Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1617/22.8T8GMR.G1.S1
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: ANTÓNIO MAGALHÃES
Descritores: ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
DUPLA CONFORME
PODERES DA RELAÇÃO
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
REAPRECIAÇÃO DA PROVA
BAIXA DO PROCESSO AO TRIBUNAL RECORRIDO
Data do Acordão: 01/23/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: PROCEDÊNCIA/DECRETAMENTO TOTAL
Sumário :
Não é de rejeitar a impugnação, nos termos do art 640º, nº 1, al. a) do CPC, se, apesar de não identificar o facto impugnado por referência ao número do elenco dos factos provados, os recorrentes especificam, de forma perceptível/compreensível, o concreto ponto de facto que consideram incorrectamente julgado.
Decisão Texto Integral:

Acordam os Juízes da 1ª Secção Cível do Supremo Tribunal de Justiça:


ª


AA intentou acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra BB e mulher, CC, pedindo a condenação dos Réus:

“A) A transmitir para o Autor a fracção autónoma, designada pela letra “H”, correspondente ao primeiro andar direito traseiras, destinada a habitação, situada na Avenida ..., freguesia de ..., concelho de ..., inscrita na matriz urbana sob o artigo 2092, descrita na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ...96/..., e respectivo recheio;

B) Em sanção pecuniária compulsória por cada dia de incumprimento da decisão que venha a ser proferida nos presentes autos, devendo o respectivo montante ser fixado de acordo com o estabelecido no artigo 829º-A do Código Civil, mas nunca em quantia inferior a € 100,00 € (cem euros) por cada dia de incumprimento;

C) Ou então, a pagar ao Autor a quantia de € 62.844,61, acrescida de juros à taxa legal, desde a citação até efectivo e integral pagamento”.

Alegou, em síntese, que os Réus, em 24.04.2020, outorgaram um contrato de compra e venda e mútuo com hipoteca e fiança, declarando comprar a dita fração autónoma, pelo preço global de € 100.000,00, mas que, na realidade, nunca quiseram comprar a referida fração autónoma ou contrair qualquer empréstimo, tendo-se limitado a fazer um favor ao Autor, em virtude de este ser pai da Ré CC.

Mais alegou que em 2020, por pretender comprar um apartamento na Vila ..., para viver, na sequência do seu processo de divórcio, encontrou a fracção aqui referida recorrendo a uma empresa imobiliária e, como não tinha a totalidade da quantia necessária para a concretização da compra e não conseguia obter um empréstimo bancário devido aos seus 74 anos de idade, acordou com a sua filha fazer a compra e o empréstimo em nome dela e do marido, tendo ficado acordado que os Réus deveriam transmitir a fração para o Autor, quando o empréstimo fosse liquidado.

Alegou ter pago as prestações do empréstimo, as comissões de processamento do empréstimo, as mensalidades do seguro multirriscos habitação e as mensalidades do seguro de vida, num montante global de € 9.114,48, bem como todas as despesas relacionadas com a compra da fração, num total de € 3.730,13 e ainda parte do preço da compra, no montante de € 50.000,00, perfazendo tudo um total de € 62.844,61.

Finalmente, alegou que em Dezembro de 2021 os Réus regressaram de França e, enquanto procuravam uma casa, ficaram a residir com o Autor, sendo que, em meados de Fevereiro de 2022, os Réus mudaram a fechadura da fração e proibiram o Autor de entrar na mesma, afirmando que ela lhes pertencia, apoderando-se da mesma, retirando o nome do Autor da caixa do correio, desapossando-o de todos os seus bens pessoais, passando os Réus a ocupar abusivamente a fracção, da qual se recusam a abrir mão.

Os Réus apresentaram contestação, impugnando parte substancial dos factos alegados na petição inicial, negando a ocorrência de simulação e pugnando pela improcedência da acção.

O Autor requereu a condenação dos Réus como litigantes de má-fé, em multa e indemnização a favor do Autor em valor não inferior a € 2.500,00.

Dispensada a audiência prévia, foi proferido despacho saneador, definiu-se o objeto do litígio e enunciaram-se os temas da prova.

Realizada a audiência final, foi proferida sentença, onde se decidiu «julg[ar] totalmente procedentes os pedidos formulados pelo Autor sob as alíneas a) e b), declarando o autor proprietário da mencionada fração e condenando os réus a transmitir a titularidade da mesma para o autor, ficando esta transmissão condicionada ao pagamento pelo autor aos réus da quantia de 43 631,01 Euros (valor que os réus transferiram para a conta solidária em 24 de fevereiro de 2022, com vista à amortização do empréstimo na totalidade), ficando prejudicada a apreciação do pedido subsidiário».

Na sentença, ponderando-se a previsível condenação dos Réus como litigantes de má fé por terem faltado à verdade, ordenou-se a sua notificação para se pronunciarem sobre essa possibilidade.

Em decisão subsequente, foram os Réus condenados como litigantes de má-fé, em multa no valor de 20 UC e em indemnização a favor do Autor no montante de € 2.500,00.

Inconformados, os Réus BB e CC interpuseram recurso de apelação, pedindo a sua absolvição do pedido.

Porém, a Relação julgou a apelação improcedente e confirmou a sentença.

Não se conformando, voltaram a recorrer os RR, desta vez, de revista, formulado as seguintes conclusões:

“1ª- O Acórdão recorrido, salvo o devido respeito, não julgou corretamente ao rejeitar a impugnação da matéria de facto deduzida pelos Apelantes.

2ª- Tendo-se limitado a rejeitar, com a invocação de que os Apelantes não especificaram, nas conclusões das alegações do seu recurso, os concretos pontos de facto que consideram incorretamente julgados.

3ª- Ora, analisadas as alegações de recurso apresentadas verifica-se que os Apelantes invocaram os concretos meios probatórios, com as passagens da gravação em que se fundamentam os depoimentos das testemunhas e o sentido em que deveria ser fixada a matéria de facto correspondente.

4ª- Fundamentando desde a conclusão décima primeira até á vigésima primeira, os concretos pontos de facto que consideram incorretamente julgados, tal como exige o artigo 640º nº1 alínea a) do CPC, inframencionados.

5ª-ConclusãoXI, douto acórdão:“ Desde logo, o Autor, não tinha necessidade de comprar um apartamento porque tinha um outro apartamento, arrendado na cidade de ..., o tribunal a quo, deu como provado que: “a conta associada ao empréstimo é a conta do Autor, onde este recebe as suas pensões de reforma, de França e as rendas de um prédio em ... de que é titular.”

6ª- Conclusão XII, douto acórdão: “Apesar de o Autor ter 74 anos de idade, isso não era fundamento para ter de contrair o crédito no nome da filha e simular o negócio, ele tinha rendimentos suficientes para contrair um empréstimo no seu nome, sem ter necessidade de recorrer a um fiador, resulta da prova documental junta com a pi, sob o doc. nº 6, 7, 8, 9 e10, que o mesmo recebia mensalmente uma renda de 400,00€ (quatro centos euros), e o próprio afirmou nas suas declarações que tem uma reforma de 1960,00€ (mil novecentos e sessenta euros).”

7ª- Conclusão XIII, douto acórdão: “O próprio tribunal a quo, considera na matéria provada, que “o autor nas declarações que prestou explicou que nessa conta que é creditada a reforma do Autor, oriunda de França, no valor de 1 960,00 Euros, bem como as rendas mensais de 400,00 Euros, do apartamento de que o Autor é titular, pelo que o tribunal fundou a sua convicção de que os fundos dessa conta pertencem em exclusivo ao autor.”

8ª- Conclusão XIV, douto acórdão: “Decidiu o tribunal a quo, que: “Nos termos do art.º 342º, n.º 1, do Código Civil, “Àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado” o que, nos presentes autos, se reconduz à prova dos pressupostos de facto da simulação relativa, nos termos acima enunciados.”

9ª-Conclusão XV, douto acórdão: “Sucede que, o Autor, não fez prova, dos factos constitutivos que alegou na petição inicial, nem com a prova documental carreada para o processo, nem com a prova testemunhal.”

10ª- Conclusão XVI, douto acórdão: “Das declarações do Autor, prestadas em sede de audiência e julgamento, vemos a atitude do mesmo, ou seja, o próprio refere que, se não conseguisse pagar o crédito em dois ou três anos, vendia o apartamento de ... para pagar o da ....”

11ª- Conclusão XVII, douto acórdão: “Compreende-se, porque não o fez, logo no ato da escritura, porque o apartamento era para a filha aqui Ré, ele, bem sabia que, com os rendimentos que auferia, era impossível, liquidar o total do apartamento ao final de três anos, a própria meritíssima juiz refere: “Com os seus rendimentos, não é de se ter uma expectativa, de ao fim de três anos, conseguir amealhar, aforrar, eh, quase, cinquenta mil euros”

12ª- Conclusão XVIII, douto acórdão: “Assim, deve a decisão a quo, ser alterada por outra em que se decida que, realmente, os reais compradores foram os Réus e não o Autor e não estamos perante nenhum negócio simulado.”

13ª- Conclusão XIX, douto acórdão: “Em momento algum do seu depoimento, o Autor alegou que, tinha acordado com os Autores em que esses lhe iam transmitir a fração, pelo que o tribunal a quo, mal andou ao dar este fato como provado.”

14ª- Conclusão XX, douto acórdão: “E a Ré, nas suas declarações prestadas em audiência de julgamento, foi perentória em afirmar que o apartamento era pra ela e que nunca combinou com o pai, que após a liquidação do crédito ela transferia a fração para o pai.”

15ª- Conclusão XXI, douto acórdão: “Pelo que, dúvidas não restam, de que, não houve nenhum negócio simulado, os reais compradores foram os Réus, e não o Autor.”

16ª- Pelo que, deverão os autos regressar ao Tribunal da Relação de Guimarães para os Srs. Desembargadores procederem à apreciação e julgamento da matéria de facto.

SEM PRESCINDIR,

17ª- O Acórdão recorrido, também não julgou corretamente ao rejeitar a impugnação da litigância de má fé, que salvo o devido respeito, não entendem os Recorrentes a razão de tal condenação.

18ª- Os Recorrentes foram condenados como litigantes de má fé, sobretudo pelo facto, de se ter dado como provado, através da prova documental (certidão do Serviço de Finanças da ..., a comprovar que o montante de 4.450,00€, foi para pagamento de dividas fiscais dos Recorrentes, mais valias.)

19ª- Acresce que, os Recorrentes não sabiam o que eram mais valias, porque são emigrantes, permanecem pouco tempo em Portugal, e estavam plenamente convencidos, que o dinheiro que transferiram para a conta do pai/sogro, no montante de 4.450,00€, estava relacionado com as despesas do apartamento.

20ª- Assim, se for desconsiderado o episódio de mais valias, como litigância de má fé, tal desconsideração, levará á absolvição dos recorrentes.

21ª- Por último, quanto á indemnização fixada a favor do Autor no montante de 2.500,00€, o douto acórdão proferido, considerou tal valor inteiramente razoável e prudente, facto com o qual os Recorrentes não se conformam.

22ª- Uma vez que, quer a multa, quer a indemnização por litigância de má fé, são manifestamente excessivas, devendo ser reduzido, ou eliminado o montante quer da multa, quer da indemnização.

23ª-O acórdão recorrido violou as disposições legais contidas nos artigos 542º e 662º nº 2 alínea a) e d) do CPC.

Pelo que deve o Acórdão ser revogado, devendo o processo ser remetido ao Tribunal da Relação de Guimarães para ser apreciada a impugnação da matéria de facto.”

O Autor contra-alegou pugnando pela improcedência do recurso.

Cumpre decidir.

Na decisão recorrida consideraram-se provados os seguintes factos:

“1 - Por documento particular autenticado, os Réus outorgaram um contrato de compra e venda e mútuo com hipoteca e fiança, no dia vinte e quatro de Abril de dois mil e vinte, declarando comprar a fração autónoma designada pela letra “H”, correspondente ao primeiro andar direito traseiras, destinada a habitação, situada na Avenida ..., freguesia de ..., concelho de ..., inscrita na matriz urbana sob o artigo 2092 (Doc. n.º 1), descrita na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ...96/... a DD e mulher EE.

2 - Pelo preço global de € 100.000,00 (cem mil euros), sendo € 95.000,00 (noventa e cinco mil euros), relativo à venda da fração autónoma, e € 5.000,00 (cinco mil euros), relativo à venda dos móveis.

3 - O referido preço foi pago da seguinte forma:

a) Mediante a entrega, aos vendedores, do cheque n.º ...20, sacado sobre o Banco Comercial Português SA, no valor de € 10.000,00 (dez mil euros), em 10/07/2020;

b) Mediante a entrega do cheque n.º ...32, sacado sobre o Banco Comercial Português SA, no valor de € 85.000,00 (oitenta e cinco mil euros).

4 - Para pagamento de parte do preço da referida compra, os Réus obtiveram junto do Banco Comercial Português SA, um empréstimo do montante de € 50.000,00 (cinquenta mil euros), ao abrigo do Regime de Crédito a Consumidores Relativo a Imóveis, e do Regime do Crédito à Habitação.

5 - Tal empréstimo foi concedido pelo prazo de 120 (cento e vinte) meses, com início em 25 de Outubro de 2020, com uma taxa anual nominal de 1,141 %, indexada a Euribor a 12 meses, e uma prestação mensal de € 432,42.

6 - A conta associada ao empréstimo é a conta n.º ...34.

7 - Para obtenção do referido crédito, os Réus tiveram que subscrever um seguro multirriscos habitação e um seguro de vida.

8 - O Autor constitui-se como fiador e principal pagador de todas as obrigações pecuniárias emergentes para os Réus do referido contrato de financiamento, renunciando ao benefício de excussão prévia, bem como ao benefício do prazo previsto no artigo 782º do Código Civil.

9 - O Autor deu o seu acordo a quaisquer modificações da taxa de juro, prazo do empréstimo, ou outras alterações que venham a ser convencionadas entre os Réus e o Banco.

10 - Sucede, porém, que os Réus nunca quiseram comprar a referida fração autónoma, nem nunca quiseram contrair qualquer empréstimo.

11 - De facto, os Réus limitaram-se a fazer um favor ao Autor.

12 - Efetivamente, o Autor é pai da Ré mulher CC.

13 - Ora, em 2020, o Autor pretendia comprar um apartamento na Vila ..., para viver, na sequência do seu processo de divórcio, que estava a decorrer.

14 - Assim, o Autor, recorreu aos serviços da agência imobiliária R..., da ..., para tal fim.

15 - O Autor visitou vários apartamentos, na vila da ..., até encontrar o apartamento aqui referido.

16 - O Autor, após visitar o apartamento, gostou do mesmo, e acordou na compra deste pelo valor de € 100.000,00, sendo € 95.000,00, para o apartamento, e € 5.000,00, para o recheio.

17 - Como o Autor não tinha a quantia total para a concretização da compra, e não conseguia obter um empréstimo bancário, para esse fim, atento a sua idade, acordou com a sua filha fazer a compra e o empréstimo em nome dela e do marido.

18 - De facto, o Autor nasceu no dia... de Abril de 1946, na freguesia do ..., concelho de ... e, portanto, tinha 74 anos, em 2020.

20 - Ficou, também, acordado que os Réus deveriam transmitir a fração para o Autor, quando o empréstimo fosse liquidado.

21 - A conta associada ao empréstimo é a conta do Autor, onde este recebe as suas pensões de reforma, de França e as rendas de um prédio em ... de que é titular.

22 - O Autor associou os Réus como titulares da referida conta, a Ré mulher, em 24/07/20, e o Réu marido, em 22/09/20.

23 - O Autor comprou, em Setembro de 2020, uma televisão, utensílios de cozinha, roupas de cama, toalhas, um micro-ondas, uma sapateira em madeira, e um rádio.

24 - Após a compra da fração autónoma, o Autor, alterou a sua morada fiscal, e passou a residir na referida fração.

25 - O Autor sempre pagou o condomínio da fração, a luz, o gás canalizado e a água.

26 - O Autor contratou uma empregada para fazer a limpeza do apartamento, e passar a roupa a ferro.

27 - Para isso, o Autor entregou a esta uma chave do apartamento.

28 - Foi o Autor quem pagou as prestações, quer do empréstimo, quer do seguro multirriscos habitação, quer do seguro de vida dos Réus.

29 - Foi o Autor quem pagou o cheque n.º ...20, no montante de € 10.000.00, entregue aos vendedores, em 10/07/2020, que foi sacado sobre a sua conta.

30 - Finalmente, foi o Autor quem pagou todas as despesas relacionadas com a compra da fração, todos os impostos sobre a compra e venda e o mútuo, e todas as despesas com a contratação do mútuo.

31 - Os Réus regressaram de França, em Dezembro de 2021, e, enquanto procuravam uma casa, ficaram a residir com o Autor.

32 - Sucede que em meados de Fevereiro de 2022, os Réus mudaram a fechadura da fração e proibiram o Autor de entrar na mesma,

33 - Afirmando que ela lhes pertencia, apoderando-se da mesma.

34 - Os Réus retiraram o nome do Autor da caixa do correio.

35 - O Autor ficou desapossado de todos os seus bens pessoais.

36 - O Autor ficou sem teto, de um dia para o outro,

37 - Tendo que arrendar uma casa para viver.

38 - Desta forma, os Réus passaram a ocupar abusivamente a fração e recusam-se a abrir mão da mesma.

39 - Efetivamente, os Réus arrogam-se proprietários da fração e recusam-se transmitir a mesma ao Autor.

40 - Para além disso, os Réus puseram a fração à venda, na M..., Lda..

41 - No entanto, os Réus agiram em representação do Autor, na celebração da compra e venda e do mútuo com hipoteca e fiança.

42 - De facto, os Réus agiram no interesse e por conta do Autor.

43 - Os Réus obrigaram-se a transmitir a fração e o recheio para o Autor.

50 - Foi o Autor quem pagou as prestações do empréstimo; as comissões de processamento do empréstimo; as mensalidades do seguro multirriscos habitação, proteção casa mais; e as mensalidades do seguro de vida dos Réus, crédito imobiliário vida risco, mediante débito da sua conta n.º ...34, num montante global de € 9.114,48:

- Outubro de 2020: € 72,49 (14/10), seguro de vida; € 432,42 (26/10), prestação empréstimo; € 16,39 (26/10), seguro habitação; e € 2,86 (26/10), comissão processamento. Total: € 524,16;

- Novembro de 2020: € 72,49 (02/11), seguro de vida; € 16,39 (24/11), seguro habitação; € 432,42 (25/11), prestação empréstimo; e € 2,86 (25/11), comissão processamento. Total: € 524,16;

- Dezembro de 2020: € 72,49 (01/12), seguro de vida; € 16,39 (24/12), seguro habitação; € 432,42 (28/12), prestação empréstimo; e € 2,86 (28/12), comissão processamento. Total: € 524,16;

- Janeiro de 2021: € 75,40 (04/01), seguro de vida; € 432,42 (25/01), prestação empréstimo; € 16,39 (25/01), seguro habitação; e € 2,86 (25/01), comissão processamento. Total: € 527,07;

- Fevereiro de 2021: € 73,56 (01/02), seguro de vida; € 16,39 (24/02), seguro habitação; € 432,42 (25/02), prestação empréstimo; e € 2,86 (25/02), comissão processamento. Total: € 525,23;

- Março de 2021: € 73,56 (01/03), seguro de vida; € 16,39 (24/03), seguro habitação; € 432,42 (25/03), prestação empréstimo; e € 2,86 (25/03), comissão processamento. Total: € 525,23

- Abril de 2021: € 73,56 (01/04), seguro de vida; € 440,66 (26/04), prestação empréstimo; € 16,39 (26/04), seguro habitação; e € 2,86 (26/04), comissão processamento. Total: € 533,47

- Maio de 2021: € 73,56 (03/05), seguro de vida; € 16,39 (24/05), seguro habitação; € 440,66 (25/05), prestação empréstimo; e € 2,86 (25/05), comissão processamento. Total: € 533,47

- Junho de 2021: € 73,56 (01/06), seguro de vida; € 16,39 (24/06), seguro habitação; € 440,66 (25/06), prestação empréstimo; e € 2,86 (25/06), comissão processamento. Total: € 533,47

- Julho de 2021: € 73,56 (01/07), seguro de vida; € 440,66 (26/07), prestação empréstimo; € 16,39 (26/07), seguro habitação; e € 2,86 (26/07), comissão processamento. Total: € 533,47;

- Agosto de 2021: € 73,56 (02/08), seguro de vida; € 16,39 (24/08), seguro habitação; € 440,66 (25/08), prestação empréstimo; e € 2,86 (25/08), comissão processamento. Total: € 533,47;

- Setembro de 2021: € 73,56 (01/09), seguro de vida; € 18,27 (24/09), seguro habitação; € 440,66 (27/09), prestação empréstimo; e € 2,86 (27/09), comissão processamento. Total: € 535,35;

- Outubro de 2021: € 73,56 (01/10), seguro de vida; € 437,93 (25/10), prestação empréstimo; € 18,27 (25/10), seguro habitação; e € 2,86 (25/10), comissão processamento. Total: € 532,62;

- Novembro de 2021: € 73,56 (01/11), seguro de vida; € 164,47 (12/11), seguro habitação (anual); € 437,93 (25/11), prestação empréstimo; e € 2,86 (25/11), comissão processamento. Total: € 678,82;

- Dezembro de 2021: € 73,56 (01/12), seguro de vida; € 437,93 (27/12), prestação empréstimo; e € 2,86 (27/12), comissão processamento. Total: € 514,35;

- Janeiro de 2022: € 81,18 (03/01), seguro de vida; € 437,93 (25/01), prestação empréstimo; e € 2,86 (25/01), comissão processamento. Total: € 521,97;

- Fevereiro de 2022: € 73,22 (01/02), seguro de vida; € 437,93 (25/02), prestação empréstimo; e € 2,86 (25/02), comissão processamento. Total: € 514,01;

51 - Para além disso, foi o Autor quem pagou todas as despesas relacionadas com a compra da fração, num total de € 3.730,13:

* IMT, no montante de € 975,83;

* Imposto de Selo, no montante de € 760,00;

* Comissão de avaliação, no montante de € 239,20;

* Comissão de dossier, no montante de € 301,60;

* Comissão sobre a emissão do cheque bancário n.º ...32, de € 85.000,00, no montante de € 20,00;

* Imposto de Selo, sobre a comissão para a emissão do cheque bancário n.º ...32, no montante de € 0,80;

* Imposto de Selo sobre a abertura de crédito, no montante de € 300,00;

* Comissão de formalização do empréstimo, no montante de € 208,00;

* Encargos com a preparação e feitura do contrato de compra e venda e mútuo com hipoteca e fiança, por documento particular autenticado, no montante de € 924,60.

52 - Finalmente, o Autor pagou parte do preço da compra da fração, num total de € 50.000,00.

53 - De facto, foi o Autor quem pagou o cheque n.º ...20, no montante de € 10.000.00, entregue aos vendedores, em 10/07/2020, que foi sacado sobre a sua conta; foi o Autor quem pagou o montante de € 35.000,00, correspondente à diferença entre o montante constante do cheque bancário n.º ...32, no valor de € 85.000,00, entregue aos compradores, e os € 50.000,00, provenientes do empréstimo concedido aos Réus; e foi o Autor quem pagou o cheque n.º ..., de € 5.000,00, referente à compra do recheio da fração autónoma, que foi sacado sobre a sua conta.

54 - Assim, o Autor despendeu a quantia global de € 62.844,61.

Factos provados oriundos da contestação:

55- Os Réus são emigrantes em França.

56 - O Autor divorciou-se em Setembro de 2020.

57 - O autor tinha um apartamento arrendado sito na Freguesia de ... em ... cuja inquilina era FF, a qual lhe transferia mensalmente ao dia 8, a título de renda, o montante de 400,00€ (quatrocentos euros).

58 - Em 10/07/2020, o Autor, pagou 10 000,00 Euros à imobiliária.

59- A conta associada ao empréstimo é uma conta solidária, em que o primeiro titular é o Autor e os segundos titulares são os Réus.

60- O Autor, é proprietário dos seguintes bens móveis: uma televisão, um micro-ondas, um rádio, uma sapateira em madeira e uma moto serra, pelo que foi informada a parte contrária de que os mesmos serão entregues em data a combinar entre as partes.

61- Após a compra da fração autónoma, o Autor passou, a residir no imóvel.

62- Relativamente ao fornecimento da água, tal requisição foi feita pela Ré mulher, no dia 25/09/2020.

63- Os comprovativos do pagamento da água, ou seja, os respetivos recibos foram emitidos em nome da Ré, porque foi ela que fez a requisição do fornecimento.

64 - Quanto à requisição do fornecimento de eletricidade e gás, esta foi efetuada pela Ré, conforme documento comprovativo do tipo de contrato que a mesma subscreveu em 20-09-2020.

65 - O Autor contratou para fazer a limpeza no apartamento, a Sra. GG, que é quem faz a limpeza do condomínio.

66 - Tendo entregue uma chave do apartamento a essa senhora.

68 - Quanto às prestações, quer do empréstimo, quer do seguro multirriscos habitação, quer do seguro de vida dos Réus, saíam da conta solidária dos Réus com o Autor.

69 - O Autor pagou o cheque nº ...20, no montante de 10.000,00€ em 10/07/2020.

70 - Os Réus vieram passar o Natal em Dezembro de 2021 e ficaram no apartamento, juntamente com o autor.

71 - Mas passaram uns dias também na casa da tia HH dos Réus, numa aldeia chamada ..., do concelho de ..., tanto é que o dia da consoada, passaram-no nessa aldeia na companhia da tia HH e juntamente com o Autor, isto porque, trouxeram o Autor com eles para ....

72 - No dia 2 de Janeiro de 2022, os Réus regressaram a França, tendo regressado a Portugal novamente, em Fevereiro de 2022, mas vieram para a casa da tia HH, para a aldeia, do concelho de ..., passados três dias, deslocaram-se novamente à ..., tendo ficado no apartamento juntamente com o Autor cerca de dois dias.

73 - Passados esses dois dias, os Réus, voltaram a ..., para a aldeia da tia HH, e o Autor no dia seguinte à vinda dos Réus, também veio para a casa da tia HH, com os familiares, que depois foram com ele para a ....

74 - Nas vésperas do Autor ir para ..., os Réus deslocaram-se ao apartamento e passaram lá a noite juntamente com o Autor, tendo conversado com o mesmo e este informou-os de que, no dia seguinte, tal como já lhes tinha dito, que ia passar uns dias à ... passando pela ..., ... durante quatro dias.

75 - O Autor, logo que a Ré lhe disse que estaria infetada com o COVID, ficou com receio de ficar infetado e pegou num saco de viagem, meteu roupa dele lá dentro e foi-se embora para casa da tal prima HH, saiu chateado do apartamento, porque pensava que os Réus lhe estavam a mentir.

76 - No dia seguinte, o Autor voltou ao apartamento buscar mais roupa pessoal e voltou a ir embora.

77 - Quando os Réus, se preparavam para regressar a França, em finais de Fevereiro de 2022, a Ré mudou a fechadura do apartamento.

78 - Os Réus retiraram o nome do Autor, da caixa do correio.

79 - No dia 24 de Fevereiro de 2022, os Réus, acabaram de liquidar o empréstimo, tendo transferido o montante de 43.631,01€ (quarenta e três mil, seiscentos e trinta e um euros e um cêntimo) para a conta solidária e amortizaram o empréstimo na totalidade.

80 - O autor vive de favor na casa de amigos.

81 - Quanto às despesas relacionadas pelo Autor, resulta do resumo do extrato mensal de Setembro de 2020, da conta solidária, que saiu dessa conta, o valor de 3.730,03€.

82 - No dia 28 de Setembro de 2020, entraram na conta solidaria 4.450,00€ (quatro mil, quatrocentos e cinquenta euros), transferidos pelo Réu marido, BB.”

O Tribunal a quo considerou que não se provaram os seguintes factos:

“- Que os Réus tenham pretendido comprar o apartamento, em litígio, porque pretendiam regressar a Portugal no final do ano de 2020, quando vendessem, a casa de França.

- Que decidiram contrair o empréstimo para irem amortizando o valor da compra, uma vez que não tinham dinheiro em 2020, para pagar o apartamento na totalidade e quando vendessem a casa de França, pagariam a totalidade do crédito, que foi o que sucedeu em Fevereiro de 2022.

- Que os Réus pretendiam vir morar definitivamente para Portugal, porém, por questões pessoais, decidiram adiar o seu regresso a Portugal e neste momento ainda são emigrantes em França.

- Que os Réus não fizeram nenhum favor ao Autor, este apenas outorgou na qualidade de fiador, uma vez que reside em Portugal, nomeadamente na vila da ..., tinha mais facilidades em se deslocar ao banco, para resolver alguma situação que eventualmente surgisse.

- Que o autor sempre disse à filha, que após o divórcio, iria morar no apartamento que tinha arrendado, que resolveria o contrato de arrendamento com a inquilina e que já ficava com um apartamento para morar.

- Que, como os Réus residem em França, pediram ao Autor, que procurasse um apartamento na ..., uma vez que a Ré mulher tinha sido submetida a uma cirurgia em Maio de 2020, e caso as coisas não corressem bem, pretendia vir definitivamente para Portugal, onde tem os seus pais, irmão e alguns dos seus cunhados irmãos do seu marido.

- Que, pediram ao Autor que, procurasse apartamentos na Vila ...e quando visse algum a um preço acessível, dentro das possibilidades dos Réus, que entrasse em contacto com eles.

- Que, o Autor, se deslocou à agência imobiliária R..., da ..., para visitar alguns apartamentos e ver se algum poderia eventualmente servir para a sua filha e genro, alegando sempre na imobiliária, que a aquisição do imóvel era para a sua filha aqui Ré.

- Que, quando o Autor, visitou o apartamento aqui em causa, entendeu que o mesmo, seria o ideal para a sua filha e ligou à mesma, informando-a, de que visitou um apartamento T3, na vila da ..., pelo valor de 100.000,00€ (cem mil euros), sendo 95.000,00€ para o apartamento e 5.000,00€ para o recheio, e se ela estaria interessada em pagar esse valor pelo apartamento.

- Que a Ré, disse ao pai, que ainda estava a recuperar da cirurgia que tinha feito, mas que, logo que pudesse, que se deslocaria a Portugal, para visitar o imóvel, e pediu ao pai, para informar a imobiliária que ela estava interessada em ver o apartamento.

- Que, como a imobiliária, exigiu o sinal de 10.000,00€ (dez mil euros), para aguardarem a visita do apartamento pela filha, aqui Ré, então esta, pediu ao Autor, para pagar esse valor, que ela depois, que lhe entregava tal montante, logo que viesse a Portugal.

- Que, na semana seguinte, deslocou-se a França, de carro próprio e mostrou o comprovativo do pagamento aos Réus, tendo estes dado tal dinheiro ao autor em mão, em França.

- Que a Ré, em 18 de Julho de 2020, já se sentia preparada para fazer a viagem a Portugal, e então veio com o pai, de França, no carro desta, e veio visitar o apartamento em litígio, tendo os dois, a aqui Ré e o Autor, ficado duas noites num Hotel em ..., até regressarem a França e deslocaram-se à ..., para fazerem a visita ao apartamento, a mesma foi feita na presença da funcionária da imobiliária, II, funcionária da R... na altura.

- Que a Ré, nunca acordou, com o seu pai, em contrair o empréstimo no seu nome e do seu marido, por o pai não conseguir um empréstimo bancário, tal empréstimo foi contraído no seu nome, porque eles é que eram os reais compradores.

- Que nunca os Réus acordaram que iam transmitir a fração para o Autor.

- Que, como os Réus residem em França, associaram-se à conta do Autor, para ser mais fácil, o pagamento do empréstimo cá em Portugal.

- Que, após a compra da fração autónoma, o Autor passou, a residir no imóvel dos Réus. porque o mesmo pediu aos Réus, se lhe emprestavam o apartamento, para ele residir, enquanto não resolvesse o contrato de arrendamento, com a inquilina que tinha em ..., concelho de ....

- Que o Autor, nunca pagou o condomínio da fração e que o mesmo foi pago pelos Réus.

- Que, como era do conhecimento dos Réus a existência de três chaves e eles só levaram uma para França, tendo entregue outra ao pai, aqui Autor e a terceira chave, tinham-na guardado, no apartamento, para quando viessem a Portugal cada um dos cônjuges, ter a sua chave do apartamento.

- Que que, quando em Dezembro 2021, não viram a chave no local onde a tinham deixado, a Ré, perguntou ao pai pela terceira chave, tendo o mesmo lhe referido que a entregou à empregada da limpeza.

- Que a Ré não concordou, uma vez que, a mesma já tinha em tempos, avisado o pai, de que, não desse a chave do apartamento a ninguém, pelo que, exigiu assim a entrega da chave á empregada da limpeza.

- Que os Réus davam o dinheiro em mão ao Autor para ele fazer esses pagamentos, sempre que vinham a Portugal, diversas vezes no ano, o Autor dizia sempre que, não queria que os Réus depositassem o dinheiro na conta solidária, para não pagar impostos.

- Que mas em meados de Julho de 2020, os Réus deram esse dinheiro ao Autor, quando ele se deslocou à casa dos mesmos a França, apesar do dinheiro sair da conta do Autor, tal conta era solidária e os Réus deram sempre todo o dinheiro ao Autor, para ele pagar, as despesas inerentes ao apartamento.

- Que os réus tivessem receio que a empregada de limpeza, tivesse feito uma cópia da chave do apartamento que teve em mãos, e entrasse no apartamento dos Réus, sem a sua autorização, sabendo, que os mesmos se tinham ausentado para França.

- Que o facto de mudarem a fechadura, não foi por desconfiarem do pai, aqui Autor, mas sim da empregada de limpeza.

- Que os Réus nunca proibiram o Autor de entrar no apartamento.

- Que os Réus, já tinham dito ao Autor, logo no início do negócio, que, quando vendessem a casa de França, se eventualmente tivessem algum comprador, primeiro, liquidavam o empréstimo Português e só depois investiriam em França.

- Que como conseguiram vender a casa de França em 25 de Janeiro de 2022, ficaram com dinheiro, para acabar de amortizar o crédito em Portugal.

- Que os bens pessoais do Autor, levou-os o próprio, nos dias em que levou a sua roupa, quando ficou chateado por os Réus estarem infetados, alguns objetos pessoais, até foram entregues pela sra. da limpeza, na terça-feira seguinte, porque era dia da sra. limpar o condomínio e a mesma voluntariou-se que entregava em mão ao Autor os seus bens.

- Que o Autor, não ficou sem teto, ele é que decidiu de livre vontade, sair da casa dos Réus, tendo-se deslocado para a casa da prima HH.

- Que no dia seguinte ao da saída do Autor do apartamento, os Réus começaram a ficar com sintomas de COVID 19, fizeram o teste e deram positivos.

- Que os réus decidiram enviar uma mensagem a uma prima do pai/Autor, com a qual o mesmo tinha ido passear, para o avisar que os Réus, estavam infetados, não enviaram para o Autor, porque o mesmo não sabe ler as mensagens.

- Que, como ele já tinha uma idade avançada, seria melhor ficar mais uns dias, na companhia desses familiares e na companhia da amiga JJ, na localidade da ..., concelho da ..., quando regressasse, em vez de ir para o apartamento, porque corria o risco de ficar infetado.

- Que, a prima do pai, cujo nome é HH, não o avisou, e o mesmo regressou ao apartamento dos Réus, enquanto eles estavam confinados, então a Ré, disse ao pai, que tinha enviado mensagem para a prima HH, para o avisar de que eles estavam infetados com Covid 19.»

Admissibilidade do recurso:

A Relação considerou que, apesar da coincidência quanto ao sentido condenatório, a revista é admissível contra o alegado não uso dos poderes da Relação sobre a matéria de facto no julgamento da apelação.

E, de facto, tem sido esse o entendimento uniforme do Supremo (cfr. Ac. STJ de 12.5.2016, proc. 85/14.2T8PVZ.P1.S1 e Ac. STJ de 12.4.2018, proc. 744/12.4TVPRT.P1.S1, ambos em www.dgsi.pt)

A sentença condenou, ainda, os réu como litigantes de má fé na multa de 20 UC e em indemnização a favor do autor no montante de € 2.500,00, decisão que a Relação confirmou.

Insurgem-se agora os réus recorrentes contra essa decisão da Relação que mantém a condenação em multa e indemnização.

Porém só é admissível recurso em um grau da decisão que condena por litigância de má fé ( art. 542º, nº 3 do CPC).

Como assim, o presente recurso de revista não pode ser admitido nessa parte.

Incumprimento do requisito da al. a) do nº 1 do art. 640 do CPC.

A Relação considerou que os apelantes “ não especificaram, nas conclusões das alegações do seu recurso, os concretos pontos de facto que consideram incorretamente julgados, tal como exige o artigo 640º, nº 1, al. a), do CPC. Na decisão sobre a matéria de facto julgaram-se provados oitenta e dois factos e como não provados trinta e quatro factos. Em nenhuma das trinta e nove conclusões das alegações do recurso se indica que um desses cento e dezasseis factos, provados ou não provados, foi incorretamente julgado. Também nas conclusões não consta qualquer outra referência que permita identificar os pontos de facto que os Recorrentes visam no recurso sobre a matéria de facto.” Pelo que, em conformidade, rejeitou a impugnação da decisão de facto.

Opõem os recorrentes, alegando que as conclusões XI a XXI da apelação (conclusões 5ª a 15ª da revista) identificaram os concretos pontos de facto que consideraram incorrectamente julgados, tal como exige o artigo 640º, nº1 alínea a) do CPC.

Com efeito, a jurisprudência do Supremo tem sido constante no sentido de que “a exigência da especificação dos concretos pontos de facto que se pretendem impugnar com as conclusões sobre a decisão a proferir nesse domínio tem por função delimitar o objeto do recurso sobre a impugnação da decisão de facto” (Ac. STJ de 19.2,2015, proc. 299/05.6TBMGD.P2.S1”. De forma elucidativa pode ler-se no sumário do Ac. STJ de 1.10.2015, proc. 824/11.3TTLRS.L1.S1 “(…) IV- A impugnação da matéria de facto não se destina a que a Relação reaprecie global e genericamente a prova apreciada em 1.ª Instância, não sendo admissível, como se extrai do preâmbulo do DL n.º 39/95, de 15-02, um ataque genérico à decisão da matéria de facto e impondo-se, ao invés, ao recorrente um especial ónus de alegação no que respeita à definição do objecto do recurso e à sua fundamentação, em decorrência dos princípios da cooperação, lealdade e boa fé processuais, por forma a assegurar a seriedade do próprio recurso e a obviar a que este seja usado para fins dilatórios. V - O ónus de alegação referido em IV contempla, desde a sua criação em 1995 e até à actualidade, a indicação precisa dos pontos da matéria de facto que se pretende questionar e a especificação dos meios de prova constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada que imponham decisão diversa, tendo a al. c) do n.º 1 do art. 640.º do NCPC (2013) aditado a exigência de que o recorrente especificasse a decisão que deverá ser tomada sobre as questões factuais impugnadas, sob pena de rejeição do recurso de facto.” (sublinhado nosso).

Porém, se é verdade que a lei assume um critério de rigor, segundo o qual o recorrente deve obrigatoriamente especificar (nas conclusões), sob pena de rejeição, os concretos pontos de facto incorrectamente julgados (Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, págs. 129 e 126), de forma clara e precisa ( Ac. STJ de 1.10.2015), também é verdade que a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça vem sustentando que “na verificação do cumprimento do ónus de alegação previsto no art. 640º do CPC, os aspectos de ordem formal devem ser modelados em função dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade” ( Ac STJ de 28.4.2016, proc. 1006/12.2TBPRD.P1.S1).

De acordo com tais parâmetros de análise, observemos as conclusões da apelação XI a XXI indicadas nas conclusões 5ª a 15ª da revista:

-5ª. Conclusão XI, douto acórdão:“ Desde logo, o Autor, não tinha necessidade de comprar um apartamento porque tinha um outro apartamento, arrendado na cidade de ..., o tribunal a quo, deu como provado que: “a conta associada ao empréstimo é a conta do Autor, onde este recebe as suas pensões de reforma, de França e as rendas de um prédio em ... de que é titular.”

Relativamente a esta conclusão, não se percebe se, quando se faz referência ao facto de o autor não ter necessidade de comprar um apartamento, se coloca em questão o facto 21 (“ A conta associada ao empréstimo é a conta do Autor, onde este recebe as suas pensões de reforma, de França e as rendas de um prédio em ... de que é titular., relacionado com a conta associada ao empréstimo”) ou outro facto qualquer.

-6ª. Conclusão XII,: “Apesar de o Autor ter 74 anos de idade, isso não era fundamento para ter de contrair o crédito no nome da filha e simular o negócio, ele tinha rendimentos suficientes para contrair um empréstimo no seu nome, sem ter necessidade de recorrer a um fiador, resulta da prova documental junta com a pi, sob o doc. nº 6, 7, 8, 9 e10, que o mesmo recebia mensalmente uma renda de 400,00€ (quatro centos euros), e o próprio afirmou nas suas declarações que tem uma reforma de 1960,00€ (mil novecentos e sessenta euros).”

Também aqui os réus apelantes não indicaram, de forma clara, qual o concreto ponto de facto considerado incorrectamente julgado devido ao alegado facto de o autor ter rendimentos suficientes para contrair um empréstimo em seu nome. Seria a parte do facto 17 (“Como o Autor não tinha a quantia total para a concretização da compra, e não conseguia obter um empréstimo bancário, para esse fim, atento a sua idade, acordou com a sua filha fazer a compra e o empréstimo em nome dela e do marido”) relacionada com o facto de se ter provado que o Autor não conseguia obter um empréstimo bancário? Não se tem a certeza, pelo que se exigia a indicação precisa do facto posto em causa.

-7ª. Conclusão XIII, douto acórdão: “O próprio tribunal a quo, considera na matéria provada, que “o autor nas declarações que prestou explicou que nessa conta que é creditada a reforma do Autor, oriunda de França, no valor de 1 960,00 Euros, bem como as rendas mensais de 400,00 Euros, do apartamento de que o Autor é titular, pelo que o tribunal fundou a sua convicção de que os fundos dessa conta pertencem em exclusivo ao autor.”

Também aqui os apelantes, quando aludiram à convicção do tribunal de que os fundos da conta pertencem em exclusivo ao autor, não identificaram, com precisão, o facto que pretendiam colocar em crise.

-8ª. Conclusão XIV, douto acórdão: “Decidiu o tribunal a quo, que: “Nos termos do art.º 342º, n.º 1, do Código Civil, “Àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado” o que, nos presentes autos, se reconduz à prova dos pressupostos de facto da simulação relativa, nos termos acima enunciados.”

9ª. Conclusão XV, douto acórdão: “Sucede que, o Autor, não fez prova, dos factos constitutivos que alegou na petição inicial, nem com a prova documental carreada para o processo, nem com a prova testemunhal.”

Como é óbvio, reportando-se apenas ao art. 342º do CC, os apelantes não especificaram qualquer concreto ponto de facto incorrectamente julgado, de entre os ditos “constitutivos” que o autor alegou na petição.

-10ª. Conclusão XVI, douto acórdão: “Das declarações do Autor, prestadas em sede de audiência e julgamento, vemos a atitude do mesmo, ou seja, o próprio refere que, se não conseguisse pagar o crédito em dois ou três anos, vendia o apartamento de ... para pagar o da ....”

11ª. Conclusão XVII, douto acórdão: “Compreende-se, porque não o fez, logo no ato da escritura, porque o apartamento era para a filha aqui Ré, ele, bem sabia que, com os rendimentos que auferia, era impossível, liquidar o total do apartamento ao final de três anos, a própria meritíssima juiz refere: “Com os seus rendimentos, não é de se ter uma expectativa, de ao fim de três anos, conseguir amealhar, aforrar, eh, quase, cinquenta mil euros”

12ª. Conclusão XVIII, douto acórdão: “Assim, deve a decisão a quo, ser alterada por outra em que se decida que, realmente, os reais compradores foram os Réus e não o Autor e não estamos perante nenhum negócio simulado.”

Nestas conclusões XVI, XVII e XVIII da apelação os apelantes não especificaram com clareza os concretos pontos de facto afectados pelas declarações do autor, sendo certo que a matéria de facto não alude a expressões como “ reais compradores” ou “negócio simulado”

-13ª. Conclusão XIX, douto acórdão: “Em momento algum do seu depoimento, o Autor alegou que, tinha acordado com os Autores em que esses lhe iam transmitir a fração, pelo que o tribunal a quo, mal andou ao dar este fato como provado.”

14ª. Conclusão XX, douto acórdão: “E a Ré, nas suas declarações prestadas em audiência de julgamento, foi perentória em afirmar que o apartamento era pra ela e que nunca combinou com o pai, que após a liquidação do crédito ela transferia a fração para o pai.”

Está provado o facto 20, do seguinte teor: “Ficou, também, acordado que os Réus deveriam transmitir a fração para o Autor, quando o empréstimo fosse liquidado.”

Embora não tenham indicado o facto por referência à numeração dos factos provados, da conjugação de ambas as conclusões parece inquestionável que os réus apelantes pretendem reportar-se ao facto 20.

. Se é certo que esse facto podia ter sido indicado com maior precisão, por referência à ordem numérica do elenco dos factos provados, cremos, todavia, que a indicação feita foi suficiente para que o Tribunal da Relação pudesse identificar o facto impugnado, pelo que a rejeição de um facto indicado nessas condições (identificável mas sem a indicação precisa do número a que foi subordinado) sempre violaria o supra referido princípio da proporcionalidade e da razoabilidade a que a interpretação dos requisitos do art. 640º do CPC deve obedecer.

-15ª- Conclusão XXI, douto acórdão: “Pelo que, dúvidas não restam, de que, não houve nenhum negócio simulado, os reais compradores foram os Réus, e não o Autor.”

Como acima se disse, a matéria de facto não alude a expressões como “reais compradores” ou “negócio simulado”.

Em conclusão: verificando-se a violação do art. 640º, nº 1, al. a) do CPC na rejeição da impugnação de facto relativamente ao facto 20, devem os autos regressar à Relação para apreciação da impugnação relativamente a esse facto.

Sumário (art. 663º, nº 7 do CPC):

“Não é de rejeitar a impugnação, nos termos do art 640º, nº 1, al. a) do CPC, se, apesar de não identificar o facto impugnado por referência ao número do elenco dos factos provados, os recorrentes especificam, de forma perceptível/compreensível, o concreto ponto de facto que consideram incorrectamente julgado.”

Pelo exposto, acorda-se em conceder parcialmente a revista, anular o acórdão e determinar a baixa dos autos à Relação para apreciação da impugnação relativamente ao facto 20.

Custas pelos recorrentes e recorrido e na proporção de 3/4 para os primeiros e ¼ para o segundo.


*


Lisboa, 9 de Janeiro de 2023

António Magalhães (Relator)

Jorge Arcanjo

Manuel Aguiar Pereira