Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
24555/17.1T8LSB.L1.S1
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: FÁTIMA GOMES
Descritores: RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL
OFENSA DO CRÉDITO OU DO BOM NOME
DIREITO AO BOM NOME
DIREITO A HONRA
LIBERDADE DE IMPRENSA
LIBERDADE DE INFORMAÇÃO
LIBERDADE DE EXPRESSÃO
DIREITO DE CRÍTICA
TRIBUNAL EUROPEU DOS DIREITOS DO HOMEM
OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAR
INDEMNIZAÇÃO
Data do Acordão: 12/02/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGAR A REVISTA
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :


I. É incontroverso que a liberdade de imprensa, enquanto manifestação da liberdade de expressão e de informação é essencial ao funcionamento do Estado de Direito «como meio por excelência para a defesa da liberdade e para transmitir valores, criar espaços de reflexão e de debate, denunciar abusos ou desvios do poder, posicionando-se como guarda avançada no combate a todas as formas de criminalidade, abusos e descriminação e defesa da “res publica”»” e tem, tal como o direito ao bom nome e reputação, inscrição constitucional, como decorre dos artigos 37º e 38º da CRP, sendo certo que a liberdade de imprensa «implica a liberdade de expressão e criação dos jornalistas e colaboradores»- 38º/2 al a) CRP.;

II. Estando em causa dois artigos de natureza equivalente e onde se identifica um claro teor ofensivo: para além da animosidade espelhada, designadamente, na adjectivação, e sendo que num deles, à margem de qualquer demonstração, a R. imputou ao A. determinados factos cuja inverdade não podia razoavelmente ignorar e, objectivamente passível de quer pelo conteúdo quer pela forma, denegrir a honra e o bom nome do A., afigura-se que foi ultrapassado o direito à liberdade de expressão e de crítica.

III. Nos casos em que haja necessidade de ponderar se a liberdade de expressão ofende o direito ao bom nome de uma pessoa, legitimando a reprovação da ordem jurídica, importa um balanceamento concreto (não podendo aferir-se em abstracto).

IV. Neste sentido, a mais recente orientação jurisprudencial do STJ tem entendido ser de exigir um juízo de prognose sobre a hipotética decisão que o TEDH adoptaria se o caso lhe tivesse sido submetido, no sentido de se verificar se é de admitir como muito provável que, se a questão viesse a ser colocada ao TEDH, tal órgão jurisdicional entenderia que os artigos em causa extravasariam os limites toleráveis do exercício da liberdade de expressão e informação.

V. Num quadro em que foram produzidas afirmações com animosidade e intenção ofensiva, cuja falsidade a R. não podia razoavelmente ignorar e sendo objectivamente passíveis de quer pelo conteúdo quer pela forma, denegrirem a honra e o bom nome do A., no domínio da vida privada deste, ponderando casos congéneres e as demais circunstâncias do caso, tem-se por adequado fixar a indemnização em € 25 000,00.

Decisão Texto Integral:

Proc. Nº 24555/17.1T8LSB.L1.S1

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

I Relatório

1. AA propôs a presente acção declarativa de condenação contra BB, CC e Newsplex, SA estando todos regularmente identificados nos autos. Em causa está a escrita e publicação de três artigos por parte dos RR que o Autor considera serem ofensivos da sua honra e imagem pública, tendo-lhe causado danos não patrimoniais. O Autor pede a condenação dos RR a pagarem-lhe €100 000,00 (cem mil euros) de indemnização, acrescidos dos respectivos juros de mora.

2. Os RR contestaram, não negando a escrita e publicação dos artigos indicados pelo A., mas rejeitando que daí resultasse para qualquer um deles, responsabilidade civil, pelo que pediram a sua absolvição do pedido.

3. Realizou-se audiência prévia, foi realizada audiência de julgamento e, considerando que se mantinha a regularidade da instância, foi proferida sentença.

4. Na 1ª instância veio a ser proferida sentença, com o seguinte teor dispositivo:
“Face ao que precede julgo a acção proposta pelo Autor AA contra os RR BB, CC e Newsplex, SA parcialmente procedente.
Em consequência:
A)           Condeno a Ré BB a pagar ao Autor AA indemnização por danos morais no valor de €16 000, 00 (dezasseis mil euros) acrescido de juros de mora à taxa legal aplicável desde a data de notificação desta sentença até integral pagamento, absolvendo-a quanto ao demais peticionado; e
B)           Absolvo os RR CC e Newsplex, SA do pedido contra eles formulado pelo Autor AA.
C)          Custas pelo Autor e pela 1ª Ré na proporção dos respectivos decaimentos.

D)          Registe e notifique.”

5. Inconformados com a sentença dela apresentaram recurso de apelação o A. e a Ré, com as seguintes pretensões:

- Recurso do A.: revogação da sentença recorrida na parte em que absolveu os 2.º e 3.º RR. e fixou o valor indemnizatório, condenando, em consequência os três recorridos solidariamente, no pagamento de um valor indemnizatório substancialmente superior ao que foi arbitrado pelo Tribunal a quo;

- Recurso da R. BB: revogação da sentença recorrida, absolvendo-se a recorrente.

6. O Tribunal da Relação apreciou os recursos e decidiu (transcrição):
“Pelo exposto e decidindo, de harmonia com as disposições legais citadas, decide-se:
(i) julgar parcialmente procedente a apelação do A. e, em consequência, alterando a decisão, condenar a primeira R. a pagar-lhe, a título de indemnização, por danos morais, a quantia de € 25.000,00
(ii) julgar improcedente a apelação da primeira R..
(iii) manter no mais a decisão recorrida
Custas pelo A. e pela primeira R., na proporção dos respetivos decaimentos.”

O acórdão teve uma declaração de voto, onde se lê:
Perante os concretos factos dados como provados nos autos e o singular contexto em que decorreu a actuação ilícita da Ré, tendo em conta o grau de culpa do agente e a censurabilidade da sua actuação, mas igualmente o padrão assumido, em termos actuais, pela jurisprudência em situações relativamente similiares, manteria, confirmando, a condenação no montante indemnizatório fixado em 1ª instância, que se nos afigura equilibrado e adequado, não se justificando, a meu ver, a condenação da Ré em verba superior.

7. Insatisfeita veio a Ré interpor recurso de revista do acórdão do Tribunal da Relação, concluindo (transcrição):

I.  Vem o presente recurso de revista interposto, nos termos dos artºs 671º nº 3 (a contrario), 674º nº 1 a) e 682º do CPC, do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa que decidiu:

• julgar parcialmente procedente a apelação do A. e, em consequência, alterando a decisão, condenar a primeira R. (a ora Recorrente) a pagar-lhe, a título de indemnização, por danos morais, a quantia de € 25.000,00;

• julgar improcedente a apelação da primeira Ré;

• manter no mais a decisão recorrida

Custas pelo A. e pela primeira R., na proporção dos respetivos decaimentos

II.    A violação da lei substantiva de que padece o presente acórdão – concretamente dos artºs 14.º da Estatuto do Jornalista, 70º e 80º e 484º do CC, 26º, 37º e 38º da CRP e artº 10º da CEDH – resulta, essencialmente, de:

a)    Apesar de os seus autores conhecerem a diferença entre artigos de opinião (juízos de valor) e artigos de informação (factos), não a terem aplicado, na apreciação das restrições que impõem à liberdade de expressão da Recorrente - a condenação no pagamento de uma indemnização no montante de € 26 000,00;

b)    Não terem aplicado o critério decorrente da jurisprudência do TEDH quanto à existência de uma necessidade social imperiosa para a aplicação de tal restrição que, no presente caso, inexiste;

c)     Na fixação do montante da indemnização, não ter sido tida em conta a necessidade de o valor da mesma respeitar o princípio da proporcionalidade.

III.   Ambos os artigos da autoria da Recorrente - “AA é um “asco" e “AA, um homem capaz de vender o próprio filho” - são artigos de opinião e como tal deviam ter sido analisados, interpretados e apreciados do ponto de vista jurídico cível e não foram.

IV.   Os artigos de opinião, nos termos da aplicação do artº 10º da CEDH pelo TEDH não devem/podem ser apreciados em termos de veracidade ou falsidade contrariamente aos artigos factuais e permitem uma certa dose de exagero ou mesmo provocação (cfr. Acórdão do TEDH Lopes Gomes da Silva c. Portugal de 28.02.200 )

V.    A Recorrente exprimiu a sua opinião de uma forma contundente até violenta, mas que não foi excessiva tendo em conta o carácter de figura pública do Recorrido, o seu comportamento anterior público, não só em relação a textos que publicou, mas também em relação aos conflitos com a sua ex-mulher e na regulação das responsabilidades parentais e a relevância pública da discussão sobre os comportamentos do Recorrido - desde a violência doméstica até à exposição publica da sua privacidade e dos seus filhos.

VI.   Inexiste qualquer necessidade social imperiosa da condenação da Recorrente, requisito essencial para aplicação de qualquer restrição à sua liberdade de expressão, nos termos do nº 2 do artº 10º da CEDH tal como consistentemente tem vindo a ser aplicado pelo TEDH pelo que o tribunal “a quo” errou na interpretação e aplicação desta norma.

VII.  Os textos escritos pela ora Recorrente são artigos de opinião, juízos de valor, não integrando a previsão do artigo 484º do Código Civil.

VIII.    Tanto os artsº 70º e 80º do Código Civil como artº 14º nº 2 h) do Estatuto do Jornalista foram incorrectamente aplicados pelo Tribunal “a quo”, dado que tais disposições salvaguardam que a extensão da reserva da vida privada “é definida conforme a natureza do caso e a condição das pessoas” e, no caso dos autos, a natureza do caso tinha, há muito e por actuação do próprio Recorrido, ultrapassado as fronteiras da vida privada e sido transportada para a praça pública e quanto à condição do Recorrido, a mesma era de molde a justificar o interesse , como resulta dos factos provados nºs os números 1, 2, 5, 6, 7, 8, 32, 35 e 36, pelo que nunca se poderia considerar como se considerou que a Recorrente tinha violado as referidas disposições legais..

IX.   Para se conhecer um pouco mais sobre a figura e o comportamento do Recorrido, que justificam a afirmação de opiniões como da Recorrente, transcreve-se de um artigo da autoria de II publicado no seu blog do jornal Expresso em ……… (Facto provado nº 35): “... AA tem feito várias revelações públicas escabrosas (falsas ou verdadeiras, não tenho qualquer interesse em saber) sobre DD e vários elementos da sua família. Todos conhecemos histórias de divórcios tumultuosos. Divórcios em que pessoas que julgaríamos normais se comportam de forma irracional. Sim, a campanha pública feita por AA contra a apresentadora ultrapassa largamente quase tudo o que eu vi até hoje. (...) . AA, perguntando de volta onde andaria II antes de 95, respondeu, no EXPRESSO: “é aí [na seu passado de toxicodependência] que podemos encontrar a explicação – e desde logo a antecipada desculpa – dos despautérios de II, então certamente mais tentado pela assídua frequência do …………  do que pela visita a boas livrarias, umas horas de biblioteca ou até, se calhar, pela simples leitura de jornais.(...) É daquelas prosas que, pelo vómito que provocam, distinguem facilmente um animal rastejante de homens a sério.(...) Perante este episódio público da sua vida privada, AA seguiu o mesmo estilo arrepiante. Montou um circo mediático em torno do seu divórcio, espalhando lama por pessoas que nem figuras públicas são (e por isso têm menos instrumentos de defesa) e não se incomodando em soterrar publicamente no chiqueiro duas crianças que, por acaso, até são seus filhos. (...).

X.    E o tribunal a quo, para apreciar e julgar os artigos escritos pela Recorrente teria de ter tido em conta - e inequivocamente não teve - toda a factualidade dada como provada não só sob o referido nº 35 – isto é, a publicação deste artigo de opinião com este conteúdo -, como também sob os números 1, 2, 5, 6, 7, 8, 32 e 36.

XI.   Uma correcta interpretação e aplicação do art.º 10.º da CEDH teria permitido ao Tribunal a quo pela licitude actuação da Recorrente e pela sua consequente absolvição.

XII.  O primeiro artigo “AA é um asco" é um inequívoco artigo de opinião: a manifestação da profunda revolta e repulsa que a Recorrente sente pelo comportamento público do Recorrente tendo em conta o seu comportamento público anterior pelo que, num juízo de prognose segundo a jurisprudência do TEDH, nunca seria passível de qualquer restrição ao abrigo do nº 2 do artº 10º da CEDH.

XIII.    O segundo artigo em causa nos presentes autos “AA, um homem capaz de vender o próprio filho” é igualmente um artigo de opinião em que a Recorrente, numa linguagem hiperbólica e violenta, convicta que estava que o Recorrido havia fornecido a uma publicação “cor-de-rosa” uma carta alegadamente escrita pelo filho menor à mãe, exprimia essa mesma convicção em função do que considerava o comportamento habitual do Recorrido.

XIV.    A Recorrente, ainda que baseada numa presunção que não se veio a verificar ser verdadeira, não fez uma notícia: escreveu um artigo de opinião, onde exprimiu a sua opinião e convicção que veio a revelar errada.

XV.     Artigo que se enquadra igualmente na liberdade de expressão e de opinião do artº 10º da CEDH, segundo um juízo de prognose da jurisprudência do TEDH, inexistindo qualquer necessidade social imperiosa de restringir a liberdade de expressão da Recorrente.

XVI.    No entanto, caso este Supremo Tribunal entenda que assim não é e que a Recorrente cometeu um ilícito e deverá ser responsabilizada pelo erro que cometeu, embora de boa fé porque conhecedora do comportamento do Recorrido no âmbito dos processos judiciais que envolviam a sua ex-mulher e filhos e visando verberar um comportamento que a Recorrente considerava repugnante numa questão de evidente interesse geral, desde que foi transportado para a arena pública, sempre o artigo em causa deveria ter sido apreciado tendo em conta os critérios da jurisprudência do Tribunal [TEDH].

XVII.  Não só quanto justificação do mesmo artigo mas também no que concerne ao elevado montante das indemnização fixada que, por si só, constituiu uma violação do artº10º da CEDH, pelo seu feito inibidor ou atemorizador (chilling effect, na jurisprudência do TEDH) na liberdade de expressão em geral.

XVIII. Vale isto por dizer que, mesmo no caso de se considerar que o artigo “AA, um homem capaz de vender o próprio filho” continha um elemento factual que justificava a sua avaliação a luz de um critério de veracidade e a o mesmo fosse considerado ilícito e gerador de responsabilidade civil, nunca o valor da indemnização deveria ultrapassar um valor simbólico ou um reduzido montante já que a fixação a indemnização no elevado montante de € 26 000,00, constituir, por si só, uma violação do artº 10º da CEDH., como já o era o valor fixado na 1ª instância, nos termos da jurisprudência constante do TEDH.

XIX. Deverá o presente recurso ser julgado procedente e a Recorrente absolvida, ou se assim, não se entender e se considerar ilícito o artigo “AA, um homem capaz de vender o próprio filho”, o que só por dever de patrocínio, se admite, sem conceder, sempre a indemnização a fixar, por tal ilícito, deverá ser meramente simbólica.”

8. Foram apresentadas contra-alegações, nas quais se conclui (transcrição):

“1. O presente recurso de revista é admissível nos termos da lei processual, nos termos do[s] artigos 671.º, n.º 3, do CPC;

2. Com efeito, apesar de existir uma situação de “dupla conforme”, uma vez que quer a douta sentença da Comarca quer o douto acórdão da Relação de Lisboa decidiram no mesmo sentido e sem divergência de fundamentação, existiu um voto de vencido na segunda daquelas decisões;

3. Em relação ao referido voto de vencido existe uma outra situação que é necessário ponderar e que consiste no facto de o Sr. Juiz Desembargador apenas ter manifestado a sua discordância em relação ao aumento do valor indemnizatório que havia sido fixado pela douta sentença da Comarca;

4. Por ele, tinha-se mantido este último valor condenatório (€ 16.000,00);

5. Ora, entende o aqui recorrente que, salvo sempre o devido respeito e melhor juízo, em relação a este último valor, verifica-se a referida dupla conforme, pois que se deve entender que aquele valor mereceu duas decisões favoráveis sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente (cf. artigo 671.º, n.º 3, do CPC);

6. Sendo assim, entende o aqui recorrente que, salvo melhor apreciação e melhor juízo, o que está em causa no presente recurso é saber se a Relação de Lisboa julgou bem quando procedeu ao aumento do valor indemnizatório em € 9.000,00, pelas razões que indica no douto acórdão recorrido;

7. Deste modo, entende o aqui recorrente que, salvo melhor juízo, não existe cobertura processual para poder ser posta em causa a douta sem tença do Tribunal da Comarca, que condenou a 1.ª R. a pagar ao aqui recorrido o valor de € 16.000,00 (dezasseis mil euros);

8. Está apenas em causa, em termos de objeto do presente recurso, o valor de € 9.000,00 (nove mil euros), que foi aquele em relação ao qual se registou um voto de vencido por parte de um dos Sr. Desembargadores que apreciaram o recurso de apelação da aqui recorrente;

9. Não pode assim, logo desde aqui, merecer provimento o pedido que a recorrente faz nas suas doutas alegações de recurso, quando pede a absolvição total ou, em alternativa, a condenação numa indemnização simbólica de € 1.000,00 (cf. alegações da recorrente, in fine);

10.O referido voto de vencido, salvo o devido respeito que é muito e merecido, deve dizer-se é um pouco vago em relação aos motivos que levaram o Ilustre Sr. Desembargador a votar contra a decisão de aumento do valor indemnizatório;

11.Com efeito, o conteúdo do referido voto de vencido é o seguinte: “Perante os concretos factos dados como provados nos autos e o singular contexto em que decorreu a atuação ilícita da Ré, tendo em conta o grau de culpa do agente e a censurabilidade da sua atuação, mas igualmente o padrão assumido, em termos atuais, pela jurisprudência em situações relativamente similares, manterá, confirmando, a condenação no montante indemnizatório fixado em 1.ª instância, que se nos afigura equilibrado e adequado, não se justificando, a meu ver, a condenação da Ré em verba superior”;

12.Começa o aqui recorrente por não entender a referência ao “singular contexto em que decorreu a atuação ilícita da Ré”;

13.É que não se descortina que “singular contexto” foi esse, a não ser que se trate dos problemas que atingiram o aqui recorrente e a sua ex-mulher;

14.Mas a recorrente não tinha nada a ver com os problemas que existiam entre os membros do ex-casal ou das questões que estes tinham que resolver em relação aos seus dois filhos menores;

15.O aqui recorrido ainda invocou, na sua p.i., ter conhecimento que a recorrente era amiga da sua ex-mulher e que até tinha comparecido em sessões de julgamento com ela; mas o Tribunal deu esse facto como não provado, pelo que para todos os efeitos nem sequer se pode considerar que a recorrente fosse amiga da ex-mulher do aqui recorrido, com as consequências que daí poderiam resultar;

16.Também não entende o aqui recorrido a que se refere o Sr. Juiz Desembargador quando na mesma declaração de voto afirma, logo a seguir, “tendo em conta o grau de culpa do agente e a censurabilidade da sua atuação”;

17.Só pode estar a referir-se à própria Ré e recorrente, pois de outro modo não se entende quem possa estar em causa e, sendo assim, a conclusão só pode ser a de que o grau de culpa é intenso, para não dizer fortíssimo e concomitantemente intensíssima a censurabilidade da sua atuação;

18.Para além destes motivos, que confessa o aqui recorrido humildemente, não ter conseguido entendê-los bem, invoca ainda o Sr. Juiz Desembargador “o padrão assumido em termos atuais pela jurisprudência em situações relativamente similares”;

19.Desta feita, o aqui recorrido entende, mas pede desculpa por não estar de acordo, pois que em primeiro lugar, crê não ser possível generalizar da forma como se faz na referida declaração de voto;

20. Quando se fala em “situações relativamente similares” não se pode estar a falar de segurança e previsibilidade jurídicas; o “relativamente similar” é um conceito que se afigura pouco concretizado e, por conseguinte, não constitui um arrimo que possa permitir comparações;

21.Por outro lado, não pode ser verdade que a jurisprudência portuguesa se oriente no sentido de ser complacente para quem insulta, mente e manipula, de forma muitíssimo violenta – como foi o caso claramente da aqui recorrente – só porque existe e está consagrado o princípio da liberdade de expressão;

22.É evidente que a liberdade de expressão não é a liberdade de se poder insultar, mentir e manipular a opinião pública em favor de quem se gosta e em detrimento e prejuízo de quem não se gosta;

23.Foi exatamente isto o que a recorrente fez nos dois artigos que escreveu e que estão em causa, que tinham os sugestivos e significativos nomes de “AA é um asco” e “AA, um homem capaz de vender o filho”;

24.Deste modo, não se percebe e não se concorda, salvo o devido respeito que é muito e merecido, com o conteúdo da referida declaração de voto do Sr. Juiz Desembargador, que acabou por dar oportunidade processual ao presente recurso de revista, que de outro modo não poderia, como se viu, ter tido lugar;

25.Entende o aqui recorrente que mal vai o Estado de Direito que não é capaz de tutelar de forma eficaz os direitos de personalidade dos seus cidadãos e deixa que estes sejam insultados e injuriados a pretexto do princípio da liberdade de expressão e de informação;

26.O presente processo judicial não encerra praticamente qualquer tipo de litigância sobre os factos que foram indicados pelo aqui recorrido como fundamento do seu pedido indemnizatório;

27.Com efeito, os referidos factos não foram sequer objeto de impugnação porque consistiram basicamente em dois artigos jornalísticos escritos pela recorrente, que tinham os títulos que já se indicaram;

28.Os factos considerados culposos e danosos e, por conseguinte ilícitos, resultam da publicação de dois textos, escritos pela recorrente, e que esta considera, nas suas doutas alegações de recurso, tratar-se de meros artigos de opinião.

29.Os títulos dos referidos textos são desde logo particularmente significativos: o primeiro deles, publicado no jornal diário “I” em … de ………. de ……….., ostenta o título “AA é um asco” e o segundo, publicado no semanário “Sol”, em … de ……. de ……., tem por título “AA, um homem capaz de vender o próprio filho” (cf. docs. 2 e 3, juntos com a p.i.);

30.A sua leitura impressiona pela brutalidade, malvadez, calúnia e difamação, dificilmente comparáveis com alguma coisa que se tenha escrito na imprensa portuguesa desde 25 de abril de 1974;

31.Os dois textos em causa têm, como se referiu, paternidade assumida (in casu maternidade) uma vez que foram assinados pela recorrente BB, que nunca negou a sua autoria e assumiu perante a Merit.ª Juíza do Tribunal da Comarca, nas declarações de parte que prestou em audiência de julgamento, tê-los escrito, mantendo a mesma postura perante as instâncias de recurso;

32.Não mostrou, aliás, a referida jornalista qualquer tipo de arrependimento, tendo mostrado, como se refere na douta sentença do Tribunal da Comarca, “animosidade pessoal contra o Autor” (aqui recorrido) (cf. sentença, p. 13);

33.Este ponto é muito importante para se apreciar o grau de culpa da recorrente pois fica-se com a certeza absoluta de que, por evidente antipatia pessoal em relação ao aqui recorrido, a recorrente escreveu os dois textos com a intenção de o atacar, denegrir o seu caráter e a sua personalidade, acusando-o de coisas terríveis, incluindo o de ter vendido o seu próprio filho, ressalvando mesmo não se tratar de uma metáfora (cf. doc. 3, p.i.);

34.Trata-se efetivamente de dois textos totalmente ad hominem, ou seja, com a intenção clara e firme de insultar, caluniar e difamar o aqui recorrido;

35.Cabe perguntar como é que uma pessoa que é capaz de insultar e denegrir outra perante milhares de pessoas, de forma malévola e mentirosa, inventando factos que não ignorava serem falsos, pode ser jornalista profissional, com cargos de chefia, num País como Portugal, que é um Estado de Direito Democrático, que assenta na dignidade da pessoa humana como logo o refere o artigo 1.º da Constituição Portuguesa;

36.Na defesa por si apresentada nas diversas instâncias, incluindo na presente, a recorrente insistiu sempre que se tratava de meros “artigos de opinião”;

37.Para a recorrente, escrever textos em que se insultam diretamente pessoas e se falsificam os factos com o objetivo de difamar, caluniar e insultar os outros, é mera opinião, pelo que não merece qualquer tipo de censura!

38.Sabe-se que Portugal viveu mais de 40 anos sob um regime ditatorial que cerceou a liberdade de expressão. É evidente que esse facto deixou sequelas e ainda não passou tempo suficiente para que as pessoas se tenham esquecido;

39.Não obstante, quando se invoca a liberdade de opinião como justificação para insultar e caluniar pessoas está-se a tentar subverter aquele conceito, pois nunca a liberdade de expressão e de opinião poderá servir para aquela finalidade ou para quaisquer finalidades ilícitas, pelo menos num Estado de Direito;

40.Só pode concluir-se assim que é de má-fé que a recorrente invoca a referida liberdade de expressão para tentar justificar a pretensa licitude da sua ação.

41.Os textos escritos pela recorrente revelam ainda outro aspeto que é, infelizmente, típico nos tempos que correm: quando existe animosidade contra alguém, há uma tendência para se desvalorizar os factos a fim de não se pôr em causa as emoções. Ou seja, é usual assistir-se, sobretudo em Portugal, à manipulação dos factos de forma a fazê-los coincidir com as convicções que se tem (sejam ideológicas, clubistas, etc.);

42.Com efeito, também no caso vertente a clara animosidade da recorrente contra o aqui recorrido levou a que manipulasse os factos para, com base neles, melhor poder acusar, difamar e caluniar este último;

43.Foi o que claramente se passou com o texto que tem por título “AA um homem capaz de vender o filho” (jornal “Sol”, edição de … de ……… de ……….., doc. 3, p.i.).

44.Conforme a própria recorrente confessou nas suas declarações de parte, foi a leitura de um texto com chamada de capa publicado na Revista ..., edição de …… de …….. de ….., onde se referia “DD, a carta chocante do filho”, que a levou a escrever o referido texto (cf. fatos provados 19 a 22);

45.Tratava-se de uma carta (email) que foi escrita pelo filho do aqui recorrido – EE – à sua mãe, DD, carta essa que se encontrava num processo a correr os seus termos no Tribunal de Família e Menores de Lisboa.;

46.A carta (email) não era simpática para a mãe do menor, mas só podia ser entendida no contexto dos factos a que mesma se reportava, os quais consistiam numa grande vontade e insistência por parte do EE para ir viver com o pai (aqui recorrido), como aliás mais tarde veio a acontecer, por decisão do Tribunal de Família e Menores de Lisboa, apesar da oposição sistemática por parte da mãe;

47.O jornalista da ..., responsável pelo trabalho em causa, tomou conhecimento da referida carta por ter conseguido aceder ao processo, conforme informava na própria capa da edição daquela revista com os dizeres “Já lemos o processo” (cf. fato provado n.º 23, da douta sentença, p. 7);

48.O referido jornalista foi ouvido como testemunha na audiência de julgamento e confirmou que foi através da consulta do processo no Tribunal de Família que tomou conhecimento da referida carta que foi escrita pelo EE;

49.Confirmou também o mesmo jornalista nunca ter falado com o aqui recorrido sobre estes factos nem sobre nenhuns outros;

50.Ficava assim totalmente esclarecida a questão de saber como é que o referido jornalista tinha tido acesso à carta escrita pelo filho do aqui recorrido, tendo tido o cuidado de assinalar, logo na capa da revista, que tinha consultado o processo de forma a não deixar dúvidas sobre esse facto concreto;

51.Ora, perante estes factos, o que fez a recorrente BB?

52.Escreveu um artigo infame com o já referido título “AA um homem capaz de ver o filho”, onde acusa o aqui recorrido de ter congeminado tudo, de ter sido ele a escrever a carta e – mais – de ter sido ele a entregar a carta à revista ... para que a mesma fosse publicada!

53.Confrontada em julgamento com o facto de na própria revista se informar o modo como tinham conseguido ter conhecimento da carta, afirmou a recorrente, com ar displicente, que não tinha reparado…;

54.Também não explicou a referida recorrente – nem nenhum dos outros dois RR. – a razão pela qual nunca pediram desculpa ao aqui recorrente nem nunca se preocuparam em retificar os factos caluniosos e difamatórios que haviam sido publicados;

55.Aliás, foi patente a enorme antipatia que a referida jornalista tem pelo aqui recorrido, ficando bem claro que foi essa circunstância que a levou a caluniá-lo;

56.Poucas ou nenhumas dúvidas levantam estes factos, Venerandos Juízes Conselheiros, pois os mesmos resultam claramente não só dos artigos acima indicados como dos depoimentos que foram produzidos pelas testemunhas e, no fundo, da matéria dada como provada e assente pelas duas instâncias que já se pronunciaram sobre o presente processo;

57.Aliás, permite-se o aqui recorrido chamar também a atenção para o primeiro dos textos que foi junto aos presentes autos, com a p.i., e que deve igualmente contribuir para prova das reais intenções da aqui recorrente.

58.Sob o título “A juíza que merecia um incidente de suspeição” (cf. jornal “I”, edição de …….., doc. 1, junto com a p.i.), escreveu a recorrente um texto em que criticava fortemente a atuação de uma magistrada - a Dr.ª GG, Merit.ª Juíza de Direito do Tribunal Criminal, por, entre outras coisas, ter dito à assistente DD, logo na primeira sessão de julgamento, que necessitava de provas;

59.Pois uma tal afirmação, que, para além de lógica, se deve entender favorável à assistente, na medida em que a está a avisar da necessidade de carrear mais e melhor prova para o processo, foi considerada pela recorrente uma prova de que a referida magistrada era parcial e merecia um incidente de suspeição;

60.Fica-se assim a saber que, no entender da recorrente, o que a referida magistrada tinha a fazer era condenar o aqui recorrido mesmo sem provas, pois o que importa são as convicções, as animosidades e os estados de alma e não aquilo que efetivamente se passou, ou seja, os factos;

61.Este primeiro artigo permite desde logo perceber que a recorrente é uma pessoa tendenciosa e injusta, para quem o apuramento da verdade dos factos não assume qualquer relevo. Só quando essa verdade vai ao encontro das suas convicções é que a valoriza. Caso contrário, tanto pior para a verdade!...;

62.Bem andou, por isso, a douta sentença recorrida ao condenar a recorrente a pagar uma indemnização ao aqui recorrente e bem andou o douto acórdão recorrido em ter não só confirmado essa condenação como em ter aumentado o valor indemnizatório que havia sido arbitrado, pois o comportamento assumido pela recorrente é absolutamente inadmissível à luz das regras e princípios que norteiam um Estado de Direito, designadamente os que tutelam os Direitos de personalidade.

63.Por sua vez, o douto acórdão da Relação, tendo confirmado a matéria de facto provada, fez uma reponderação do valor indemnizatório, tendo chegado à conclusão de que o mesmo deveria ser aumentado para € 25.000,00 euros;

64.E fê-lo por considerar que a honra, o bom-nome e a reputação do aqui recorrente foram severamente atingidas pelos artigos que foram escritos pela recorrente e que esta não teve sequer a preocupação de se certificar de que aquilo que escreveu correspondia à verdade;

65.O douto acórdão recorrido cita e bem os deveres dos jornalistas que se contêm no artigo 14.º do Estatuto do Jornalista (Lei n.º 1/99, de 13 de janeiro, com a redação que lhe foi dada pela Lei n.º 64/07, de 6 de novembro), designadamente os seguintes:

“Informar com rigor e isenção, rejeitando o sensacionalismo e demarcando claramente os factos da opinião” (art. 14.º, al. a);

“Proceder à retificação das incorreções ou imprecisões que lhes sejam imputáveis” (art. 14.º, n.º 2, al. b);

“Abster-se formular acusações sem provas e respeitar a presunção de inocência” (art. 14.º, n.º 2, al. c);

66.Todos estes deveres foram violados pela aqui recorrente, pois não informou com rigor e isenção, não procedeu à retificação do que escreveu, sabendo ou não podendo ignorar que não era verdade (quando acusou o aqui recorrido de ter sido ele a vender ou a entregar o que o filho tinha escrito a uma revista) e formulou acusações sem prova, e pior, sabendo que as provas apontavam em sentido contrário àquilo que escreveu;

67.Se a tudo isto acrescentarmos os insultos (“AA é um asco”, “AA vomitou a sua defesa em Tribunal”, “AA, um homem capaz de vender o próprio filho”, “AA é uma cabeça doente”) e uma linguagem de uma agressividade e hostilidade inenarráveis, só pode concluir-se que o valor indemnizatório fixado pelo douto acórdão da Relação, apesar de mais alto, ainda não seria o suficiente para se fazer justiça no presente caso concreto;

68.É que considera e bem, o douto acórdão da Relação, que “os artigos em questão são, pois, objetivamente passíveis de, quer pelo seu conteúdo quer pela forma, denegrirem a honra e o bom nome do A. (aqui recorrido) (cf. p. 32, in fine).

69.E continua afirmando: “Trata-se de imputações que, a nosso ver, ultrapassam o direito à liberdade de expressão e de crítica, mesmo aceitando que o A. é uma figura pública” (cf. p. 33);

70.Quanto à questão sempre em causa – “liberdade de expressão” versus “tutela dos direitos de personalidade” – o douto acórdão da Relação invoca uma ideia com a qual o aqui recorrido concorda e pensa que deve ser a partir dela que se deve nortear a resolução dos casos concretos.

71.É que estão em causa dois direitos com consagração constitucional e “quando há colisão entre eles, para determinar aquele que em casa caso deve prevalecer, terá de obedecer-se a uma lógica de diálogo e de integração mais do que de confronto” (cf. douto acórdão da RL, p. 33).

72.Mas a verdade é que o mesmo acórdão refere, como se viu, que no caso vertente nem sequer existe essa colisão de direitos porquanto o conteúdo dos dois artigos escritos pela recorrente é tão violento, agressivo, insultuoso e falso que nem sequer se coloca aqui a possibilidade de um confronto entre liberdade expressão e tutela dos direitos de personalidade.

73.Faz-se em seguida referência neste matéria ao acórdão do STJ, de 13.07.2017, que veio definir um critério orientador para que os tribunais possam chegar a uma decisão (cf. p. 33).

74.No fundo, o objetivo seria encontrar um critério que conduzisse a uma maior conformidade das decisões nos tribunais portugueses com as decisões do TEDH e o critério consistir num juízo de prognose que levaria a admitir como muito provável que se o caso lhe fosse submetido à sua consideração, aquele Tribunal consideraria que o mesmo extravasaria os limites toleráveis do exercício da liberdade de expressão e de informação (cf. douto acórdão, p. 35).

75.Transcreve ainda o douto acórdão recorrido a norma do artigo 10.º, n.º 2, do CEDH, que determina que o exercício da liberdade de imprensa, de expressão e informação implica deveres e responsabilidades, podendo ser submetido a certas formalidades, condições, restrições ou sanções previstas pela lei, que constituam providência necessárias, numa sociedade democrática, para a (…) a proteção da honra ou dos direitos de outrem (ibidem).

76.A recorrente afirma ter existido violação das normas dos artigos 18.º, 37.º e 38.º da Constituição, mas não só não concretiza em que se traduz uma tal violação, como nem se vê como poderia a mesma ser equacionada (cf. ibidem).

77.O douto acórdão da Relação cita bem o tantas vezes esquecido princípio da dignidade da pessoa humana (artigo 1.º da CRP) para concluir que desde logo por ele não é possível num Estado de Direito permitir-se que uma pessoa, in casu um jornalista, se sirva dos meios de comunicação, a que por definição tem acesso, para denegrir, insultar, falsear factos e manipular a opinião do público contra uma pessoa. Não é admissível porque isto corresponde a uma perversão da liberdade de expressão e informação, que atenta logicamente contra a dignidade da pessoa humana, a sua honra e a sua reputação.

78.Concluiu igualmente o douto acórdão da Relação que a culpa da aqui recorrente é clara e inequívoca, pois perante as circunstâncias concretas da situação, podia e devia ter agido de outro modo (cf. p. 39);

79.O comportamento da R. e recorrente deve ser assim inequivocamente considerado como culposo e, por tal via, censurável, para todos os devidos efeitos.

80.Outro aspeto a salientar, em relação ao quantum indemnizatório, refere-o o douto Acórdão da Relação ao recordar, como matéria provada, que os ataques perpetrados pela recorrente ao aqui recorrido, através daqueles artigos, apanharam este numa situação de grande fragilidade uma vez que se encontrava metido numa grande batalha atinente ao seu divórcio e à regulação das responsabilidades parentais dos seus filhos, tendo tido necessidade de recorrer a ajuda psiquiátrica (cf. p. 40);

81.Também este aspeto justificou, no entender do douto acórdão recorrido, que o valor da indemnização fosse aumentado, sendo certo que, na modesta opinião do aqui recorrente, não o foi tanto quanto devia;

82.Quanto às doutas alegações da recorrente, pouco há a acrescentar uma vez que repetem até à exaustão os mesmos argumentos que sempre utilizou, procurando justificar o que na verdade os factos e uma avaliação correta e imparcial dos mesmos não permitem: que se tratou de meros artigos de opinião que decorrem do princípio consagrado na Constituição;

83.A recorrente invoca jurisprudência do TEDH, como se este Tribunal existisse para proteger pessoas que, ao abrigo do princípio da liberdade de informação e expressão, aproveitam para insultar, difamar, denegrir e manipular pessoas que nem sequer têm a maior parte das vezes possibilidade de se defenderem das acusações de que se veem objeto;

84.A recorrente pretende perverter o sagrado princípio da liberdade de expressão, sustentando que o mesmo pode servir de justificação a atos e ilícitos com finalidades inconfessáveis;

85.A recorrente em nenhum momento mostrou estar arrependida ou fez qualquer tipo de ato de contrição;

86.A recorrente nunca se retratou nem nunca pediu desculpa ao aqui recorrido, mesmo sabendo que o que tinha dito e escrito não era verdade! Este facto prova de forma insofismável a sua má-fé;

87.Depois de verter uma série de opiniões doutrinárias e jurisprudenciais que pouco ou nada têm a ver com o presente processo, termina a recorrente pedindo ao Supremo Tribunal de Justiça que a absolva ou que, no limite, a condene a uma sanção simbólica de € 1.000,00 (ver pedido final);

88.Esquece a recorrente que em relação ao valor de 16 mil euros, que foi arbitrado pela Comarca, existe dupla conforme pelo que em relação a esse, salvo melhor opinião e juízo, não poderia este Supremo Tribunal interferir.

89.Muito menos absolver a recorrente que é claramente uma pessoa que infringiu as regras de forma ilícita e culposa, violando as normas a que se encontra vinculada pelo Estatuto do Jornalista e atentou contra a honra e bom-nome do aqui recorrido, insultando-o, denegrindo-o e imputando-lhe falsidades escabrosas sobre a sua conduta em relação ao seu filho menor EE.

90.Só este último facto deveria ser suficiente para que a indemnização apagar pelos danos causados fosse muito maior, não fosse o aqui recorrente conhecido por ser um pai extremoso e dedicado em relação aos seus dois filhos menores.

91.Finalmente, cabe recordar que o caso vertente se pode resolver facilmente com a normal aplicação das regras da responsabilidade civil extracontratual ou aquiliana, não sendo necessário grandes construções doutrinárias ou filosóficas.

92.Não há dúvidas de que no caso vertente a patente ilicitude dos textos escritos pela recorrente preenchem os pressupostos da responsabilidade civil aquiliana, que resultam da norma do artigo 483.º do Código Civil;

93.A recorrente pretendeu justificar-se invocando a seu favor o direito à liberdade de expressão, mas cabe dizer, como o faz FILIPE ALBUQUERQUE MATOS, que se é verdade que sem Liberdade de Expressão não pode afirmar-se a existência de um Estado de Direito Democrático, não é menos verdade que um Estado onde a Dignidade Humana não seja preservada não é seguramente um Estado de Direito (cf. Responsabilidade Civil por Ofensa ao Crédito ou ao Bom Nome, pp. 88 e ss.e p. 95);

Deste modo, negando provimento ao presente recurso e confirmando, em consequência o douto acórdão recorrido, cumprirão V.Exas, VE-NERANDOS JUÍZES CONSELHEIROS, a lei, assim fazendo a costumada e sã JUSTIÇA!”

Colhidos os vistos, cumpre analisar e decidir.


II Fundamentação
10. De facto
10.1.      Factos provados[1]

1.  O Autor é professor catedrático de ………, tendo desempenhado funções de deputado e vice-presidente do grupo parlamentar e tende desempenhado diversos cargos públicos de relevo, designadamente Ministro ……… e representante de Portugal junto da Unesco.

2. Publicou livros e artigos em jornais e revistas, foi comentador na televisão e recebeu diversas condecorações internacionais e nacionais.

3. Entre …….. e ……. foi casado com DD, apresentadora de ……….

4. Do casamento nasceram dois filhos: EE, em ………. e FF, em ……… .

5.  O casamento terminou de forma amplamente noticiada.

6.  A então esposa do Autor apresentou queixa-crime contra ele pela prática de crime de violência doméstica.

7. Gerou-se um clima de grande conflituosidade entre o Autor e a sua ex-mulher tendo surgido diversos processos judiciais, alguns ainda em curso nos tribunais portugueses.

8. Alguns desses processos correm termos no Tribunal de Família e Menores de Lisboa e outros no Tribunal Criminal de Lisboa.

9.     O Autor pretende que lhe seja atribuída a guarda dos dois filhos acima identificados.

10.   Com esse objectivo apresentou em Tribunal pedido de alteração do acordo de regulação das responsabilidades parentais inicialmente firmado, tendo requerido que os dois filhos menores passassem a viver consigo, tendo a mãe direito de visita em termos a definir.

11.   A 7 de Março de 2016 EE apareceu em casa do pai tendo-lhe comunicado que não ia voltar para casa da mãe.

12.   O Autor recebeu o filho e levou o assunto ao conhecimento do processo que corria termos no Tribunal de Família e Menores de Lisboa, para que o mesmo se pronunciasse.

13.   EE encontra-se a viver com o pai, decisão mantida pelo Tribunal de Família e Menores de Lisboa.

14.   FF mantém-se a viver com a mãe.

15.   A 1ª Ré escreveu os seguintes artigos com relevo para os autos:

A)   A Juíza que merecia um incidente de suspeição, ..., edição de …. de …… de ……. .

B) “AA é um asco” ..., edição de …. de ………o de …;

C) AA, um homem capaz de vender o próprio filho, jornal Sol, edição de ……. de …… de …….

16.No primeiro artigo a 1º Ré comenta o comportamento da Sra Juíza GG magistrada que dirigiu o processo-crime contra o aqui Autor, onde o mesmo foi acusado da prática de crimes de violência doméstica durante a pendência do casamento com DD.

17.Nesse artigo a dado passo a primeira Ré escreve que a indicada magistrada “(…) não quer perceber o homem que utiliza e manipula permanentemente os filhos junto da imprensa (o que fará em privado)”.

18.   Sob o título “AA é um asco” a 1ª Ré escreveu: “AA é acusado do crime de violência doméstica. Ontem, voltou a vomitar em tribunal o que fez amplamente junto das revistas sociais, exercendo desde o início do processo violência psicológica sobre a mãe dos filhos, os filhos e o resto da família. A violência doméstica até pode não estar provada o juiz decidirá mas a violência psicológica é do conhecimento público.

O depoimento de AA ontem em tribunal surpreende quem não tem acompanhado o processo. A capacidade de divulgação de pormenores sórdidos na imprensa cor-de-rosa do antigo ministro ………. é imensa: logo no início do processo chegou a afirmar que a ex-mulher tinha sido violada pelo padrasto, alheio ao que uma difamação deste cariz poderia ter sobre a saúde psicológica do filho mais velho - o único na altura com possibilidade de ter acesso a este tipo de informação. A difamação não ficou impune. Foi condenado em tribunal em 2015 a pagar €25 mil euros ao ex-padrasto de DD mais uma multa de 6400 euros.

Ontem, o seu depoimento em tribunal mostrou o mesmo AA. À pergunta sobre a violência doméstica respondeu “Desde que conheço a DD que lhe conheço nódoas negras.” A acusação de alcoolismo é torpe AA acusa DD de “pôr em causa a vida dos filhos” por conduzir embriagada.

um problema na crítica à torpeza de um discurso, que é estar a repeti-lo. uma comparação que AA faz no seu depoimento que talvez explique tudo que é quando diz “os meus livros são como os meus filhos”, criticando a decisão de DD ter encaixotado 100 mil livros e tê-los mandado para outra casa de AA, em ……... Sendo que quaisquer tentativas de explicação para o asco saem geralmente furadas, este é um bom ponto: AA tem pelos filhos o mesmo amor que tem pelos livros, objectos não humanos. De outra forma não os obrigaria a viver a desumana condição de ver a mãe humilhada no espaço público.”

19.   Por sua vez, sob o título de “AA, um homem capaz de vender o filho” escreveu a 1ª Ré:

“Existe uma expressão portuguesa para qualificar alguém capaz dos actos mais sórdidos, oportunistas, reles e imorais. Diz-se de alguém assim que é capaz de vender a própria mãe.

AA não vende a sua mãe, mas vende o filho. No caso de AA, não se trata de uma metáfora. Ele vende mesmo. Acabou de o fazer, mais uma vez, ao oferecer à revista ... uma carta terrível, que a partir do seu computador assim vem escrito no artigo EE, uma criança, escreve à mãe.

EE é um adolescente. AA um manipulador consumado. A carta tenebrosa não deve ter sido oferecida por EE à ... (as crianças não costumam fazer isso). Seria impossível que DD divulgasse numa revista cor-de-rosa uma carta que o filho alegadamente lhe escreveu naqueles termos. Escrevo alegadamente porque a carta sórdida saiu certamente não do computador do pai, como também da sua cabeça doente. E evidentemente foi parar à ... pela mão do pai que, de resto, tem uma longa história de divulgar (em alguns casos não conseguiu porque os jornalistas acharam o caso demasiado miserável) correspondência privada.

A falta de escrúpulos de AA não pára de nos surpreender. Quando se pensa que o homem bateu no fundo ele desce mais uns degraus do poço da miséria humana.

AA está evidentemente a vender o filho em troca de benefícios em sede de audiência de julgamento. Não o incomoda que a criança, pré-adolescente tenha acesso às revistas, que os amigos da escola tenham acesso às revistas. O que AA está a exercer sobre o filho é violência contra crianças. É evidente que EE corre perigo de sofrer de (ainda mais) danos psicológicos.

Além da violência psicológica que mantém contra DD com a divulgação destas peças a revistas AA está a fazer alienação parental. Se isto se passasse com gente pobre e não com o ex-Ministro ………., a Segurança Social tinha sido chamada a intervir. Infelizmente, o Estado intervém neste caso quando os protagonistas vivem em barracas.

O que AA está a fazer ao filho mais velho é criminoso. Se isto fosse um país a sério, as autoridades estavam em sinal de alerta”.

20.   A 1ª Ré aproveitou um artigo que foi dado à estampa na ..., edição de … de ……. de ………… .

21.   Na capa da referida revista aparecia uma fotografia da ex-mulher do Autor e em grande destaque uma legenda em letras garrafais com os seguintes dizeres “DD, a carta chocante do filho”

22.   Ainda na capa e logo a seguir apareceram três afirmações que foram extraídas da indicada carta: “Vê se percebes: eu quero viver em paz“, “Não te interessas por mim, nem pelo que faço” e “Como sempre, né, mentes-me e pronto.” e “Antes batias-me. Agora tens medo de me bater.”

23.Na mesma capa, mas antecedendo a referida legenda pode ler-se “Exclusivo. Já lemos o processo”.

24. No interior da revista é publicada uma extensa notícia sore o episódio da carta que o menor EE enviou por email à mãe.
25. O A. não entregou o documento à revista ...[2].

26.   A própria ... indica que teve conhecimento da carta pela consulta do processo.

27.   A 1ª Ré não pode deixar de ter visto a afirmação que consta da revista onde expressamente se refere que consultaram o processo.

28.   O Autor sentiu-se ofendido na sua honra com os artigos escrito pela 1ª Ré.

29.Os artigos em apreço foram disponibilizados na net e ainda hoje podem ser vistos.

30.A 1ª Ré exerceu funções como Directora …………….. dos jornais i e Sol.

31. (eliminado)[3].

32.Todos os órgãos de comunicação social publicaram notícias sobre o Autor e a sua ex-mulher, bem como reportagens, entrevistas e artigos de opinião.

33.A 1ª Ré à data da publicação dos artigos em discussão era directora ………………. dos jornais i e Sol.

34.Os artigos em apreço estiveram disponíveis na internet e foram lidos por centenas ou milhares de pessoas.

35.A personalidade do Autor tem sido analisada e foi objecto de referências na comunicação social, no jornal Expresso em … de ……… de …….., por II na revista Visão a … de …….. de …….., no jornal Expresso a ….. de ……….. de ……….. e no Observador na mesma data.

36.O Autor é uma figura pública.

37.O Autor sentiu-se triste, perturbado e teve problemas de insónias.

38.Consultou um psiquiatra que lhe receitou medicação para a depressão e as perturbações de sono.

39.   O ... e o … são publicações de âmbito nacional, com tiragens médias de, respectivamente, 16 000 (dezasseis mil) e 27 000 (vinte e sete mil) exemplares por mês.

40 O 2º Réu era director das publicações em apreço.

41.   O 3º Réu é proprietário das publicações em apreço.

10.2.      Factos não provados

1.O email foi escrito por EE no seu próprio computador.

2.0 2º Réu teve perfeito conhecimento prévio, não só do conteúdo dos artigos em causa, como que os mesmos se destinavam a ser publicados.

3.A 1º Ré leu a reportagem na ....

4. A 1ª Ré é amiga da ex-mulher do Autor.

5.O 2º Réu teve conhecimento prévio do conteúdo dos artigos em discussão nos autos e que os mesmos se destinavam a ser publicados.

6.A 1ª Ré tinha a finalidade de distorcer a realidade com o claro objectivo de diminuir e enxovalhar a imagem do Autor em sociedade em proveito da ex-mulher que aparece salvaguardada de qualquer possível malfeitoria.

7.  A intenção dos RR foi claramente influenciarem a opinião pública contra o Autor, através do relato de falsidades atribuídas a este, para o prejudicar a ele e beneficiar a ex-mulher.

8.  A 1ª Ré não quis, nem previu que o que escreveu fosse capaz de difamar o Autor, nem destruir a sua imagem.

9.  A decisão de publicação dos artigos coube aos responsáveis das secções.

10.   O Autor é conhecido pela sua irreverência.

De Direito

11. Como é jurisprudência sedimentada, fundada em norma jurídica, é a partir das conclusões do recurso que se delimitam as questões a conhecer, sem prejuízo das que sejam de conhecimento oficioso.

Essas questões, todas relativas à aplicação do direito aos factos provados, são as seguintes: saber se houve violação de leis substantivas: artºs 14.º da Estatuto do Jornalista, 70º e 80º e 484º do CC, 26º, 37º e 38º da CRP e artº 10º da CEDH.

12. Para fundamentar a indicada violação de lei a recorrente utiliza os seguintes argumentos:
a) O Tribunal não distinguiu artigos de opinião e artigos de informação, devendo os artigos dos autos cair na primeira categoria; os artigos de opinião não permitem a aplicação do regime da responsabilidade por facto ilícito (484.º CC);
b) A restrição à liberdade de expressão não obedeceu aos critérios do 10.º CEDH, que exige a existência de uma necessidade social imperiosa;
O valor da indemnização não respeitou princípio da proporcionalidade e por ser de elevado montante constituiu uma violação do artº10º da CEDH, pelo seu feito inibidor ou atemorizador (chilling effect, na jurisprudência do TEDH) na liberdade de expressão em geral;
c) Houve errada subsunção dos factos 1, 2, 5, 6, 7, 8, 32, 35 e 36 no enquadramento legal, nomeadamente nos artsº 70º e 80º do Código Civil como artº 14º nº 2 h) do Estatuto do Jornalista – já não existia reserva da vida privada; a condição do visado não justificava a restrição à liberdade de expressão.

13. Por seu turno, na defesa do A/recorrido figuram os seguintes argumentos:
1. Inadmissibilidade da revista - Conclusões 1) a 24);
2. Conclusões 27 e ss) – os artigos publicados são artigos de opinião ou traduzem outra realidade, com contornos de animosidade e intenção de ofender o A?
3. Conclusões 65 e ss) – deveres dos jornalistas e os escritos publicados – houve uma clara violação daqueles;
4. Conclusão 70 e ss) - liberdade de expressão” versus “tutela dos direitos de personalidade, devendo estes, in casu, merecer tutela.

14. Antes de entrar na análise das questões suscitadas no recurso impõe-se tecer algumas considerações sobre a admissibilidade da revista, por a mesma parecer ser questionada pelo A/recorrido, ainda que não se perceba bem muito bem se o recorrido defende que o recurso é admissível ou inadmissível, atendendo a que parece dizer uma coisa e outra, nas primeiras conclusões da contra-alegação.

Contudo esta dúvida não assume grande relevo porquanto a questão de saber se há dupla conforme impeditiva da revista deve merecer uma resposta negativa: é que a recorrente foi condenada na 1ª instância e viu no TR a sua condenação ser agravada, o que significa que, face ao pedido de absolvição que formulou na contestação, saiu perdedora, sem que a 2ª instância formulasse uma decisão condenatória confirmativa da sentença – tendo-a agravado e tendo a recorrente apresentado igualmente recurso de apelação, é evidente que não se conformou com a decisão condenatória da 1ª instância, tal como não se conforma com a decisão do TR; é igualmente irrelevante, atendendo a este último aspectos (recorrente na apelação), o facto de o agravamento da condenação ser de 9.000 euros, pois a sua sucumbência há-de aferir-se pelo valor total da condenação que agora está em apreciação (25.000, num processo com valor superior a 100.000) – o que determina se considere verificados quer os requisitos da alçada, quer da sucumbência, quer de ser vencida. A dupla conforme impeditiva da revista verificar-se-ia, ao invés, se fosse o recorrido a ter interposto recurso de revista, já que ele viu a sua pretensão reconhecida nas duas instâncias e com o acórdão recorrido ficou em melhor situação do que a que ficaria se houvesse uma mera confirmação dos valores e termos de condenação da Ré.

15. Entrando agora na análise das questões suscitadas na revista, comecemos por indagar se os artigos publicados na imprensa e discutidos nestes autos devem ser qualificados como artigos de opinião ou artigos de informação (ambos, ou com qualificações distintas, já que são diferentes?).

15.1. Para responder a esta questão disse o tribunal recorrido (já que a questão também fora colocada na apelação):
      “A R. sustenta haver erro de direito quer na determinação quer na interpretação das normas aplicáveis, por entender que estamos perante artigos de opinião e que, como tal, não serem aplicáveis as alíneas a), e) e f) do n° 1 e alíneas a), b) e c) do n° 2, ambos do artigo 14° do Estatuto do Jornalista, já que se referem aos deveres que um jornalista deve cumprir, quando elabora uma notícia. Entende que a norma aplicável é da alínea b) do n° 1 do artigo 14° do EJ, em que é obrigação do jornalista repudiar a censura ou outras formas ilegítimas de limitação da liberdade de expressão. Tem ainda por aplicáveis os artigos 19° da DUDH, 10° da CEDH, artigos 37° e 38° da CRP, defendendo que, com base nestes dispositivos legais, a liberdade de expressão não pode ser limitada ou censurada.
Refere também a circunstância de que os artigos incidem sobre factos públicos, sobre os quais emitiu o seu ponto de vista crítico, e que o A. “é uma figura pública, no que concerne ao divórcio, responsabilidades parentais dos filhos e processos crimes, sempre os expôs publicamente, pelo que está sujeito ao escrutínio e crítica”.
Defende ainda que o A. não sofreu danos e se padeceu de alguns, foi por causa de todo o seu processo de divórcio e processos crimes;
Convoca em seu favor a jurisprudência europeia, destacando que o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos veio a proferir acórdão em 28 de Setembro de 2000, começando por lembrar que a liberdade de expressão era válida não apenas para as “«informações» ou «ideias» acolhidas favoravelmente ou consideradas como inofensivas ou indiferentes, mas também para as que ferem, chocam ou causam inquietação, em obediência ao pluralismo, à tolerância e ao espírito de abertura próprios de uma sociedade democrática".
O A. contrapõe o teor dos artigos escritos pela primeira R. e publicados no jornal "Sol" com os títulos seguintes: "AA é um asco" e "AA, um homem capaz de vender o filho".
Como é sabido, os casos em que haja necessidade de ponderar se a liberdade de expressão ofende ou não ofende o direito ao bom nome de uma pessoa, a ponto de justificar reprovação da ordem jurídica, exige balanceamento concreto (não podendo aferir-se em abstrato) e, hoje em dia, face à orientação da jurisprudência do TEDH, como adiante veremos mais detalhadamente, exige-se um juízo de prognose sobre a hipotética decisão que aquele tribunal adotaria se o caso lhe tivesse sido submetido.
Vejamos então.
Importa antes de mais aferir se os artigos jornalísticos em causa são passíveis de contrariar o plano legal e abstrato, por violação dos direitos à honra e ao bom nome do A. (artigo 76º da P.I. e conclusão nº 3 das alegações do A.), através do imputado relato maldoso de falsidades e calúnias (artigo 483º CC).
No artigo 26º da CRP, enquanto emanação do princípio da dignidade humana, consagra-se, designadamente, o direito ao bom nome que, como ensinam Gomes Canotilho e Vital Moreira, “consiste no direito de não ser ofendido ou lesado na sua honra, dignidade ou consideração social mediante imputação feita por outrem, bem como no direito de defender-se dessa ofensa e a obter a competente reparação”4.
Por seu turno, os artigos 70º a 81º do CC que se referem aos direitos de personalidade preveem proteção “contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à personalidade física ou moral dos indivíduos” (artigo 70º/1).
Nesse sentido, no n.º2 dispõe-se que: “independentemente da responsabilidade civil a que haja lugar, a pessoa ameaçada ou ofendida pode requerer as providências adequadas às circunstâncias do caso, com o fim de evitar a consumação da ameaça ou atenuar os efeitos da ofensa já cometida”.
Por seu turno, o artigo 484º do mesmo diploma legal, que alude especificamente à ofensa do crédito ou do bom nome, dispõe que: “quem afirmar ou difundir um facto capaz de prejudicar o crédito ou o bom nome de qualquer pessoa, singular ou coletiva, responde pelos danos causados”.
“A ofensa ao crédito resultará da divulgação de facto que tenha como consequência a diminuição ou a afetação da confiança sobre a capacidade de cumprimento das obrigações da pessoa visada; a ofensa ao bom nome abala o prestígio e consideração social de que uma pessoa goze, perturbando o conceito e a apreciação positiva com que alguém é considerado no meio social onde se insere e desenvolve a sua vida; o prestigio coincide, assim, com a consideração social das pessoas, que se projeta em perspetiva relacional entre a pessoa e o meio social”.
A jurisprudência dos tribunais superiores tem considerado que “a honra e o direito ao bom nome são valores absolutos inscritos nos direitos de personalidade e apresentam proteção constitucional no artigo 26º/1 da CRP, onde se refere que «a todos são reconhecidos os direitos à identidade pessoal, ao desenvolvimento da personalidade, à capacidade civil, à cidadania, ao bom nome e reputação, à reserva da intimidade privada e familiar e à proteção legal contra quaisquer formas de discriminação».
E para essa verificação havemos de nos colocar na pele do «leitor médio» ou «recetor não especializado» a que se refere Sinde Monteiro, por ser esse o normal destinatário dos jornais, mesmo dos de grande tiragem”.
Em termos doutrinários, para além dos autores já referenciados, para Rabindranah Capelo de Sousa: “A honra abrange desde logo a projeção do valor da dignidade humana, que é inata, ofertada pela natureza igualmente para todos os seres humanos, insuscetível de ser perdida por qualquer homem em qualquer circunstância (…) Em sentido amplo inclui também o bom nome e reputação, enquanto síntese do apreço social pelas qualidades determinantes da unicidade de cada indivíduo no plano moral, intelectual, sexual, familiar, profissional ou político”.
Por seu turno, “O Professor Beleza dos Santos ensinava que a honra é aquele mínimo de condições, especialmente de natureza moral, que são razoavelmente consideradas essenciais para que um indivíduo possa com legitimidade ter estima por si, pelo que é e vale, e que a consideração é aquele conjunto de requisitos que razoavelmente se deve julgar necessário a qualquer pessoa, de tal forma que a falta de algum desses requisitos possa expor essa pessoa ao desprezo público (R.L.J., Ano 92º, pág. 164)”.
No que tange ao invocado direito de livre expressão, importa ter presente, designadamente, o artigo 37.º da CRP, referente à liberdade de expressão e informação, no qual se dispõe que:
“1. Todos têm o direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio, bem como o direito de informar, de se informar e de ser informados, sem impedimentos nem discriminações.
2. O exercício destes direitos não pode ser impedido ou limitado por qualquer tipo ou forma de censura.
         3. (…)
4. A todas as pessoas, singulares ou coletivas, é assegurado, em condições de igualdade e eficácia, o direito de resposta e de retificação, bem como o direito a indemnização pelos danos sofridos “.
Também o artigo 38.º, que alude à Liberdade de imprensa e meios de comunicação social, estatui que:
    1 - É garantida a liberdade de imprensa.
  2 - A liberdade de imprensa implica:
     a) A liberdade de expressão e criação dos jornalistas e colaboradores, bem como a intervenção dos primeiros na orientação editorial dos respetivos órgãos de comunicação social, salvo quando tiverem natureza doutrinária ou confessional
   b) O direito dos jornalistas, nos termos da lei, ao acesso às fontes de informação e à proteção da independência e do sigilo profissionais, bem como o direito de elegerem conselhos de redação;
   c) O direito de fundação de jornais e de quaisquer outras publicações, independentemente de autorização administrativa, caução ou habilitação prévias.
3 - A lei assegura, com carácter genérico, a divulgação da titularidade e dos meios de financiamento dos órgãos de comunicação social.
4 - O Estado assegura a liberdade e a independência dos órgãos de comunicação social perante o poder político e o poder económico, impondo o princípio da especialidade das empresas titulares de órgãos de informação geral, tratando-as e apoiando-as de forma não discriminatória e impedindo a sua concentração, designadamente através de participações múltiplas ou cruzadas.
5 - O Estado assegura a existência e o funcionamento de um serviço público de rádio e de televisão.
6 - A estrutura e o funcionamento dos meios de comunicação social do sector público devem salvaguardar a sua independência perante o Governo, a Administração e os demais poderes públicos, bem como assegurar a possibilidade de expressão e confronto das diversas correntes de opinião.
7 - As estações emissoras de radiodifusão e de radiotelevisão só podem funcionar mediante licença, a conferir por concurso público, nos termos da lei”.
Por seu turno, o artigo 14.º do Estatuto do Jornalista 10, referente aos Deveres que lhes são inerentes, dispõe que:
1 - Constitui dever fundamental dos jornalistas exercer a respetiva atividade com respeito pela ética profissional, competindo-lhes, designadamente:
a) Informar com rigor e isenção, rejeitando o sensacionalismo e demarcando claramente os factos da opinião;
b) Repudiar a censura ou outras formas ilegítimas de limitação da liberdade de expressão e do direito de informar, bem como divulgar as condutas atentatórias do exercício destes direitos;

     c) (…);

    d) (…);
e) Procurar a diversificação das suas fontes de informação e ouvir as partes com interesses atendíveis nos casos de que se ocupem;

     f) (…).
2 - São ainda deveres dos jornalistas: a) (…);
b) Proceder à retificação das incorreções ou imprecisões que lhes sejam imputáveis; c) Abster-se de formular acusações sem provas e respeitar a presunção de
inocência;
d) Abster-se de recolher declarações ou imagens que atinjam a dignidade das pessoas através da exploração da sua vulnerabilidade psicológica, emocional ou física;
e) (…)
 f) (…);
 g) (…);
h) Preservar, salvo razões de incontestável interesse público, a reserva da intimidade, bem como respeitar a privacidade de acordo com a natureza do caso e a condição das pessoas;
i) (…);
 j) (…);
 l) (…).
3 - Sem prejuízo da responsabilidade criminal ou civil que ao caso couber nos termos gerais, a violação da componente deontológica dos deveres referidos no número anterior apenas pode dar lugar ao regime de responsabilidade disciplinar previsto na presente lei.
Nos termos do artigo 19º da DUDH Todo ser humano tem direito à liberdade de opinião e expressão; este direito inclui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e ideias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras.
Por seu turno, no artigo 10° da CEDH, referente à Liberdade de expressão, consagra-se que: 1. Qualquer pessoa tem direito à liberdade de expressão. Este direito compreende a liberdade de opinião e a liberdade de receber ou de transmitir informações ou ideias sem que possa haver ingerência de quaisquer autoridades públicas e sem considerações de fronteiras. O presente artigo não impede que os Estados submetam as empresas de radiodifusão, de cinematografia ou de televisão a um regime de autorização prévia. 2. O exercício desta liberdades, porquanto implica deveres e responsabilidades, pode ser submetido a certas formalidades, condições, restrições ou sanções, previstas pela lei, que constituam providências necessárias, numa sociedade democrática, para a segurança nacional, a integridade territorial ou a segurança pública, a defesa da ordem e a prevenção do crime, a proteção da saúde ou da moral, a proteção da honra ou dos direitos de outrem, para impedir a divulgação de informações confidenciais, ou para garantir a autoridade e a imparcialidade do poder judicial.
No caso vertente, sob o título "AA é um asco", a primeira R. escreveu: "AA é acusado do crime de violência doméstica. Ontem, voltou a vomitar em tribunal o que já fez amplamente junto das revistas sociais, exercendo desde o início do processo violência psicológica sobre a mãe dos filhos, os filhos e o resto da família. A violência doméstica até pode não estar provada - o juiz decidirá - mas a violência psicológica é do conhecimento público. O depoimento de AA ontem em tribunal só surpreende quem não tem acompanhado o processo. A capacidade de divulgação de pormenores sórdidos na imprensa cor-de-rosa do antigo ………. é imensa: logo no início do processo chegou a afirmar que a ex-mulher tinha sido violada pelo padrasto, alheio ao que uma difamação deste cariz poderia ter sobre a saúde psicológica do filho mais velho - o único na altura com possibilidade de ter acesso a este tipo de informação. A difamação não ficou impune. Foi condenado em tribunal em 2015 a pagar €25 mil euros ao ex-padrasto de DD mais uma multa de 6400 euros. Ontem, o seu depoimento em tribunal mostrou o mesmo AA. À pergunta sobre a violência doméstica respondeu «Desde que conheço a DD que lhe conheço nódoas negras.» A acusação de alcoolismo é torpe - AA acusa DD de «pôr em causa a vida dos filhos» por conduzir embriagada. Há um problema na crítica à torpeza de um discurso, que é estar a repeti-lo. Há uma comparação que AA faz no seu depoimento que talvez explique tudo que é quando diz «os meus livros são como os meus filhos», criticando a decisão de DD ter encaixotado 100 mil livros e tê-los mandado para outra casa de AA, em ……. . Sendo que quaisquer tentativas de explicação para o asco saem geralmente furadas, este é um bom ponto: AA tem pelos filhos o mesmo amor que tem pelos livros, objetos não humanos. De outra forma não os obrigaria a viver a desumana condição de ver a mãe humilhada no espaço público".
Por sua vez, sob o título de "AA, um homem capaz de vender o filho", a primeira R. escreveu:
"Existe uma expressão portuguesa para qualificar alguém capaz dos atos mais sórdidos, oportunistas, reles e imorais. Diz-se de alguém assim que é capaz de vender a própria mãe. AA não vende a sua mãe, mas vende o filho. No caso de AA, não se trata de uma metáfora. Ele vende mesmo. Acabou de o fazer, mais uma vez, ao oferecer à revista ... uma carta terrível, que a partir do seu computador - assim vem escrito no artigo - EE, uma criança, escreve à mãe. EE é um adolescente. AA um manipulador consumado. A carta tenebrosa não deve ter sido oferecida por EE à ... (as crianças não costumam fazer isso). Seria impossível que DD divulgasse numa revista cor de rosa uma carta que o filho alegadamente lhe escreveu naqueles termos. Escrevo alegadamente porque a carta sórdida saiu certamente não só do computador do pai, como também da sua cabeça doente. E evidentemente foi parar à ... pela mão do pai que, de resto, tem uma longa história de divulgar (em alguns casos não conseguiu porque os jornalistas acharam o caso demasiado miserável) correspondência privada. A falta de escrúpulos de AA não pára de nos surpreender. Quando se pensa que o homem bateu no fundo ele desce mais uns degraus do poço da miséria humana. AA está evidentemente a vender o filho em troca de benefícios em sede de audiência de julgamento. Não o incomoda que a criança, já pré-adolescente tenha acesso às revistas, que os amigos da escola tenham acesso às revistas. O que AA está a exercer sobre o filho é violência contra crianças. É evidente que EE corre perigo de sofrer de (ainda mais) danos psicológicos. Além da violência psicológica que mantém contra DD com a divulgação destas peças a revistas AA está a fazer alienação parental. Se isto se passasse com gente pobre e não com o ex-Ministro ……, a Segurança Social já tinha sido chamada a intervir. Infelizmente, o Estado só intervém neste caso quando os protagonistas vivem em barracas. O que AA está a fazer ao filho mais velho é criminoso. Se isto fosse um país a sério, as autoridades estavam em sinal de alerta".
Como se vê, embora os dois artigos apresentem teor ofensivo, no segundo, para além da animosidade espelhada, designadamente, na adjetivação à margem de qualquer demonstração, a R. imputou ao A. determinados factos cuja inverdade não podia razoavelmente ignorar.
Com efeito, a R. afirma que foi o A. quem entregou o e-mail de seu filho (dirigido à mãe) para publicação na ....
Afirma, ainda que, com toda a probabilidade, foi ele o autor material ou moral da missiva: "Escrevo alegadamente porque a carta sórdida saiu certamente não só do computador do pai, como também da sua cabeça doente".
Como – e bem – se referiu na decisão recorrida, estamos em presença de imputação de factos (que ocorrem no mundo dos fenómenos e podem ser apreendidos e passíveis de prova) e não, como defende a R., perante a manifestação de opiniões (que respeitam à leitura que pode ser feita dos factos e que, por isso, se situam no plano mental).
Segundo Francisco Pereira Coutinho, «o TEDH distingue para o efeito entre declarações de facto (notícia) e julgamentos de valor (opinião), considerando que se as notícias podem ser provadas, as opiniões não se prestam a demonstração de veracidade, pelo que tornam impossível para um jornalista a expressão de uma opinião se a verdade é a única defesa disponível. Por outras palavras, saber se uma afirmação é uma declaração de facto (notícia) ou um juízo de valor (opinião) constitui fator decisivo no nível de proteção que recebe à luz da CEDH – se se tratar de um julgamento de valor receberá proteção ampla, quase absoluta, caso a opinião prestada não seja desprovida de base factual e seja feita de boa fé» (O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem e a Liberdade de Imprensa: os casos portugueses, http://www.fd.unl.pt/docentes_docs/ma/FPC_MA_24220)
Nesse sentido se pronunciou o acórdão do TEDH de 17 de Dezembro de 2004 (Pedersen e Baadsgaard contra Dinamarca), no qual se referiu que os jornalistas «devem agir de boa fé e com base factual e fornecer informação “credível e precisa” de acordo com a ética do jornalismo» (acessível em http://hudoc.echr.coe.int, n.º 78).
Como se vê da decisão de primeira instância, a “Ré disse ao Tribunal que a ideia para aquele artigo lhe ocorreu quando viu a revista ... em cima da secretária de um colega, com DD na capa. Não se provou que a Ré tenha lido o artigo escrito na revista”. Além disso, “na capa a revista sinaliza a sua fonte de modo claro com a expressão "consultamos o processo". Isso mesmo foi confirmado pela testemunha HH, autor da reportagem.
Estas circunstâncias demonstram que a R. não podia razoavelmente ignorar que era falsa a afirmação de que foi o A. quem escreveu o e-mail atribuído ao filho e o entregou à ... (fls. 40) e, no contexto, as expressões que utilizou, ao afirmar que o autor é um “asco” ou que “vomitou a sua defesa em Tribunal”, além de agressivas, eram insultuosas.
Trata-se de factos e imputações que se prendem com a reserva da vida privada e familiar do A. e que estão subtraídos ao escrutínio público, nada relevando do ponto de vista do desempenho público do A. nem sendo evidente qualquer interesse público.
Portanto, o que releva em sede de ilicitude é não apenas o conteúdo do artigo publicado, relatando factos cuja inverdade a R. não podia ignorar, mas também a animosidade por ela expressa contra o A..
Os artigos em questão são, pois, objetivamente passíveis de quer pelo conteúdo quer pela forma, denegrirem a honra e o bom nome do A..
Trata-se de imputações que, a nosso ver, ultrapassam o direito à liberdade de expressão e de crítica, mesmo aceitando que o A. é uma figura pública. Por isso, afigura-se que nem sequer estamos perante uma verdadeira colisão de direitos.
Em todo o caso, sempre se dirá que é incontroverso que a liberdade de imprensa, enquanto manifestação da liberdade de expressão e de informação é essencial ao funcionamento do Estado de Direito «como meio por excelência para a defesa da liberdade e para transmitir valores, criar espaços de reflexão e de debate, denunciar abusos ou desvios do poder, posicionando-se como guarda avançada no combate a todas as formas de criminalidade, abusos e descriminação e defesa da “res publica”»” e tem, tal como o direito ao bom nome e reputação, inscrição constitucional, como decorre dos artigos 37º e 38º da CRP, sendo certo que a liberdade de imprensa «implica a liberdade de expressão e criação dos jornalistas e colaboradores»- 38º/2 al a) CRP.
Estando em causa a relação entre dois direitos com consagração constitucional: direitos de liberdade de imprensa e direitos de personalidade (bom nome e reputação), quando há colisão entre eles, para determinar aquele que, em cada caso, deve prevalecer terá de obedecer-se a uma lógica de diálogo e de integração mais do que de confronto.
Neste âmbito, em termos decisórios, procurando ultrapassar a crítica do TEDH a inúmeras decisões dos tribunais portugueses, o STJ, no Ac. de 13.07.2017, veio definir um critério orientador para que os tribunais possam chegar a uma decisão.
Com efeito, com interesse para o presente caso, colhe-se deste aresto, nomeadamente, que:
“Pode, deste modo, considerar-se que a jurisprudência recente deste Supremo vem realizando uma reponderação relativamente à tradicional visão acerca do critério de resolução dos conflitos entre direitos fundamentais individuais e liberdade de imprensa, que conferia aprioristicamente precedência ao direito individual à honra e bom nome – procurando valorar adequadamente as circunstâncias do caso e ponderar a interpretação feita, de modo qualificado, pelo TEDH - órgão que, nos termos da CEDH, está especificamente vocacionado para uma interpretação qualificada e controlo da aplicação dos preceitos de Direito Internacional convencional que a integram e que vinculam o Estado Português; e tendo, por outro lado, também em conta a dimensão objetiva e institucional subjacente à liberdade de imprensa - que não pode deixar de ser considerada, sempre que se determina o âmbito de proteção da norma constitucional que consagra este tipo de liberdade: com efeito, o bem ou valor jurídico que, aqui, é constitucionalmente protegido não é outro senão o da formação de uma opinião pública robusta, sem a qual se não concebe o correto funcionamento da democracia (cfr. declaração de voto aposta ao Ac. do TC nº292/08).
(…)
Existem, por outro lado, prementes razões de ordem prática a impor esse diálogo entre os Supremos Tribunais e o TEDH a propósito da interpretação dos princípios da Convenção: desde logo, o dissídio entre tais órgãos jurisdicionais acabará por se traduzir em condenações do Estado Português pelo incumprimento das normas convencionais, implicando em última análise que sejam suportadas pelo erário público – afinal, pelo contribuinte –as indemnizações arbitradas aos lesados pelos abusos de liberdade de imprensa que não suportem o ulterior confronto com o entendimento jurisprudencial prevalecente no TEDH; depois, porque, a partir da reforma do processo civil de 2007, passou a constituir fundamento de revisão a incompatibilidade do acórdão proferido na jurisdição interna com decisão definitiva de uma instância jurisdicional internacional, vinculativa do Estado Português – implicando este regime processual que, a posteriori, tenha de se proceder a uma análise e eventual reponderação dos fundamentos da decisão do órgão nacional, transitada em julgado, à luz da jurisprudência afirmada, no caso, pelo TEDH: ora, em vez de se proceder a uma tentativa de articulação ou compatibilização das orientações jurisprudenciais, interna e internacional, realizada apenas ex post, envolvendo eventual preterição do caso julgado e do princípio da confiança que lhe subjaz, é claramente preferível tentar realizar essa operação de eventual compatibilização ou concordância prática ex ante, evitando assim, na medida do possível, a sedimentação de conflitos insanáveis acerca da interpretação dos princípios e normas da Convenção.
É certo que não existe, no âmbito da Convenção, um mecanismo processual análogo ao do reenvio prejudicial, suscetível de permitir ao Tribunal nacional, chamado nomeadamente a resolver um conflito entre os direitos individuais de personalidade, alegadamente lesados, e o exercício da liberdade de imprensa, obter previamente do TEDH a resposta a dúvidas interpretativas razoavelmente suscitadas acerca do âmbito das normas convencionais: consideramos que a metodologia adequada a substituir esse inexistente mecanismo de reenvio consistirá em formular um juízo de prognose sobre a interpretação que certa norma convencional provavelmente irá merecer se o caso for ulteriormente colocado ao TEDH, partindo, na medida do possível, de uma análise da jurisprudência mais recente e atualizada desse órgão jurisdicional internacional, proferida a propósito de situação materialmente equiparável á dos autos.
Saliente-se que esta via metodológica que se propõe não implica que o Supremo Tribunal nacional tenha de seguir automaticamente a orientação que, naquele juízo de prognose, considere que provavelmente decorre da jurisprudência reiterada do TEDH, emitida anteriormente a propósito de situações materiais idênticas ou equiparáveis; na verdade, a prevalência das normas constitucionais sobre o próprio Direito Internacional convencional poderá levar a uma recusa                de aplicação, com                        fundamento em inconstitucionalidade, da solução normativa que, resultando, naquele juízo de prognose, da jurisprudência reiterada do TEDH, se revele, no caso, conflituante com as normas e princípios da Constituição: ou seja, a verificar-se tal situação (por ex., num caso em que se considere que a compatibilização ou concordância prática dos direitos fundamentais em conflito, tal como emerge da jurisprudência corrente do TEDH, implicaria o desproporcional esmagamento ou esvaziamento de um direito fundamental de personalidade) enunciará o Tribunal esse preciso conteúdo normativo, recusando a respetiva aplicação por o considerar inconstitucional – e abrindo-se, assim, a possível via do recurso de fiscalização concreta, previsto na al. a) do nº1 do art. 70º da Lei do TC.
Dando corpo ao exercício metodológico proposto por este Acórdão, o Ac. STJ de 05.09.2018, relatado pelo Excelentíssimo Conselheiro Manuel Augusto de Matos, considerou que: “a qualificação como penal ou civilmente ilícitas das afirmações e apreciações objetivamente negativas e desprestigiantes para o assistente, no contexto circunstancial em que elas se verificaram, se podem enquadrar no âmbito do nº 2 do artigo 10º da Convenção, sendo possível, num juízo de prognose admitir  como muito provável que, se a questão lhe viesse a ser colocada, tal órgão jurisdicional entenderia que, nos presentes autos, tais se situariam ainda dentro dos limites toleráveis do exercício da liberdade de expressão e informação”.
Ora, seguindo a metodologia proposta no citado acórdão, considerando tudo o já exposto, afigura-se-nos que, “num juízo de prognose é de admitir como muito provável que, se a questão lhe viesse a ser colocada, o TEDH entenderia que o presente caso extravasaria os limites toleráveis do exercício da liberdade de expressão e informação”.
Isso resulta não apenas da ponderação sobre o direito à honra e ao bom nome convocados pelo A., mas da análise da atuação da R., à luz dos dispositivos que regulam a sua atividade de jornalista e os fins que, numa sociedade democrática, são desempenhados pela imprensa livre (DUDH, artigo 19º).
Destaca-se do já transcrito artigo 10° da CEDH, sob a epígrafe Liberdade de expressão, que: (…) 2. O exercício desta liberdades, porquanto implica deveres e responsabilidades, pode ser submetido a certas formalidades, condições, restrições ou sanções, previstas pela lei, que constituam providências necessárias, numa sociedade democrática, para a (…), a proteção da honra ou dos direitos de outrem (…), o que aqui, a nosso ver, não se mostra cumprido.
A R. invoca violação da CRP (artigos 18º, 37º e 38º). Porém, não explicita em que se traduz essa violação nem vemos como pode ser equacionada.
Como se estabelece no artigo 18.º sob a epígrafe, “Força jurídica”,
1 - Os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias são diretamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas.
2 - A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.
3 - As leis restritivas de direitos, liberdades e garantias têm de revestir carácter geral e abstrato e não podem ter efeito retroativo nem diminuir a extensão e o alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais.
Percorrendo a matéria de facto provada, verificamos que neste caso nenhuma restrição se opera aos direitos da R., em razão dos direitos que o A. aqui vem defender.
Trata-se, antes, a nosso ver, do diálogo de dois direitos com assento constitucional numa                      sociedade democrática – incompatível com o condicionamento da censura (que aqui não se coloca) mas que ergue a dignidade como princípio estruturante do ordenamento (artigo 1º da CRP).
Com efeito, o artigo 37.º da Lei Fundamental, referente à liberdade de expressão e informação, repele impedimentos e limitações por qualquer tipo ou forma de censura e salvaguarda-se o direito a indemnização pelos danos sofridos.
A proibição constitucional dos limites a este tipo de direito é dirigida diretamente a qualquer tipo ou forma de censura, o que, como ficou demonstrado, não resulta minimamente da aparência do presente caso em que o A. se limitou a defender os seus direitos à honra e bom nome perante dois artigos que não se contêm nos limites normativos da liberdade de expressão.
Como flui do que ficou exposto os dois artigos da R., objetivamente de conteúdo e em tom ofensivo da honra e do bom nome do A., não colhem justificação em razões de incontestável interesse público [al. h) do nº 2 do artigo 14º do EJ].
O que se constata, como se disse, é que a R. veiculou factos (e não apenas opiniões), perfeitamente descritos e localizados no espaço e no tempo, cuja falsidade não podia ignorar, relativamente ao estrito campo da vida privada de uma pessoa. É certo tratar-se de uma figura pública, mas isso não autoriza a falsidade e a ausência de razão aparente de interesse público que ditasse aquela publicação dirigida à vida privada do A. (artigo 14º do EJ).
Em face do exposto não vemos que a decisão aplique qualquer norma passível de, na interpretação feita, ser objeto de inconstitucionalidade.
A R. convoca em seu favor determinados acórdãos do TEDH [conclusões BB a DD)] mas, salvo o devido respeito, a leitura dos mesmos não nos fornece o critério de análise do presente caso uma vez que se referem a temas como o futebol e o mundo da política.
A este propósito, escreveu Ireneu Cabral Barreto: “Note-se que, quanto aos limites da crítica admissível, eles são mais amplos relativamente a um homem político, agindo como personagem pública, do que a um particular. O homem político expõe-se inevitável e conscientemente a um controle atento dos seus atos e gestos, tanto por parte dos jornalistas como pela massa dos cidadãos, e deve mostrar uma maior tolerância sobretudo quando ele próprio produz declarações públicas que se prestam à crítica; e é preciso não esquecer o caráter, por vezes ostentatório, do militantismo político do «ofendido».
E, se há um dever de proteger a sua reputação, mesmo para além da sua vida privada, os imperativos dessa proteção devem ser postos em equação com os interesses da livre discussão das questões políticas”.
Não é o caso, antes estando em evidência os deveres e responsabilidades, a que o exercício desta liberdade pode ser submetido - providências necessárias, numa sociedade democrática, para a proteção da honra ou dos direitos de outrem (artigo 10º da CEDH).
Ensina o mesmo autor, na anotação ao artigo 10º, sob a epígrafe “Liberdade de Expressão” da CEDH que: “A liberdade da imprensa constitui um dos elementos fundamentais da liberdade de expressão […].
A garantia deste artigo está subordinada à atuação de boa-fé dos interessados, fornecendo as informações exatas e dignas de crédito no respeito pela deontologia jornalística, sem ultrapassar certos limites ditados em especial pela reputação e direitos de outrem e pela necessidade de prevenir a revelação de informações confidenciais”.
Mesmo a propósito de artigos de opinião diz este mesmo autor ”Por outro lado, a liberdade jornalística admite o recurso a uma certa dose de exagero, mesmo a uma certa provocação; um jornalista deve poder formular juízos críticos de valor sem que esteja obrigado à condição de demonstrar a verdade; aliás, deve distinguir-se com cuidado os factos dos julgamentos de valor: se a materialidade dos primeiros é suscetível de prova, os segundos já não se prestam a uma demonstração da sua exatidão; contudo o julgamento de valor sem qualquer suporte factual pode colocar a questão da proporcionalidade.”.
Acrescenta ainda que: “No equilíbrio entre a proteção da vida privada e a liberdade de expressão, alguns critérios podem-se retirar da jurisprudência do Tribunal [TEDH]:
a) A contribuição para um debate de caráter geral; a definição deste elemento depende das circunstâncias do caso;
b) A notoriedade da pessoa visada e objeto da reportagem: distinguir entre as pessoas privadas das que agem num contexto público, tanto como personalidades políticas ou pessoas públicas, aquelas merecendo uma maior proteção da sua vida privada;
c) O comportamento anterior da pessoa visada, embora o facto de ter colaborado anteriormente com os «médias» não chega para privar a pessoa de toda a proteção;
d) O modo como as informações foram obtidas e a sua veracidade: os jornalistas devem agir de boa-fé sobre a base de informações fiáveis pelo respeito da deontologia jornalística;
e) O conteúdo, a forma e as repercussões da publicação; a difusão da reportagem ou da fotografia pode, ela própria revestir-se de uma importância consoante se trate de uma cobertura nacional ou local;
f) A natureza e a gravidade das penas aplicadas são elementos a tomar em consideração quando se trata de avaliara proporcionalidade da ingerência.”
O mesmo autor chama ainda a atenção para que: “O exercício da liberdade de expressão implica «deveres e responsabilidades», com a extensão e conteúdo dependentes da situação e do processo utilizado; nomeadamente quando a reputação do indivíduo é posta em causa e os «direitos de outrem» são atacados. Assim, devem existir motivos específicos para que se relevem aos «médias» a obrigação que lhes incumbe normalmente de verificar as declarações difamatórias contra particulares.”.
Neste mesmo sentido se pronuncia José Renato Gonçalves, quando afirma: “Ao mesmo tempo há que recordar que a garantia do artigo 10º a jornalistas em relação à elaboração e informação sobre questões de interesse geral está sujeita à condição de que eles ajam de boa-fé, com base em factos exatos e forneçam informações «confiáveis» e «precisas» em conformidade com a ética jornalística, cujo controlo se torna cada vez mais importante”.
Nesta conformidade, pensamos ter ficado demonstrada a ilicitude da atuação da R. ao ter escrito e divulgado os artigos em causa, uma vez que, como resulta de todo o exposto, num juízo de prognose, é de admitir como muito provável que, se a questão viesse a ser colocada ao TEDH, tal órgão jurisdicional entenderia que, nos presentes autos, os artigos da R. extravasariam os limites toleráveis do exercício da liberdade de expressão e informação.”


15.2. Que dizer?

Dão-se aqui por referenciadas as obras e jurisprudência abundantemente citadas no acórdão recorrido, e que servem igualmente para fundamentar a decisão deste STJ.

Tal como foi entendido pelo Tribunal da Relação, que unificou o tratamento dado aos dois artigos redigidos pela Ré, é nossa opinião de que os mesmos se encontram em igualdade de circunstâncias: no primeiro - "AA é um asco" – trata-se claramente de um artigo que não é exclusivamente de opinião, em que Ré manifesta o seu desapreço pelas atitudes do A., porventura utilizando uma terminologia menos própria e que, numa visão objectiva, deve ter-se por ofensiva.

Também no segundo texto ("AA, um homem capaz de vender o filho") a situação não se apresenta duvidosa – há um certo conteúdo “supostamente” informativo, mas que se veio a revelar erróneo no que respeita à veracidade da informação veiculada, ainda que possa em simultâneo ter sido veiculada uma opinião pessoal.

Acompanhamos assim a posição do tribunal recorrido quantos aos dois escritos, nomeadamente quando diz: “(…) “Ré disse ao Tribunal que a ideia para aquele artigo lhe ocorreu quando viu a revista ... em cima da secretária de um colega, com DD na capa. Não se provou que a Ré tenha lido o artigo escrito na revista”. Além disso, “na capa a revista sinaliza a sua fonte de modo claro com a expressão "consultamos o processo". Isso mesmo foi confirmado pela testemunha HH, autor da reportagem. Estas circunstâncias demonstram que a R. não podia razoavelmente ignorar que era falsa a afirmação de que foi o A. quem escreveu o e-mail atribuído ao filho e o entregou à ... (fls. 40) e, no contexto, as expressões que utilizou, ao afirmar que o autor é um “asco” ou que “vomitou a sua defesa em Tribunal”, além de agressivas, eram insultuosas. Trata-se de factos e imputações que se prendem com a reserva da vida privada e familiar do A. e que estão subtraídos ao escrutínio público, nada relevando do ponto de vista do desempenho público do A. nem sendo evidente qualquer interesse público. Portanto, o que releva em sede de ilicitude é não apenas o conteúdo do artigo publicado, relatando factos cuja inverdade a R. não podia ignorar, mas também a animosidade por ela expressa contra o A..”

Da leitura dos escritos ressalta que não têm carácter meramente opinativo, no sentido que a doutrina e jurisprudência atribuem a escritos de opinião.

Considerando o exposto e o teor dos escritos, é de confirmar que dos mesmos resultam ofensas que são aptas a ser consideradas como violação do bom nome e honra do A., que merece protecção, à luz da interpretação conjugada das disposições legais citadas, da nossa CRP e da CEDH.

Já quanto ao segundo escrito a situação é ainda mais delicada, pois os deveres dos jornalista obrigariam a Ré a adoptar uma outra atitude na redacção do texto e no conteúdo da informação que aí coloca, pelo que a mesma, não o tendo efectuado com a necessária diligência, veio a criar uma situação que pode ter-se por ofensiva do bom nome e honra do A., mesmo adoptando o critério que emana da jurisprudência do TEDU e da interpretação que se faz do art.º 10.º, n.º 2 da CEDH: num juízo de prognose é de admitir como muito provável que, se a questão lhe viesse a ser colocada, o TEDH entenderia que o presente caso extravasaria os limites toleráveis do exercício da liberdade de expressão e informação”.

Em face do exposto, identifica-se um comportamento ilícito da Ré nos escritos, estando demonstrados os demais pressupostos da responsabilidade civil.

Porque a visão deste tribunal é assim igual á posição adoptada nas instâncias, a condenação da Ré, pelo facto ilícito, deve traduzir-se na manutenção da condenação no pagamento do mesmo valor de indemnização pelos danos causados, valor que foi obtido com recursos a regras de equidade, em relação às quais este STJ não deve efectuar modificações senão quando os valores apurados se afigurem manifestamente excessivos dentro do padrão jurisprudencial que se puder identificar para situações equivalente e das circunstâncias específicas do caso.

Pelas razões expostas acompanha-se a fundamentação da decisão recorrida e a interpretação que aí se efectua das disposições legais, da CRP e da CEDH, não se identificando nenhuma inconstitucionalidade na interpretação realizada.

III. Decisão
Pelos fundamentos expostos, é negada a revista, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas da revista pela Ré.

Lisboa, 2 de Dezembro de 2020

Fátima Gomes (Relatora)

Nos termos do art. 15º-A do Decreto-Lei nº 10-A/2020, de 13 de Março, aditado pelo Decreto-Lei nº 20/2020, de 1 de Maio, declaro que o presente acórdão tem o voto de conformidade dos Exmos Senhores Conselheiros que compõem este colectivo.


Acácio Neves

Fernando Samões

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[1] Incluindo as alterações introduzidas pelo Tribunal da Relação (ponto 25) e eliminados (ponto 31).
[2] Alterado pelo TR.
[3] Eliminado pelo TR. Anteriormente dizia:” 31. Os RR não tentaram ouvir o Autor sobre os factos em causa”.