Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2449/08.1TBFAF.G1.S1
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: ANTÓNIO JOAQUIM PIÇARRA
Descritores: INTERPRETAÇÃO DA DECLARAÇÃO NEGOCIAL
CONTRATO-PROMESSA
CONTRATO PROMETIDO
CLÁUSULA CONTRATUAL
CONTRATO MISTO
CESSÃO DE QUOTA
ASSUNÇÃO DE DÍVIDA
EXTINÇÃO DAS OBRIGAÇÕES
EXTINÇÃO DO CONTRATO
PREÇO
SIMULAÇÃO
NULIDADE DE ACÓRDÃO
INCONSTITUCIONALIDADE
Data do Acordão: 04/16/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / NEGÓCIO JURÍDICO / DECLARAÇÃO NEGOCIAL / OBJECTO NEGOCIAL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / CONTRATOS / TRANSMISSÃO DE DÍVIDAS.
DIREITO CONSTITUCIONAL - DIREITOS E DEVERES FUNDAMENTAIS - TRIBUNAIS.
DIREITO DAS SOCIEDADES COMERCIAIS - SOCIEDADES POR QUOTAS / TRANSMISSÃO ENTRE VIVOS E CESSÃO DE QUOTAS.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / SENTENÇA / RECURSOS.
Doutrina:
- Alexandre de Soveral Martins, Código das Sociedades Comerciais em Comentário, coordenação de Jorge Coutinho de Abreu, Volume III, 2011, pp. 448 a 459; “ Transmissão da Empresa Societária: Algumas notas”, in Nos 20 Anos do Código das Sociedades Comerciais, 2007, pp. 415 a 438.
- Almeida Costa, Direito das Obrigações, 11.ª edição actualizada, 2008, p. 828.
- Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Volume I, 10.ª edição, 2000, pp. 292, 308/309.
- Carlos Mota Pinto, Cessão da Posição Contratual, Reimpressão, 2003, pp. 270/271; Teoria Geral do Direito Civil, 3.ª edição, 1999, p. 476.
- Galvão Telles, Direito das Obrigações, 7.ª edição (reimpressão), 2010, pp. 83/84; Manual dos Contratos em Geral, 4.ª edição, 2002, p. 446.
- Lebre de Freitas, A Acção Declarativa Comum à luz do Código Revisto, 2000, p. 291; “Código de Processo Civil”, Anotado, 2.º Volume, 2001, p. 669.
- Luís A. Carvalho Fernandes, Teoria Geral do Direito Civil, Vol. II, 2ª edição, 1996, pp. 349/350.
- Pedro Pais de Vasconcelos, Contratos Atípicos, 2.ª edição, 2009, pp. 209-247, 256/257;
Teoria Geral do Direito Civil, 6.ª edição, 2010, pp. 547, 636.
- Raúl Ventura, Sociedades Por Quotas – Comentário ao Código das Sociedades Comerciais, Volume I, 4.ª reimpressão da edição de 1989, 2007, pp. 575 a 593.
- Rui Pinto Duarte, Tipicidade e Atipicidade dos Contratos, 2000, pp. 42-55 e 131-158.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 236.º A 238.º, 240.º, 241.º, 280.º, 410.º, 405.º, 406.º E 444.º, N.º 3, 595.º, N.º1.
CÓDIGO DAS SOCIEDADES COMERCIAIS (CSC): - ARTIGO 228.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 659.º, N.º 2, 660.º, N.º2, 664.º, 668.º, N.º1, ALS. B) E D), 705.º, 712.º, N.º 6, 713.º, N.º5, 716.º, N.º 1, 721.º, 722.º, 731.º E 732.º.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGOS 20.º, 204.º, 205.º.
DL N.º 303/2007, DE 24-08: - ARTIGOS 11.º, N.º 1, E 12.º, N.º 1.
LOFTJ (LEI N.º 3/99, DE 13-01): - ARTIGO 26.º.
NLOFTJ (LEI N.º 52/2008, DE 28-08): - ARTIGO 33.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 25-03-2004, PROC. N.º 04B539, EM WWW.DGSI.PT ;
-DE 13-09-2011, PROC. N.º 122/07.7TCGMR.G1.S1, DE 27-5-2003 E 27-11-2007, NOS PROCS. 03A1232 E 07A3717, RESPECTIVAMENTE, TODOS DA 1.ª SECÇÃO, EM WWW.DGSI.PT ;
-DE 05-06-2007, PROC. N.º 07A1364, DE 15-04-2010, PROC. N.º 9275/05.8TBVVG.P1.S1, E DE 14-06-2011, PROC. N.º 13788/05.3TBOER.G1.S1(ESTE ÚLTIMO ACÓRDÃO NÃO SE ENCONTRA PUBLICADO, ESTANDO O SUMÁRIO EDITADO NO CADERNO DE SUMÁRIOS DE ACÓRDÃOS DO STJ, ELABORADO PELO GABINETE DOS JUÍZES ASSESSORES, ACESSÍVEL NO SITE RESPECTIVO DO STJ);
-DE 17-04-2007, 13-10-2007, 24-01-2008, 10-04-2008, 08-01-2009, E DE 21-06-2011, PROCS. N.º 07A3570, 07B956, 07B3813, 08B396, 08B3510 E N.º 1065/06.7TBESP.P1.S1, EM WWW.DGSI.PT ;
-DE 16-12-2010, PROC. N.º 2401/06.1TBLLE.E1.S1, DE 05-05-2011, PROC. N.º 178-E/2000.P1.S1., E DE 28-02-2013, PROC. N.º 60/2001.E1.S1, EM WWW.DGSI.PT ;
-DE 17-06-2010, PROC. N.º 115/1997.S2, E DE 14-06-2011, PROC. N.º 3222/05.4TBVCT.S2, EM WWW.DGSI.PT ;
-DE 05-07-2012, PROC. N.º 1028/09.0TVLSB.L1.S1, 12-03-2013, PROC. N.º 5097/05.4TVLSB.L1.S1 . EM WWW.DGSI.PT ;
-DE 31-03-2011, PROC. N.º 4004/03.3TJVNF.P1.S1, DE 06-09-2011, PROC. N.º 4537/04.4TVPRT-A.P1.S1, E DE 30-10-2012, PROC. N.º 3313/06.4TVLSB.L1.S1, EM WWW.DGSI.PT ;
-DE 05-02-2013, PROC. N.º 3201/05.1TCLRS.L1.S1, DE 14-01-2010, PROC. N.º 2299/05.7TBMGR.C1.S1, DE 10-01-2002, PROC. N.º 3642/00, E DE 08-03-2001, PROC. N.º 3277/00, DA 1.ª SECÇÃO, EM WWW.DGSI.PT;
-DE 14-06-2011, PROC. N.º 3222/05.4TBVCT.S2, DA 1.ª SECÇÃO, EM WWW.DGSI.PT.
Sumário :
I - A nulidade das decisões judiciais, a que se reporta o art. 668.º, n.º 1, al. b), do CPC, só ocorre quando falte em absoluto a indicação dos fundamentos de facto e/ou de direito das decisões, não abrangendo a mera deficiência dessa fundamentação.

II - A nulidade das decisões judiciais, prevista no art. 668.º, n.º 1, al d), do CPC, relativa à omissão de pronúncia, apenas se reporta às pretensões deduzidas ou aos elementos integradores do pedido e da causa de pedir, mas não abrange os argumentos, motivos ou razões jurídicas invocados pelas partes.

III - Ao STJ não compete sindicar a forma como foram valoradas as provas pelas instâncias, excepto quando esteja em causa a violação de direito probatório material.

IV - Na interpretação de um contrato, a efectuar de acordo com as normas previstas nos arts. 236.º a 238.º do CC, deve buscar-se não apenas o sentido das declarações negociais separadas e alheadas do seu contexto negocial global, mas procurar-se o sentido juridicamente relevante daquele contexto, atendendo, em especial, à letra do negócio, às circunstâncias de tempo, lugar e outras que antecederam a celebração do contrato ou são contemporâneas das mesmas, às negociações entabuladas pelas partes e às finalidades por elas prosseguidas, ao próprio tipo negocial, à lei, aos usos e costumes, e à posição assumida pelas partes na concretização do negócio.

V - O contrato-promessa é a convenção pela qual alguém se obriga a celebrar certo contrato, tendo esse negócio jurídico como objecto imediato para os seus outorgantes uma obrigação de facere, infungível, que se exprime pelo compromisso de emitir a declaração de vontade conducente à celebração do contrato definitivo (prometido).

VI - Se num contrato-promessa de cessão de quotas se consignaram cláusulas em que os promitentes-vendedores assumiram, até determinada data, responsabilidade pelas dívidas da sociedade comercial em que eram detentores das quotas prometidas vender, desonerando desse encargo os promitentes-compradores, não se pode considerar que com a outorga do contrato prometido de cessão de quotas, em que não se incluíram tais condições, se extinguiram as cláusulas e obrigações constantes do contrato-promessa, referentes à responsabilidade por aquelas dívidas, as quais subsistem.

VII - Essa situação é paradigmática de um caso em que o contrato-promessa valerá a se, mesmo depois de celebrado o contrato definitivo, por não se tratarem de cláusulas que constituem elementos nucleares desse contrato, podendo subsistir mesmo depois daquele ser outorgado.

VIII - Nesse caso, está-se perante um contrato misto de promessa de cessão de quotas e de assunção de cumprimento de dívidas, devendo aplicar-se a cada um dos elementos integradores da espécie a disciplina que lhes corresponde dentro do respectivo contrato.

IX - A par da obrigação principal convencionada no contrato-promessa e das acessórias ou secundárias que surjam como instrumentais daquela podem existir outras que se apresentem como autónomas ou desvinculadas da obrigação da contraparte, não se integrando no sinalagma específico do contrato-promessa e escapando à obrigação típica principal e às que integram deveres secundários ou acessórios e instrumentais daquela.

X - Essas obrigações poderão ser invocadas, quando se mostre que as partes, ao realizarem o contrato prometido, não pretenderam alterar o objecto das obrigações insertas na promessa – modificando-as ou extinguindo-as – e na medida em que as mesmas sejam dotadas da necessária autonomia, como fundamento de acção de cumprimento ou indemnização por incumprimento ou cumprimento defeituoso, mas sempre fora do regime do cumprimento ou do incumprimento do contrato-promessa enquanto tal e do complexo das obrigações jurídicas que o caracterizam em atenção à principal.

XI - A oportunidade de imputação de inconstitucionalidades, num processo judicial, não se reporta nunca à decisão judicial, mas a alguma norma jurídica em si mesma inconstitucional ou a uma norma aplicada, na interpretação que naquela decisão se lhe deu e que contrarie normas ou princípios constitucionais.

XII - Num contrato-promessa de cessão de quotas cujo preço das cessões é manifestamente superior ao preço declarado no contrato definitivo (naquele de Esc. 75 000 000$00, neste de Esc. 5 000 000$00), não deixando as partes, porém, de querer celebrar o contrato que concluíram, tudo indicia que o preço declarado na escritura pública foi inferior ao realmente negociado e querido, constante do contrato-promessa, configurando-se uma situação de hipotética simulação relativa, quanto àquele elemento (preço), em prejuízo do Estado que não arrecadou o imposto realmente devido, devendo essa situação ser reportada, oficiosamente, ao Ministério Público.
Decisão Texto Integral:
           
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

Relatório
I - AA - ..., Lda., instaurou contra BB e mulher, CC, e DD e mulher, EE, acção declarativa, sob a forma do processo ordinário, pedindo a condenação destes a pagarem-lhe a quantia de € 194 921,99 (cento e noventa e quatro mil novecentos e vinte e um euros e noventa e nove cêntimos), a título de indemnização por danos sofridos, acrescida de juros à taxa comercial desde a data do pagamento realizado pela Autora até efectivo cumprimento pelos Réus, importando os já vencidos em € 19 800 (dezanove mil e oitocentos euros), e a quantia que vier a ser liquidada em execução de sentença referente aos factos alegados nos artigos 44.° a 52.° da petição inicial.
Invocou, para tanto e em síntese, que os Réus, por contrato outorgado em 25-07-2000, transmitiram a FF, GG, HH e II, a totalidade das quotas da Autora, tendo ficado acordada a venda da sociedade livre de qualquer passivo, nomeadamente do valor de esc. 28 457 768$00 a débito que constava do respectivo balanço, procedente de prestações vencidas e não pagas do contrato de subconcessão celebrado em 28-04-1994, entre a AA, Lda., e a “Companhia JJ”, que seria integralmente suportado pelos transmitentes.
Todavia, no princípio do mês de Outubro de 2000, a Autora foi citada, como Ré, numa acção declarativa de condenação com processo ordinário, em que figurou como Autor KK, na qualidade de liquidatário judicial da Companhia de JJ, S.A., na qual veio a ser proferida decisão, transitada em julgado, que condenou a aqui Autora a pagar à “Massa falida da Companhia de JJ” a quantia de € 132 777,95, acrescida de juros de mora às taxas supletivas para os juros comerciais, contados sobre o valor de € 62 349,74 euros desde a data da citação, e sobre o montante de € 49 879,79 desde 24-10-2002 até integral e efectivo pagamento, que a Autora já pagou, num total de € 180 000, referente a capital e juros. Para além desta quantia, a agora Autora suportou também custos com taxas de justiça e juros do empréstimo que teve de contrair para pagar o referido montante (cf. fls. 4 a 10).
Na sua contestação, os Réus invocaram a excepção contida nas cláusulas 7.ª e 9.ª do contrato promessa de cessão de quotas, no sentido de que tais cláusulas só diziam respeito às dívidas da Autora desconhecidas dos promitentes adquirentes na ocasião da celebração do contrato, por não contabilizadas ou documentadas, quando é certo que a dívida da AA à “Companhia de JJ” era do conhecimento dos promitentes adquirentes. E impugnaram os demais fundamentos da acção (cf. fls. 152 a 155).
Proferido despacho saneador, e seleccionada a matéria de facto assente e integrante da base instrutória (cf. fls. 163 a 165 verso), realizou-se a audiência de discussão e julgamento, proferindo-se, a final, decisão sobre a matéria de facto.
Foi depois proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência, condenou os Réus no pagamento à Autora da quantia de € 62 349,74 (sessenta e dois mil trezentos e quarenta e nove euros e setenta e quatro cêntimos), acrescida de juros à taxa comercial, vencidos e vincendos, contabilizados sobre tal montante desde 01-01-1998, até efectivo e integral pagamento, absolvendo-se os Réus da parte restante do pedido.
Não se conformando com tal decisão, dela recorreram a Autora e os Réus, sem êxito, uma vez que a Relação negou provimento aos recursos e confirmou, por unanimidade, a sentença recorrida.
Persistindo inconformados, voltam a recorrer os Réus, através de revista excepcional, ao abrigo do disposto nos arts. 721.º, n.ºs 1 e 3, e 721.º-A, n.ºs 1, als. a) e c), do Cód. Proc. Civil (CPC), recurso admitido pela formação de juízes a que se refere o n.º 3 do art. 721.º–A, do CPC (cf. fls. 603 a 613).
A finalizar a sua alegação de recurso, os Réus alinharam as seguintes conclusões:
“1. Admitindo a lei o recurso ordinário do Acórdão recorrido cabe nesta sede arguir a sua nulidade – por violação do normativo previsto no n.° 1 do art. 668.° e al. c), do n.° 1 do art. 722.° do Código de Processo Civil.
2. O Acórdão recorrido padece de nulidade por falta de fundamentação e ainda por ter deixado de se pronunciar sobre questão que devesse apreciar, violando o disposto nas als. b) e d) do n.° 1 do art. 668.°, quer no plano da fundamentação fáctica, quer do direito, porquanto:
- não concretizou nem fez a devida correspondência entre factos ou argumentos que justifiquem a sua decisão;
- remeteu apenas para os fundamentos da sentença e limitou-se a aduzir meras repetições genéricas da sentença recorrida;
- limitou-se ainda a acrescentar singelamente um argumento de “esvaziamento de conteúdo” do teor das cláusulas em discussão sem qualquer apoio em factos provados (aliás nenhuma justificação é fornecida para tal "acrescento";
- não integrou quaisquer factos, nem adiantou suficientemente quaisquer razões de direito, para sustentar a sua decisão;
- fica por se perceber porque é que considera o contrato promessa um contrato misto, porque é que existe uma assunção de cumprimento de dívidas e porque é que o contrato prometido não extingue as obrigações do contrato prometido;
3.ª - O Acórdão recorrido não se pronunciou sobre a questão da licitude /ilicitude da pretensa assunção de cumprimento de dívidas levantada nas conclusões 37 a 41 da apelação interposta.
4.ª - O disposto no art. 668.° do Código de Processo Civil (requisitos da sentença e causas de nulidade) aplica-se aos acórdãos dos tribunais superiores, por força do disposto nos arts. 713.° n.° 2, 716.° n.° 1, 721.°, 731.° e 732.°, todos do Código de Processo Civil.
5.ª - A Recorrida, AA - Gestão de Recursos … Lda., instaurou contra os aqui Recorrentes, acção para pagamento da quantia de € 194 921,99 e juros à taxa comercial, com fundamento em contrato promessa celebrado de cessão de quotas.
6.ª - No seu entender, por força das cláusulas 7.ª e 8.ª daquele contrato promessa, todas as dívidas e encargos, bem como os créditos da referida AA, existentes até 31/05/2000 seriam suportados e recebidos exclusivamente pelos aqui RR, sendo ainda que a escritura pública de cessão de quotas foi celebrada em 25/07/2000.
7.ª - Alegaram ainda que por força de acção interposta pelo liquidatário judicial da falida Companhia de JJ, SA, veio a Autora AA, a ser condenada a pagar a quantia constante dos autos.
8.ª – Os aqui Recorrentes contestaram, pugnando entre outros argumentos que tais cláusulas não tinham qualquer validade ou eficácia por não constarem do contrato definitivo (a escritura de cessão de quotas).
9.ª – A sentença da Primeira Instância, julgou a acção parcialmente procedente e condenou os aqui RR no pagamento à Autora da quantia constante nos autos.
10.ª – Ali se entendeu que:
a) Resultaria claro, das cláusulas 7.ª, 8.ª e 9.ª do contrato promessa celebrado, que os RR assumiram em exclusivo a responsabilidade por todas as dívidas da sociedade AA existentes até ao dia 31-05-2000.
b) A exoneração, pelos Réu, do pagamento de tais dívidas pela primitiva obrigada, constitui uma assunção de cumprimento de dívida, pela qual os RR se obrigaram a cumprir perante os credores da sociedade Autora, em vez desta.
c) Em face do teor das cláusulas do contrato, poder-se-ia concluir que as partes celebraram um contrato misto de promessa de cessão de quotas e de assunção de cumprimento de dívidas da sociedade.
d) Em cumprimento da promessa de cessão de quotas, foi celebrada em 25-07-2000, escritura pública de cessão integral das quotas dos aqui RR, passando a ser únicos sócios FF, GG, HH e II.
e) Este acto jurídico concluiu com sucesso a obrigação de promessa de cessão de quotas celebrado entre as partes, bem como o pagamento do respectivo preço.
f) Mas subsistiu a obrigação de cumprimento das dívidas da sociedade, à qual se aplicariam as regras atinentes a este tipo contratual.
g) A sentença concluiu que a celebração do contrato de cessão de quotas não revogou, nem extinguiu, pelo cumprimento, a obrigação assumida pelos RR do pagamento da dívida da AA à Companhia JJ, pelo que assistiria à Autora direito a exigir dos RR o seu cumprimento.
11.ª - A questão basilar nestes autos é saber se a celebração do contrato prometido extinguiu ou não as cláusulas e obrigações constantes do contrato promessa.
12.ª - O contrato promessa é a convenção pela qual as partes se obrigam, dentro de certo prazo ou verificados certos pressupostos, a celebrar determinado contrato.
13.ª - Pelo contrato promessa as partes criam uma obrigação de contratar ou de emitir a declaração de vontade correspondente ao contrato promessa (cfr. Antunes Varela - Das Obrigações em Geral Vol I).
14.ª - O contrato prometido será celebrado sempre em momento posterior ao contrato promessa, podendo as partes aí livremente modificá-lo ou extingui-lo parcialmente, se essa for a sua vontade.
15.ª - No caso sub judice as partes obrigaram-se a celebrar um contrato promessa cujo contrato prometido só poderia ser celebrado por escritura pública.
16.ª - Ou seja, as partes compareceriam obrigatoriamente perante um notário(a) e aí tratariam de cumprir o contrato promessa, ali apondo ou não as cláusulas que haviam acordado, ali modificando ou não as cláusulas que haviam acordado, ali extinguindo ou não as cláusulas que haviam acordado.
17.ª - Chama-se aqui à colação o afirmado pelo mesmo Ilustre Antunes Varela naquela obra: “a principal razão justificativa da exigência legal de escritura pública para celebração de determinados negócios está na relativa garantia, dada pela intervenção de um perito especialmente qualificado, como é o funcionário documentador, de que as partes foram devidamente esclarecidas sobre o acto realizado, de que elas agiram livremente e de que o acto será redigido em termos não só de respeitar o princípio da fidelidade às declarações emitidas, mas salvaguardar também os interesses de terceiros e do próprio Estado eventualmente ligados à realização do negócio.”
25.ª - Se a vontade das partes que as cláusulas 7.º, 8.ª e 9.ª do contrato promessa em análise continuassem a vigorar para lá do contrato prometido, poderiam e deveriam fazê-las comunicar ao respectivo notário por forma a que passassem a constar do mesmo contrato promessa.
26.ª - Não o fazendo, forçoso é de concluir que desejaram que as mesmas dela não constassem e por isso se extinguissem.
27.ª - Pelo que tais cláusulas têm de ser consideradas extintas, por cumprimento, em face do contrato prometido.
28.ª - Admitir-se o contrário consubstancia uma violação do princípio da certeza e segurança jurídica.
29.ª - Neste sentido propugnado pelos aqui Recorrentes, pronunciou-se já este Supremo Tribunal de Justiça in Acórdão de 27-04-2005, relatado pelo Excelentíssimo Senhor Conselheiro Luís Fonseca (www.dgsi.pt) e cujo sumário reza que "Celebrado o contrato prometido, extinguiram-se por cumprimento as obrigações em que as partes se constituíram por força do contrato promessa.".
30.ª A questão suscitada naquele recurso consistia em saber se estaria em vigor ou não uma cláusula idêntica ao do contrato promessa do caso sub judice.
31.ª - Tal como no caso vertente não havia sido transposta para o contrato prometido uma cláusula de responsabilização de um outorgante promitente constante do contrato promessa, não se tendo apurado (igualmente, dizemos nós) a razão de tal omissão, nomeadamente se as partes a julgaram dispensável e a revogaram.
32.ª - Celebrado o contrato prometido extinguem-se, por cumprimento, as obrigações em que os contraentes se haviam constituído por força do contrato promessa - cfr. art. 762.º n.° 1 do Código Civil e Acórdão do STJ de 7-1-93, ano I, tomo 1, pág. 16 e ainda o citado acórdão.
33.ª - Ora, celebrado o contrato prometido, tem de considerar-se cumprido o contrato promessa, não podendo, por isso, qualquer dos promitentes exigir o cumprimento de qualquer cláusula inserida no contrato promessa (cfr. mesmo acórdão).
34.ª - A celebração do contrato prometido extingue, por cumprimento, todas as obrigações em que as partes se haviam constituído por força do contrato promessa (n° 1 do art. 762.° do C. Civil).
35.ª - Nestes termos, quer a sentença da Primeira Instância, quer o Acórdão da Relação de Guimarães (que singelamente adere aos seus fundamentos), não podiam assacar dos RR o cumprimento de cláusulas do contrato promessa (7.ª, 8.ª e 9.ª) que haviam sido extintas pela celebração do contrato prometido – a escritura de cessão de quotas.
36.ª - Decidindo como decidiu a sentença, nesta parte, violou o disposto in art. 762.º n.° 1 do Código Civil, que deve ser interpretado e aplicado no sentido supra exposto.
37.ª - Para o caso de se considerar, o que não se admite, que o douto Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, soluciona a questão da ilicitude / licitude da assunção de cumprimento de dívidas (por adesão a fundamentos da sentença da Primeira Instância) sempre se dirá que:
38.ª - É inadmissível admitir-se no caso sub judice que os aqui Recorrentes tenham contratado uma assunção de cumprimento de dívidas da sociedade.
39.ª - Tal assunção teria de ser precedida por cessão formal e onerosa dos créditos e débitos da sociedade Autora para os aqui RR, o que não sucedeu.
40.ª - A admissão daquela assunção de cumprimento significaria permitir que se consolidasse gratuitamente no património dos RR as dívidas (e também os créditos), com flagrante violação das normas que consagram para as sociedades a prossecução do fim de obtenção de lucros a distribuir pelos sócios ou accionistas, sendo de excluir actos gratuitos.
40.ª - Aliás, a prática de actos gratuitos pelas sociedades civis tem como directa e imediata consequência que sobre os mesmos incida a ocorrência do vício respeitante à sua nulidade.
41.ª - Pelo que sempre a assunção traduziria um verdadeiro acto gratuito e sem causa, sendo nula nos termos do disposto nos artigos 280° e 281° do Código Civil, nulidade essa que aqui expressamente se invoca e que afecta decisivamente a subsistência das referidas cláusulas do contrato promessa.
42.ª - Decidindo como decidiu a sentença, nesta parte, violou o disposto in arts. 280.° e 281.° do Código Civil e ainda 980.° do mesmo CC e 2.°, 21.°, n.° 1, al. a), 22.º, 31.º, 33.º, 176.º, n.º 1, al. b, 217.º e 294.°, entre outros, do Código de Sociedades Comerciais e também, o estatuído no art.  160.°, n.° 1, a contrario, do CC, sendo que devem ser interpretados e aplicados no sentido supra exposto.
43.ª - A decisão recorrida, na medida em que confirmou a condenação dos aqui recorrentes, padece de flagrante erro na aplicação do direito.
44.ª - A decisão em crise para além de violar as disposições supra referidas in conclusões 1.ª, 36.ª e 42.ª contrariou o disposto in arts. 20.° e 205.° da Constituição da Republica Portuguesa” .
A recorrida contra-alegou a pugnar pelo insucesso do recurso.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.   
II – Fundamentação de facto
A factualidade dada como assente pelas instâncias é a seguinte:
1. Os primeiros Réus eram, em 25 de Julho de 2000, os dois únicos sócios e gerentes da Autora, AA, ...[1], Lda., com sede, à data, na ..., ..., possuindo o Réu BB uma quota do valor de Esc. 3.750.000S00 e o Réu DD uma quota de Esc. 1.250.000$00 (alínea A)).
2. No dia 23 de Maio de 2000, BB e mulher, CC, e DD e mulher, EE, na qualidade de primeiros outorgantes, e FF, GG, HH e II, na qualidade de segundos outorgantes, celebraram contrato escrito epigrafado de “Contrato Promessa de Cessão de Quotas” com o teor reproduzido por documento junto a fls. 18 e 19 dos autos, pelo qual, entre outras coisas, os primeiros outorgantes prometeram ceder a cada um dos segundos outorgantes uma quota no valor de Esc. 1.250.000$00, num conjunto de Esc: 5.000.000S00 representativo da totalidade do capital social da sociedade comercial por quotas “AA - ..., Lda.”
3. Antes da celebração da escritura pública de cessão de quotas referida no número 12. e uma vez que a mesma teria por objecto a totalidade do capital social da “AA, Lda.”, foi solicitado um balanço com a aprovação das contas do exercício até à data de 31-05-2000.
4. Neste balanço referente ao período de 01-01-2000 a 31-05-2000, enviado para os promitentes adquirentes pelo então gabinete de contabilidade da Ré em Julho de 2000 constatou-se a existência de um débito sob a rúbrica “outros credores”, até 31-05-2000, no montante de Esc: 28.457.768$00.
5. Logo que tomou conhecimento da existência da dívida referida na resposta anterior, o então promitente adquirente FF deslocou-se a ... ao gabinete de contabilidade da firma “AA, Lda.”, juntamente com o seu economista e outros, no sentido de apurar a proveniência da dívida e esclarecer a responsabilidade do respectivo pagamento.
6. No gabinete de contabilidade da firma “AA, Lda.” foi referido a FF que parte daquela dívida dizia respeito aos encargos previstos com as prestações previstas num contrato celebrado em 28.10.1994 com a empresa “Companhia JJ, S.A.”, denominado contrato de subconcessão e exploração que teve por objecto a LL.
7. Após ter deixado o gabinete de contabilidade da “AA”, FF dirigiu-se às instalações fabris de ... pertencentes ao Réu BB e onde se encontrava a trabalhar.
8. Em reunião com o Réu BB, por este foi garantido a FF que o débito a outros fornecedores no montante de Esc. 28.457.768S00 que constava do balanço enviado respeitava, entre outras, a prestações vencidas e não pagas do contrato de subconcessão celebrado em 28-04-1994, entre a “AA, Lda.” e a “Companhia JJ” no montante de capital Esc: 12.500.000$00, assim como a outros fornecedores.
9. Na mesma reunião, o Réu MM comprometeu-se a pagar: o montante que viesse a ser liquidado pela Autora por conta da prestação vencida do contrato de subconcessão celebrado entre a “AA, Lda.” e a “Companhia JJ”; e as demais dívidas até então vencidas da “AA” a outros credores.
10. O promitente adquirente FF acreditou que o valor das dívidas referidas no número anterior seria, nos termos aí previstos, liquidado pelos promitentes vendedores.
11. O promitente-comprador Eng. NN tinha conhecimento, nos momentos da negociação e formação do contrato promessa e da celebração do contrato prometido, da existência da dívida referida no anterior número 8.
12. A escritura pública de cessão integral das quotas foi outorgada no Centro de Formalidades de Empresas de ... em 25 de Julho de 2000, tendo os promitentes vendedores sido representados por OO e os adquirentes FF, GG, HH e II, passado a ser os únicos sócios da aludida “AA - ...[2], Lda.”
13. Para realização da escritura pública de cessão de quotas, os Réus maridos, na qualidade de sócios gerentes da “AA, Lda.” e através do seu procurador, instruíram aquela com um balanço sintético da empresa, referente ao período de 01-01-2000 a 31-05-2000, onde vem discriminado sob o capítulo “Dívidas a Terceiros”, “21+22+23+24+25+26” um passivo de curto prazo no montante de Esc: 36.120.284$00, onde se incluem as prestações em dívida, referentes ao contrato celebrado com a “Companhia de JJ”.
14. Tendo instruído igualmente a mesma escritura pública com uma acta de uma assembleia-geral realizada em 31.05.2000, onde o balanço em apreço foi aprovado por ambos os sócios.
15. No princípio de Outubro de 2000, a Ré foi citada na sua antiga sede social para uma acção declarativa de condenação com processo ordinário, em que figurou como Autor KK, na qualidade de liquidatário judicial da “Companhia de JJ, S.A.”, processo que com o n.° 50004/2000 correu termos pela 1.ª Vara Mista do Tribunal Judicial de Coimbra, no qual peticionava a condenação da aqui Autora a pagar a quantia em dívida e já vencida, acordada no contrato de subconcessão e exploração celebrado em 28-10-1994, quantia que à data ascendia no montante de Esc: 12.500.000S00, acrescida dos respectivos juros de mora.
16. Por acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido a 19 de Junho de 2007 no âmbito do referido processo n.° 50004/2000, cujo teor se encontra reproduzido de fls. 53 a 64 dos autos, foi acordado negar a revista, confirmando-se o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra que condenou a Ré a pagar ao Autor a quantia de € 132.777,95, acrescida de juros de mora às taxas supletivas para os juros comerciais, contados sobre a quantia de € 62.349,74 desde a data da citação e sobre a quantia de € 49.879,79 desde 24.10.2002 até integral e efectivo pagamento.
17. A “AA, Lda.” pagou à “Massa Falida da Companhia de JJ”, através do seu mandatário judicial, a quantia total de € 180.000,00, referente à condenação em capital e juros constante do acórdão referido no número anterior, em três prestações, sendo a primeira de € 80.000,00 e vencida em 14-11-2007, as segunda e terceira de € 50.000,00 cada uma e vencidas respectivamente a 14-12-2007 e 14-01-2008.
18. Para contestar a acção e fazer apreciar os recursos por si interpostos até ao Supremo Tribunal de Justiça, a Autora fez despesas, suportando os pagamentos da respectiva taxa de justiça.
19. Tendo sido atribuído efeito devolutivo ao recurso interposto, a “Massa Falida da Companhia JJ” intentou acção de execução de sentença contra a Autora, na qual requereu a penhora do direito de crédito da facturação de energia à EDP.
20. Para fazer suspender a execução e obviar à penhora do referido direito de crédito, a Autora prestou caução através de garantia bancária no montante da execução, juros e custas, calculadas em € 85.000,00.
21. Para deduzir este incidente de prestação de caução (Processo 50004-C/00) a Autora despendeu com a taxa de justiça inicial a quantia de € 480,00.
22. A Autora teve de suportar as custas judiciais com o decaimento do processo n.° 50004/00, tendo pago a este título a quantia de € 1.945,57.
23. A Autora tem ainda de suportar as custas de processos executivos instaurados e honorários do solicitador de execução.
24. Para pagamento da quantia de € 180.000,00 à “Massa Falida da Companhia de JJ”, a Autora recorreu a financiamento junto de uma instituição de crédito.
25. O financiamento referido na anterior resposta foi solicitado em 16-10-2007 à Caixa Geral de Depósitos, e por esta concedido, no valor de € 650.000,00, pelo prazo de 120 meses, e foi usado para pagamento da quantia de € 180.000,00 à “Massa Falida da Companhia de JJ” e de outros encargos da Autora.
26. Pela totalidade desse empréstimo a Autora paga mensalmente e desde 16.11.2007 a quantia de € 7.178,80 referente a € 4.237,76 de capital e € 2.824,42 de juros, € 113,12 de impostos e € 3,50 de comissões.
27. Pelo capital de € 180.000,00, a Autora paga por mês de juros, impostos e comissões à instituição bancária a quantia de € 818,44 e que até ao mês de Novembro de 2008 já pagou € 10.587,72.
28. A Autora contestou a acção intentada pela “Massa Falida da Companhia de JJ”.
III – Fundamentação de direito
A apreciação e decisão do recurso, delimitado pelas conclusões dos recorrentes (arts. 684.º, n.º 3, e 685.º-A, n.ºs 1 e 2, do CPC[3]), impõem a resolução das sequentes questões jurídicas:
· Nulidade do acórdão recorrido, por violação do estatuído no art. 668.º, n.º 1, alíneas b) e d) (falta de fundamentação e omissão de pronúncia), aplicável ex vi da al. c) do n.º 1 do art. 722.º do CPC;
· Se com a celebração do contrato prometido se extinguiram ou não as obrigações decorrentes das cláusulas do contrato-promessa, em especial as indicadas como cláusulas 7.ª, 8.ª e 9.ª;
· Inconstitucionalidade da decisão recorrida por violação dos arts. 20.º e 205.º da Constituição da República Portuguesa.
Debrucemo-nos, então, sobre cada uma dessas questões.
1 - Sustentam os recorrentes, a propósito do primeiro tema recursório – contido nas conclusões 1.ª a 4.ª desta revista excepcional –, que “o acórdão recorrido padece de nulidade por falta de fundamentação e ainda por ter deixado de se pronunciar sobre questão que devesse apreciar, violando o disposto nas als. b) e d) do n.º 1 do art. 668.º [do CPC], quer no plano da fundamentação fáctica, quer do direito, porquanto: - não concretizou nem fez a devida correspondência entre factos ou argumentos que justifiquem a sua decisão; - remeteu apenas para os fundamentos da sentença e limitou-se a aduzir meras repetições genéricas da sentença recorrida; - limitou-se ainda a acrescentar singelamente um argumento de «esvaziamento de conteúdo” do teor das cláusulas em discussão sem qualquer apoio em factos provados (aliás nenhumas justificação é fornecida para tal «acrescento»); - não integrou quaisquer factos, nem adiantou suficientemente quaisquer razões de direito, para sustentar a sua decisão; - fica por se perceber porque é que considera o contrato promessa um contrato misto, porque é que existe uma assunção de cumprimento de dívidas e porque é que o contrato prometido não extingue as obrigações do contrato prometido”. E acrescentam: “O Acórdão recorrido não se pronunciou sobre a questão da licitude/ilicitude da pretensa assunção de dívidas levantada in conclusões 37 a 41 da apelação interposta” .
No que tange à nulidade da sentença – e dos acórdãos dos tribunais superiores, estes por via dos arts. 716.º, n.º 1, 731.º e 732.º, todos do CPC –, cominada na al. b), do n.º 1, do art. 668.º do CPC, “quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão”, há que relacioná-la com o encargo que impende sobre o juiz de particularizar os motivos de facto e de direito da deliberação que toma – cf. art. 659.º, n.º 2, do CPC – como decorrência do dever constitucional de fundamentar as decisões judiciais que não sejam de mero expediente, previsto no n.º 1 do art. 205.º da Constituição da República Portuguesa.[4]
Esta nulidade respeita, pois, à estrutura da resolução judicial e aos seus fundamentos. Todavia, ela só ocorrerá, como é jurisprudência pacífica e cristalizada, quando falte em absoluto a indicação daqueles fundamentos, de facto ou de direito, mas já não quando essa decisão judicial traduza uma mera deficiência de fundamentação (que apenas afectará o valor doutrinal e persuasivo da decisão, sujeitando-a ao risco de ser revogada ou alterada quando apreciada em sede de recurso)[5].
Por isso mesmo, quanto ao acórdão da Relação, é perfeitamente admissível que o mesmo remeta para os factos dados como provados na sentença do tribunal de 1.ª instância, tal como é admissível a adesão genérica da Relação, em instância de recurso, à fundamentação da sentença de que se recorre – cf. arts. 705.º e 713.º, n.º 5, do CPC[6].
Revertendo à decisão aqui recorrida, o que se pode dizer é que os recorrentes entendem que a fundamentação da mesma não é satisfatória, não se podendo afirmar, porém, que há falta de fundamentação: os factos estão discriminados na sua integralidade e a motivação jurídica está presente, certo que de forma breve e condensada mas límpida e suficiente, nomeadamente no referente à causa de pedir e às razões que conduziram à procedência do seu pedido, bastando, para tal, atentar no que se escreveu nas págs. 26 a 27 do acórdão recorrido (cf. fls. 509 a 511 dos autos).
Inverificada está, assim, a nulidade a que se refere o art. 668.º, n.º 1, al. b), do CPC.
Por seu turno, considera-se ainda que é nula a decisão judicial quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar, tal como discorre da al. d) do n.º 1 daquele preceito legal. Essa invalidade compagina-se com a parte inicial do n.º 2 do art. 660.º do CPC, onde se dita que o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (ou aquelas de que deva conhecer oficiosamente).
A alegação da nulidade de omissão de pronúncia é amiudadamente assinalada nos recursos interpostos neste Supremo Tribunal e é incitada pela confusão que se estabelece entre as questões a apreciar e as razões ou argumentos aduzidos pelas partes. Com efeito, quando as partes põem determinada questão ao tribunal, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista. O que interessa é que o juiz decida a questão posta, não lhe competindo esgrimir todos os fundamentos ou razões em que as partes se apoiam para sustentar a sua pretensão, pois a expressão “questões”, aludida nos indicados arts. 660.º, n.º 2, e 668.º, n.º 1, al. d), do CPC, não abrange os argumentos ou razões jurídicas invocadas pelas partes.[7]
Trata-se de realidades diversas omitir o conhecimento de questão de que deva conhecer-se e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento, ou razão produzida pela parte. As “questões” a apreciar reportam-se aos assuntos juridicamente relevantes, pontos essenciais de facto ou direito em que as partes fundamentam as suas pretensões, aí não devendo ser abrangidos os meros argumentos ou razões empregues pelas partes para concluir sobre essas questões.[8]
Conforme é geralmente entendido pela doutrina e pela jurisprudência o vocábulo “questões “, inserto na al. d) (2.ª parte) do n.º 1, do art. 668.º do CPC, não abrange os argumentos, motivos ou razões jurídicas invocados pelas partes, já que o juiz é livre na qualificação jurídica dos factos, de harmonia com o prescrito no art. 664.º do CPC, antes se reportando às pretensões deduzidas ou aos elementos integradores do pedido e da causa de pedir. Por isso, se na apreciação de qualquer questão submetida ao conhecimento do julgador, este não se pronuncia sobre algum ou alguns dos argumentos invocados pelas partes, tal omissão não constitui qualquer nulidade da decisão por falta de pronúncia.
Cabe nessa situação, por inteiro, a circunstância do acórdão recorrido não se ter pronunciado especificadamente sobre as conclusões 37.ª a 41.ª da apelação, em que os recorrentes tecem uma série de considerações no que tange à (in)validade da assunção de cumprimento de dívidas, por sua banda, por, alegadamente, se traduzir num acto gratuito vedado por lei, o que configuraria um caso de nulidade nos termos dos arts. 280.º e 281.º do CC. Salvo o devido respeito, o facto do acórdão recorrido não ter analisado tal aspecto (o que é verdade) não o comina de nulo, por omissão de pronúncia, dado que nele foi efectuada a necessária subsunção jurídica da factualidade provada – de forma sintética é facto –, se bem que por um prisma jurídico diverso daquele que era indicado pelos recorrentes. Nada mais. Irreleva, por conseguinte, que, em concreto, o acórdão recorrido não tenha analisado as conclusões 37.ª a 41.ª da apelação, medindo a argumentação que no mesmo foi tecida a respeito da questão da assunção de cumprimento de dívidas por parte dos réus/recorrentes.
A finalizar, enfatiza-se que, das decisões da Relação sobre a impugnação da matéria de facto, não cabe recurso para o STJ, conforme prescreve o art. 712.º, n.º 6, do CPC, sendo certo que o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não é objecto do recurso de revista – art. 722.º, n.º 3, do CPC –, pois só o será se houver violação expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto, ou que fixe a força de determinado meio de prova, conforme se colhe da parte final do preceito. Donde resulta que, enquanto tribunal de revista, o Supremo só pode alterar a matéria de facto apurada pelas instâncias, quando esteja em causa a violação de direito probatório material, pois só neste caso é que está em causa um juízo sobre uma questão de direito. E por isso, não pode sindicar a forma como foram valoradas pelas instâncias as provas não sujeitas a formalidade especial[9].
Clarificadas as questões atinentes às supostas nulidades de que o acórdão recorrido padeceria, na perspectiva dos recorrentes, vejamos, então, a magna questão deste recurso e que aliás motivou a admissão desta revista excepcional.
2 - Trata-se de saber se depois de celebrado o contrato definitivo em que não sejam incluídas todas as cláusulas constantes do contrato-promessa, apenas haverá que atender às cláusulas integradoras do contrato prometido, ou se, inversamente, há cláusulas do contrato-promessa – nomeadamente cláusulas que consagrem obrigações acessórias tendentes ao cabal cumprimento da obrigação principal de outorga do contrato prometido e, além destas, cláusulas que consagrem prestações conexas que assumam autonomia própria –, que perduram mesmo após a celebração do contrato definitivo, não se extinguindo com aquela celebração, mesmo que nesse contrato não tenham sido inseridas.
A questão assim desenhada não pode ser dissociada do particular contexto do negócio jurídico debatido e tem de ser cinzelada com cautelas especiais, a começar pela interpretação das declarações negociais dos contraentes.
A interpretação, como é consensual, remete para a fixação do sentido e alcance juridicamente relevantes do contrato, tarefa sujeita a regras particulares e critérios de exegese, dirigidos ao juiz e às partes contraentes e que, por constituir uma questão de direito, cabe na competência do STJ: de facto, se bem que não caiba a este Tribunal Superior fiscalizar o entendimento das instâncias sobre qual é a vontade real dos contraentes, subjacente às pertinentes declarações negociais, cumprir-lhe-á, em sede de recurso de revista, averiguar se se mostram respeitados os critérios normativos consagrados na lei civil, como parâmetros para essa actividade interpretativa[10]/[11]. Ou seja, indagar se a vontade manifestada pelos contraentes, que as instâncias deram por provada, não afronta o quadro normativo substantivo concernente, presente nos arts. 236.º a 238.º do CC, já constitui matéria de direito que o STJ, por força do disposto nos arts. 721.º e 722.º do CPC – e também dos arts. 26.º da LOFTJ (Lei n.º 3/99, de 13-01) e 33.º da NLOFTJ (Lei n.º 52/2008, de 28-08) –, está obrigado a conhecer[12].
A compreensão e assimilação do conteúdo das declarações negociais vertidas num contrato é uma actividade intelectiva que se deve efectuar de acordo com os critérios delineados, em especial, no art. 236.º do CC – que consagra a denominada teoria da impressão do destinatário –, que se podem resumir assim: as declarações devem valer com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, deve entendê-la, desde que no documento esse sentido encontre um mínimo de correspondência. O declaratário é obrigado a investigar, num plano de boa fé e tendo em consideração todas as circunstâncias por ele sabidas ou cognoscíveis, o que o declarante quis; este, por seu lado, é também obrigado pela boa fé a deixar valer a declaração no sentido que o declaratário, mediante cuidadosa verificação, tinha de atribuir-lhe. 
Todavia, na interpretação de um contrato deve buscar-se não apenas o sentido de declarações negociais separadas e alheadas do seu contexto negocial global, “mas antes o discernir do sentido juridicamente relevante do complexo regulativo como um todo, como acção de autonomia privada e como globalidade da matéria negociada ou contratada”[13].
A normalidade do declaratário legalmente apontada implica, por um lado, a capacidade para entender o texto ou conteúdo da declaração, e, por outro lado, o zelo para acolher todos os elementos que, coadjuvando a declaração, contribuam para a descoberta da vontade real do declarante. Nesses elementos inserem-se: a letra do negócio, as circunstâncias de tempo, lugar e outras que antecederam a sua celebração ou são contemporâneas destas; as negociações entabuladas; a finalidade prosseguida pelas partes; o próprio tipo negocial; a lei, os usos e os costumes por ela recebidos. Para além destes elementos, também releva a posição assumida pelas partes na concretização do negócio. Esta não pode, na verdade, deixar de, razoavelmente, corresponder ao que as partes entendem ser os direitos e as vinculações que para cada uma delas emergem do negócio[14].
Gizadas as linhas mestras da interpretação contratual é tempo de rememorar o que se provou neste processo e o enquadramento fáctico-jurídico empreendido pelas instâncias a esse propósito.
Em 25-07-2000, os Réus maridos eram os dois únicos sócios e gerentes da sociedade AA, ..., Lda., então sediada na ..., em ..., possuindo o Réu BB uma quota Esc. 3 750 000$00, e o Réu DD uma quota de Esc. 1 250 000$00.
A 23-05-2000, mediante contrato escrito titulado de “Contrato Promessa de Cessão de Quotas”, os Réus e respectivas mulheres prometeram ceder a FF, GG, HH e II, na qualidade de segundos outorgantes e a cada um deles, uma quota no valor de Esc. 1 250 000$00, num conjunto de Esc. 5 000 000$00 representativo da totalidade do capital social da sociedade AA - ..., Lda. (cf. cláusula 2.ª).
Ressalta, ainda, daquele acordo escrito que o preço constante da promessa de cessão foi de Esc. 75 000 000$00, a pagar em três tranches: Esc. 10 000 000$00, a título de sinal e princípio de pagamento, através de cheque com vencimento em 01-06-2000; Esc. 5 000 000$00, através de cheque com vencimento até 12-06-2000; e Esc. 60 000 000$00 a pagar no acto da realização da escritura pública definitiva (cf. as alíneas a) a c), da cláusula 3.ª).
É do teor das cláusulas 1.ª, 2.ª e 3.ª do contrato junto a fls. 18 e 19 dos autos, que constam as promessas de transmitir as quotas da sociedade “AA” mediante o pagamento do preço antes indicado. Nessa parte, como bem se considerou nas instâncias, o contrato celebrado constitui inequivocamente um contrato-promessa de cessão de quotas, nos termos e para os efeitos previstos pelos arts. 410.º e ss. do CC.
Decorre daquele preceito legal que o contrato-promessa é a convenção pela qual alguém se obriga a celebrar certo contrato, tendo esse negócio jurídico como objecto imediato para os seus outorgantes uma obrigação de facere, infungível, que se exprime pelo compromisso de emitir a declaração de vontade conducente à celebração do contrato definitivo (prometido). Acompanhando as palavras de Galvão Telles, o contrato-promessa “é um acordo preliminar que tem por objecto uma convenção futura, o contrato prometido. Mas em si é uma convenção completa, que se distingue do contrato subsequente. Reveste, em princípio, a natureza de puro contrato obrigacional, ainda que diversa seja a índole do contrato definitivo. Gera uma obrigação de prestação de facto, que tem apenas de particular consistir na emissão de uma declaração negocial. Trata-se de um pactum de contrahendo. É bilateral se ambas as partes se obrigam a celebrar o contrato definitivo; unilateral se apenas uma das partes se vincula”[15].
Porém, o contrato-promessa, pese embora vincule as partes a uma prestação futura - a celebração, dentro de certo prazo e verificados certos pressupostos, de um contrato definitivo –, não opera a transferência de titularidade do seu objecto mediato – in casu, as quotas – produzindo, apenas, uma obrigação que é, justamente, o seu objecto imediato – a de outorgar o contrato de cessão de quotas prometido[16].
O regime da cessão de quotas está previsto, além do mais, no art. 228.º do Código das Sociedades Comerciais (CSC), sendo que, à data da transmissão aqui analisada, vigorava o n.º 1 daquele preceito legal que impunha que “a transmissão de quotas entre vivos deve constar de escritura púbica”[17], produzindo a cessão de quotas os seus efeitos para com a sociedade após o seu consentimento (excepto tratando-se de cessão entre cônjuges, entre ascendentes e descendentes ou entre sócios) (cf. n.º 2)[18].
Impõe-se, preliminarmente, fazer aqui uma advertência séria às partes e que não pode passar incólume. Cotejando o contrato-promessa, de 23-05-2000, com o contrato prometido, datado de 25-07-2000, intitulado de “Divisão, Cessão de Quotas e Alteração Parcial de Pacto Social”, regista-se algo que “escapou” às instâncias e que aqui convém realçar: na verdade, o preço declarado na escritura pública de cessão de quotas – num total de Esc. 5 000 000$00 (cinco milhões de escudos) – não é, nem de longe, nem de perto, o valor consignado no contrato-promessa – de Esc. 75 000 000$00 (setenta e cinco milhões de escudos).
Pese embora não seja esse o objecto da acção, tendo as partes omitido –deliberadamente ou não, desconhece-se – qualquer referência a tal propósito, é facto notório que entre o contrato-promessa e o prometido, que se veio a realizar, existiu uma divergência (forçosamente intencional) quanto ao preço da cessão de quotas, não deixando as partes de querer celebrar o contrato que concluíram: tudo indicia que o preço declarado na escritura foi inferior ao realmente negociado e querido, constante do contrato-promessa, apontando os autos, à primeira vista, para uma situação de simulação de preço (cf. art. 240.º do CC).
Na verdade, não o podemos deixar de frisar e abandonar no limbo, os factos sugerem que as partes quiseram apenas fazer um negócio, que se traduziu na cessão onerosa de quotas sociais da AA, e que a hipotética simulação apenas versou sobre o valor dessa cessão, traduzindo, quando muito, um caso de mera simulação relativa (cf. art. 241.º do CC), em prejuízo do Estado que não arrecadou o imposto realmente devido. Aliás, em sentido análogo, vejam-se, na jurisprudência, os Acórdãos do STJ, de 05-06-2007 e de 25-03-2004, e, na doutrina, Mota Pinto, que dá como exemplos de simulação relativa (ou sobre o conteúdo do negócio), precisamente, a simulação sobre a natureza do negócio e a simulação de valor[19].
Importa, outrossim, não confundir o negócio simulado, com simulação relativa, com o negócio indirecto, porquanto no negócio indirecto não há pacto simulatório, querendo as partes simplesmente utilizar o modelo regulativo de um tipo negocial para um fim que não corresponde à sua função típica, mas que esse tipo permite atingir. Fala a doutrina em negócios indirectos relativamente àqueles em que as partes elegem um tipo legal de negócio (negócio típico) com a finalidade de alcançarem um fim que não é próprio desse tipo negocial, mas que, não obstante, ele permite alcançar[20]/[21].
Fechado este necessário parêntesis – que implicará, como a final se determinará, o envio de certidão ao Ministério Público –, dir-se-á, sem embargo, que o contrato-promessa junto a fls. 18 e 19 dos autos prevê, igualmente, sob as suas cláusulas 7.ª a 9.ª:
SÉTIMA: Todas as dívidas e encargos bem como os créditos da firma "AA -..., Lda." existentes até ao dia 31. de Maio de 2000 serão suportados e recebidos retroactivamente exclusivamente pelos primeiros outorgantes.
OITAVA: Todas as dívidas e encargos bem como os créditos da firma "AA -..., Lda.", contraídos e verificados após a data de 1 de Junho de 2000 pertencerão em exclusivo aos segundos outorgantes.
NONA: Caso venham a surgir no futuro quaisquer débitos da firma "AA -..., Lda.", contraídos antes da data de 31 de Maio de 2000 peia actual gerência da sociedade e que venham a ser reclamados judicial ou extrajudicialmente, os primeiros outorgantes desde já conferem e reconhecem expressamente à sociedade o direito de regresso sobre as quantias que vierem a ser exigidas.
Quer-nos parecer que as considerações da sentença da 1.ª instância – a que o acórdão recorrido aderiu incondicionalmente (cf. p. 27, fls. 510 dos autos) – estão integralmente certas quando aí se consignou que das cláusulas supra citadas resulta claro que os Réus assumiram em exclusivo a responsabilidade por todas as dívidas da sociedade “AA”, existentes até ao dia 31-05-2000, desonerando os promitentes-compradores e a Autora de tal encargo. Como ali se escreveu: “Mesmo relativamente aos créditos que viessem a ser reclamados judicial ou extrajudicialmente e pagos em data posterior à celebração do contrato, os Réus conferiram e reconheceram à Autora direito de regresso sobre eles. Note-se ainda que não nos parece resultar do teor da cláusula 9.ª do contrato que os débitos aí previstos fossem apenas os “desconhecidos” dos outorgantes à data da celebração do contrato. A redacção não usa essa expressão, nem outra equivalente, referindo-se apenas a débitos “que venham a surgir no futuro (...) contraídos antes da data de 31 de Maio de 2000 pela actual gerência da sociedade e que venham a ser reclamados judicial ou extrajudicialmente»” (fls. 364).
A formulação empregue, de forma patente, abrange não só os débitos desconhecidos dos outorgantes – desde que contraídos antes de 31-05-2000 –, como ainda outros que, sendo conhecidos, fossem discutíveis e, como tal, pudessem vir a ser objecto de ulterior reclamação, judicial ou extrajudicial.
Da leitura concatenada do teor das cláusulas 1.ª a 9.ª emana a clara indicação de que as partes quiseram estabelecer uma distinção entre todos os créditos e débitos anteriores a 31-05-2000 – atribuindo a responsabilidade pelo seu pagamento, ainda que litigiosos ou desconhecidos, aos aqui Réus – e todos os posteriores àquela data - pelos quais ficariam responsáveis os novos gerentes da Autora.
Para mais, a letra do clausulado contratual está de harmonia com o compromisso verbal expresso pelo Réu MM em Julho de 2000 e antes de celebrada a escritura pública de cessão de quotas, quando se comprometeu perante o promitente-comprador FF a pagar o montante que viesse a ser liquidado pela Autora por conta da prestação vencida do contrato de subconcessão celebrado entre a “AA, Lda.” e a “Companhia JJ” e as demais dívidas até então vencidas da “AA” a outros credores (cf. os pontos 7, 8 e 9 dos factos provados).
Se assim não fosse, e como se salienta na decisão recorrida (cf. p. 28, fls. 511), a perfilhar-se o entendimento dos recorrentes de que o contrato prometido de cessão de quotas extinguiu as cláusulas e obrigações constantes do intitulado contrato-promessa de cessão de quotas, esvaziar-se-ia de conteúdo e tornar-se-ia inócuo o teor das citadas cláusulas, mormente as 8.ª e 9.ª, porquanto as partes quiseram também vincular-se contratualmente para o futuro, particularmente quanto à responsabilidade pelos créditos e débitos da sociedade ora Autora, após a data de 31-05-2000 (ou seja, ainda antes de firmada a escritura pública de cessão de quotas).
Não se retira do elencado, por conseguinte, que do contrato definitivo, vazado na escritura pública de cessão de quotas lavrada a 25-07-2000, tenha decorrido a extinção do conteúdo das cláusulas insertas nos n.ºs 7, 8 e 9 do contrato-promessa[22].
Com efeito e normalmente, com a celebração do contrato prometido o contrato-promessa esgota a sua função, ficando a prevalecer, como objecto contratual, o conteúdo emergente das declarações negociais vertidas no contrato prometido (desde logo quando ocorre uma sobreposição formal e substancial dos respectivos conteúdos).
Todavia, muitos casos existem, e o dos autos é paradigmático dessa situação, em que o contrato-promessa não deixa de ser um contrato completo, valendo a se, mesmo depois de celebrado o contrato definitivo, se as partes nisso acordarem, o que sucede designadamente no que concerne a cláusulas que não constituem elementos nucleares daquele contrato, mas que podem subsistir nessa parte tal como ficou estabelecido no contrato-promessa, o que, manifestamente, se regista com as supra enunciadas cláusulas 7.ª, 8.ª e 9.ª, que, como se verá adiante, consubstanciam um caso de assunção de dívida.
Como avisadamente se escreveu no Acórdão do STJ, de 13-09-2011: “A par de obrigações acessórias ou secundárias que intervêm no evoluir do contrato e que, como tais, se apresentam como instrumentais do exacto cumprimento da obrigação principal e da satisfação do interesse do credor, nela se projectando, outras há que surgem como autónomas ou “desvinculadas” da obrigação da contraparte, como sucede com as prestações que se traduzem em efeitos antecipados do contrato prometido (cf. Ana Prata, “O Contrato-Promessa e o seu Regime Civil”, p. 632). São, estas últimas, obrigações que não se integram no sinalagma específico do contrato-promessa, escapando à obrigação típica principal e às que integram deveres secundários ou acessórios e instrumentais daquela. Tais obrigações, pela sua natureza, não deverão deixar de poder ser invocadas, quando se mostre que as partes, ao realizarem o contrato prometido, não pretenderam alterar o objecto das obrigações clausuladas na promessa (modificando-as ou extinguindo-as) e na medida em que as mesmas sejam providas da necessária autonomia, como fundamento de acção de cumprimento ou indemnização por incumprimento ou cumprimento defeituoso (art. 762.º, n.º 2, do CC), mas sempre fora do regime do cumprimento ou do incumprimento do contrato-promessa enquanto tal e do complexo das obrigações jurídicas que o enformam em atenção à principal”[23].
Esta posição, aliás, está na linha da jurisprudência mais recente do STJ que se tem pronunciado sobre esta questão – cf. designadamente, os Acórdãos de 05-06-2007, Proc. n.º 07A1364, de 15-04-2010, Proc. n.º 9275/05.8TBVVG.P1.S1, e de 14-06-2011, Proc. n.º 13788/05.3TBOER.G1.S1[24]. Ou seja, o contrato-promessa, sendo um contrato preliminar – cf. o art. 410.º do CC – é, como já se enfatizou antes, uma convenção completa, que se distingue do contrato subsequente, podendo ter autonomia ante o contrato prometido ou cessar a vigência com a celebração deste: na verdade, muitas das vezes, as partes incluirão no contrato definitivo aquilo que estipularam no contrato-promessa; porém, outras vezes, as partes podem não incluir deliberadamente no contrato prometido todo o clausulado no prévio contrato-promessa, sem que tal equivalha a abandonar a vinculação obrigacional decorrente de tais cláusulas, colocando-se a questão de saber a sorte de tais estipulações contratuais prévias.
In casu, tendo as partes acertado um programa contratual complexo que envolvia, por um lado, a promessa da cessão de quotas stricto sensu – que seria traduzida, em definitivo, no contrato prometido – e, por outro lado, a assunção de dívidas, nos moldes já analisados e constantes das sobreditas cláusulas 7.ª, 8.ª, e 9.ª, é manifesto que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, concluiria que foi determinante para a celebração do contrato de cessão de quotas que “todas as dívidas e encargos [bem como os créditos da sociedade AA] existentes até ao dia 31 de Maio de 2000 serão suportados [e recebidos, respectivamente] exclusivamente pelos primeiros outorgantes”, do mesmo modo que “caso venham a surgir no futuro quaisquer débitos da firma AA (…), contraídos antes da data de 31 de Maio de 2000 (…) os primeiros outorgantes desde já conferem e reconhecem expressamente à sociedade o direito de regresso sobre as quantias que vierem a ser exigidas” – cf., as cláusulas 7.ª e 9.ª.
Resumindo, perante o teor das cláusulas do denominado contrato-promessa de cessão de quotas, podemos concluir que as partes celebraram, em rigor, como bem concluíram as instâncias, mormente o acórdão recorrido, um contrato misto de promessa de cessão de quotas e de assunção de cumprimento de dívidas da sociedade.
De facto, em obediência ao princípio da liberdade contratual impetrado pelo art. 405.º do CC, é permitido que as partes, “dentro dos limites da lei” celebrem contratos dissemelhantes dos típicos, alterem os tipos legais incluindo neles as cláusulas que lhes contentar, e mesclem no mesmo contrato regras de dois ou mais tipos. Como tal, para além dos contratos tipificados na lei, podem também ser celebrados contratos atípicos, entre os quais se devem distinguir os que são completamente diferentes dos tipos contratuais legais – contratos atípicos puros – e os que são construídos a partir de um ou mais tipos que são combinados ou modificados de modo a satisfazerem os interesses contratuais das partes – contratos mistos[25].
No caso vertente, está-se perante um contrato único porque às diferentes prestações a cargo dos promitentes cedentes – transmissão das quotas e assunção do cumprimento – corresponde uma prestação dos promitentes cessionários – o pagamento do preço. Quando, como no caso sub judicio acontece, o contrato misto se traduza numa justaposição ou contraposição de elementos pertencentes a contratos distintos, deve, em princípio, aplicar-se a cada um dos elementos integradores da espécie a disciplina que lhe corresponde dentro do respectivo contrato[26].
Acresce, por seu turno, que não se vislumbra qualquer tipo de razoabilidade no que tange à argumentação expendida pelos recorrentes, nas conclusões apresentadas sob os n.ºs 37 a 41, a respeito da hipotética nulidade da assunção de dívida, por banda dos recorrentes, por se tratar, no seu alvitro, da prática de um acto gratuito não permitido por lei. Aliás, nem se percebe bem o alcance da alegação dos recorrentes.
Como é sabido o instituto da assunção de dívida, a que se reportam os arts. 595.º e segs. do CC, “consiste no acto pelo qual um terceiro (assuntor) se vincula perante o credor a efectuar a prestação devida por outrem. A ideia subjacente é a da transferência da dívida do antigo para o novo devedor, mantendo-se a relação obrigacional”[27]. Normalmente, na assunção de dívida, podem ser transmitidas as dívidas já existentes, quer as vencidas, quer as condicionais ou a termo e, relativamente às dívidas futuras poderão ser assumidas se satisfizerem os requisitos do objecto negocial, constantes do art. 280.º do CC, entre os quais avulta a determinabilidade, devendo ser recusada eficácia à assunção de dívidas futuras insuficientemente determinadas[28].
Não fazem assim qualquer tipo de sentido as objecções suscitadas pelos recorrentes, nem se vislumbra que ocorra, minimamente, violação do estatuído nos arts. 160.º, n.º 1, a contrario, 280.º, 281.º e 980.º do CC, nem tão pouco, nos arts. 2.º, 21.º, n.º 1, al. a),. 22.º, 31.º, 33.º, 176.º, n.º 1, al. b), 217.º e 294.º do CSC, sendo desnecssárias maiores tergiversações sobre esse assunto.
Destarte, a exoneração, pelos Réus, do pagamento de tais dívidas pela primitiva obrigada, aqui Autora, constitui, como muito bem decidiram as instâncias una voce, uma assunção de cumprimento de dívida, pela qual aqueles Réus se obrigaram a cumprir perante os credores da Autora, em vez desta, nos moldes contratualizados no contrato-promessa. E embora ela não seja oponível aos credores da Autora, terceiros relativamente à declaração contratual, porque não resulta dos autos o seu consentimento ou subsequente ratificação – cf. art. 595.º, n.º 1, do CC – trata-se de uma declaração vinculativa para os outorgantes do contrato em apreço que livremente se obrigaram a cumpri-la – arts. 405.º, 406.º e 444.º, n.º 3, todos do CC.
Decaem, por inteiro, as conclusões plasmadas sob os n.ºs 8 a 43, não se registado, consequentemente, qualquer erro na aplicação do direito por parte do tribunal recorrido.
3 - Para terminar, resta analisar a questão da inconstitucionalidade da decisão recorrida por alegada violação dos arts. 20.º e 205.º da Constituição.
É manifesta, uma vez mais, a falta de razão dos recorrentes que não suscitaram a inconstitucionalidade de qualquer norma processual ou substantiva, mas sim da própria decisão judicial, o que não é de todo correcto, revelando-se enviesado relativamente ao propósito de controlo de (in)constitucionalidade.
Com efeito, os vícios de inconstitucionalidade têm de se reportar a normas jurídicas e não a qualquer acto judicial, porquanto não são as decisões dos tribunais que são inconstitucionais, mas, quando muito, as normas que nelas se aplicam, por desses preceitos se fazer uma interpretação que ofenda certo princípio ou norma constitucional – cf. art. 204.º da Constituição[29].
Resumindo, a oportunidade da imputação de inconstitucionalidades, num processo judicial, não é nunca reportada à decisão judicial, mas sim a alguma norma jurídica em si mesma inconstitucional ou a uma norma aplicada, na interpretação que naquela decisão se lhe deu e que contrarie normas ou princípios constitucionais.
Por conseguinte, nada mais há a dizer relativamente a esta questão, sendo claríssimo, porém, que na decisão recorrida não se cometeu qualquer tipo de atropelo aos dispositivos constitucionais vertidos nos arts. 20.º e 205.º do Constituição.
Nesta conformidade, improcedem todas as conclusões de recurso dos recorrentes, o que implica o total inêxito do mesmo e a manutenção da decisão recorrida.

Em face disso, pode concluir-se, em termos sintéticos, o seguinte:
– A nulidade das decisões judiciais, a que se reporta o art. 668.º, n.º 1, al. b), do CPC, só ocorre quando falte em absoluto a indicação dos fundamentos de facto e/ou de direito das decisões, não abrangendo a mera deficiência dessa fundamentação.
– A nulidade das decisões judiciais, prevista no art. 668.º, n.º 1, al d), do CPC, relativa à omissão de pronúncia, apenas se reporta às pretensões deduzidas ou aos elementos integradores do pedido e da causa de pedir, mas não abrange os argumentos, motivos ou razões jurídicas invocados pelas partes.
– Ao STJ não compete sindicar a forma como foram valoradas as provas pelas instâncias, excepto quando esteja em causa a violação de direito probatório material.
– Na interpretação de um contrato, a efectuar de acordo com as normas previstas nos arts. 236.º a 238.º do CC, deve buscar-se não apenas o sentido das declarações negociais separadas e alheadas do seu contexto negocial global, mas procurar-se o sentido juridicamente relevante daquele contexto, atendendo, em especial, à letra do negócio, às circunstâncias de tempo, lugar e outras que antecederam a celebração do contrato ou são contemporâneas das mesmas, às negociações entabuladas pelas partes e às finalidades por elas prosseguidas, ao próprio tipo negocial, à lei, aos usos e costumes, e à posição assumida pelas partes na concretização do negócio.
– O contrato-promessa é a convenção pela qual alguém se obriga a celebrar certo contrato, tendo esse negócio jurídico como objecto imediato para os seus outorgantes uma obrigação de facere, infungível, que se exprime pelo compromisso de emitir a declaração de vontade conducente à celebração do contrato definitivo (prometido).
– Se num contrato-promessa de cessão de quotas se consignaram cláusulas em que os promitentes-vendedores assumiram, até determinada data, responsabilidade pelas dívidas da sociedade comercial em que eram detentores das quotas prometidas vender, desonerando desse encargo os promitentes-compradores, não se pode considerar que com a outorga do contrato prometido de cessão de quotas, em que não se incluíram tais condições, se extinguiram as cláusulas e obrigações constantes do contrato-promessa, referentes à responsabilidade por aquelas dívidas, as quais subsistem.
– Essa situação é paradigmática de um caso em que o contrato-promessa valerá a se, mesmo depois de celebrado o contrato definitivo, por não se tratarem de cláusulas que constituem elementos nucleares desse contrato, podendo subsistir mesmo depois daquele ser outorgado.
– Nesse caso, está-se perante um contrato misto de promessa de cessão de quotas e de assunção de cumprimento de dívidas, devendo aplicar-se a cada um dos elementos integradores da espécie a disciplina que lhes corresponde dentro do respectivo contrato.
– A par da obrigação principal convencionada no contrato-promessa e das acessórias ou secundárias que surjam como instrumentais daquela podem existir outras que se apresentem como autónomas ou desvinculadas da obrigação da contraparte, não se integrando no sinalagma específico do contrato-promessa e escapando à obrigação típica principal e às que integram deveres secundários ou acessórios e instrumentais daquela.
– Essas obrigações poderão ser invocadas, quando se mostre que as partes, ao realizarem o contrato prometido, não pretenderam alterar o objecto das obrigações insertas na promessa – modificando-as ou extinguindo-as – e na medida em que as mesmas sejam dotadas da necessária autonomia, como fundamento de acção de cumprimento ou indemnização por incumprimento ou cumprimento defeituoso, mas sempre fora do regime do cumprimento ou do incumprimento do contrato-promessa enquanto tal e do complexo das obrigações jurídicas que o caracterizam em atenção à principal.
– A oportunidade de imputação de inconstitucionalidades, num processo judicial, não se reporta nunca à decisão judicial, mas a alguma norma jurídica em si mesma inconstitucional ou a uma norma aplicada, na interpretação que naquela decisão se lhe deu e que contrarie normas ou princípios constitucionais.
– Num contrato-promessa de cessão de quotas cujo preço das cessões é manifestamente superior ao preço declarado no contrato definitivo (naquele de Esc. 75 000 000$00, neste de Esc. 5 000 000$00), não deixando as partes, porém, de querer celebrar o contrato que concluíram, tudo indicia que o preço declarado na escritura pública foi inferior ao realmente negociado e querido, constante do contrato-promessa, configurando-se uma situação de hipotética simulação relativa, quanto àquele elemento (preço), em prejuízo do Estado que não arrecadou o imposto realmente devido, devendo essa situação ser reportada, oficiosamente, ao Ministério Público.
IV – Decisão
Nos termos expostos, decide-se negar a revista e confirmar integralmente o acórdão recorrido.
Custas pelos recorrentes.

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Ponderando o teor dos documentos formalizadores dos contratos, insertos a fls. 11 a 17 e 18/19, e a divergência manifesta dos valores pecuniários declarados quanto às cessões de quotas, determina-se que, após trânsito em julgado deste acórdão, seja extraída e entregue certidão ao Ministério Público, junto da Comarca territorialmente competente, para os fins tidos por convenientes.

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Lisboa, 16 de Abril de 2013


António Joaquim Piçarra (Relator)


Sebastião Póvoas


Moreira Alves

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[1] Por manifesto lapso de escrita, constante da sentença de 1.ª Instância (cf. fls. 359), e do acórdão recorrido (cf. fls. 494), escreveu-se a expressão E…. em vez de H…, pelo que, tratando-se de situação a que cabe aplicar o art. 249.º do Código Civil, o erro é rectificável.
[2] Ver o já referido na nota 1.
[3] Na versão introduzida pelo DL n.º 303/2007, de 24-08, porquanto o processo deu entrada em juízo em 11-12-2008 (cf. fls. 67), ou seja, já depois da entrada em vigor daquele diploma legal, reportada a 01-01-2008, tal como deflui dos respectivos arts. 11.º, n.º 1, e 12.º, n.º 1.
[4] Como sintetiza Lebre de Freitas: “Na fundamentação, o juiz discrimina os factos que considera provados, determina as normas jurídicas aplicáveis, interpreta-as e aplica-as.” – A Acção Declarativa Comum à luz do Código Revisto, 2000, p. 291.
[5] Vide, v.g., os Acórdãos do STJ de 17-04-2007, 13-10-2007, 24-01-2008, 10-04-2008, 08-01-2009, e de 21-06-2011, Procs. n.º 07A3570, 07B956, 07B3813, 08B396, 08B3510 e n.º 1065/06.7TBESP.P1.S1, publicados na íntegra em http://www.dgsi.pt/jstj (aliás, todos os acórdãos mencionados neste aresto, desacompanhados de referência em sentido contrário, foram retirados desta base de dados).
[6] Neste sentido, cf. Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, 2.º Volume, 2001, p. 669.

[7] Cf. Acórdãos do STJ, de 16-12-2010, Proc. n.º 2401/06.1TBLLE.E1.S1, de 05-05-2011, Proc. n.º 178-E/2000.P1.S1., e de 28-02-2013, Proc. n.º 60/2001.E1.S1.
[8] Entre muitos, cf., por exemplo, os Acórdãos do STJ, de 17-06-2010, Proc. n.º 115/1997.S2, e de 14-06-2011, Proc. n.º 3222/05.4TBVCT.S2.

[9] Tendo a matéria de facto sido apreciada pela Relação, tendo em conta os poderes de que dispunha face ao princípio da livre apreciação da prova, consagrado pelo n.º 1 do art. 655.º do CPC, a eventual manutenção, modificação ou alteração da matéria de facto, a que essa instância procedeu, está fora dos poderes de censura deste tribunal. E assim sendo, não pode ser alterada, conforme resulta do art. 729.º, n.º 2, pois não está em causa a violação de direito probatório material.

[10] Cf., v.g., os Acórdão do STJ, de 05-07-2012, Proc. n.º 1028/09.0TVLSB.L1.S1 (do relator e desta mesma conferência), e de 12-03-2013, Proc. n.º 5097/05.4TVLSB.L1.S1 (também desta secção e subscrito, como adjunto, pelo aqui relator).
[11] Acompanhando Galvão Telles, Manual dos Contratos em Geral, 4.ª edição, 2002, p. 446, a interpretação de declarações negociais constituirá “matéria de facto na medida em que se trata de averiguar o que as partes quiseram dizer. Será matéria de direito, sujeita à fiscalização do tribunal de revista, quando se trate de averiguar se as instâncias fizeram correcta interpretação e aplicação dos critérios legais cabíveis, como os constantes do art. 236.º”.

[12] Cf., entre outros, Acórdãos do STJ, de 31-03-2011, Proc. n.º 4004/03.3TJVNF.P1.S1, de 06-09-2011, Proc. n.º 4537/04.4TVPRT-A.P1.S1, e de 30-10-2012, Proc. n.º 3313/06.4TVLSB.L1.S1. 
[13] Neste sentido, Pedro Pais de Vasconcelos, Teoria Geral do Direito Civil, 6.ª edição, 2010, p. 547.
[14] Luís A. Carvalho Fernandes, Teoria Geral do Direito Civil, Vol. II, 2ª edição, 1996, pp. 349/350.
[15] Cf. Direito das Obrigações, 7.ª edição (reimpressão), 2010, pp. 83/84. Por seu turno, Antunes Varela define-o como “a convenção pela qual, ambas as partes, ou apenas uma delas, se obrigam, dentro de certo prazo ou verificados certos pressupostos, a celebrar determinado contrato (compra e venda, locação, sociedade, conta em participação, compromisso arbitral, etc.)” – cf. Das Obrigações em Geral, Volume I, 10.ª edição, 2000, p. 308/309.
[16] É relevante notar, todavia, que de acordo com a cláusula 5.ª, parágrafo único, do contrato-promessa de cessão de quotas, ficou consagrada a obrigação dos primeiros outorgantes (aqui Réus) passarem a favor dos segundos outorgantes uma procuração com poderes especiais conferindo-lhes poderes de representação da sociedade AA em todos e quaisquer actos a celebrar em nome dela, a partir do dia 01-06-2000, coincidente com a data de pagamento do sinal de Esc. 10 000 000$00 (cf. cláusula 3.ª, al. a)).
[17] Por força da redacção dada ao n.º 1 do art. 228.º do CSC, pelo DL n.º 76-A/2006, de 29-03, apenas se passou a exigir que a transmissão de quotas entre vivos seja reduzida a escrito.
[18] Para uma análise mais detalhada desse regime jurídico, cf. Raúl Ventura, Sociedades Por Quotas – Comentário ao Código das Sociedades Comerciais, Volume I, 4.ª reimpressão da edição de 1989, 2007, pp. 575 a 593. Vide, igualmente, para uma visão desse regime, após a redacção do DL n.º 76-A/2006, Código das Sociedades Comerciais em Comentário, coordenação de Jorge Coutinho de Abreu, Volume III, 2011, pp. 448 a 459, Alexandre Soveral NN: “A cessão de quota é, pois, uma cessão da participação social. E é a transmissão voluntária de quotas entre vivos, gratuita ou onerosa, que constitui uma cessão de quotas. Essa cessão pode resultar de negócios muito variados: compra e venda, doação, troca, etc.”.
[19] Cf. Proc. n.º 07A1364, e Proc. n.º 04B539, respectivamente, e Teoria Geral do Direito Civil, 3.ª edição, 1999, p. 476.
[20] Como ensina Pedro Pais de Vasconcelos, “há dois aspectos importantes nos negócios indirectos que importa reter: o tipo de referência e o fim indirecto. O tipo de referência deve ser um tipo negocial legal por referência ao qual as partes celebram o negócio. O fim indirecto é atípico, no sentido de que não é o característico do tipo de referência; mas pode ser típico, no sentido de que pode ser o fim correspondente à função característica de outro tipo negocial” – Teoria Geral do Direito Civil, 6.ª edição, 2010, p. 636. Ainda o mesmo autor desenvolve e ilustra o tema dos negócios indirectos, na sua obra Contratos Atípicos, com o seguinte exemplo que se transcreve: “O relacionamento entre o tipo de referência e o fim indirecto pode ser exemplificado com o contrato de cessão de quotas de sociedade comercial com o fim de trespasse do estabelecimento. É correntíssimo, na prática, que a transmissão de um estabelecimento comercial seja feita através da cessão da totalidade das quotas, ou da venda da totalidade das acções, da sociedade que é titular desse estabelecimento. A generalidade dos estabelecimentos comerciais com alguma importância económica pertence a sociedades comerciais e não a comerciantes individuais. A maior parte dos estabelecimentos de pequena dimensão pertence a sociedades por quotas e a generalidade das sociedades por quotas, no comércio, tem apenas um estabelecimento. Esta circunstância, que é corrente, permite que, para transmitir o estabelecimento, as partes se limitem a transmitir as quotas da sociedade a que pertence. (…) A cessão das quotas, em casos como estes, tem vantagens sobre o trespasse. Evita a ruptura de relações jurídicas característica do trespasse, com todos os problemas acarretados pela substituição do trespassante pelo trespassário na titularidade de direitos, obrigações e relações jurídicas, evita as questões atinentes à determinação concreta do âmbito material e jurídico do trespasse, evita o direito de preferência do senhorio, se as instalações forem arrendadas, e é menos dispendiosa em termos fiscais e emolumentares”– Pedro Pais de Vasconcelos, 2.ª edição, 2009, pp. 256/257.
[21] A esse respeito veja-se o interessante caso que foi tratado no Acórdão do STJ, de 14-06-2011, Proc. n.º 3222/05.4TBVCT.S2, desta 1.ª Secção, subscrito pelo 1.º adjunto deste acórdão, na mesma qualidade, em que se dirimiu um caso de cessão de quotas que visava, na prática, a transmissão do estabelecimento. Cf., na doutrina, v.g., Transmissão da Empresa Societária: Algumas notas, Soveral NN, in Nos 20 Anos do Código das Sociedades Comerciais, 2007, pp. 415 a 438.
[22] Por isso mesmo, e salvo o devido respeito, não se pode perfilhar o entendimento constante do Acórdão do STJ, de 27-04-2005, Proc. n.º 05B965, que vem citado pelos recorrentes nas suas alegações, do qual nos distanciamos.
[23] Cf. Proc. n.º 122/07.7TCGMR.G1.S1, desta 1.ª Secção, relatado pelo Exmo. Sr. Conselheiro Alves Velho. E do mesmo relator e conferência, os Acórdãos de 27/5/2003 e 27/11/2007, nos Procs. 03A1232 e 07A3717, respectivamente.
[24] Este último acórdão não se encontra publicado, estando o sumário editado no Caderno de Sumários de Acórdãos do STJ, elaborado pelo Gabinete dos Juízes Assessores, acessível no site respectivo do STJ.
[25] Cf. Pedro Pais de Vasconcelos, Contratos Atípicos, 2.ª edição, 2009, pp. 209-247, e Rui Pinto Duarte, Tipicidade e Atipicidade dos Contratos, 2000, pp. 42-55 e 131-158.
[26] Neste sentido, cf. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Volume I, 10.ª edição, 2000, p. 292.
[27] Cf. Almeida Costa, Direito das Obrigações, 11.ª edição actualizada, 2008, p. 828. A assunção de dívida pode configurar-se, como refere o autor, de dois modos, quanto ao antigo devedor: “Se este resulta exonerado pelo compromisso que o novo devedor assume, trata-se de uma assunção liberatória ou privativa da dívida. Mas, se a responsabilidade do novo devedor vem apenas juntar-se à do antigo, que continua vinculado a par dele, fala-se de assunção cumulativa ou co-assunção de dívida (art. 595.º, n.º 2)”.
[28] Neste sentido, cf. Carlos Mota Pinto, Cessão da Posição Contratual, Reimpressão, 2003, pp. 270/271.
[29] Neste sentido, veja-se o recente Acórdão deste Supremo Tribunal e desta Secção, de 05-02-2013, Proc. n.º 3201/05.1TCLRS.L1.S1, além, entre muitos outros, dos Acórdãos do STJ, de 14-01-2010, Proc. n.º 2299/05.7TBMGR.C1.S1, de 10-01-2002, Proc. n.º 3642/00, e de 08-03-2001, Proc. n.º 3277/00.