Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
08S2314
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: MÁRIO PEREIRA
Descritores: CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
CONTRATO DE TRABALHO
ÓNUS DA PROVA
Nº do Documento: SJ200812180023144
Data do Acordão: 12/18/2008
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Sumário :

I – O contrato de trabalho tem como objecto a prestação de uma actividade e, como elemento típico e distintivo, a subordinação jurídica do trabalhador, traduzida no poder do empregador de conformar, através de ordens, directivas e instruções, a prestação a que o trabalhador se obrigou.
II – Diversamente, no contrato de prestação de serviço, o prestador obriga-se à obtenção de um resultado, que efectiva, por si, com autonomia, sem subordinação à direcção da outra parte.
III – Perante a dificuldade de prova de elementos fácticos nítidos de onde resultem os elementos caracterizadores da subordinação jurídica, deve proceder-se à identificação da relação laboral através de indícios que reproduzem elementos do modelo típico do trabalho subordinado, por modo a que possa concluir-se pela coexistência, no caso concreto, dos elementos definidores do contrato de trabalho.
IV – Os indícios negociais internos normalmente referidos são a existência de um horário de trabalho, a utilização de bens ou de utensílios fornecidos pelo beneficiário da actividade, o tipo de remuneração, o pagamento de subsídio de férias e de Natal, o recurso a colaboradores por parte do prestador da actividade e a integração na organização produtiva
V – Em relação aos indícios externos são, normalmente, atendidos o tipo de imposto pago pelo prestador da actividade, a sua inscrição na Segurança Social como trabalhador dependente ou independente, a sua sindicalização ou não, e a prestação da mesma ou idêntica actividade a outros beneficiários.
VI– Os referidos indícios têm, todavia, um valor relativo se individualmente considerados e devem ser avaliados através de um juízo global, em ordem a convencer, ou não, da existência, no caso, da subordinação jurídica.
VII – Cabe ao trabalhador que invoca a existência de contrato de trabalho, como pressuposto dos pedidos que formula, o ónus de alegar e provar factos reveladores ou indiciadores da existência de contrato de trabalho, por se tratar de factos constitutivos do direito accionado (artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil).
VIII – Não é possível concluir pela existência de um contrato de trabalho entre as partes, se o autor, ao abrigo do contrato que o vinculou à ré, fazia consulta jurídica a esta e aos seus associados, nas instalações e com o equipamento da ré, patrocinava judicialmente uma e outros em causas que surgissem, relacionadas com as suas actividades (fazendo-o, por vezes, a pedido da ré e na sequência de pressão do associado, mesmo que ao autor parecesse que as possibilidades de sucesso seriam muito reduzidas ou inexistentes), com acompanhamento administrativo feito pela ré, mediante contrapartida mensal fixa, que foi sendo actualizada ao longo dos anos, tendo o autor gozado um mês de férias, sendo a ré que distribuía pelo autor e restantes advogados o trabalho relativo às reclamações e impugnações judiciais das decisões das Repartições de Finanças, constatando-se, todavia, também, que o autor tinha períodos de presença na ré, mediante acordo prévio entre ambos, mas se não houvesse nenhum associado para atender, ou o atendimento terminasse antes do fim do período de consultas, o autor podia abandonar as instalações da ré, e o aumento de serviço, verificado a partir de data não apurada, levou a que o autor e restantes advogados da ré preparassem nos seus gabinetes particulares parte do serviço que prestavam àquela.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:


I – O Lic.ºAA intentou contra a CC acção de processo comum, solicitando que fosse declarada a nulidade do despedimento de que ele, autor, foi alvo por parte da ré, e fosse esta condenada a pagar-lhe € 237,93 referentes a diferenças salariais em dívida nos meses de Janeiro, Fevereiro e Março de 2002, e juros, a quantia que viesse a ser liquidada em execução de sentença, acrescida de juros, a título de compensação por trabalho extraordinário, € 9.322,84, a título de subsídio de férias não pagas, acrescidos de juros, € 8.125,10, a título de subsídio de Natal, acrescidos de juros, e a quantia referente às retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento até à data da sentença, e juros.
Alegou, para tal, em síntese:
– em 15 de Novembro de 1993, foi admitido ao serviço da ré para, sob as suas autoridade, direcção e fiscalização, e mediante a retribuição correspondente a € 821,62 mensais, posteriormente aumentada, retribuição essa que, em Dezembro de 2001, foi fixada no valor equivalente a € 1.196,74 mensais, exercer a profissão de advogado a tempo parcial na sede da mesma ré, onde procedia a consultas jurídicas, quer a ela, quer aos associados por ela indicados, utilizando meios propriedade da ré, nomeadamente mobiliário, livros, consumíveis de escritório e serviços de apoio, sendo que, nessas funções, era auxiliado por duas funcionárias da ré em serviço no gabinete de contencioso;
– na prossecução da sua actividade, o autor notava documentos diversos, designadamente peças processuais no âmbito do patrocínio que lhe era conferido pela ré, tendo-lhe sido fixado um horário de trabalho, salvo se tivesse audiências marcadas em tribunal, das 8 horas e 30 minutos às 10 horas e 30 minutos, ou das 9 horas e 30 minutos às 11 horas e 30 minutos, às terças-feiras, das 14 horas às 16 horas, às quintas-feiras, e das 10 horas e 30 minutos às 12 horas e 30 minutos, às sextas-feiras, sendo que, para além do indicado horário, ainda tinha que patrocinar judicialmente a ré e seus associados em causas que surgissem relacionadas com as suas actividades, acontecendo muitas vezes que, apesar de ter intervenções em tribunal, ainda ia fazer consulta jurídica ou acompanhamento administrativos dos processos a seu cargo, o que implicava a feitura de horas extraordinárias, decerto equivalentes ao número de horas que tinha de prestar em função do estabelecido horário de trabalho;
– a ré, em Janeiro, Fevereiro e Março de 2002, somente pagou ao autor € 1.117,43, nunca lhe tendo pago horas extraordinárias, subsídio de férias e de Natal;
– em 18 de Março de 2002, a ré pôs termo ao contrato firmado com o autor, com efeitos a partir de 31 desses mês e ano, sem ter ocorrido processo disciplinar ou invocação de justa causa.

A ré contestou., defendendo, em síntese, que o negócio jurídico outorgado com o autor fora um contrato de prestação de serviço, desenvolvendo este a sua actividade no âmbito de tal contrato com completa autonomia, nunca tendo sido dirigido ou fiscalizado pela contestante ou tendo sido fixado qualquer horário de trabalho, mas antes estabelecido um dado de número de horas semanais para o autor desempenhar a actividade contratada; que, contrariamente ao sustentado pelo autor, este, em 2001, por erro de cálculo, recebeu mais do que devia, pelo que era a ré credora de € 951,62, quantia que, em reconvenção, reclamou do autor; que a finalização do contrato estabelecido entre a ré e o autor se deveu somente ao facto de haver insatisfação quanto aos resultados.

Prosseguindo os autos seus termos, veio, em 31 de Janeiro de 2007, a ser proferida sentença, por intermédio da qual foi:
– declarado ilícito o despedimento do autor;
– a ré condenada a pagar-lhe:
- € 62.749,72, a título de importâncias que deixou de auferir desde 1 de Abril de 2002 até 31 de Janeiro de 2007, sem prejuízo das retribuições vincendas até ao trânsito em julgado da decisão, e juros até efectivo pagamento;
- € 2.153,17, a título de férias e subsídio de férias relativos a 2006 e proporcionais do ano de 2007, sem prejuízo dos proporcionais que se vencessem até ao trânsito em julgado da decisão, além de juros;
- € 153,79, a título de subsídio de Natal proporcional ao trabalho prestado em 2007, sem prejuízo dos proporcionais que se vencessem até ao trânsito em julgado da decisão, e juros;
- € 12.919,06, a título de indemnização por antiguidade, sem prejuízo do que se vencesse, à razão de um mês de remuneração base por cada ano de antiguidade, até ao trânsito em julgado da decisão, e juros;
- € 13.702,11, a título de subsídios de férias e de Natal relativos aos anos de 1994 a 2001, acrescidos de juros;
– absolvida a ré do demais peticionado;
– julgado improcedente o pedido reconvencional, consequentemente dele tendo sido absolvido o autor.

Inconformada, apelou a ré para o Tribunal da Relação de Lisboa, impugnando, no recurso, a matéria de facto.

Apelou também o autor subordinadamente, tendo, nesse recurso, impugnado a matéria de facto.

Aquele Tribunal de 2ª instância, por acórdão de 27 de Fevereiro de 2008, julgou improcedente a apelação da ré e, julgando parcialmente procedente o recurso subordinado de apelação, alterou a sentença impugnada, condenando a ré a pagar ao autor € 64.944,76, a título de importâncias que deixou de receber desde 1 de Abril de 2002 e liquidadas até 31 de Janeiro de 2007, sem prejuízo das retribuições vincendas até ao trânsito da decisão, além de juros; € 2.069,32, a título de férias e subsídio de férias respeitantes ao ano de 2006 e proporcionais de 1 a 31 de Janeiro de 2007, sem prejuízo dos que se vencessem desde a última daquelas datas até ao trânsito em julgado da decisão, e juros; € 79,60, a título de subsídio de Natal proporcional a Janeiro de 2007, sem prejuízo dos proporcionais que se vencessem até ao trânsito em julgado da decisão, e juros; e € 13.370,98, a título de indemnização por antiguidade, sem prejuízo da que se vencesse até ao trânsito em julgado da decisão, e juros.


II – Mantendo-se irresignada, veio a ré pedir revista, em que apresentou as seguintes conclusões:
a) Estamos perante um caso em que se impõe qualificar a relação jurídica da relação contratual entre a recorrente e o recorrido;
b) A prova produzida foi demasiado simplista para se poder decidir como se decidiu;
c) Dos factos dados como provados não se retira que o recorrido recebia instruções, nem ordens da recorrente e, muito menos, que estava sujeito a qualquer tipo de poder disciplinar;
d) O que se retira da matéria de facto provada é que a Direcção da recorrida, por vezes, fazia solicitações ou pedidos aos advogados, entre os quais o recorrido, e não que impunha ou dava ordens a estes.
e) A recorrente nunca fixou os termos em que a actividade do recorrido devia ser prestada e a execução e disciplina da sua actividade estava dependente deste;
f) Não existia qualquer sujeição ao poder disciplinar, nos casos em que o recorrido se negava a interpor qualquer acção nem nos casos em que o recorrido não prestava consulta jurídica nos dias que tinha designado;
g) O recorrido era, pois, um trabalhador autónomo;
h) Além do mais, o recorrido era economicamente independente da recorrente, pois resulta da matéria de facto provada que aquele também tinha o seu escritório particular;
i) Por outro lado, a vontade manifestada pelas partes desde 1993, foi a de celebração de um contrato de prestação de serviços;
j) Como também se conclui da análise dos elementos externos do contrato;
k) Ao longo destes anos, o recorrido não efectuou retenção na fonte, nem descontou para a Segurança Social e estava inscrito na Repartição de Finanças como trabalhador independente;
l) O local de trabalho era nas instalações da recorrente, de facto;
m) Mas há que atender ao caso em concreto;
n) Uma vez que a recorrente apoia juridicamente os seus associados convém que esse serviço seja prestado nas suas instalações e não no escritório particular de cada advogado que presta serviços para a recorrente, sob pena de se descaracterizar o apoio desta aos seus associados;
o) Daí que nas próprias instalações da recorrente estejam ao dispor dos advogados mobiliário, livros de direito e consumíveis de escritório.
p) Não obstante, resulta da matéria de facto provada, que parte do serviço prestado pelo recorrido era preparado no seu escritório particular.
q) Mas mesmo que assim não fosse, nada impede que se qualifique esta relação como prestação de serviços, como bem refere Pedro Romano Martinez, in Manual do Trabalho, II Volume, 1º Tomo;
r) Quanto ao horário de trabalho, este não existe, pelo menos não da forma pretendida pelo recorrido;
s) Resulta da matéria de facto provada que era afixado o horário de presença de cada advogado nas instalações da recorrente;
t) No entanto, trata-se de uma escala do horário de atendimento dos associados da recorrente afixada na porta desta, escala essa resultante do acordo entre recorrente e recorrido;
u) E, a razão de ser desta escala prende-se com o facto de a recorrida pretender manter a presença de um advogado na sua sede, diariamente, de forma a haver atendimento aos seus associados diariamente;
v) Além do mais, também ficou provado que o recorrido podia abandonar as instalações da recorrente se não houvesse nenhum associado para atender ou o atendimento terminasse antes do fim do período para as consultas;
w) Situação não configurável nos casos de existência de um contrato de trabalho;
x) E, apesar da remuneração do A. ser constante, também refere Pedro Romano Martinez que ‘podem celebrar-se contratos de prestação de serviços em que a retribuição seja aferida em função do tempo utilizado na execução da tarefa’;
y) Além do mais, nunca tendo sido efectuado o pagamento de subsídios de férias e de Natal ao recorrido, estamos perante um contrato de prestação de serviços;
z) Resumindo, da análise conjugada destes elementos (uma vez que não podem ser apreciados isoladamente como se retira do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 23.01.2008, relativo ao processo 07S3667 e do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17.10.2007, relativo ao processo 07S2187 (www.dgsi.pt) e atendendo à situação concreta em análise, a qualificação jurídica do contrato estabelecido entres as partes não pode deixar de ser a de prestação de serviços;
aa) Nem sequer se pode considerar que existe, ‘um certo poder organizativo da prestação da actividade desenvolvida pelo Autor enquanto Advogado ao seu serviço, quanto mais não fosse no que respeitava ao lugar e ao momento da prestação dessa actividade’, como referido no acórdão do tribunal a quo, pelas razões expostas quanto a estes elementos;
bb) Assim, entende a recorrida que ao decidir como decidiu, o tribunal a quo interpretou e aplicou incorrectamente as normas substantivas relativas ao contrato de trabalho, nomeadamente o disposto nos Art.ºs 10.º e 12.º do Código do Trabalho, 405.º, 1152.º e 1157.º do Código Civil, ao considerar ter existido um contrato de trabalho entre as partes, pois tal qualificação foi feita sem se ter efectuado prova bastante de estarem reunidos os elementos necessários para tanto, atendendo ao caso em concreto;
cc) Desta forma, o acórdão do tribunal a quo deve ser revogado”

O autor contra-alegou, sustentando o acerto da decisão ora impugnada, formulando, a final, nessa resposta, as seguintes «conclusões»:
A. O recorrido entende que o acórdão, sob recurso, não merece qualquer censura, pois apreciou a prova produzida e decidiu conforme o direito aplicável, com fundamentação clara.
B. Ao qualificar a questão controvertida, como contrato de trabalho, o Tribunal da Relação de Lisboa, apreciou e fixou definitivamente (páginas 13 a 23 do douto acórdão recorrido que aqui damos por integralmente reproduzidas) a matéria de facto, após ter ponderado devidamente todos os depoimentos produzidos e o conteúdo dos documentos juntos aos autos.
C. Nos presentes autos o que de relevante se provou para que a qualificação do contrato tenha sido e continue a ser de contrato de trabalho foi, de entre outros factos, o seguinte: –
· O A, ora recorrido, foi admitido ao serviço da Ré, ora Recorrente, para trabalhar nas suas instalações, usando mobiliários e consumíveis desta,
· O recorrido fazia consulta jurídica aos sócios e desenvolvia os processos com apoio dos funcionários da Recorrente,
· O recorrido tinha horário de trabalho fixo, ainda que alterável de acordo com as exigências de comparência em serviço externo, designadamente Tribunais ou Repartições Públicas,
· A recorrente remunera o A., ora recorrido, com retribuição fixa mensal pelo horário acordado, querendo-se tempo, presenças, trabalho feito e não o resultado do trabalho ou da actividade,
· A Recorrente distribuía o trabalho pelos advogados e estes, sob pressão, tinham de propor acções mesmo que entendessem que estas tinham pouca possibilidade de êxito;
· A Recorrente abria, lia e comentava, antes dos advogados, a correspondência que a estes era dirigida.
D. Tudo isto são indícios claros de uma relação de trabalho subordinado e só quem detém poder de autoridade, direcção e disciplina, sobre outrem, pode agir como a Recorrente.
E. Se o contrato fosse de prestação de serviços a Direcção da Ré não se permitiria, nem os advogados consentiriam que, ao fazerem consulta jurídica, lhes fosse vedado tratar de assuntos que não fossem relacionados com a actividade de táxi, que lhes fosse distribuído trabalho aleatoriamente pela Direcção da Recorrente ou que a correspondência que lhes é dirigida fosse aberta, lida e comentada pela Direcção da Ré.
F. A Recorrente jamais contratou com o recorrido ou pagou os seus serviços em função do resultado obtido, pelo que não se pode aceitar que a prova foi simplista ou que a qualificação do contrato, como contrato de trabalho, não assenta na melhor aplicação do direito.
G. Em favor da tese do A., ora recorrido, vejam-se os arestos desse STJ indicados no douto acórdão recorrido e ainda o acórdão referente ao processo n.º 0752911, disponível em (www.dgsi.pt).

No seu douto Parecer, não objecto de resposta das partes, a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta neste Supremo pronunciou-se no sentido de ser negada a revista.


III – Colhidos os vistos e após mudança de relator, por vencimento, cumpre decidir.
O acórdão recorrido deu como provados os seguintes factos, que aqui se mantêm por não haver fundamento legal para os alterar:
1) o autor foi admitido ao serviço da ré no dia 15 de Novembro de 1993 [A) da matéria assente];
2) o autor fazia consulta jurídica, nas instalações da ré, a esta e aos seus associados [B) da matéria assente];
3) o mobiliário, os livros de direito, os consumíveis de escritório e os serviços de apoio pertenciam à Ré [C) da matéria assente];
4) sendo auxiliado por duas funcionárias da ré, em serviço no gabinete de contencioso [D) da matéria assente];
5) ali anotava documentos diversos, nomeadamente peças processuais no âmbito do patrocínio que lhe era concedido [E) da matéria assente];
6) a elaboração e acompanhamento administrativo dos diversos processos era feito pelos serviços da ré [F) da matéria assente];
7) o autor gozou um mês de férias, mas a ré não lhe pagou subsídio de férias e de Natal [G) da matéria assente];
8) com data de 18 de Março de 2002, a ré enviou ao autor a carta junta a fls. 7, em que lhe comunicava o seguinte: “No cumprimento dos compromissos assumidos no programa eleitoral, estamos a proceder a uma reestruturação do contencioso da CC. No âmbito dessa reorganização, decidiu a Direcção da associação prescindir dos serviços de V. Exa. a partir do fim do corrente mês de Março. Agradecendo a colaboração de V. Exa. aproveito a oportunidade para apresentar os meus melhores cumprimentos. O Presidente da Direcção.” [H) da matéria assente];
9) o autor foi admitido mediante a retribuição de Esc. 142.000$00 mensais [facto que o acórdão recorrido deu por provado após alterar a resposta ao item 1º da base instrutória]
10) o autor recebeu da ré, em Janeiro de 1994, a importância de Esc. 153.500$00, mensais, a que acrescia o IVA à taxa de 16% [resposta ao item 2º da base instrutória];
11) o autor recebeu da ré, em Janeiro de 1995, a importância de Esc. 170.000$00, mensais, a que acrescia o IVA à taxa de 17% [resposta ao item 3º da base instrutória];
12) em 1996, 1997, 1998 e 1999, o autor continuou a receber da ré a importância de Esc. 170.000$00 mensais, a que acrescia o IVA à taxa de 17% [resposta ao item 4º da base instrutória];
13) o autor, entre Maio e Dezembro de 2000, recebeu da ré a quantia de Esc. 185.000$00 mensais, sobre a qual incidiu IVA à taxa de 17% [facto que o acórdão recorrido deu por demonstrado após alterar a anterior resposta ao item 5º da base instrutória];
14) o autor recebeu da ré, em Dezembro de 2001, a quantia de Esc. 425.762$00, acrescidos de IVA à taxa de 17% [respostas ao items 6º e 7º da base instrutória];
15) em cada um dos meses de Janeiro, Fevereiro e Março de 2002, o autor recebeu da ré a quantia de € 955,07, sobre a qual incidiu IVA [facto tido por demonstrado pelo acórdão recorrido, após alterar a resposta ao item 9º da base instrutória];
16) o local de trabalho era na sede da ré [resposta ao item 10º da base instrutória];
17) salvo se o autor tivesse de se deslocar em serviço a quaisquer Repartições Públicas ou aos Tribunais [resposta ao item 11º da base instrutória];
18) [os períodos] das 8 horas e 30 minutos às 10 horas e 30 minutos [às terças-feiras], ou das 9 horas e 30 minutos às 11 horas e 30 minutos, [ ] e das 14 horas às 16 horas [às quintas-feiras] , e [ ] das 10 horas e 30 minutos às 12 horas e 30 minutos [às sextas-feiras], correspondiam a períodos de presença do autor nas instalações da ré acordados com esta [resposta ao item 12º da base instrutória];
19) salvo se o autor tivesse audiências marcadas em Tribunal [resposta ao item 13º da base instrutória];
20) o autor tinha que patrocinar judicialmente a ré e os seus associados em várias causas que surgissem, relacionadas com as suas actividades, visando [o desempenho de funções daquele], essencialmente, a consulta e patrocínio de acções judiciais dos associados da ré que resultasse[m] da actividade destes directamente relacionadas com a indústria dos táxis [resposta ao item 14º da base instrutória];
21) o autor poderia, ainda, fazer consulta jurídica [resposta ao item 15º da base instrutória];
22) ou, pelo menos, fazer o acompanhamento administrativo dos processos que estavam a seu cargo, por vezes mais de duas centenas [resposta ao item 16º da base instrutória];
23) era afixado o horário de presença de cada advogado nas instalações da ré e a revista da CC, em tempos, prestava a mesma informação, o que deixou de o fazer em data não apurada [resposta ao item 17º da base instrutória];
24) o patrocínio era prestado, essencialmente, aos associados da ré [resposta ao item 21º da base instrutória];
25) e abarcava assuntos relacionados com a actividade de transportes em táxi, fossem eles do foro civil, laboral, penal, fiscal ou administrativo [resposta ao item 22º da base instrutória];
26) era vedado ao autor tratar, no âmbito da consulta jurídica, quaisquer assuntos de carácter particular do sócio, como divórcios, partilhas ou contratos [resposta ao item 23º da base instrutória];
27) o sócio da ré podia falar com a Direcção desta, a qual solicitava ao advogado que patrocinasse a acção [resposta ao item 24º da base instrutória];
28) por pressão dos associados da ré, esta pedia aos advogados para intentarem as acções em Tribunal, ainda que ao advogado parecesse que as possibilidades de sucesso eram muito reduzidas ou inexistentes [resposta ao item 26º da base instrutória];
29) a Direcção da ré distribuía pelos advogados o trabalho relativo às reclamações e impugnações judiciais das decisões das Repartições de Finanças [resposta ao item 27º da base instrutória];
30) o aumento de serviço verificado a partir de data não concretamente apurada determinou os advogados da ré a prepararem nos seus gabinetes particulares parte do serviço que prestavam para a ré [resposta ao item 28º da base instrutória];
31) nas atribuições da ré integra-se o apoio informático e técnico aos seus associados [resposta ao item 31º da base instrutória];
32) apoio que é dado ao nível da informação jurídica e patrocínio forense [resposta ao item 32º da base instrutória];
33) a ré presta apoio aos seus associados em Lisboa e noutras regiões do país, onde dispõe de juristas contratados [resposta ao item 33º da base instrutória];
34) a ré consultava os seus advogados para saber a disponibilidade destes na semana seguinte e elaborar, em face dessa disponibilidade, o horário de presença dos seus advogados nas suas instalações, procurando que, diariamente, houvesse sempre um advogado para o atendimento aos seus associados [resposta ao item 37º da base instrutória];
35) [o] que era publicitad[o] nas instalações da ré [resposta ao item 38º da base instrutória];
36) a tabela era organizada no interesse da ré e em face da disponibilidade, semana a semana, dos advogados [resposta ao item 39º da base instrutória];
37) podia haver alterações em face de impedimentos dos advogados em diligências judiciais [resposta ao item 40º da base instrutória];
39) à ré interessa uma certa previsibilidade nas marcações, para que os associados possam deslocar-se às suas instalações com o mínimo de certeza [resposta ao item 41º da base instrutória];
40) na modalidade acordada com o autor, caso este se deslocasse, no âmbito dos processos em mão, para fora da comarca de Lisboa, as despesas eram assumidas directamente pelos associados, as quais podiam ser liquidadas directamente pelo associado ao advogado ou pagas pelo associado à ré, que procedia ao reembolso ao autor [resposta ao item 43º da base instrutória];
41) se não houvesse nenhum associado para atender ou o atendimento terminasse antes do fim do período para consultas, o autor podia abandonar as instalações da ré [resposta ao item 47º da base instrutória];
42) a ré tem como norma a presença de um advogado na sua sede, diariamente, de forma a haver atendimento aos seus associados, [também] diariamente [resposta ao item 51º da base instrutória];
43) toda a correspondência dirigida ao autor e seus colegas advogados era aberta e lida pela Direcção da Ré, antes de lh[e] ser entregue [resposta ao item 52º da base instrutória].

IV – Conhecendo:
O acórdão recorrido, na linha da sentença, decidiu que o contrato que ligava as partes era de trabalho e não de prestação de serviço e que houve um despedimento ilícito do A., pela R., com as inerentes consequências e daí a condenação desta, nos termos que se deixaram acima mencionados.
Contra esse entendimento se insurge a R.. que continua a defender que o contrato é de prestação de serviço, o que conduzirá, sem mais, à improcedência da acção.

Só está, pois, em causa, na revista, a questão da natureza do contrato, sendo que a qualificação deste como de trabalho é pressuposto essencial da procedência dos pedidos do A..

As instâncias fizeram judiciosas e acertadas considerações gerais de enquadramento sobre as noções desses dois tipos de contratos e sobre os traços e critérios caracterizadores e distintivos dos mesmos, considerações que aqui damos como reproduzidas e que nos dispensam de uma nova e mais alargada abordagem de tais aspectos.
Limitar-nos-emos, por isso, a uma curta síntese de enquadramento geral.
E, assim, diremos, em conformidade com a posição que vem sendo uniformemente seguida nesta Secção Social - AA, que:
- O contrato de trabalho tem como objecto a prestação de uma actividade e, como elemento típico e distintivo, a subordinação jurídica do trabalhador, traduzida no poder do empregador de conformar, através de ordens, directivas e instruções, a prestação a que o trabalhador se obrigou;
Diversamente, no contrato de prestação de serviço, o prestador obriga-se à obtenção de um resultado, que efectiva, por si, com autonomia, sem subordinação à direcção da outra parte;
- Perante a dificuldade de prova de elementos fácticos nítidos de onde resultem os elementos caracterizadores da subordinação jurídica, deve proceder-se à identificação da relação laboral através de indícios que reproduzem elementos do modelo típico do trabalho subordinado, por modo a que possa concluir-se pela coexistência, no caso concreto, dos elementos definidores do contrato de trabalho;
Os indícios normalmente referidos são os seguintes: o local onde a actividade é exercida; a existência de um horário de trabalho; a utilização de bens ou de utensílios fornecidos pelo beneficiário da actividade; o tipo de remuneração; o pagamento de subsídio de férias e de Natal; o recurso a colaboradores por parte do prestador da actividade; a integração na organização produtiva.
Para além destes indícios, denominados indícios negociais internos, há ainda os chamados indícios externos, como sejam o tipo de imposto pago pelo prestador da actividade, a sua inscrição na Segurança Social como trabalhador dependente ou independente, a sua sindicalização ou não, e a prestação da mesma ou idêntica actividade a outros beneficiários.
- Os indícios têm, todavia, um valor relativo se individualmente considerados e devem ser avaliados através de um juízo global, em ordem a convencer, ou não, da existência, no caso, da subordinação jurídica;
- Cabe ao trabalhador que invoca a existência de contrato de trabalho, como pressuposto dos pedidos que formula, o ónus de alegar e provar factos reveladores ou indiciadores da existência de contrato de trabalho, por se tratar de factos constitutivos do direito accionado (art.º 342º, n.º 1 do Cód. Civil).


Feitas estas considerações, vejamos o caso dos autos.
Há que lembrar que o vínculo que ligou as partes teve início em Novembro de 1993 e vigorou até Março de 2002, pelo que à questão da sua qualificação se aplica o regime anterior ao Código do Trabalho - (2), nos termos do art.º 8º, n.º 1 da Lei n.º 99/2003, de 27.08, que o aprovou, qualificação que obedece aos traços essenciais que acima se deixaram mencionados.

Há, pois, que apreciar, no caso, se, num juízo de globalidade, os factos apurados indiciam ou não a existência de um contrato de trabalho, entre as partes.
O acórdão recorrido, na linha da sentença, entendeu que sim.
Fê-lo com a seguinte fundamentação:
“(…) sopesando o conjunto da matéria de facto provada no caso sub judice, verificamos que esta nos revela todo um conjunto de indícios que nos levam a concluir pela existência de um verdadeiro contrato de trabalho entre ambas as partes em detrimento de um mero contrato de prestação de serviços em regime de avença como invoca a Apelante.
Na verdade, ao haver-se demonstrado que o Autor foi admitido ao serviço da Ré em 15 de Novembro de 1993 – desde logo, sem a outorga de qualquer acordo escrito entre as partes, sendo uma delas advogado, já que não foi alegada a existência nem se juntou aos autos documento algum normalmente existente quando as partes pretendem a efectiva celebração de um contrato de prestação de serviços – prestando a sua actividade de consulta jurídica à Ré e aos seus associados nas instalações da sede desta, utilizando para o efeito o mobiliário, os livros de direito, os consumíveis de escritório e os serviços de apoio a esta pertencentes, sendo auxiliado por duas funcionárias da mesma em serviço no gabinete de contencioso de que a Ré dispõe, local onde o Autor anotava documentos diversos, nomeadamente peças processuais no âmbito do patrocínio que lhe era concedido e elaborava o acompanhamento administrativo de diversos processos, sendo certo que também se demonstrou que, salvo se tivesse audiências marcadas em Tribunal, o Autor/apelado teria de comparecer nas referidas instalações da Ré nos períodos de tempo mencionados no ponto 17. dos factos provados, isto é, teria de cumprir horário que era afixado nas instalações da Ré e que, em tempos, o fora também em revista por esta distribuída.
Acresce haver-se demonstrado também que o Autor tinha de patrocinar judicialmente a Ré e os seus associados em várias causas que surgissem relacionadas com a actividade de indústria de táxis, fazendo-o, por vezes, a pedido da Ré e na sequência de pressão do associado, mesmo que ao Autor parecesse que as possibilidade de sucesso seriam muito reduzidas ou inexistentes, ao mesmo tempo que se demonstrou que a Ré distribuía pelos advogados o trabalho relativo às reclamações e impugnações judiciais das decisões das Repartições de Finanças e que toda a correspondência dirigida ao Autor e aos seus colegas advogados era aberta e lida pela Direcção da Ré antes de lhe ser entregue.
Finalmente, verifica-se que, para além de, em determinada altura a Ré haver concedido férias ao Autor – aspecto que apenas terá razão de ser ante a existência de um contrato de trabalho – a remuneração efectivamente auferida por este, era paga em função do tempo de trabalho e não em função do resultado da actividade do Autor.
Ora, tudo isto nos permite concluir, com alguma segurança, que o relacionamento contratual existente ao longo dos anos (mais propriamente de Novembro de 1993 a Março de 2002) entre ambas as partes se não reconduzia a uma mera prestação de serviços com o objectivo de se conseguir apenas a obtenção de um determinado resultado, independentemente da forma ou do modo como o mesmo pudesse ser alcançado, mas havia algo mais do que isso. Com efeito, havia da parte da Ré, o exercício de um certo poder organizativo da prestação da actividade desenvolvida pelo Autor enquanto Advogado ao seu serviço, quanto mais não fosse no que respeitava ao lugar e ao momento da prestação dessa actividade, o que nos leva a concluir estarmos em face da existência de um contrato de trabalho como se concluiu na sentença recorrida, não merecendo censura também a conclusão que na mesma foi extraída de, perante a matéria de facto assente no ponto 8. dos factos provados, se estar perante a verificação de um despedimento ilícito com as consequências cabalmente discriminadas na sentença recorrida, salvo no que respeita aos cálculos das importâncias devidas ao Autor em consequência desse despedimento ilícito, pelas razões que mais adiante exporemos.
Improcede, pois, in totum, a apelação principal deduzida pela Ré.
(...)”.

Antecipando, diremos que não concordamos com o juízo qualificativo feito pelas instâncias.
Da matéria factual apurada resulta, no que aqui interessa, que o A., ao abrigo do contrato que o vinculou à R., fazia consulta jurídica a esta e aos seus associados, patrocinava judicialmente uma e outros em causas que surgissem, relacionadas com as suas actividades, com acompanhamento administrativo dos processos que estavam a seu cargo.
Sabe-se também que a ré distribuía pelos advogados o trabalho relativo às reclamações e impugnações judiciais das decisões das Repartições de Finanças.
O A. foi admitido mediante a “retribuição” de Esc. 142.000$00 mensais, tendo recebido nos meses indicados nos factos 10 a 15, as quantias aí discriminadas, sobre as quais incidia o IVA, nos termos aí referidos.
Sendo que, em Janeiro de 1995 e nos anos de 1996, 1997, 1998 e 1999, a quantia mensal recebida foi de valor igual (170.000$00), o que aconteceu também, pelo menos, entre Maio e Dezembro de 2000 (em que foi de 185.000$00) e nos meses de Janeiro, Fevereiro e Março de 2002 (em que foi de € 955,07).
Vem apurado ainda que o A. fazia a consulta jurídica nas instalações da R., que o local de actividade era na sede desta, que o mobiliário, os livros de direito, os consumíveis de escritório e os serviços de apoio pertenciam à mesma e que era auxiliado por duas funcionárias desta.
Que havia períodos de presença do A. nas instalações da R., às terças, quintas e sextas-feiras, mencionados no facto n.º 18, e acordados entre ambos.
Sendo que a R. consultava os seus advogados para saber da sua disponibilidade na semana seguinte e para, em face dessa disponibilidade, elaborar o horário de presença dos mesmos nas suas instalações, o que era publicitado nestas.
Se não houvesse nenhum associado para atender ou o atendimento terminasse antes do fim do período para consultas, o A. podia abandonar as instalações da R..
O aumento de serviço, verificado a partir de data não apurada, determinou os advogados da ré a prepararem nos seus gabinetes particulares parte do serviço que prestavam à R..

Deste quadro fáctico não retiramos indícios suficientes que, numa avaliação global, nos permita concluir pela existência de subordinação jurídica do A. à R. e consequente qualificação, como contrato de trabalho, do vínculo que os ligou.
Desde logo, surgem sérios obstáculos a essa qualificação no que respeita aos indícios que têm a ver com a disponibilidade da prestação da actividade a favor do beneficiário desta – disponibilidade que, como é reconhecido, constitui objecto da obrigação do trabalhador subordinado – e com o exercício do poder de direcção por parte de tal beneficiário, aspecto este que traduz uma das manifestações da posição de supremacia do empregador e, correlativamente, da subordinação jurídica do trabalhador.
Na verdade, por um lado, a fixação dos apurados períodos de actividade do A., nas instalações da R., tinha lugar semanalmente e era feita com prévia consulta e, mais do que isso, com prévio acordo daquele, o que, na falta de dados complementares, quadra mal – ou não quadra mesmo – ao poder de direcção que é próprio do empregador (art.º 39º, n.º 1 da LCT - (3)
Por outro lado, mesmo durante o período de actividade fixado, estávamos perante uma “disponibilidade frouxa ou mitigada”, já que, como vimos, o A. podia abandonar as instalações da R. se não houvesse nenhum associado para atender ou o atendimento terminasse antes do fim do período para consultas.
Acresce que, por outra razão, é de desvalorizar a relevância que, porventura, pudesse ter, no sentido da verificação da existência de contrato de trabalho, o facto de o A. prestar actividade nas instalações da R., durante períodos previamente determinados, com a utilização do mobiliário, livros de direito, consumíveis de escritório e serviços de apoio à R. pertencentes.
É que vem provado que à R. interessa uma certa previsibilidade nas marcações, para que os associados possam deslocar-se às suas instalações com o mínimo de certeza.
Ou seja, razões práticas atendíveis, tendentes a facilitar a vida dos associados – e lembre-se que, nas atribuições da R., se integra o apoio jurídico aos mesmos, através da informação jurídica e do patrocínio forense –, justificam esse procedimento da R., mesmo fora de um quadro de vínculo laboral com o A., em ordem a centralizar nas suas instalações as consultas aos associados, permitindo-lhes uma mais fácil informação e contacto, sem dispersão por outros locais (e lembre-se que não era apenas o A. que assegurava esse serviço, havendo outros advogados que o faziam).
Por outro lado, sabemos também que o aumento de serviço, verificado a partir de data não concretamente apurada, determinou os advogados da ré – e nada permite excluir deles o A.– a prepararem nos seus gabinetes particulares parte do serviço que prestavam para a ré.
Os dados apontados atenuam significativamente ou apagam mesmo, na falta de outros e melhores factos, o valor indiciador no sentido da laboralidade do vínculo que se pudesse retirar da prestação de actividade pelo A. à R., nas instalações desta e durante períodos temporais pré-determinados.

Os dados de facto apurados a respeito da contrapartida auferida pelo A. também não se mostram relevantes no sentido da caracterização do contrato como de trabalho.
É certo que vem demonstrado que tal contrapartida era mensal e que, em vários meses, ela foi de montante igual, aspectos que poderiam apontar nesse sentido.
Não se pode esquecer, porém, que tais aspectos ou características são perfeitamente compatíveis com os contratos de avença celebrados por advogados - C(4)..
Sendo que a factualidade apurada não consente a conclusão assumida no acórdão recorrido de que “a remuneração efectivamente auferida ...era paga em função do tempo de trabalho e não em função do resultado da actividade do Autor”.
Com efeito, não resulta demonstrado que tal acontecesse, isto é, que a contrapartida retributiva respeitasse tão-só à actividade prestada pelo A. – ou melhor até, à sua disponibilidade de actividade – nos períodos temporais mencionados no facto n.º 18.
É que, por um lado, já vimos que, se não houvesse nenhum associado para atender ou o atendimento terminasse antes do fim do período para consultas, o A. podia abandonar as instalações da R., e, por outro, sabemos que o aumento de serviço verificado a partir de data não apurada determinou os advogados da R. – e nada permite excluir o A. desse núcleo – a prepararem nos seus gabinetes particulares parte do serviço que prestavam para a R..
Aspectos que, na falta de outros e melhores dados complementares, afastam a ideia de que a contrapartida paga era um mero correspectivo do tempo de efectiva prestação de actividade ou de efectiva disponibilidade prestativa e se ajustam melhor à ideia de que a contrapartida se destinava antes a compensar o resultado da actividade a que o A. se obrigou: fazer as consultas e atendimentos referidos, nos aludidos períodos; patrocinar as acções da R. e dos seus associados e tratar das reclamações e impugnações fiscais que lhe viessem a caber, com a prática dos actos inerentes a tais actividades (por exemplo, deslocações a Repartições Públicas ou Tribunais) - (5). .
A factualidade assente inculca que a contrapartida ajustada (de valor fixo) era independente do efectivo tempo de serviço e/ou de disponibilidade por parte do A., ou seja não era calculada em função da “quantidade de serviço prestado”, sendo devida quer tivesse havido pouco ou muito “trabalho” a fazer.
O que, reconheçamos, é característico do contrato de avença.
No que concerne a essa contrapartida há que referir, embora num plano formal e com menos relevância, que associada a ela andava a tributação em IVA, o que não se ajusta à retribuição própria do contrato de trabalho, a respeito da qual se colocam antes os aspectos da tributação em IRS e respectiva retenção na fonte e das deduções para a Segurança Social.

Também não vemos que o estar provado, na sua singeleza, que “o autor gozou um mês de férias” (facto n.º 7) tenha, no caso, em si mesmo ou conjugado com outros factos assentes, valor indiciário da existência de contrato de trabalho.
Ainda que tal gozo tivesse ocorrido todos os anos ou, pelo menos, durante vários anos, o que o facto 7 não permite esclarecer, esse dado não se mostra relevante.
Dele retira-se, tão-só, que, nesse ou nesses anos, o A. gozou um mês de férias, o que constitui procedimento normal mesmo para pessoas vinculadas por contrato de prestação de serviço, abrangendo os profissionais liberais, incluindo os advogados avençados.
Assim, sem outros factos complementares, nada de útil se pode retirar, a propósito, desse facto, sendo que ele não consente a leitura de que a R., em determinada altura, concedeu férias ao A..

De igual modo, não vemos que, isoladamente ou em termos conjugados, com outros factos, a circunstância de o A. ter de patrocinar judicialmente a R. e os seus associados, fazendo-o, por vezes, a pedido da R. e na sequência de pressão do associado, mesmo que ao A. parecesse que as possibilidades de sucesso seriam muito reduzidas ou inexistentes, seja sintoma decisivo de existência de contrato de trabalho.
É que essa situação é compatível com a existência de um contrato de avença e com a vinculação dele emergente para o advogado.

De igual modo, não retiramos significado, no sentido de existência de vínculo laboral, do facto de a correspondência dirigida ao A. e aos seus colegas advogados – obviamente, a remetida para as instalações da R. – ser aberta e lida pela Direcção da R. antes de lhe ser entregue.
Sem estar em causa, na presente revista, a licitude ou ilicitude de tal procedimento, temos tal facto, na sua singeleza, isto é sem outro e mais completo e concreto enquadramento fáctico, como inócuo.

Importa ainda referir que nada vem provado sobre aspectos que se prendem com o regime de assiduidade do A., de faltas (na vertente da sua justificação ou não e do reflexo das mesmas na contrapartida paga ao A.) e de poder disciplinar, e que assumem um papel também importante, no quadro dos indícios a ponderar na qualificação do contrato de trabalho.

Do exposto, resulta que não retiramos dos factos provados manifestações relevantes do poder de direcção próprio do empregador, no quadro do vínculo laboral.
As faculdades reconhecidas à R., na factualidade assente, são compatíveis com as que são próprias do beneficiário da actividade, em sede de contrato de prestação de serviço, harmonizando-se com o poder de orientação que lhe cabe, em termos de obter o resultado nos moldes por si pretendidos.
De igual modo, a concreta forma por que o A. se inseriu na organização da R. não se mostra incompatível, atenta a natureza, termos e fins da actividade prestada, com a existência de um contrato de prestação de serviço.

Sintetizando o que foi dito, podemos concluir que a factualidade provada – e como vimos, cabia ao A. o ónus de alegar e provar factos que demonstrassem a invocada existência de contrato de trabalho – é insuficiente para dela se extrair, num juízo global, a existência de contrato de trabalho a ligar as partes, o que, como também dissemos, constituía pressuposto necessário da procedência da acção.
O que dita a procedência do recurso e a improcedência da acção.


V – Assim, acorda-se em conceder a revista e em julgar a acção improcedente, absolvendo-se do pedido a R. BB.
Custas da revista e nas instâncias a cargo do autor.


Lisboa, 18 de Dezembeo de 2008

Mário Pereira (Relator)
Bravo Serra (vencido)*
Sousa Peixoto

*- Vencido, de harmonia com a declaração de voto que junto
Sabido que é o posicionamento qualificativo do legislador quanto às noções de contrato de trabalho e contrato de prestação de serviço, concluir-se-á, como no acórdão de que esta declaração faz parte integrante, que aquelas duas espécies de contrato se diferenciam, essencialmente, pelo respectivo objecto, qual seja o da prestação de uma actividade (no caso do contrato de trabalho) ou da obtenção de um resultado (no caso do contrato de prestação de serviço), e do relacionamento entre as partes, isto é, a existência de uma relação de subordinação (quanto ao primeiro) ou de autonomia (quanto ao segundo).

Porém, aquelas diferenciações, se bem que impositivas para a caracterização do concreto negócio, nem sempre, na realidade da vida, são facilmente apreensíveis, designadamente ao se atentar no objecto contratual.

Na verdade, e não se podendo escamotear que todo o trabalho ou desempenho de actividade, por princípio, e como diz Galvão Telles, (Contratos Civis, estudo publicado no Boletim do Ministério da Justiça, n° 63°, 165), conduz a um dado resultado, muitas das vezes, perante as estipulações contratuais, fica-se sem um claro «desenho» sobre a questão de saber se foi intento dos outorgantes que um deles viesse a prestar à outra uma sua actividade intelectual ou manual ou antes, que viesse a proporcionar o resultado desse trabalho.

Daí que, nesses casos, que, como é reconhecido, as mais das vezes se deparam quando se trata de actividades de natureza intelectual, se deva, à guisa de último reduto de consecução da qualificação contratual, apreciar qual o relacionamento que se processou entre as partes. É que, dessa específica apreciação são colhidos subsídios permissores da resposta a conferir à questão de saber se houve, ou não, uma posição de supremacia da parte a favor da qual reverte a actividade desenvolvida, com a correlativa posição de subordinação do prestador dessa actividade, que, assim, a executa perante os ditames de instrução ou orientação da primeira.

E isso, naturalmente, tem a maior relevância, no ponto em que, concluindo-se pela existência de uma tal posição de subordinação, não se poderá afastar a qualificação do negócio outorgado como sendo um contrato de trabalho, pois que a característica da subordinação é típica desta espécie de contratos.

Claro que a posição de supremacia da parte a favor da qual reverte a actividade nem sempre se manifesta em cada momento por forma a que todo o desenvolvimento da actividade a prestar constitua, afinal, uma mera execução de concretas instruções emanadas daquela parte. Exige, isso sim, a possibilidade de emissão de ordens, instruções, direcção e conformação relativamente àquilo que a outra parte se comprometeu a realizar no âmbito do contrato ou dentro dos limites deste.

Esta forma analítica de solucionar a qualificação contratual poderá, pois, fazer uma definição dos concretos contornos do negócio, mormente nas situações em que, estando em causa actividades de natureza técnica ou científica, se deparam maiores escolhos, posto que, aí, em muitos casos, não pode ser arredada, em razão daquela natureza, a autonomia do prestador da actividade.

Mas, mesmo nessas situações e, designadamente, no caso de actividades normalmente exercidas por profissões ditas liberais, não é vedada a contratação laboral em sentido estrito, como, aliás, defluía do n° 2 do art° 5o do regime jurídico aprovado pelo Decreto-Lei n° 49.408.

Perante essas dificuldades, tem sido, sem discrepância, notado pelas doutrina e jurisprudência nacionais que o método analítico que servirá para a qualificação do acordo negocial (e não se olvide que, quer o contrato de trabalho, quer o contrato de prestação de serviço, são negócios meramente consensuais) deverá passar pela verificação do condicionalismo concreto em que se desenvolveu a relação contratual, para, dessa sorte, se almejar a verificação, ou não, da característica da subordinação, típica do contrato de trabalho.

E, como também se dá nota no presente acórdão, tal verificação, porém, não se deve confinar perante um ou outro indício, mais ou menos relevante, antes devendo equacionar a totalidade do relacionamento, a fim de se proceder ao balanceamento de todos os indícios, com a finalidade de apurar da existência da aludida característica, a qual, e para se utilizarem os ensinamentos de Monteiro Fernandes (Direito do Trabalho, 13ª edição, 136) "consiste numa relação de dependência necessária da conduta pessoal do trabalhador na execução do contrato face às ordens, regras ou orientações ditadas pelo empregador, dentro dos limites do mesmo contrato e das normas que o regem", sendo que a supremacia do empregador que, concomitantemente, implica a subordinação do trabalhador, como já acima se aflorou, não tem de se manifestar (ou transparecer, como diz este Professor) em cada momento, pelo que, para o juízo de análise a que agora nos reportamos, bastará a verificação da possibilidade de ser exercida.

Por outro lado, impõe-se também não confundir a subordinação jurídica, que, como se disse, é típica do relacionamento do contrato de trabalho, com a dependência técnica, pois que, em alguns ramos de actividade, toma-se evidente a salvaguarda da autonomia técnica do prestador de actividade (pense-se, por exemplo, num médico de uma empresa, em que não é concebível receber ele ordens ou instruções do seu empregador sobre as formas de diagnóstico ou terapia que lhe incumbem, num advogado de empresa, em que, igualmente, não é concebível serem-lhe dadas regras ou orientações sobre questões de índole jurídica).

E, de semelhante modo, importa sublinhar que aquela subordinação não implica dependência económica, pois (cfr. o citado autor, mesma obra, 139) pode não existir dependência económica - no sentido de quem realiza o trabalho para outrem "encontrar na retribuição o seu único ou principal meio de subsistência" - no trabalho subordinado.

O aresto a que esta declaração se encontra apendiculada, porém, entendeu que os indícios retiráveis da matéria de facto, vistos na sua globalidade, não apontavam para a ocorrência, no caso sub specie, de um contrato de trabalho, mas sim para um contrato de prestação de serviço.

É neste preciso ponto que dissenti do juízo ora formulado.
Na realidade, sufrago, na sua essencialidade, a corte de considerações que, a propósito, foram tecidas no acórdão ora recorrido.

Tenho para mim que determinados pontos da factualidade apurada nos autos possuem, numa visão global, uma maior relevância para, em meu juízo, concluir pelo entendimento de que nos postamos perante um contrato de trabalho, comparativamente com aqueloutros que porventura possam apontar em sentido diverso.

Aqueles primeiros pontos reportam-se às seguintes circunstâncias: -

- serem os instrumentos de trabalho de que servia o autor pertença da ré, não obstante a actividade jurídica que desempenhava, o que, a meu ver, não é muito consonante com o exercício de uma actividade de prestação de serviço num domínio profissional eminentemente liberal;

- ser o autor auxiliado por funcionárias da ré, sendo os processos a cargo daquele elaborados e acompanhados administrativamente pelos serviços desta;

- gozar o autor férias e receber, mensalmente, nos vários anos em que prestou a sua actividade, determinados quantitativos monetários fixos;

- ser o local de trabalho do autor nas instalações da sede da ré, aí se tendo de apresentar mediante um determinado horário que fora com ela acordado;

- solicitar a ré aos advogados (e aqui se incluirá o autor) que intentassem acções em Tribunal, ainda que eles (e este, consequentemente) entendessem que as possibilidades das instaurandas acções eram muito reduzidas ou inexistentes;

- ser a ré quem fazia a distribuição, por entre os advogados, do trabalho relativo às reclamações e impugnações judiciais das decisões tomadas pelas Repartições de Finanças;

- ser toda a correspondência dirigida ao autor aberta e lida pela direcção da ré, antes de lhe ser entregue.

Em minha óptica, não é concebível que, no desenvolvimento das relações contratuais advindas do negócio jurídico celebrado entre o autor e a ré, se fosse desiderato das partes a contratação de uma prestação de serviços numa área de actividade em que, primordialmente, impera a autonomia técnica, se viesse a assistir a imposições da ré quanto à instauração de procedimentos judiciais, mesmo que o advogado entendesse que eles eram ou se afiguravam como inviáveis ou de problemático sucesso, bem como que a correspondência a ele dirigida, ainda que o fosse relacionada com a actividade que desenvolvia, fosse aberta e lida pela mesma ré antes de lhe ser entregue.

Ademais, aqueles mesmos pontos, numa sua apreciação global, levam-me a concluir que havia, da parte da ré, o exercício de um poder organizativo no tocante à actividade desenvolvida pelo autor, sendo que, para mim, não é possível retirar-se da matéria de facto tida por provada qualquer subsídio que permita a afirmação que o autor não efectuou retenção na fonte, nem descontou para a Segurança Social.

A situação em apreço apresenta-se, assim, na minha perspectiva, com contornos algo similares com o caso que veio a ser decidido por via do Acórdão deste Supremo Tribunal em de Novembro de 2007 (disponível em www.dgsi.pt sob o documento n° SJ200711270029114.

É, pois, este «peso» dos indícios que se retiram da factualidade apurada que, num «balanceamento» com os que, em sinal contrário e numa perspectiva isolada, poderiam apontar para uma relação negocial de prestação de serviço - vindos estes outros a ficar, na minha opinião, «sobrevalorizados» no presente acórdão - que me leva a não arredar que, no desenvolvimento da actividade do autor, estavam presentes características de subordinação e de integração num meio organizativo da ré, características essas típicas de uma relação laboral.

Por isso, negaria a revista.
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(1) - Vejam-se, entre outros, os acórdãos desta Secção de 16.01.2008, no Rec. n.º 2713/07, e de 13.02.2008, no Rec. n.º 356/07.
(2) - Entrado em vigor em 1 de Dezembro de 2003.
(3) - Preceito a que corresponde o art.º 150º do Cód. do Trabalho.
(4) - Como se salientou no acórdão deste Supremo, 4ª Secção, de 03.03.2005, proferido na Revista n.º 3581/04, disponível no site do ITIJ, Processo 04S3581.
(5) Pedro Romano Martinez, in “Direito do Trabalho”, Almedina, p. 306, salienta que a obrigação dos profissionais liberais, mesmo quando celebram contratos de prestação de serviços, costumam ser, em princípio, obrigações de meios e não de resultado.