Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
082928
Nº Convencional: JSTJ00017583
Relator: FERNANDO FABIÃO
Descritores: CONTRATO-PROMESSA DE COMPRA E VENDA
REQUISITOS
ANULABILIDADE
DIREITO DE RETENÇÃO
HIPOTECA
GRADUAÇÃO DE CRÉDITOS
TRANSACÇÃO
CASO JULGADO
EXECUÇÃO
IMPUGNAÇÃO
Nº do Documento: SJ199301120829281
Data do Acordão: 01/12/1993
Votação: UNANIMIDADE COM 1 DEC VOT
Referência de Publicação: BMJ N423 ANO1993 PAG463 IN CJSTJ 1993 ANOI TI PAG30
Tribunal Recurso: T REL LISBOA
Processo no Tribunal Recurso: 4895/91
Data: 03/05/1992
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Área Temática: DIR PROC CIV - PROC EXEC.
DIR CIV - TEORIA GERAL / DIR OBG.
Legislação Nacional: CPC67 ARTIGO 301 ARTIGO 498 N2 ARTIGO 684 N4 ARTIGO 813 ARTIGO 814 ARTIGO 866 N3 N4.
CCIV66 ARTIGO 12 ARTIGO 220 ARTIGO 285 ARTIGO 286 ARTIGO 287 ARTIGO 410 N3 ARTIGO 442 N3 ARTIGO 605 N1 ARTIGO 755 N1 F ARTIGO 759 N2.
DL 148/81 DE 1981/06/04 ARTIGO 13.
L 46/85 DE 1985/09/20 ARTIGO 44.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO STJ DE 1989/10/10 IN BMJ N390 PAG363.
ASSENTO STJ DE 1989/11/29 IN DR IS 1990/02/23.
Sumário : I - São requisitos do contrato-promessa, nos termos do artigo 410, n. 3 do Código Civil (redacção do Decreto-Lei n. 236/80, de 18 de Julho), o reconhecimento presencial das assinaturas dos promitentes compradores e a certificação pelo notário de que foi exibida a licença de habitação.
II - A inobservância destas formalidades legais gera anulabilidade, com a subsequente impossibilidade de invocação de vício por qualquer terceiro interessado e do seu conhecimento oficioso pelo tribunal.
III - O direito de retenção sobre a coisa objecto do contrato-promessa havendo tradição, prevalece sobre a hipoteca, ainda que esta tenha sido registada antes (artigos 442, n. 3 e 759, n. 2 do Código Civil).
IV - A sentença homologatória da transacção realizada na acção declarativa impõe-se ao credor hipotecário-reclamante de créditos na execução, constituindo caso julgado quanto a ele.
V - Por força do princípio da preclusão dos meios de defesa, o credor hipotecário não pode impugnar o crédito exequendo após a sentença de graduação de créditos.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

Por apenso ao processo 1043/A, 2 secção do 12 Juízo Cível de Lisboa, em que são exequentes A e mulher e executar "Algarviz - Apartamentos Turísticos, Limitada".
O Digno Agente do Ministério Público, veio reclamar o crédito de 394146 escudos relativo à contribuição predial do apartamento 307, r/chão, do conjunto imobiliário urbano, para fins turísticos, sito na aldeia dos Crastos, Praia da Senhora da Rocha, Algarve.
O Crédito Predial Português veio reclamar o crédito de 3194000 escudos, garantido por hipoteca sobre o mesmo prédio.
A sentença de graduação de créditos, graduou estes de forma seguinte:
1- os créditos reclamados pelo Ministério Público a favor da Fazenda Nacional;
2- a quantia exequenda;
3- o crédito reclamado pelo Crédito Predial Português.
Inconformado, o Crédito Predial Português interpôs recurso desta decisão, mas o Tribunal da Relação negou provimento ao recurso.
Deste acórdão pediu revista o Crédito Predial Português e, nas suas alegações, concluiu assim;
I- o contrato-promessa invocado na acção declarativa que deu origem à sentença exequenda não obedece aos requisitos de forma do artigo 410 n. 3 do Código Civil, na redacção do Decreto-Lei 236/80, pelo que é nulo, nulidade esta que é absoluta, prevista nos artigos 220 e 286 do Código Civil, embora tenha um regime misto de arguição ( carece o promitente - vendedor de legitimidade para a arguir, salvo se tiver sido o promitente - comprador que directamente lhe deu causa) e; enquanto nulidade é invocável a todo o tempo, pode ser arguida pelos credores de uma das partes (artigo 605 do Código Civil) e é de conhecimento oficioso do tribunal, não se tratando de uma anulabilidade;
II- o caso julgado formado pela sentença homologatória da transacção na acção declarativa proposta pelos promitentes-compradores contra o promitente-vendedor não se estende ao credor hipotecário deste último, o qual é terceiro estranho à acção;
III- embora o recorrente, credor hipotecário, não tenha impugnado o crédito e a garantia dos exequentes, é duvidoso que opere um efeito preclusivo, nos termos do n. 3 do artigo 866 do Código de Processo Civil, sendo que parte da doutrina entende que nem sequer é possível tal impugnação (Alberto dos Reis e Anselmo de Castro), mas, mesmo que se entenda que o credor reclamante tem o ónus de impugnação do crédito dos exequentes quanto à sua existência, "quantum" ou grau de prioridade (Lopes Cardoso e Antunes Varela), sob pena de preclusão, sempre deverão ser conhecidas "ex officio" as excepções dilatórias subtraídas ao domínio da disponibilidade das partes e as excepções peremptórias ou defesas em geral de conhecimento oficioso;
IV- os credores reclamantes não estão limitados, em execução de sentença, pelos fundamentos restritos de oposição estabelecidos pelos artigos 813 e 814 do Código de Processo Civil;
V- a nulidade do contrato-promessa é de conhecimento oficioso no domínio das relações das partes e de terceiros de boa fé (artigos 220 e 286 do Código Civil e artigo 410 n. 3 do mesmo diploma) sendo que a nulidade decorrente da inobservância do n. 3 do artigo 410, na redacção do Decreto-Lei 236/80 e do Decreto-Lei 379/86 pode ser invocada por terceiro designadamente pelo credor hipotecário, e, no presente caso, foram arguidas, em ambas as instâncias, nulidades absolutas por falta de forma;
VI- a decisão impugnada é ilegal por violação dos artigos 410 n. 3, 220 e 286 do Código Civil, pelo que deve ser revogada;
VII- ocorrendo tal nulidade, não pode o promitente-comprador invocar, a favor do seu crédito, direito de retenção, sendo um credor comum da executada, tendo a decisão da 2 instância violado ainda os artigos 442 n. 3 e 759 n.2 do Código Civil;
VIII- deve revogar-se o acórdão recorrido e graduar-se o crédito do recorrente-reclamante com preferência sobre os recorridos / exequentes.
Os recorrentes juntaram um parecer do Professor Antunes Varela, um acórdão da Relação de Évora e outro da Relação de Lisboa.
O Senhor Procurador Geral Adjunto, no seu parecer, disse que o recorrente delimitou o objecto de recurso à decisão de ter sido privilegiado o crédito dos exequentes (graduado em 2 lugar) em detrimento do seu crédito (graduado em 3 lugar), pelo que fez caso julgado à decisão da 1 instância na parte em que graduou o crédito da Fazenda Nacional em 1 lugar.
O Tribunal da Relação apoiou-se em outros factos dados como provados mas não se deu ao trabalho de formalizar todos os factos provados e com interesse para a solução do presente recurso. No entanto, examinados os autos, é possível concluir que se provaram os factos seguintes:
1. Em 20 de Fevereiro de 1984, a Algarviz prometeu vender a A e este prometeu comprar-lhe a fracção autónoma designada pela letra C, com o n. 307, Bloco B, do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial da Lagoa sob o n. 9554, sendo que deste contrato consta que não foi exibida a licença de habitação e certo é que as assinaturas dos promitentes compradores não foram reconhecidas pelo notário (folhas 63 e 64);
2. o promitente comprador em acção declarativa proposta contra a Algarviz, e esta transaccionaram e, nesta transacção, além do mais, a Algarviz reconheceu dever ao autor 5000000 escudos, mas este reduziu o pedido para 4850000 escudos como também reconheceu que o autor A tinha o direito de retenção sobre a fracção prometida vender até ser pago o referido crédito transacção esta que foi homologada por sentença de 25/01/88, e que foi executada por execução proposta por A e esposa contra a Algarviz.
3. por apenso a esta execução, além de um crédito de 394146 escudos da Fazenda Nacional reclamado pelo Ministério Público, o Crédito Predial Português, ora recorrente, veio reclamar o crédito de 3194000 escudos relativo a empréstimos feitos à Algarviz e garantidos por hipoteca definitivamente registada, sob os prédios descritos na Conservatória sob os ns. 314 e 9554, sendo este último o prédio penhorado na referida execução;
4. o meritíssimo juiz, na sentença de graduação de créditos, graduou assim:
1- os créditos reclamados pelo Ministério Público a favor da Fazenda Nacional;
2- a quantia exequenda;
3- o crédito reclamado pelo Crédito Predial Português.
Antes de mais nada, convém frisar que o Ministério
Público tem razão quando diz que fornece caso julgado quanto à graduação em 1 lugar do crédito da Fazenda Nacional, pois que o recorrente não atacou as decisões das instâncias neste ponto (artigo 684 n. 4 do Código de Processo Civil).
A primeira questão a resolver é a de averiguar se foram observados os requisitos formais do contrato-promessa.
Ora, não sofre dúvida que, no caso sub-judice, inexistem os dois requisitos exigidos no artigo 410 n. 3 do Código Civil (redacção do Decreto-Lei 236/80) a saber: reconhecimento presencial das assinaturas dos promitentes-compradores e a certificação de que foi exibida a licença de habitação a fazer pelo notário. O teste fala em licença de construção mas é o mesmo.
Outra questão é a de saber quais as consequências resultantes da inobservância do formalismo legal, designadamente sob o ponto de vista de o recorrente, neste processo, a poder invocar e de ser susceptível de conhecimento oficioso.
Primeiro que tudo, importa frisar duas regras; uma segundo a qual as formalidades legais de qualquer declaração são, em princípio, formalidades ad substantiam e outra que determina que a inobservância de forma legal origina nulidade, quando outra não seja a sanção especialmente prevista na lei, de harmonia com o preceituado no artigo 220 do Código Civil (Pires de Lima e Antunes Varela Código Civil Anotado, 4 edição, 1 volume, 311. Menezes Cordeiro, Boletim do Ministério da Justiça 306, 34; Castro Mendes, Teoria Geral, 1979, III, 136).
Assim sendo, o que é preciso é determinar que regime jurídico a lei estabelece quanto à forma, para, depois, se poder qualificar o vício resultante da sua violação, e não extrair ilacções dos conceitos de "qualidade" e "anulabilidade".
Pois bem, o n. 3 do artigo 410 não fala em nulidade nem em anulabilidade, seja na versão do Decreto-Lei 379/86 de 11 de Novembro, seja na versão do DL 236/80 quanto ao formalismo do presente contrato-promessa, atentos os princípios da aplicação da lei no tempo do artigo 12 do Código Civil.
No entanto, não deixa de nos dar uma segura indicação no sentido de que não se trata de uma nulidade pura, típica, ortodoxa, porquanto afirma que a omissão dos requisitos formais não é invocável pelo promitente-vendedor, salvo no caso de ter sido o promitente-comprador que directamente lhe deu causa (versão do Decreto-Lei 236/80), o que contraria o regime de nulidade estabelecido pelo artigo 286 do Código Civil, segundo o qual um tal vício pode ser invocado por qualquer interessado.
Mas, para melhor alcançar o sentido do texto em causa, há que lançar mão de ratio legis, do fim e objectivos sociais da lei.
Embora adeptos da teoria objectivista - actualista na interpretação da lei, sem dúvida seguida pela grande maioria dos autores, não nos repugna o recurso à mens legislatoris, desde que minimamente consagrada no texto da lei, e, neste caso, assim acontece.
Com efeito, de todo o arrazoado do preâmbulo do Decreto-Lei 236/80 ressalta, com nitidez, que o legislador quis proteger os interesses do promitente-comprador, que estava a ser vítima de abusos propiciados pelo ritmo da inflação crescente e pelo grassar da construção clandestina, circunstâncias estas que constituíram a occasio legis e que, ainda hoje, mais ou menos acentuadamente se mantêm.
O diploma em causa não teve, pois, qualquer intuito de protecção do interesse público, nem mesmo no tocante ao combate à construção clandestina. Esta finalidade teve-a, sim, o artigo 44 da Lei 46/85, de 20 de Setembro e, antes, o artigo 13 do Decreto-Lei 148/81, de 4 de Junho, os quais, na verdade, visaram, em nome do interesse público, combater a construção clandestina, ao recorrente da celebração do contrato definitivo, exigindo um controlo notarial.
Mas se é assim e se, por outro lado, o regime das nulidades é determinado por motivos de interesse público (Manuel Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, edição de 1953, 431; Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, edição de 1973, 699) segue-se que não estamos em presença de uma nulidade típica a que possa aplicar-se, em toda a linha, o regime do citado artigo 286 do Código Civil.
Trata-se antes de uma nulidade mista, que os autores vêm preferindo designar por anulabilidade atípica ou anómala.
E, porque estabelecida apenas o interesse de um dos contratantes, não é invocável por terceiros nem é susceptível de conhecimento oficioso, coisa que, de resto, não nos surpreende, uma vez que o artigo 285 do
Código Civil admite que para haver casos a que não se ajusta, em toda a sua inteireza, nem o regime próprio da nulidade nem o regime próprio da anulabilidade.
Em perfeita consonância com esta orientação estão Calvão da Silva (Serial e contrato-promessa, 46 e seguintes; Galvão Teles, Direito das Obrigações, 6 edição, 102 e seguintes; acórdão do S.T.J. proferido no recurso n.81281 da 2 secção, de 6 de Fevereiro de 1992 e acórdão do S.T.J. proferido o recurso n. 7786, de 10 de Outubro de 1989, citado pelo primeiro, o qual vem no B.M.J., 390, 363).
Já Almeida Costa se mostra algo hesitante, se bem que propenda para a invocabilidade do vício por terceiros interessados e para o seu conhecimento oficioso, ao menos quando o requisito formal faltoso for o da certificação notarial, atento estar em causa, segundo ele, a protecção do interesse público; mas como já se referiu, não foi o Decreto-Lei 236/80 que teve o escopo de proteger o interesse público, pelo que nos parece não se justificar a hesitação deste ilustre jurista.
Por sua vez, Antunes Varela, quer no parecer junto quer num estudo da sua autoria (Sobre o contrato-promessa, 50 a 52) defende que a sanção para a inobservância da forma é a nulidade, que pode ser invocada a todo o tempo por terceiros interessados (titulares de relações jurídicas afectadas na sua consistência jurídica ou mesmo só económica) e ser decretada oficiosamente pelo tribunal, apenas a não podendo invocar o promitente-vendedor, muito embora, de jure constituto critique esta solução que da lei decorre, na medida em que, tratando-se de "formalidades prescritas no restrito interesse do promitente-comprador do imóvel", se não justificava que a omissão delas pudesse ser invocada por terceiros interessados ou conhecida oficiosamente pelo tribunal.
Se bem entendemos, o insigne Professor parte da ideia de que a falta da forma legalmente prescrita só não gera nulidade, quando outra seja a sanção especialmente prevista na lei (artigo 220 do Código Civil), seria que, no caso do n. 3 do artigo 410, não acontece, já que apenas se refere à limitação para arguir o vício, pelo que a sanção correspondente será a nulidade.
Salvo o devido respeito, não podemos concordar.
Certo que, como o artigo 285 do Código Civil pressupõe, tanto a nulidade como a anulabilidade comportam modalidades típicas e atípicas, sendo as primeiras sujeitas ao regime - regra, quer da nulidade quer da anulabilidade (artigos 286 e seguintes do Código Civil) e sendo as últimas sujeitas a um regime especial, com características das duas figuras, como será o caso de nulidades não invocáveis por certas pessoas ou de anulabilidades invocáveis por qualquer interessado (Rui Alarcão, Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra, 1983, III, 616 e seguintes).
Mas, na hipótese das modalidades atípicas; factor decisivo para se saber se estamos perante uma nulidade atípica ou uma anulabilidade atípica reside nos motivos determinantes da distinção entre nulidade e anulabilidade: o regime de nulidade é determinado por motivos de interesse público, é um regime dirigido à salvaguarda do interesse público, ao passo que o regime de anulabilidade é determinado por motivos de interesse particular, é um regime destinado à tutela de interesses particulares (Manuel Andrade, documento citado; Mota Pinto, documento citado.).
Mas, como já se demonstrou e o próprio Professor Antunes Varela reconhece, no caso sub-judice, o formalismo foi estabelecido no exclusivo interesse do promitente-comprador e daí que a lógica aponte, na hipótese da inobservância do formalismo do n. 3 do artigo 410, para o regime das anulabilidades, com a subsequente impossibilidade de invocação do vício por qualquer terceiro interessado e do seu conhecimento oficioso pelo tribunal (artigo 287 do Código Civil).
Contra a propugnada orientação poder-se-à ainda argumentar, como fez o recorrente, com o disposto no artigo 605 n. 1 do Código Civil, segundo o qual os credores têm legitimidade para invocar a nulidade dos actos praticados pelo devedor...mas sem êxito, dado que este texto tem apenas em vista os actos nulos e não os anuláveis nem os feridos de nulidade atípica, como resulta da história deste preceito e, o que mais importa, da sua letra e ratio (Meneses Cordeiro, Direito das Obrigações, 2 volume, 479 e 480; Almeida Costa, ob. citada, 711; Pires de Lima e Antunes Varela, ob. citada, 621), além de que se trata de normas de carácter geral, para a garantia geral das obrigações e anterior à norma especial que é o n. 3 do artigo 410; pelo que deve ceder perante esta. Objectar-se-á ainda que o Assento do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de Novembro de 1989 (Diário da República de 23 de Março de 1990) contraria a dita orientação, na medida em que considera nulo o contrato-promessa bilateral de compra e venda de imóvel vasado em documento apenas assinado por um dos contraentes. Mas não é assim.
Primeiro, o Assento reporta-se ao texto primitivo do n.
2 do artigo 410, portanto, a um período anterior ao começo de vigência do Decreto-Lei 236/80, e, em segundo lugar, não esclarece se a nulidade é típica ou atípica, e, em terceiro lugar, não se debruçou propriamente sobre a questão da qualificação da invalidade, questão esta vagamente abordada na fundamentação, mas sim sobre a possibilidade de valer como contrato-promessa unilateral o contrato-promessa bilateral exarado em documento apenas assinado por um dos contraentes.
Face a tudo o exposto, tem de concluir-se que o contrato-promessa controvertido é válido, mau grado a inobservância da forma legal.
Como válido é o direito de retenção sobre a coisa que é objecto do contrato-promessa, uma vez que houve tradição dessa coisa, de acordo como preceitua do no n. 3 do artigo 442 do Código Civil, na redacção do citado Decreto-Lei 236/80, e, após o início de vigência do Decreto-Lei 379/86, na alínea f), do n. 1 do artigo 755 do mesmo Código.
Direito de retenção este que, nos termos do n. 2 do artigo 759 do Código Civil, prevalece sobre a hipoteca ainda que esta tenha sido rejeitada anteriormente, como, de facto, foi, não obstante se conceder de bons grados que este preceito legal é passível de crítica, no plano da política legislativa, ao menos quanto às hipotecas anteriormente rejeitadas. E nem se diga que pode levantar-se a questão da constitucionalidade dos artigos 755 n. alínea f) e 759 n. 2, dado que a hipoteca em causa foi constituída após 18 de Julho de 1980, data da publicação do Decreto-Lei 236/80 (Meneses Cordeiro, Colectânea de Jurisprudência, XII, Tomo 2,
18).
Eis quanto basta para se poder concluir que o recurso não merece provimento.
Mas, admitindo academicamente que o recorrente podia invocar a inobservância da forma legal do contrato-promessa e que tal vício podia ser oficiosamente conhecido, ainda assim seria de negar a revista.
Estamos a entrar na questão de saber se a sentença homologatória de transacção constitui caso julgado material oponível ao reclamante Crédito Predial Português.
Como se sabe, o princípio fundamental é o da eficácia relativa do caso julgado, isto é, a sentença só teve força de caso julgado entre as partes (artigos 498 n. 2 do Código de Processo Civil).
Simplesmente, quanto aos não intervenientes na acção, também se tem entendido que a sentença transitada se impõe aos chamados terceiros juridicamente indiferentes (todos aqueles a quem a sentença não causa qualquer prejuízo jurídico, porque deixa intacta a consistência jurídica do seu direito, embora lhes possa causar prejuízo económico, por ser afectada a solvabilidade do devedor) mas já não se impõe aos chamados terceiros juridicamente interessados (todos aqueles a quem a sentença causa um prejuízo jurídico, invalidando a existência ou reduzindo o conteúdo do seu direito, e não apenas destruindo ou abalando a sua consistência prática ou económica (Manuel Andrade, Noções Elementares de Processo Civil edição de 1963, 288 e seguintes; Antunes Varela, J. Miguel Bezerra, Sampaio e Nora; Manual de Processo Civil, 2 edição; 726 e seguintes). Tudo muito claro em teoria, mas as dificuldades aparecem quando se trata de enquadrar num dos dois grupos os casos da vida real. Pois bem, no caso concreto, nós vemos no recorrente Crédito Predial Português e reclamante com hipoteca registada sobre o imóvel em causa apenas um terceiro juridicamente indiferente, porém, não sem bastante hesitação.
Na verdade, com o reconhecimento do direito de retenção aos credores exequentes e a subsequente baixa de lugar na escala de graduação de créditos do Crédito Predial Português, o direito deste não é afectado juridicamente, pois que o direito continua o mesmo, com o mesmo conteúdo e a mesma garantia hipotecária.
É afectado, é certo, na prioridade da graduação por passar a ficar a seguir ao Crédito dos exequentes, mas esta descida não representa um prejuízo de natureza jurídica, mas tão só, bem no fundo, um prejuízo de ordem económica, na medida em que o património da devedora pode não chegar para se pagar.
Que assim é bem o demonstra o facto de, havendo bens insuficientes no património da devedora, poder obter satisfação integral do seu crédito, o que é sinal certo e seguro de que o seu direito, juridicamente, não foi afectado, antes se manteve igual, com o mesmo conteúdo jurídico, garantia hipotecária inclusive - embora economicamente mais vulnerável - coisa que não aconteceria se tivesse sido destruído ou tão somente reduzido, por bem pouco que fosse, na consistência jurídica que tinha antes do reconhecimento do direito de retenção aos exequentes - recorridos.
Importa lembrar que Manuel Andrade dá como exemplo de terceiros juridicamente indiferentes precisamente os "credores relativamente às sentenças proferidas nos pleitos em que seja parte o seu devedor" (loc. cit., 288).
Parece-nos, pois, de concluir, sem grandes certezas embora, repete-se, que a baixa de posição do crédito de nascente na escala hierárquica da graduação dos créditos não se traduz num prejuízo jurídico mas sim e apenas num prejuízo e económico.
Nesta conformidade, impõe-se ao recorrente a sentença homologatória da acção declarativa, pelo que não pode, agora, vir discutir o crédito dos exequentes e a respectiva quantia.
Concedendo, porém, por hipótese académica, que a sentença homologatória não era oponível do recorrente, restaria ainda saber quando e onde este podia atacar o direito de crédito dos recorridos e o respectivo direito de retenção. Vejamos se o podia ter feito no apenso de verificação e graduação de crédito e quando.
Alberto dos Reis, executado na letra do artigo 866 do Código de Processo Civil, antes da reforma de 1961 e no respeito pelo caso julgado, defendia que o crédito do exequente não podia ser impugnado pelos reclamantes, opinião esta que, de facto, melhor se harmoniza com a letra deste artigo (Processo de Execução, Volume 2; 270 e 271).
Hoje, porém, a letra do artigo 866 n. 3 já não é a mesma e reza assim: Dentro do prazo concedido ao exequente, podem os restantes credores impugnar os créditos garantidos por bens sobre os quais tinham invocado também qualquer direito real de garantia.
Contudo, este texto continua a oferecer dúvidas sobre se os credores reclamantes podem ou não impugnar o crédito exequendo quando garantido por bens sobre os quais também eles tenham invocado qualquer direito real de garantia.
Na verdade, enquanto Anselmo de Castro defende que os credores reclamantes não podem atacar o crédito exequendo, que se deve dar como certo (Acção Executiva, 269 e seguintes) já Lopes Cardoso opina o contrário, pois entende que os credores reclamantes podem impugnar o crédito exequendo, muito embora, estando o crédito titulado por sentença, só possam fazê-lo pelos fundamentos mencionados nos artigos 813 e 814 do Código de Processo Civil (parte final do n.4 do artigo 866) e ainda, quando o crédito está titulado por sentença homologatória de transacção, conciliação ou confissão, pelos fundamentos que podem servir de base à impugnação desses negócios, nos termos do artigo 301 do Código de
Processo Civil (Manual da Acção Executiva, 3 edição, 512 e 513).
A razão parece estar do lado de Anselmo de Castro, mas, para o fim aqui pretendido, não é necessário tomar partido na controvérsia.
Como hipótese de trabalho, poderá aceitar-se como certa a orientação de Lopes Cardoso, que é a mais favorável à pretensão do recorrente, porém sem adoptar, como este pretende, a interpretação da parte final do n. 4 do artigo 866, segundo o qual a limitação da impugnação aos fundamentos dos artigos 813 e 814 só valeria quanto ao executado e não quanto aos credores reclamantes, dado que semelhante interpretação não tem o menor suporte nem na letra nem no espírito do texto legal em apreço.
Ora, aceite a orientação de Lopes Cardoso ou mesmo a do recorrente, com hipóteses académicas, o certo é que o recorrente nenhuma impugnação fez ao crédito exequendo, no prazo que lhe foi concedido pelo n. 3 do artigo 866.
Assim, deixou passar, ao menos neste processo, o momento adequado para impugnar o crédito exequendo, pelo que, por força do princípio da preclusão dos meios de defesa, lhe é vedado fazê-lo depois, após a sentença de graduação de créditos (Manuel Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, edição de 1963, 135 e 354 e seguintes; Antunes Varela, J. Miguel Bezerra, Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2 edição, 310 e seguintes). E não se diga em contrário que, não obstante o acabado de referir, sempre o tribunal estava obrigado a conhecer da questão por a nulidade em causa ser de conhecimento oficioso, porquanto, como já acima demonstrámos, tal invalidade não é de conhecimento oficioso.
A posição assumida no presente acórdão é a mesma do recurso n. 80720, em que o relator foi o mesmo.
Também o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de Outubro de 1989 (Boletim do Ministério da Justiça 390; 363) defendeu as mesmas orientações, salvo no tocante à questão do caso julgado formado pela sentença homologatória relativamente ao credor hipotecário -
- recorrido. Por tudo o exposto, nega-se a revista.
Custas pelo recorrente.

Lisboa, 12 de Janeiro de 1993.
Fernando Fabião;
César Marques; com a declaração de que a sentença homologatória da transacção não constitui caso julgado para o recorrente.
Martins da Costa.
Decisões impugnadas:
I- Sentença, de 7 de Março de 1990 do 12 Juízo Cível de
Lisboa, 2 Secção;
II- Acórdão de 5 de Março de 1992 da Relação de Lisboa.