milhão, oitocentos e noventa mil, seiscentos e oitenta euros, cinquenta e dois cêntimos), a que acrescem juros de mora já vencidos à data do pedido de insolvência (há cerca um ano, portanto) num montante de € 243.467,97 (duzentos e quarenta e três mil, quatrocentos e sessenta e sete euros e noventa e sete cêntimos), mais os vencidos e vincendos desde então. Esses títulos foram apresentados a pagamento e não foram pagos e, instauradas as competentes execuções, nada foi ainda entregue ao exequente.
Um outro credor (BPI) reclamou entretanto créditos sobre os recorrentes numa das execuções, num valor de € 644.784,58 (seiscentos e quarenta e quatro mil, setecentos e oitenta e quatro euros e cinquenta e oito cêntimos).
Nesse processo foi ainda reconhecido um crédito de que é beneficiário o 'Banif no montante de 119.975,68 (cento e dezanove mil, novecentos e setenta e cinco euros e sessenta e oito cêntimos).
Entretanto, sabe-se que os apelantes são donos de uma fracção autónoma – com um valor patrimonial de € 29.453,51 (vinte e nove mil, quatrocentos e cinquenta e três euros, cinquenta e um cêntimos) – mas que sobre ela impendem duas penhoras a favor do 'BCP', uma para garantia da quantia de € 250.000,00 (duzentos e cinquenta mil euros) e a outra da quantia de € 88.786,37 (oitenta e oito mil, setecentos e oitenta e seis euros e trinta e sete cêntimos).
Os recorrentes alienaram o remanescente do seu património imobiliário. Ora, este quadro é perfeitamente objectivo e não se pode considerar nada famoso em favor da tese que os apelantes aqui vêm expender de que afinal não há razões para se declarar a sua insolvência. Há-as, sem qualquer dúvida, sendo tais valores em dívida, já de si, impressionantes, para a nossa praça.
E a um quadro totalmente objectivo e quantificado nos seus números e valores (angustiante na realidade que traduz) vêm os recorrentes contrapor – primeiro na 1.a instância e ora na 2.a – um outro totalmente hipotético e futurista (radioso na realidade que promete) de uma situação: a) em que se vão ver livres a curto prazo das dívidas (mercê das oposições às execuções que entretanto deduziram onde invocam a nulidade dos títulos de crédito que consubstanciam boa parte das dívidas, quer por violação do pacto de preenchimento, quer por omissão no título executivo da origem da dívida, quer pela nulidade da citação); b) em que as próprias dívidas irão desaparecer (mercê do plano de insolvência entretanto aplicado às sociedades avalizadas "C... – Paredes Têxtil, Lda.", "C...I... – Distribuição de Produtos Têxteis e Alimentares, Lda." e "C... – Custóias Têxtil, Lda." no processo de recuperação a correr termos e em plena execução); c) e em que o seu próprio património se irá valorizar e será então suficiente para cumprir as suas obrigações (mercê da valorização das próprias participações que os recorrentes detêm naquelas sociedades avalizadas, as quais, com a aprovação e implementação daquele plano de insolvência irão conhecer a pretendida recuperação, voltando a afirmar-se no mercado, quanto mais não seja pela confiança que tal plano a todos transmite).
Mas este quadro é meramente hipotético e aposta numa série de variáveis que estão muito longe de ser reais, tanto o ganho de causa em acções judiciais, como, principalmente, a recuperação daquelas empresas avalizadas, no ramo a que se dedicam – o têxtil, conhecidas que são as respectivas dificuldades – e na conjuntura que entretanto surgiu no final do ano transacto de crise internacional generalizada e grave.
Oxalá as expectativas dos recorrentes se concretizem, para bem deles e da economia do País. Mas não é com expectativas – para mais, de difícil realização – que aqui haveremos de decidir a questão que vem suscitada da verificação dos pressupostos legais da declaração do seu estado de insolvência. No quadro que se deixou acima traçado é preciso muito mais que expectativas para se evitar a declaração desse estado (sendo certo que mesmo quando a situação é muito má, os agentes económicos mantêm ainda esperanças e expectativas de melhoria, o que é bom e normal, mas não poderá impedir a declaração de insolvência, caso contrário nunca a mesma se poderia declarar, com prejuízo dos credores).
Dessarte, neste enquadramento legal e fáctico, não cremos, salva melhor opinião, que a douta sentença 'sub judicio' não tenha andado bem na declaração que proferiu do estado de insolvência dos apelantes AA e esposa BB.
Pelo que haverá que ser mantida na íntegra, intacta na ordem jurídica.»

2. Os requeridos interpuseram recurso para o Supremo Tribunal da Justiça, invocando contradição de julgados com os acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 5 de Junho de 2008, do Tribunal da Relação do Porto de 5 de Março de 2009 e do Supremo Tribunal da Justiça de 4 de Julho de 2007.
Em seu entender, o acórdão recorrido “decide, em suma, que não obstante tenham os Requeridos – aqui Recorrentes – deduzido oposição a todas as execuções de créditos reclamados nos autos de insolvência, o que confere o carácter de crédito litigioso a todos e cada um deles, nos termos do disposto no nº 3 do artigo 579º do Código Civil, a mera expectativa de ganho de causa nas diversas oposições não obsta à declaração de insolvência dos Requeridos. Isto porquanto se verifica já – independentemente da litigiosidade dos créditos – um deficit no valor dos bens penhorados face às quantias exequendas.
Em sentido manifestamente confrontante com tal entendimento, pronunciaram-se já os Venerandos Tribunais da Relação de Lisboa e do Porto, sustentando que os créditos litigiosos – precisamente por revestirem tal característica de duvidosa existência e exigibilidade – não conferem legitimidade para a dedução de requerimento e insolvência por terceiro que se arroga credor”.
O recurso foi admitido, com base no artigo 14º do CIRE; os recorrentes alegaram.

3. Por despacho de fls. 142, os recorrentes foram convidados a “juntar certidão dos acórdãos que indicaram no requerimento de interposição de recurso como fundamento do mesmo, com nota de trânsito, uma vez que o recurso só é admissível por oposição de julgados.” Foram ainda convidados “a esclarecer que é a ‘mesma questão fundamental de direito’ que, ‘no domínio da mesma legislação’, os acórdãos que indicam como fundamento decidiram ‘de forma divergente’ da decisão agora sob recurso”.
A fls. 144, vieram esclarecer que “a oposição de julgados subjacente ao recurso em crise” se reporta “à legitimidade de um credor titular de um crédito litigioso – não reconhecido e impugnado pela Requerida – para deduzir acção para declaração de insolvência do alegado devedor”.
A fls. 159, juntaram certidão do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 5 de Junho 2008 e, a fls. 185, do Tribunal da Relação do Porto de 5 de Março de 2009.
Não será assim considerado o terceiro acórdão indicado no requerimento de interposição de recurso.

4. Como se observou no despacho de fls. 142, é condição de admissibilidade do presente recurso a demonstração, pelo recorrente, de que o acórdão recorrido está em oposição com outro, do Supremo Tribunal da Justiça ou das Relações, que, “no domínio da mesma legislação”, “haja decidido de forma divergente a mesma questão fundamental de direito”, não tendo “sido fixada pelo Supremo, nos termos dos artigos 732º-A e 732º-B do CPV, jurisprudência com ele conforme”.
Antes de mais, cumpre esclarecer que a questão da “legitimidade de um credor titular de um crédito litigioso – não reconhecido e impugnado pela Requerida – para deduzir acção para declaração de insolvência do alegado devedor” não foi colocada pelos recorrentes nas instâncias. No entanto, foi deduzida oposição que, a ser procedente, poderia conduzir a entender-se faltar tal legitimidade; não se considera, por este motivo, inadmissível o recurso.
Também se não coloca nenhuma dúvida quanto ao preenchimento do requisito de que se esteja no domínio da mesma legislação, ou de que não exista uniformização de jurisprudência com a qual o acórdão recorrido esteja conforme.

5. É todavia requisito indispensável à admissibilidade de recurso a oposição de julgados, ou seja, e em termos simples, é imprescindível que a mesma norma (ou o mesmo conjunto normativo) tenha sido interpretada e aplicada, como ratio decidendi, de forma diferente no caso apreciado pelo acórdão recorrido e pelo ou pelos acórdãos fundamento.
Ora verifica-se que no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 5 de Junho de 2008 se considerou que “Nos termos do art.º 3º, n.º 1 do C.I.R.E. – a propósito da impossibilidade de cumprir as obrigações vencidas[, como pressuposto objectivo do desenvolvimento do processo de insolvência – só o incumprimento de obrigações vencidas pode susceptibilizar o requerimento de insolvência por parte do credor. Uma obrigação vencida é uma obrigação que devia ter sido cumprida, e uma obrigação vencida torna-se uma obrigação exigível, conferindo ao credor a possibilidade de exigir imediatamente a prestação, isto é, o credor pode exercer o seu direito judicialmente caso o devedor não cumpra voluntariamente, executando o património do devedor para satisfação do seu crédito. Donde resulta, que só tem legitimidade substantiva[ para requerer a insolvência os credores com créditos vencidos e exigíveis (art.ºs 3º, n.º 1; 20º, n.º 1 e 25º, n.º 1 do C.I.R.E.). E resulta também que, se o crédito for litigioso – como é o caso dos presentes autos, pois os requerentes alegam que são credores dos requeridos no montante do dobro do sinal entregue porque os requeridos incumpriram o aludido contrato-promessa e estes dizem que nada lhes devem, porque foram os requerentes que incumpriram o contrato-promessa – quanto à sua existência ou quanto ao seu vencimento – p. ex., se decorreu ou não o prazo, nas obrigações de prazo certo, e também, nestas obrigações, se houve ou não perda do benefício do prazo por diminuição das garantias prestadas ou falta das garantias prometidas (art.º 780º do Cód. Civil), se se verificou ou não a condição, nos casos em que a obrigação está sujeita a condição suspensiva (art.º 270º do Cód. Civil), se o credor satisfez ou não a contraprestação (art.º 428º do Cód. Civil) –, não pode o credor pedir a declaração de insolvência com fundamento na cessação de pagamentos [art.º 20º, n.º 1 als. a), b) e g) do C.I.R.E. por não lhe ter sido feito um determinado pagamento, uma vez que há uma justificação para essa atitude e, por conseguinte, este não pagamento não pode ser visto como uma impossibilidade de cumprimento de obrigações vencidas, ou seja como estando o requerido insolvente (art.º 3º, n.º 1 do C.I.R.E.), à data do requerimento de insolvência. Aliás, se assim não fosse, todas as sociedades e todas as pessoas singulares poderiam correr o risco de serem declaradas insolventes. Se a causa de pedir for uma ou várias das cessões de pagamentos [cfr. art.º 20º, n.º 1 als. a), b) e g) do C.I.R.E.], e se o mesmo conflito apenas surgir com a oposição do devedor (art.º 30º do C.I.R.E.) a insolvência não deverá ser decretada se se provar que a obrigação do devedor não existe ou que não estava vencida à data em que a acção foi proposta, pelas mesmas razões que levam à improcedência do pedido na hipótese de o conflito já existir à data do pedido de declaração de insolvência. E será decretada na situação inversa, obviamente”.
Para além da diversidade fáctica das situações tratadas neste acórdão e no acórdão recorrido, que se verifica em pontos essenciais e patentes, a verdade é que não é possível extrair deste acórdão da Relação de Lisboa o entendimento de que não é reconhecida legitimidade “para deduzir acção para declaração de insolvência do alegado devedor” a um credor por ser “titular de um crédito litigioso”, no sentido de crédito “não reconhecido e impugnado pela Requerida” (utilizam-se os termos da resposta de fls. 144).
Com efeito, na sentença proferida no presente processo, e no acórdão recorrido que a confirmou, entendeu-se, para além do mais, que, quando foi pedida em juízo a declaração de insolvência dos ora recorrentes, os créditos invocados pelo recorrido eram devidos: existiam e estavam vencidos.
A razão que levou à improcedência, no acórdão de 5 de Junho de 2008, não foi, de forma alguma, a circunstância de os requeridos não terem reconhecido o crédito dos requerentes, ou de se terem oposto, impugnando a sua existência; não foi porque, neste sentido, o crédito invocado era litigioso. O motivo que levou à improcedência foi, antes, o de que se não podia concluir que, “quando os requerentes intentaram a presente insolvência, existisse e estivesse vencido o crédito que invocaram.

6. O mesmo se diga relativamente ao acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 5 de Março de 2009. Conforme relata, “Ora, ‘in casu’, o alegado crédito que está na génese do pedido de insolvência formulado na acção, não se encontra líquido, e mesmo a sua existência encontra-se ainda a ser dirimida no âmbito do processo nº 14/05.4TBAGH do 1º Juízo do Tribunal Judicial (…), sendo assim, no mínimo, à data da propositura da acção, um crédito controvertido e portanto ainda não exigível”. E acrescenta: “só o cumprimento de obrigações vencidas pode susceptibilizar o requerimento de insolvência por parte do credor (…) e uma obrigação vencida é uma obrigação que devia ter sido cumprida, que se tornou exigível (…). Donde resulta que só tem legitimidade substantiva (e não legitimidade processual, já que a legitimidade para pedir a declaração de insolvência respeita à existência do direito invocado pelo requerente), para requerer a insolvência, os credores com créditos vencidos e exigíveis – cf. Artºs 3º n º 1, 20º n º1 e 25º nº 1 do C.I.R.E.
No caso dos autos, verifica-se que o crédito que o requerente invocou como fundamento da sua legitimidade (substantiva) para requerer a insolvência, não se encontrava à data da propositura da acção (nem na data da prolação da sentença) ainda vencido, sendo antes um crédito controvertido, litigioso, e como tal não exigível”.

7. Resulta das extensas transcrições a que se procedeu que não ocorreu a oposição de julgados invocada pelos recorrentes.
Não pode, pois, admitir-se o recurso.

8. Nestes termos, e de acordo com o disposto no nº 1 do artigo 14º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, no nº 4 do artigo 687º, na al. e) do nº 1 do artigo 700º e no artigo 726º do Código de Processo Civil, na versão anterior à que resultou do Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto, julgo findo o recurso, por não ser admissível.

Lisboa, 30 de Março de 2010»

2. A fls. 212, AA, ao abrigo do disposto no nº 3 do artigo 700º do Código de Processo Civil, veio reclamar para a conferência. Não houve resposta.
No entender do reclamante, há contradição de julgados que justifique que o recurso seja admissível; para além disso, diz o reclamante, verifica-se o seguinte:
“Ora (…) pacífico será que, apesar das diferentes naturezas dos créditos em crise nos vários decisórios, é traço comum entre todos o essencial: o não reconhecimento, pelo alegado devedor, da sua existência.
Mais, peca por inexacta a asserção vertida no parágrafo final de fls. 206, segundo a qual os créditos erigidos pelo requerente da insolvência “… eram devidos: existiam e estavam vencidos”. Em bom rigor, o que existia mais não era que não os papéis de suporte dos alegados títulos executivos, e as declarações neles apostas, designadamente quanto a valores e datas de vencimento. Cumpriria ao julgador nos apensos de oposição à execução decidir se os créditos existiam ou não, e estavam vencidos ou não.
Logo, no momento em que foi requerida a insolvência, o certo é que não se podia concluir que “… existisse e estivesse vencido o crédito…” – cfr. o vertido no primeiro parágrafo de fls. 207”.

3. Confirma-se a decisão de não conhecimento do recurso, pelos fundamentos nela indicados.
Quanto ao fundamento especificamente apontado na reclamação, cumpre esclarecer o seguinte:
– No final de fls. 206, o que se escreveu foi que “Com efeito, na sentença proferida no seguinte processo, e no acórdão recorrido que a confirmou, entendeu-se, para além do mais, que, quando foi pedida em juízo a declaração de insolvência dos ora recorrentes, os créditos invocados pelo recorrido eram devidos: existiam e estavam vencidos”. Tal afirmação – que não envolve qualquer decisão sobre a questão de saber se os créditos “… eram devidos: existiam e estavam vencidos”, como sugere a reclamação, lida no contexto em que foi feita, destinava-se a mostrar a ausência da contradição apontada pelo reclamante entre o acórdão recorrido e o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 5 de Junho de 2008, ausência essa que se reitera, nos precisos termos em que foi exposta na decisão reclamada;
– Quanto à parte transcrita do primeiro parágrafo de fls. 207, refere-se ao mesmo acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 5 de Junho de 2008.

4. Nestes termos, indefere-se a reclamação e confirma-se a decisão reclamada, nos seus precisos termos, decidindo, portanto, julgar fundo o recurso, por não ser admissível.

Custas pelo reclamante.

Supremo Tribunal de Justiça, 24 de Junho de 2010

Maria dos Prazeres Pizarro Beleza (Relatora)
Lopes do Rego
Barreto Nunes