Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1364/06.8TBBCL.G1.S2
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: TOMÉ GOMES
Descritores: RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL
ACIDENTE DE VIAÇÃO
ATROPELAMENTO
DANOS FUTUROS
DANO BIOLÓGICO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
PERDA DA CAPACIDADE DE GANHO
INCAPACIDADE PERMANENTE PARCIAL
INDEMNIZAÇÃO
EQUIDADE
Data do Acordão: 06/16/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA DA RÉ E CONCEDIDA, EM PARTE, A DA AUTORA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - LEIS, SUA INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / RESPONSABILIDADE CIVIL / MODALIDADES DAS OBRIGAÇÕES / OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAÇÃO.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / SENTENÇA ( NULIDADES ) / RECURSOS.
Doutrina:
- Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. 1.º, 10.ª Edição, Almedina, 605, nota 4.
- Castro Mendes, Direito Processual Civil, Vol. II, Obras Completas, 2012, AAFDL, 543 a 547.
- Maria da Graça Trigo, “Adopção do Conceito de “Dano Biológico” pelo Direito Português”, acessível na Internet; Obrigação de indemnização e dano biológico, in Responsabilidade Civil – Temas Especiais, Capítulo IV, Universidade Católica, 2015, 69 e seguintes.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 131.º, N.º 3, 2.ª PARTE, 154.º, N.º 1, E 607.º, N.º 3 E 4, 608.º, N.º 2, 615.º, N.º1, 663.º, N.º 2, E 666.º.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGO 13.º, N.º 1.
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 8.º, N.º 3, 494.º, 496.º, N.º 1, 566.º, N.º 3.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 07/06/2011, PROCESSO N.º 160/2002.P1.S1, ACESSÍVEL EM WWW.DGSI.PT .
-DE 07/06/2011, PROCESSO N.º 160/2002.P1.S1 ACESSÍVEL EM WWW.DGSI.PT .
-DE 10/10/2012, PROCESSO N.º 632/2001.G1.S1, ACESSÍVEL EM WWW.DGSI.PT .
-DE 21/03/2013, PROCESSO N.º 565/10.9TBVL.S1, ACESSÍVEL EM WWW.DGSI.PT .
-DE 19/02/2015, PROCESSO N.º 99/12.7TCGMR.G1.S1, ACESSÍVEL EM WWW.DGSI.PT .
-DE 04/06/2015, PROCESSO N.º 1166/10.7TBVCD.P1.S1, ACESSÍVEL EM WWW.DGSI.PT .
-DE 21/01/2016, PROCESSO N.º 1021/11.3TBABT.E1.S1, ACESSÍVEL EM WWW.DGSI.PT .
-DE 07/04/2016, PROCESSO N.º 237/13.2TCGMR.G1.S1, E JURISPRUDÊNCIA AÍ CITADA, ACESSÍVEL EM WWW.DGSI.PT .
Sumário :
I. O dano biológico abrange um espectro alargado de prejuízos incidentes na esfera patrimonial do lesado, desde a perda do rendimento total ou parcial auferido no exercício da sua atividade profissional habitual até à frustração de previsíveis possibilidades de desempenho de quaisquer outras atividades ou tarefas de cariz económico, passando ainda pelos custos de maior onerosidade no exercício ou no incremento de quaisquer dessas atividades ou tarefas, com a consequente repercussão de maiores despesas daí advenientes ou o malogro do nível de rendimentos expectáveis.

II. Assim, em caso de não verificação de incapacidade permanente para a profissão habitual, a consideração do dano biológico servirá para cobrir ainda, no decurso do tempo de vida expetável, a supressão ou restrição de outras oportunidades profissionais ou de índole pessoal, mesmo fora do quadro da profissão habitual ou para compensar custos de maior onerosidade com o desempenho ou suprimento dessas atividades ou tarefas, assumindo assim uma função complementar.

III. Tendo a A. a idade de 40 anos, à data da consolidação das sequelas, e permanecendo com uma incapacidade genérica de 6%, em termos de rebate profissional, compatível embora com a sua atividade profissional, mas não conseguindo realizar ou só executando com grande dificuldade tarefas que exigem maior esforço físico ou que requerem a sua posição de sentada por períodos mais ou menos prolongados, o que é de molde a influir negativamente e sobremaneira na sua produtividade como costureira, sendo ainda tais limitações suscetíveis de reduzir o leque de possibilidades de exercer outra atividade económica similar, alternativa ou complementar, e de se traduzir em maior onerosidade no desempenho das tarefas pessoais, mormente das lides domésticas, o que se prevê que perdure e até se agrave ao longo do período de vida expetável, mostra-se ajustada a indemnização de € 25.000,00 para compensar o dano biológico na sua vertente patrimonial.

IV. Tendo em conta a idade da A., a natureza das lesões sofridas, os períodos de internamento e de convalescença, os tratamentos a que teve, sucessivamente, de se submeter, as sequelas com que ficou e a repercussão na sua vida quotidiana, o grau de quantum doloris fixado em 4 pontos numa escala crescente de 1 a 7, o sofrimento que, segundo as regras da experiência, tudo isso implica com tendência a agravar-se com a idade, o facto de o acidente se ter devido a culpa exclusiva e grave do condutor do veículo atropelante sem qualquer parcela de responsabilidade da A., o longo tempo decorrido entre a data da propositura da ação (24/03/2006) e a data da sentença final (28/05/2014), tem-se por justificada e equitativa uma compensação pelos danos não patrimoniais no montante de 20.000,00 reportado à data da decisão final em 1.ª instância.

Decisão Texto Integral:
Acordam na 2.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça:



I – Relatório


1. AA (A.) instaurou, em 24/03/2006, junto do Tribunal Judicial de Barcelos, ação declarativa, sob a forma de processo ordinário, contra a BB – Companhia de Seguros, S.A, entretanto substituída pela CC – Companhia de Seguros, S.A. (R.), alegando, no essencial, que:

. Em 26/01/2005, pelas 13h00, ocorreu, na EN n.º 103, em …, Barcelos, um acidente de viação, em que o veículo automóvel ligeiro de mercadorias, com a matrícula ...-...-IJ, conduzido por DD, atropelou a A., quando esta se encontrava a meio da passadeira para proceder à travessia da estrada;

. De tal atropelamento resultaram lesões físicas para a A., que lhe determinaram doença e incapacidade para o trabalho até 31/12/2005, data em que teve alta, ficando, apesar de clinicamente curada, com uma incapacidade permanente para o trabalho de, pelo menos, 23,5%;

. Após o acidente, a A. ficou completamente incapacitada de trabalhar e ainda de tratar das lides domésticas e de cuidar de si própria, pelo que teve de contratar outra pessoa para a ajudar nessas tarefas, tendo pago por esse trabalho a quantia de € 600,00 (€ 150,00/mês), para além da importância de € 1.320,00 que a R. lhe pagou;

. Durante o tempo em que esteve com baixa, perdeu remunerações no valor de € 9.763,50, assim como subsídios de férias e de Natal no montante de € 1.698,00;

. A responsabilidade civil relativa à circulação do veículo atropelante encontrava-se transferida para a R. Seguradora.

Concluiu pedindo a condenação daquela R. a pagar-lhe:

   a) - a quantia de € 35.000,00, a título de danos patrimoniais;

   b) - a quantia de € 30.000,00 pelos danos não patrimoniais;

   c) – os montantes de € 169,50, € 525,00 e € 420,00, por despesas que suportou em exames, consultas médicas e transportes.

2. A R. contestou a ação a impugnar alguns dos factos alegados pela A. e, embora aceitando o alegado quanto à dinâmica do acidente e à culpa do segurado, sustentando que:

. A A. foi acompanhada pelos serviços clínicos da R., que lhe prestou tratamento médico e liquidou as despesas de tratamentos;

. A IPP da A. foi fixada em 7,55% pelos seus serviços clínicos;

. Pagou diretamente a terceira pessoa os serviços por prestados à A.;  

. É exagerada e desajustada a liquidação dos danos peticionados.

Concluiu no sentido de se julgar a ação conforme com a prova que viesse a ser produzida.

3. Findos os articulados, foi proferido saneador tabelar e selecionada a matéria de facto tida por relevante com a organização da base instrutória, conforme despacho de fls. 96-103, de 13/10/2006.

4. Realizada a audiência final, foi decidida a matéria de facto controvertida pela forma constante do despacho de fls. 655-661, após o que foi proferida a sentença a fls. 661-681, datada de 28/05/2014, a julgar a ação parcialmente procedente, condenando-se a R. a pagar à A. as seguintes quantias:

a) – € 15.762,74 (€ 14.750,00 + 1.035,74), a título de danos patrimoniais, acrescida de juros de mora desde a citação;

b) - € 8.000,00, a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora desde a data da sentença.

5. Inconformadas com tal decisão, tanto a A., em via principal, como a R., subordinadamente, recorreram para o Tribunal da Relação de Guimarães que, através do acórdão de fls. 864-877/v.º, de 17/09/2015, acabou por julgar improcedente a apelação da R. e parcialmente procedentes a apelação da A., alterando a decisão a decisão da 1.ª instância no sentido de condenar a R. a pagar à A. as seguintes quantias:

a) – O total de € 21.246,29, a título de danos patrimoniais, resultante da soma de € 14.750,00, pelo défice funcional, 1.036,29, por despesas, e € 5.460,00 relativos a ITA, subtraída do montante recebido da Segurança Social, acrescido de juros de mora desde a citação;

b) – € 10.000,00, pelos danos não patrimoniais, mantendo os juros de mora desde a data da sentença da 1.ª instância.  

6. Novamente inconformadas, tanto a A., a título principal, como a R., por via subordinada, interpuseram revista, em que formulam as seguintes conclusões:

6.1. A A., dizendo que:

1.ª - O presente recurso tem por objeto nulidades do acórdão recorrido por violação do preceituado na alíneas b) e c) do n.º 1 do art.º 615.º do CPC;

2.ª - O referido acórdão, no que se refere à indemnização por ITA e às remunerações de férias, subsídios de férias e de Natal, decidiu ter a A. direito ao valor de € 5.460,0,00, subtraído do montante recebido pela Segurança Social, reportado no ponto xx), a liquidar.

3.ª - Da materialidade dada como provada, resulta que a Segurança Social abonou à A. as férias, subsídio de férias e subsídio de Natal correspondentes ao período de doença natural e relativamente aos quais é responsável - os relativos ao ano de 2004.

4.ª - Deixando, por conseguinte, a Segurança Social de abonar à A. as férias, subsídio de férias e subsídio de Natal correspondentes ao período de incapacidade temporária para o trabalho por doença direta - os de 2005 e 2006, uma vez que não é responsável pelo pagamento das mesmas.

5.ª - Assim, a decisão recorrida está em oposição com os fundamentos constantes da materialidade dada como provada, o que consubstancia a nulidade processual prevista no art.º 615.º, n.º 1, alínea c), por referência ao art.º 666.º, n.º 1, do CPC, que expressamente se invoca e que terá que ser suprida, com a necessária remessa destes autos ao Tribunal da Relação para apreciação e prolação de nova decisão sobre o valor das retribuições de férias e subsídio de férias e de Natal.

6.ª - Se assim não fosse, o que não se aceita e se trata por mero dever de patrocínio, e caso se entenda que ao valor de € 5.460,00, deve ser subtraídos o montante reportado no ponto xx) e relativo aos períodos de incapacidade subsequente ao acidente, estaríamos perante um manifesto excesso de pronúncia, cfr. última parte da alínea d) do n.º 1 do art.º 615.º do CPC, o que, sem prescindir, se invoca para todos os efeitos legais.

7.ª - Note-se que, verificado o teor de todos os articulados nem a Segurança Social, IP, nem a R. CC alguma vez peticionaram que à A. fossem subtraídas as ditas quantias, fosse a que título fosse.

8.ª – Mais, ao entender que a A. reclama montantes relativos a férias e respetivo subsídio e subsídio de Natal referentes somente ao ano de 2004, o que não se aceita, estaríamos perante uma manifesta situação omissão de pronúncia prevista na primeira parte da alínea d) do n.º 1 do art.º 615.º do CPC, o que, sem prescindir, se invoca para todos os efeitos legais.

9.ª - Pois, do sobredito entendimento resultaria que a A. deixava de ter direito a auferir, no período correspondente à convalescença do acidente - de 26/01/2005 a 26/10/2006 (341 dias de incapacidade temporária total ou absoluta - ITA), qualquer quantia a título de férias e respetivo subsidio e subsidio de Natal, quantias que esta sempre peticionou.

10.ª - Em matéria de indemnização por danos patrimoniais, resulta do acórdão recorrido que se considera justo e ajustado o valor fixado pelo tribunal recorrido a este título que assim se mantêm, e que era de € 14.750,00;

11.ª - A recorrente não se conforma com tal decisão por, antes de mais, a mesma assentar, em erro de cálculo sobre os raciocínios matemáticos que a mesma apresenta.

12.ª - O acórdão recorrido refere-se à taxa de 3% quanto à taxa de juro o capital. Todavia, a taxa de juro de capital, fixada a 3% é manifestamente inferior ao índice de aumento do salário mínimo nacional, nesta data fixado em € 505,00 (424,50€x3%=437,50), sendo este o que se deve considerar para todos os efeitos legais.

13.ª - Desta feita, e de acordo com o raciocínio matemático apresentado no acórdão recorrido, seria o cálculo do valor da indemnização pelo défice funcional o seguinte: Rendimento anual: € 505,00 x 14 = € 7.070,00; Perda resultante da IPG de 6 pontos: € 7.070,00 x 6% = € 424,20; esperança de vida da recorrente após o acidente: 41 anos (80-39); perda resultante do acidente: € 424,20 x 41 = € 17.392,20.

14.ª - O que, em conformidade com os dizeres da jurisprudência invocada no acórdão recorrido, nunca poderia o valor da indemnização pelo défice funcional ser fixado em quantitativo inferior a € 17.392,20.

15.ª - Decidindo fixar o valor da indemnização por défice funcional em € 14.750,00, o acórdão recorrido está em oposição com os fundamentos que usou, cfr. art.º 615.º, n.º 1, alínea c), por referência ao art.º 666.º, n.º 1, do do CPC, nulidade que expressamente se invoca e que terá de ser suprida com a necessária remessa destes autos ao Tribunal da Relação para apreciação e prolação de nova decisão sobre o valor da indemnização por défice funcional;

16.ª - Acresce que, a recorrente não se conforma com o “quantum” fixado a título de indemnização devida por défice funcional.

18.ª - A afetação do ponto de vista funcional, na envolvência do que vem sendo designado por "dano biológico", determinou à recorrente consequências negativas a nível da sua atividade geral e profissional.

18.ª - Essa incapacidade funcional ou "dano biológico", numa perspectiva sistémica da teoria geral da indemnização, implica a ressarcibilidade, enquanto dano patrimonial futuro.

19.ª - Muito embora se tenha presente que as sequelas sofridas em consequência do acidente são, em termos de rebate profissional, compatíveis com o exercício da atividade habitual, mas implicam esforços suplementares;

20.ª - A verdade é que, no caso dos autos, a A. nunca mais pode regressar ao seu trabalho, por não reunir condições físicas que o permitam, e somente exerce as suas funções de dona de casa com significativas limitações.

21.ª - Assim, a indemnização, por défice funcional (dano patrimonial futuro), deve ser arbitrada em quantia nunca inferior a € 35.000,00, por se adequada e proporcional aos danos resultantes do acidente conjugados demais critérios atendíveis.

22.ª - Decidindo fixar o valor da indemnização por défice funcional em € 14.750,00, o Tribunal da Relação proferiu decisão somente pelo facto de considerar justo e ajustado o valor fixado pelo tribunal recorrido a este título que assim se mantêm.

23.ª - A prolação de decisão, não especificando os fundamentos de facto e de direito que a justificam, consubstancia a nulidade processual plasmada na alínea b) do n.º 1 do art.º 615.º do CPC, que expressamente se invoca e que terá que ser suprida, com a necessária remessa destes autos ao Tribunal da Relação para apreciação e prolação de nova decisão sobre o valor da indemnização por défice funcional.

24.ª - A recorrente também não concorda com o valor da indemnização fixado por danos de natureza não patrimonial em € 10.000,00.

25.ª - Diante os factos em presença, a recorrente sofreu lesões que lhe causam inibição e sensação de diminuição física, ao que acrescem lesões que a afetam e afetarão o resto da sua vida. Atravessou e atravessa por períodos de grave depressão e tristeza provocados pelos sucessivos tratamentos; para além de ainda sofrer, em consequência do acidente, de fortes e incontornáveis dores e transtornos, desgosto, comoção e angústias.

26.ª - Donde deve ser atribuída uma indemnização a título de danos não patrimoniais nunca inferior a € 15.000,00, por se mostrar justa e adequada a “compensar” a recorrente pelas lesões sofridas.

27.ª - Decidindo fixar o valor da indemnização por danos não patrimoniais em € 10.000,00, o Tribunal da Relação proferiu decisão somente pelo facto do montante se revelar justo e equilibrado (num quadro factual, legal e jurisprudencial comparativo). Todavia, o tribunal recorrido não especifica o quadro factual, legal e jurisprudencial que utilizou para concluir pelo montante justo e equilibrado.

28.ª - A prolação de decisão, não especificando os fundamentos de facto e de direito que a justificam, consubstancia a nulidade processual plasmada na alínea b) do n.º 1 do art.º 615.º do CPC, que expressamente se invoca e que terá que ser suprida, com a necessária remessa destes autos ao Tribunal da Relação para apreciação e prolação de nova decisão sobre o valor da indemnização por danos morais.

29.ª - Sem prescindir, da materialidade dada como provada resulta que as sequelas que afetaram a recorrente, os tratamentos e internamentos a que foi submetida implicam uma reavaliação das quantias arbitradas tanto a nível de danos patrimoniais como a nível de danos não patrimoniais.

30.ª - A factualidade em crise determina diferente ponderação do caso em apreço, pois considerando o princípio da equidade e as decisões que os Tribunais Superiores têm vindo a proferir, revela-se justo, adequado e proporcional fixar uma indemnização pelos danos patrimoniais sofridos em quantia nunca inferior a € 35.000,00 e justo, adequado e proporcional fixar uma indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos em quantia nunca inferior a € 15.000,00.

32.ª - Decidindo fixar o valor da indemnização por danos patrimoniais em € 14.750,00 e a indemnização pelos danos não patrimoniais em € 10.000,00, o Tribunal da Relação proferiu decisão em cujos fundamentos estão em oposição com a decisão proferida, porquanto a materialidade dada como provada deve determinar ponderação diferente no caso em apreço;

33.ª - A prolação de decisão cujos fundamentos estão em oposição com a decisão consubstancia a nulidade processual plasmada na alínea c) do n.º 1 do art.º 615.º por referência ao preceituado no n.º 1 do art.º 666.º do CPC, que expressamente se invoca e que terá que ser suprida;

34.ª - Mais viola a decisão proferida o preceituado nos artigos 494.º, 564.º, n.º 1 e 2, e 566.º, n. 1, do CC.

6.2. A R., sustentando que:  

1.ª - As presentes alegações visam a revogação do acórdão, porquanto se discorda das indemnizações fixadas à recorrida a título de danos patrimoniais futuros, decorrente da IPP de que ficou a padecer e a título de danos não patrimoniais.

2.ª - A indemnização atribuída à A. recorrida a título de danos patrimoniais futuros é excessiva.

3.ª - Porquanto, nos autos, apenas resultou provado que a IPG de que a A. padece não se reflete em incapacidade efetiva, ou seja, não implica perda efetiva de rendimentos para o trabalho habitual do mesmo.

4.ª- Tratam-se, pois, de danos futuros, de difícil quantificação, sendo apenas ressarcíveis caso sejam seguros e previsíveis, dependendo de múltiplos elementos, tais a evolução da vida pessoal do lesado e o desempenho profissional futuro daquele.

5.ª - Isto é, da concreta situação de IPG - 6 pontos - não decorre uma efetiva diminuição na perceção de salários ou rendimentos por parte da A., não se refletindo essa IPG em concretos e efetivos danos patrimoniais.

6.ª - Não está provado que a lesada esteja impedida de exercer a profissão respetiva e obter outras remunerações e o relatório médico-legal é claro, a recorrida apenas sofreu um dano corporal que a afeta ao nível de uma incapacidade funcional, digamos, um "handicap" no qual, a repercussão negativa se centra apenas na diminuição da condição física, resistência e capacidade por parte da mesma.

7.ª - Cumpre referir que, à data do acidente, a A. contava 39 anos de idade, auferindo um rendimento mensal ilíquido de € 375,00 e o subsídio de alimentação no valor de € 49,50;

8.ª - Ora, no cálculo indemnizatório a efetuar haverá que considerar que o recebimento imediato da totalidade do capital indemnizatório poderá, se não sofrer qualquer correção, propiciar um enriquecimento injustificado à custa do lesante.

9.ª - Por todo o exposto somos a reiterar, não obstante as considerações do aresto recorrido, que, em termos de equidade consideramos justa a importância de 7.500,00, a título de indemnização pela IPG de 6 pontos sofrida pela A.;

0.ª - Entre outros, a sentença recorrida violou, designadamente, os artigos 562.º, 566.º, n.º 2, e 496.º, n.º 3, do Código Civil.

11.ª - A indemnização de € 10.000,00 atribuída à A., a título de danos não patrimoniais, é também manifestamente excessiva.

12.ª - Antes de mais, diga-se que não discute a ora R. que os danos provados ostentam aquela gravidade que reclama a tutela do direito.

13.ª – Ressalvamos a necessidade de recurso a critérios de equidade e normalidade, como muito bem referiu o tribunal “a quo”, muito embora não lhes retirando as consequências aqui propostas, para a fixação do montante indemnização, sendo certo que é Realista pretender alcançar um valor que espelhe exatamente o dano sofrido.

14.ª - O montante da indemnização correspondente aos danos não patrimoniais deve ser calculado, em qualquer caso (haja dolo ou mera culpa do lesante), segundo critérios de equidade, atendendo ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica e à do lesado e do titular da indemnização (cfr. art.º 494.º, ex vi art.º 496.º, n.º 3, do CC), aos padrões indemnização geralmente adotados na jurisprudência, às flutuações do valor da moeda, etc., sendo fundamental que tal compensação seja significativa, e não meramente simbólica ou miserabilista.

15.ª - A apreciação da gravidade do referido dano, embora tenha de assentar, como é natural, no circunstancialismo concreto envolvente, deve operar sob um critério objetivo, num quadro de exclusão, tanto quanto possível, da subjetividade inerente à particular sensibilidade humana.

16.ª - Assim, refira-se que o dano não patrimonial compõe-se de diversos elementos, provando-se apenas o que vem referido em r), ccc) da matéria de facto provada.

17.ª - Por tudo o exposto, sendo certo que tais danos são indemnizáveis e nessa medida merecedores da tutela do direito, somos a reiterar que, por tudo o exposto, em termos de equidade e atendendo aos critérios orientadores estabelecidos na Portaria n.º 377/2008, de 26 de maio, que poderão auxiliar a uniformidade de decisões judiciais em matéria sobremaneira subjetiva, considera-se justa a importância de € 5.000,00 a atribuir à A./lesada, a título de danos não patrimoniais, não obstante as considerações do aresto recorrido.

18.ª - Ao decidir como decidiu, o aresto recorrido violou o disposto nos artigos 483.º, 494.º, 496.º, n.º 3, 562.º, n.º 3, 564.º, n.º 2, e 566.º, n.º 2, todos do Código Civil.


Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.


II - Delimitação do objeto dos recursos


Antes de mais, importa reter que, tratando-se de ação proposta em 2006, na qual as decisões impugnadas foram proferidas em 28/05/2014 (na 1.ª instância) e em 17/09/2015 (na Relação), é aplicável o regime recursal do CPC aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26-06, nos termos do art.º 7.º, n.º 1, desta Lei.

Como é sabido, no que aqui releva, o objeto do recurso é definido em função das conclusões formuladas pelo recorrente, nos termos dos artigos 635.º, n.º 3 a 5, 639.º, n.º 1, do CPC.


Dentro desses parâmetros, o objeto dos presentes recursos incide sobre as seguintes questões:

. No âmbito da revista interposta pela A.:

i) - As arguidas nulidades do acórdão recorrido, ao abrigo das alíneas b), c) e d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, com base em falta de especificação de fundamentos de facto e de direito que justifiquem a decisão, em oposição entre determinados factos provados e a decisão, bem como em excesso ou omissão de pronúncia;

ii) – Em sede de mérito, as questões dos invocados erros de direito, face à factualidade provada, na determinação dos montantes indemnizatórios fixados em € 14.750,00, pelo défice funcional, e € 10.000,00, pelos danos não patrimoniais;

. No âmbito da revista da R., a questão do alegado erro de direito na determinação dos mesmos montantes indemnizatórios.


Assim, tais questões serão apreciadas pela seguinte ordem:

A – Em primeira linha, as nulidades do acórdão recorrido arguidas pela A.;

B – Seguidamente e em conjunto:

   a) – a questão relativa à indemnização pelo défice funcional da A.;

   b) – a questão relativa aos danos não patrimoniais.

        

III - Fundamentação   


1. Factualidade dada como provada


Vem dada como provada pelas instâncias a seguinte factualidade:

1.1. No dia 26 de janeiro de 2005, pelas 13h30, na EN 103, em …, Barcelos, ocorreu um embate em que foram intervenientes o veículo automóvel ligeiro, de mercadorias, com a matrícula ...-...-IJ, conduzido por DD, e a autora (A.) – alínea A) dos factos assentes;

1.2. No dia e hora referidos em 1.1, a A. caminhava pelo passeio do lado direito da EN 103, atento o sentido Barcelos – Braga – alínea B) dos factos assentes;

1.3. Ao 31,600 km da EN 103, atento o sentido Barcelos – Braga, existia uma passagem para travessia de peões, assinalada na faixa de rodagem, constituída por barras longitudinais paralelas ao eixo da via, alternadas por intervalos regulares – alínea C) dos factos assentes;

1.4. A A. pretendia atravessar a EN 103 pelo local referido em 1.3, do lado direito para o lado esquerdo, atento o sentido de Barcelos – Braga – alínea D) dos factos assentes;

1.5. Antes de iniciar a travessia da EN 103, a A. olhou para ambos os lados da estrada – alínea E) dos factos assentes;

1.6. Depois de terem passado dois veículos que circulavam no sentido Braga - Barcelos, um terceiro veículo, que circulava no sentido de Barcelos – Braga, parou junto da passadeira referida em 1.3 para permitir à A. a travessia da estrada – alínea F) dos factos assentes;

1.7. A A. iniciou a travessia da EN 103 e, quando já estava no meio da passadeira, foi embatida pela frente do veículo ...-...-IJ – alínea G) dos factos assentes;

1.8. O condutor do ...-...-IJ imprimia ao veículo velocidade superior a 60 e a 80 km por hora – alínea H) dos factos assentes;

1.9. A anteceder o local onde existia a passagem para peões referida em 1.3, atento o sentido Braga - Barcelos, havia três sinais verticais de trânsito, colocados do lado direito da via: a) - um de proibição de ultrapassagem; b) - um de proibição de exceder o limite máximo de 50 km por hora; c) - um com a indicação de aproximação de uma passagem para peões – alínea I) dos factos assentes;

1.10. Apesar dos sinais a que se alude em 1.9, o condutor do veículo ...-...-IJ prosseguiu a sua marcha sem reduzir a velocidade – alínea J) dos factos assentes;

1.11. O veículo ...-...-IJ parou cerca de 14,20 metros, após o local do embate – alínea L) dos factos assentes;

1.12. A passadeira a que se alude em 1.3 localiza-se num troço de reta – alínea L) dos factos assentes;

1.13. O condutor do ...-...-IJ podia avistar a A. a mais de 30 metros de distância – alínea N) dos factos assentes;

1.14. Nas circunstâncias de tempo e local a que se alude em 1.1, o tempo estava bom e seco – alínea O) dos factos assentes;

1.15. Em consequência do embate a que se alude em 1.1, a A. foi projetada e derrubada no solo – resposta ao art.º 1.º da base instrutória;

1.16. A A. sofreu contusão dorsal compatível com fratura cuneiforme da vértebra D7, sem lesões neurológicas – resposta conjunta aos artigos 2.º e 3.º da base instrutória;

1.17. Após o embate, a A. foi conduzida ao Hospital de Santa Maria Maior, em Barcelos, onde ficou internada no Serviço de Ortopedia – resposta ao art.º 4.º da base instrutória;

1.18. A A. permaneceu no hospital em repouso e algaliada durante 5 dias – resposta ao art.º 5.º da base instrutória;

1.19. Em 2 de fevereiro de 2005, a A. teve alta do internamento hospitalar, regressando ao seu domicílio – resposta ao art.º 6.º da base instrutória;

1.20. No seu domicílio, a A. teve de usar um colete dorso-lombar e manter-se em repouso no leito – resposta ao art.º 7.º da base instrutória;

1.21. Em 13 de fevereiro de 2005, a A. teve de ser internada no Hospital de Santa Maria Maior, por apresentar toracalgia intensa, na região dorsal esquerda, com dispneia, colocando-se a hipótese de se tratar de trombo-embolismo pulmonar, não confirmada pelo posterior exame, tendo a TAC torácico revelado pequeno derrame pleural à esquerda, com alterações de contusão hemorrágica do parênquima adjacente – resposta ao art.º 8.º da base instrutória;

1.22. A A. foi ainda submetida a broncofibroscopia para despiste de lesão pulmonar visível sangrante, que foi normal – resposta ao art.º 9.º da base instrutória;

1.23. Em 28 de fevereiro de 2005, a A. teve alta do internamento hospitalar, regressando ao seu domicílio – resposta ao art.º 10.º da base instrutória;

1.24. No seu domicílio, a A. passou ao regime de tratamento em consulta externa – resposta ao art.º 11.º da base instrutória;

1.25. Em 28 de março de 2005, a A. foi submetida a eletromiograma dos membros inferiores, que evidenciou sinais compatíveis com disfunção radicular L4-L5 à direita e L5 à esquerda, com desenervação ativa à esquerda – resposta conjunta aos artigos 12.º e 13.º da base instrutória;

1.26. A data da consolidação médico-legal das lesões sofridas pela A. é fixável em 01/01/2006; o período de incapacidade temporária geral total ocorreu desde 26/01/2005 até 28/02/2005, fixável num período de 34 dias; o período de incapacidade temporária geral parcial ocorreu desde 01.02.2005 até 01/01/2006, fixável num período de 335 dias; o período de incapacidade temporária profissional total ocorreu desde 26/01/2005 até 01/01/2006, fixável num período de 341 dias; o “quantum doloris” é fixável no grau 4, numa escala de 7 graus de gravidade crescente; a incapacidade permanente geral da autora é fixável em 6%; as sequelas sofridas em consequência do acidente são, em termos de rebate profissional, compatíveis com o exercício da atividade habitual, mas implicam esforços suplementares; a A. não sofreu sequelas psiquiátricas permanentes decorrentes do acidente – resposta ao art.º 45.º da base instrutória;

1.27. Após o acidente, a A. sofreu um agravamento do seu estado depressivo, melhorando posteriormente com um ajuste terapêutico – resposta ao art.º 14º da base instrutória;

1.28. A A. passou a sentir um estado de fadiga constante – resposta ao art.º 17.º da base instrutória;

1.29. A A. nasceu em 25/07/1965 – alínea R) dos factos assentes;

1.30. Antes do embate, a A. era uma pessoa sem qualquer deformidade ou incapacidade física – resposta ao art.º 21.º da base instrutória;

1.31. A A. trabalhava no estabelecimento industrial de “EE – Confecções, Ld.ª”, onde exercia a atividade de costureira e auferia a remuneração mensal ilíquida de € 375,00 e subsídio de alimentação no valor de € 49,50 – resposta ao art.º 22.º da base instrutória;

1.32. Antes do embate, a A. executava tarefas que exigiam esforço físico com normalidade e sem a dificuldade que passou a sentir após o acidente – resposta ao art.º 30.º da base instrutória;

1.33. Apesar de clinicamente curada, a A. em consequência do traumatismo da coluna dorso-lombar, ficou a sofrer de dorsalgias residuais ao nível D6-D7 com irradiação intercostal, embora com predomínio à esquerda – resposta ao art.º 25.º da base instrutória;

1.34. As dorsalgias residuais obrigam a medicação irregular com analgésicos e anti-inflamatórios – resposta ao art.º 26.º da base instrutória;

1.35. A A. ficou a sofrer de lombalgias residuais ao nível da charneira lombo sagrada – resposta ao art.º 27.º da base instrutória;

1.36. Atualmente, a A. não consegue realizar ou só executa com grande dificuldade, tarefas que exigem maior esforço físico ou que requerem a sua posição de sentada por períodos mais ou menos prolongados – resposta ao art.º 29.º da base instrutória;

1.37. Em consequência do embate, das lesões sofridas e dos tratamentos a que teve de se sujeitar, a A. sofreu dores, mal-estar e incómodos que se prolongaram no tempo – resposta ao art.º 31.º da base instrutória; .

1.38. As lombalgias e dorsalgias de que a A. ficou a padecer causam sofrimento e mal-estar à A. – resposta ao art.º 32.º da base instrutória;

1.39. A A. sente desgosto de ter ficado marcada e afetada negativamente na sua capacidade de trabalho – resposta ao art.º 34.º da base instrutória;

1.40. A A. confecionava as refeições para a família, composta de marido e três filhos, fazia a limpeza da casa e tratamento das roupas – resposta ao art.º 35.º da base instrutória;

1.41. Durante cerca de 4 meses, a A. teve de recorrer à assistência de outra pessoa, sua cunhada, para tratar da casa e a ajudar a lavar e a vestir – resposta ao art.º 37.º da base instrutória;

1.42. Pelo trabalho prestado por essa terceira pessoa, a R. pagou a importância de € 1.320,00 – resposta ao art.º 38.º da base instrutória;

1.43. A A. esteve com incapacidade temporária para o trabalho por doença natural de 01/01/2004 até 26/01/2005, data em que passou à situação de incapacidade temporária para o trabalho por doença direta – resposta ao art.º 39.º da base instrutória;

1.44. No período de 01/01/2004 até 26/10/2006, a A. recebeu da Segurança Social, a título de subsídio de doença, subsídio de férias e subsídio de Natal, as quantias descritas no extrato de conta corrente constante de fls. 133, cujo teor se dá por reproduzido – resposta ao art.º 40.º da base instrutória;

1.45. Relativamente ao ano de 2004, não foi pago pela entidade patronal da A. qualquer valor referente a férias, subsídio de férias e subsídio de Natal – resposta ao art.º 41.º da base instrutória;

1.46. Em exames e consultas médicas a A. gastou € 644,50 – resposta conjunta aos artigos 42.º e 43.º da base instrutória;

1.47. Em transportes para exame e tratamentos, a A. despendeu, pelo menos, a quantia € 391,74 – resposta ao art.º 44.º da base instrutória;

1.48. Em consequência do embate a que se alude em 1.1, o Centro Distrital de Segurança Social de Braga pagou à A., a título de subsídio de doença, a importância de € 3.057,70, de subsídio de Natal € 219,60 e de subsídio de férias € 219,60, correspondente ao período de 26/01/04 a 25/01 /05 – resposta ao art.º 46.º da base instrutória;

1.49. A R. custeou despesas de tratamento da A. – alínea P) dos factos assentes;

1.50. Por contrato de seguro titulado pela apólice n.º 90190781, o proprietário do veículo ...-...-IJ tinha transferido para a R. a responsabilidade civil pelos danos causados a terceiros com esse veículo – alínea Q) dos factos assentes.


2. Do mérito do recurso


2.1. Quanto às invocadas nulidade do acórdão recorrido


A A./Recorrente arguiu diversas nulidades do acórdão recorrido, ao abrigo das alíneas b), c) e d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, sustentando que:

a) – Quanto à questão do direito da A. ao valor de € 5.460,00, subtraída do montante recebido pela Segurança Social, a liquidar, o segmento decisório que versa sobre essa questão está em oposição com a materialidade dada por provada, donde resulta que a Segurança Social deixou de abonar à A. as férias, subsídio de férias e subsídio de Natal correspondentes ao período de incapacidade temporária para o trabalho por doença direta, nos anos de 2005 e 2006, uma vez que não é responsável pelas mesmas;    

b) – Quanto à mesma questão, ocorre excesso de pronúncia, dado que nem a R. nem a Segurança Social alguma vez peticionaram nos autos que à A. fossem subtraídas as ditas quantias; e ainda omissão de pronúncia, caso se entenda que a A. reclamou subsídios referentes somente a 2004;

c) – Quanto à questão da fixação da indemnização a título de danos não patrimoniais, a falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito que justifiquem o baixo montante atribuído.

        

  Vejamos.


  O n.º 1 do artigo 615.º do CPC, no que aqui releva, prescreve o seguinte:

           É nula a sentença quando:

  b) – Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;

  c) – Os fundamentos estejam em oposição com a decisão (…);

  d) – O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.

     Correspondentemente, tais vícios constituem o sancionamento das normas prescritivas que disciplinam a elaboração da sentença, respetivamente, as dos artigos 131.º, n.º 3, 2.ª parte, 154.º, n.º 1, e 607.º, n.º 3 e 4, do CPC, respeitantes à clareza, especificação e coerência da fundamentação e bem assim a do n.º 2 do artigo 608.º do mesmo diploma que estabelece, em contraponto, o dever e a proibição de pronúncia atentos o objeto do litígio e o princípio do dispositivo. As disposições citadas aplicam-se também aos acórdãos da Relação, por via das normas remissivas dos artigos 663.º, n.º 2, e 666.º do CPC.

      Sucede que tais vícios, radicando em erro de procedimento ou de atividade (error in procedendo), revestem natureza formal ou processual, pelo que só afetam a existência, a perfectibilidade material ou a validade do ato decisório, na medida em que obstem à compreensão e reapreciação do seu mérito[1]


      Assim, como têm sido doutrina e jurisprudência correntes, a falta de fundamentação de facto ocorre quando, na sentença, se omite ou se mostre de todo ininteligível o quadro factual em que era suposto assentar. Situação diferente é aquela em que os factos especificados são insuficientes para suportar a solução jurídica adotada, ou seja, quando a fundamentação de facto se mostra medíocre e, portanto, ainda passível de um juízo de mérito negativo. A falta de fundamentação de direito existe quando, não obstante a indicação do universo factual, não se revela qualquer enquadramento jurídico ainda que implícito, de forma a deixar, no mínimo, ininteligível os fundamentos da decisão.

      Em suma só a falta absoluta de fundamentação que torne de todo incompreensível a decisão é que releva para efeitos da sobredita nulidade.


E, quanto à oposição entre a fundamentação e a decisão, importa ter presente o disposto no artigo 607.º, n.º 3, parte final, do CPC, segundo o qual o juiz deverá concluir pela decisão final, o que se reconduz, analiticamente, ao estabelecimento de uma equação discursiva entre: a base da facti species, simples ou complexa, plasmada no quadro normativo aplicável - a dita premissa maior; a factualidade dada como provada – a dita premissa menor; e uma conclusão sustentada na estatuição legal correspondente ao referido quadro normativo.

Entre tais premissas e conclusão deve existir, portanto, um nexo lógico que permita, no limite, a formulação de um juízo de conformidade ou de desconformidade, o que não se verifica quando as premissas e a conclusão se mostrem formalmente incompatíveis, numa relação de recíproca exclusão lógica. Com efeito, sobre dois termos excludentes nem tão pouco é viável formular um juízo de mérito ou de demérito; já não assim quando se trate de uma relação de mera inconcludência, sobre a qual é possível formular um juízo de demérito. 

     Assim, a oposição entre os fundamentos e a decisão da sentença só releva como vício formal, para os efeitos da nulidade cominada na alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, quando se traduzir numa contradição nos seus próprios termos, num dizer e desdizer desprovido de qualquer nexo lógico positivo ou negativo, que não permita sequer ajuizar sobre o seu mérito. Se a relação entre a fundamentação e a decisão for apenas de mera inconcludência, estar-se-á já perante uma questão de mérito, reconduzida a erro de julgamento e, por isso, determinativa da improcedência da acção.


     Por sua vez, a omissão e o excesso de pronúncia colocam-se em termos das questões a decidir, como sejam as pretensões deduzidas, consubstanciadas nos respetivos pedidos e causas de pedir, ou as exceções e seus fundamentos, deduzidas pelo réu ou que sejam de conhecimento oficioso. Já no âmbito do recurso, os vícios de omissão ou de excesso de pronúncia são configuráveis em função dos erros de direito ou de facto que tenham sido invocados.

      Nessa linha de entendimento, não constituem omissão, por exemplo, o não atendimento de factos que se encontrem provados ou a não apreciação de determinados argumentos das partes, no perímetro das questões invocadas, consistindo, quando muito, em erros de julgamento ou em fundamentação medíocre ou insuficiente. Também o atendimento de factos não alegados pelas partes e que não sejam de conhecimento oficioso não se reconduz ao vício de excesso de pronúncia, podendo consistir sim em erro de julgamento.      


     No caso vertente, no que toca à questão da indemnização da A. relativamente aos danos emergentes da perda de remunerações no período da ITA, a ponderação ou não dos montantes a subtrair e a sua coerência com o decidido não se consubstanciam em qualquer contradição formal com o decidido, nos termos acima expostos, podendo, em última análise, envolver erro de julgamento.

      Por seu lado, o atendimento de valores que não devessem ser tidos em conta ou o não atendimento de valores que devessem ser considerados, apenas poderão traduzir-se em erro de julgamento no âmbito daquela questão de indemnização de que, de resto, o tribunal a quo, se ocupou.

       Por fim, no que se refere à determinação do montante indemnizatório a título de danos não patrimoniais, o tribunal a quo expôs e ponderou os elementos de facto provados e os critérios que entendeu relevantes. É quanto basta para satisfazer o imperativo do dever de fundamentação. Se tal fundamentação é suficiente ou convincente, é já uma questão de mérito.

      Termos em que improcedem as invocadas nulidades do acórdão recorrido, sem prejuízo de apreciação dos fundamentos desse modo aduzidos, mas agora na perspetiva de erro de julgamento.


2.2. Quanto à questão relativa à perda de remunerações no período da ITA


       Neste capítulo, importa recordar que a A. alegou ter perdido, durante o tempo em que esteve de baixa, remunerações no valor de € 9.763,50, assim como subsídios de férias e de Natal no montante de € 1.698,00, montantes estes que incluiu no valor total dos danos patrimoniais.

        Da factualidade provada, neste particular, colhe-se que:

  i) - A A. esteve com incapacidade temporária para o trabalho por doença natural de 01/01/2004 até 26/01/2005, data em que passou à situação de incapacidade temporária para o trabalho por doença direta – resposta ao art.º 39.º da base instrutória correspondente ao ponto 1.43;

  ii) - No período de 01/01/2004 até 26/10/2006, a A. recebeu da Segurança Social, a título de subsídio de doença, subsídio de férias e subsídio de Natal, as quantias descritas no extrato de conta corrente constante de fls. 133, cujo teor se dá por reproduzido – resposta ao art.º 40.º da base instrutória correspondente ao ponto 1.44;

  iii) - Relativamente ao ano de 2004, não foi pago pela entidade patronal da A. qualquer valor referente a férias, subsídio de férias e subsídio de Natal – resposta ao art.º 41.º da base instrutória correspondente ao ponto 1.44;

   iv) - Em consequência do embate aqui em referência, o Centro Distrital de Segurança Social de Braga pagou à A., a título de subsídio de doença, a importância de € 3.057,70, de subsídio de Natal € 219,60 e de subsídio de férias € 219,60, correspondente ao período de 26/01/04 a 25/01/05 – resposta ao art.º 46.º da base instrutória correspondente ao ponto 1.48;.

         A 1.ª instância considerou que, tendo em conta o rendimento mensal líquído A. de € 375,00 e subsídio de alimentação no valor de € 49,50, e os 341 dias de incapacidade temporária profissional total ou absoluta, aquela deixou de auferir a quantia de € 5.460,00, montante que caberia à R. indemnizar, acrescida de juros desde a citação.

        Porém, como se refere no acórdão recorrido, aquela sentença omitiu completamente qualquer referência às remunerações e subsídios de férias e de Natal, como ainda omitiu, no respetivo dispositivo, a indicada quantia de € 5.460,00.

        Tais omissões foram arguidas pela A. no seu recurso de apelação, no qual se considerou que haveria lugar a inclusão da mencionada quantia de € 5.460,00, mas que os autos revelavam que a A. recebera, desde 2005 a 2006, da Segurança Social, a título de subsídio de doença, subsídio de férias e de Natal, as quantias descritas no extrato de conta de fls. 133, pelo que os montantes a este título assim recebidos deveriam ser subtraídos ao valor considerado de € 5.460,00.

        Ora, diferentemente do que parece sustentar a A., no período de 01/01/2004 até 26/10/2006, a A. recebeu da Segurança Social, a título de subsídio de doença, subsídio de férias e subsídio de Natal, as quantias descritas no extrato de conta corrente constante de fls. 133, em montante não apurado, sendo que, nesse período, se inclui o período de incapacidade temporária profissional total ocorrido desde 26/01/2005 até 01/01/2006, ou seja de 341 dias.

       Não está aqui em questão saber se as quantias pagas pela Segurança Social vêm ou não reclamadas perante a R., mas tão só considerar o que a A. deixou de receber, nesse período, correspondente ao rendimento que auferia à data do acidente.

        E o certo é dos factos dados como provados, que não cabe sindicar nesta revista, resulta que a A. recebeu subsídios de férias e do Natal da Segurança Social, em montante não apurado e, em parte, correspondente ao rendimento de € 5.460,00 que deixou de auferir da sua entidade patronal em consequência do acidente.

       Nessa medida, impõe-se efetuar o abatimento determinado no acórdão recorrido.

        Termos em que improcedem, neste particular, as razões da A..


        

2.3. Quanto à indemnização pelo dano respeitante ao défice funcional

           

        A 1.ª instância fixou a indemnização aqui em apreço no capital de € 14.727,00, tomando por base o rendimento mensal de € 375,00 x 14 + 49,50 (subsídio de alimentação) x 12, a taxa de juro anual de 4% e um período de vida útil de 43 anos, deduzidos os 341 dias de incapacidade temporária profissional.

       Por sua vez a Relação, contrastando aquele cálculo com outro baseado no rendimento anual de € 5.943,00 (€ 424,50 x 14) e numa taxa de capitalização de 3%, atendendo ao grau de 6% de incapacidade geral permanente, obteve o valor de € 11.886,00.

        Apesar disso, tomando em referência os critérios adotadas em determinadas decisões judiciais e apelando à equidade considerou ajustada a quantia fixada em 1.ª instância.


       Todavia, a A./Recorrente, contrapondo outro cálculo na base de um rendimento anual de € 505,00 (valor do salário mínimo nacional) x 14 com uma taxa de capitalização de 3%, entende que o montante de capital nunca poderia ser inferior a € 17.392,20, mas que, dado a A. nunca mais poder regressar ao seu trabalho se impõe fixar tal indemnização em valor não inferior a € 35.000,00.

        Por sua vez, a R. sustenta que tal valor deverá ficar por € 7.500,00, em face das conclusões acima transcritas.


         Vejamos.


Antes de mais, convém ter presente que a determinação de indemnizações por dano biológico, na sua vertente patrimonial, e particularmente por danos não patrimoniais obedece a juízos de equidade assentes numa ponderação casuística, à luz das regras da experiência comum, que não se reconduzem, rigorosamente, a questões de direito ou à aplicação de critérios normativos estritos para que está vocacionado o tribunal de revista[2].


No entanto, ainda assim, caberá a este tribunal sindicar os limites de discricionariedade das instâncias, no recurso à equidade, mormente na busca de uniformização dos critérios jurisprudenciais, de modo a garantir o respeito pelo princípio da igualdade dos cidadãos perante a lei, nos termos proclamados no n.º 1 do artigo 13.º da Constituição e conforme o disposto no n.º 3 do artigo 8.º do CC.

Como se assume no recente acórdão do STJ, de 21/01/2016, proferido no processo n.º 1021/11.3TBABT.E1.S1[3]:

«Não poderá deixar se ter-se em consideração que tal juízo de equidade das instâncias, alicerçado, não na aplicação de um estrito critério normativo, mas na ponderação das particularidades e especificidades do caso concreto, não integra, em bom rigor, a resolução de uma questão de direito, pelo que tal juízo prudencial e casuístico das instâncias deverá, em princípio, ser mantido, salvo se o julgador se não tiver contido dentro da margem de discricionariedade consentida pela norma que legitima o recurso à equidade – muito em particular, se o critério adoptado se afastar, de modo substancial e injustificado, dos critérios ou padrões que generalizadamente se entende deverem ser adoptados, numa jurisprudência evolutiva e actualística, abalando, em consequência, a segurança na aplicação do direito, decorrente da necessidade de adopção de critérios jurisprudenciais minimamente uniformizados e, em última análise, o princípio da igualdade.»       

       Será, pois, esta a linha de orientação a seguir aqui no tratamento das questões que envolvem juízos de equidade.


No âmbito da responsabilidade civil extracontratual emergente de acidente de viação, no leque dos danos patrimoniais, destacam-se, no que ora interessa, os resultantes das sequelas sofridas que impliquem perda de capacidade de ganho do lesado.

Com efeito, a lesão corporal sofrida em consequência de um acidente de viação constitui em si um dano real ou dano-evento, designado por dano biológico, na medida em que afeta a integridade físico-psíquica do lesado, traduzindo-se em ofensa do seu bem “saúde”. Trata-se de um “dano primário”, do qual podem derivar, além das incidências negativas não suscetíveis de avaliação pecuniária, a perda ou diminuição da capacidade do lesado para o exercício de atividades económicas, como tais suscetíveis de avaliação pecuniária[4]

Como é sabido, os nossos tribunais, com particular destaque para a jurisprudência do STJ, têm vindo a reconhecer o dano biológico como dano patrimonial, na vertente de lucros cessantes, na medida em que respeita a incapacidade funcional, ainda que esta não impeça o lesado de trabalhar e que dela não resulte perda de vencimento, uma vez que a força de trabalho humano sempre é fonte de rendimentos, sendo que tal incapacidade obriga a um maior esforço para manter o nível de rendimento anteriormente auferido. E que, em sede de rendimentos frustrados, a indemnização deverá ser arbitrada equitativamente, de modo a corresponder a um capital produtor do rendimento que o lesado não irá auferir, que se extinga no fim da sua vida provável e que é suscetível de garantir, durante essa vida, o rendimento frustrado[5].    

No desenvolvimento desse entendimento, o acórdão do STJ, de 10/ 10/2012, proferido no processo n.º 632/2001.G1.S1[6], considerou que:

   “… a compensação do dano biológico tem como base e fundamento, quer a relevante e substancial restrição às possibilidades de exercício de uma profissão e de futura mudança, desenvolvimento ou conversão de emprego pelo lesado, implicando flagrante perda de oportunidades, geradoras de possíveis e futuros acréscimos patrimoniais, frustrados irremediavelmente pelo grau de incapacidade que definitivamente o vai afectar; quer a acrescida penosidade e esforço no exercício da sua actividade diária e corrente, de modo a compensar e ultrapassar as graves deficiências funcionais que constituem sequela irreversível das lesões sofridas.

   Na verdade, a perda relevante de capacidades funcionais – mesmo que não imediata e totalmente reflectida no valor dos rendimentos pecuniários auferidos pelo lesado - constitui uma verdadeira «capitis deminutio» num mercado laboral exigente, em permanente mutação e turbulência, condicionando-lhe, de forma relevante e substancial, as possibilidades de exercício profissional e de escolha e evolução na profissão, eliminando ou restringindo seriamente a carreira profissional expectável – e, nessa medida, o leque de oportunidades profissionais à sua disposição -, erigindo-se, deste modo, em fonte actual de possíveis e futuramente acrescidos lucros cessantes, a compensar, desde logo, como verdadeiros danos patrimoniais …”

         E, no mesmo aresto, se acrescenta que:

   “Nesta perspectiva, deverá aditar-se ao lucro cessante, decorrente da previsível perda de remunerações, calculada estritamente em função do grau de incapacidade permanente fixado, uma quantia que constitua junta compensação do referido dano biológico, consubstanciado na privação de futuras oportunidades profissionais, precludidas irremediavelmente pela capitis deminutio de que passou a padecer (o lesado), bem como pelo esforço acrescido que o já relevante grau de incapacidade fixado irá envolver para o exercício de quaisquer tarefas da vida profissional ou pessoal …”

           

         Assim, a este propósito podem projetar-se em duas vertentes:    

  - por um lado, a perda total ou parcial da capacidade do lesado para o exercício da sua atividade profissional habitual ou específica, durante o período previsível dessa atividade, e consequentemente dos rendimentos que dela poderia auferir; 

  - por outro lado, a perda ou diminuição de capacidades funcionais que, mesmo não importando perda ou redução da capacidade para o exercício profissional da atividade habitual do lesado, impliquem ainda assim um maior esforço no exercício dessa atividade e/ou a supressão ou restrição de outras oportunidades profissionais ou de índole pessoal, no decurso do tempo de vida expetável, mesmo fora do quadro da sua profissão habitual.

        

Em suma, o dano biológico abrange um espectro alargado de prejuízos incidentes na esfera patrimonial do lesado, desde a perda do rendimento total ou parcial auferido no exercício da sua atividade profissional habitual até à frustração de previsíveis possibilidades de desempenho de quaisquer outras atividades ou tarefas de cariz económico, passando ainda pelos custos de maior onerosidade no exercício ou no incremento de quaisquer dessas atividades ou tarefas, com a consequente repercussão de maiores despesas daí advenientes ou o malogro do nível de rendimentos expectáveis[7].       


    No caso vertente, da factualidade provada colhe-se que:

i) – A A. nasceu em 25/07/1965;

ii) – Em 26 de janeiro de 2005 sofreu o acidente aqui em referência de que resultaram lesões que, à data da sua consolidação médico-legal, em 01/01/2006, determinaram uma incapacidade permanente geral fixável em 6%, em termos de rebate profissional, compatíveis com o exercício da atividade habitual, mas implicam esforços suplementares, não sofrendo sequelas psiquiátricas permanentes;

iii) - Apesar de clinicamente curada, a A. em consequência do traumatismo da coluna dorso-lombar, ficou a sofrer de dorsalgias residuais ao nível D6-D7 com irradiação intercostal, embora com predomínio à esquerda;

iv) - As dorsalgias residuais obrigam a medicação irregular com analgésicos e anti-inflamatórios;

v) - A A. ficou a sofrer de lombalgias residuais ao nível da charneira lombo sagrada;

vi) - As lombalgias e dorsalgias de que a A. ficou a padecer causam-lhe sofrimento e mal-estar à A.;

vii) – Antes do embate, a A. era uma pessoa sem qualquer deformidade ou incapacidade física;

viii) - A A. trabalhava no estabelecimento industrial de “EE– Confecções, Ld.ª”, onde exercia a atividade de costureira e auferia a remuneração mensal ilíquida de € 375,00 e subsídio de alimentação no valor de € 49,50;

ix) – E executava tarefas que exigiam esforço físico com normalidade e sem a dificuldade que passou a sentir após o acidente;

x) - A A. confecionava as refeições para a família, composta de marido e três filhos, fazia a limpeza da casa e tratamento das roupas;

xi) - Atualmente, a A. não consegue realizar ou só executa com grande dificuldade tarefas que exigem maior esforço físico ou que requerem a sua posição de sentada por períodos mais ou menos prolongados.


Daqui se extrai, em síntese, que o A., à data do acidente, em 26/01/ 2005, contando então 39 quase 40 anos de idade, exercia a profissão de costureira por conta de outrem, mediante a remuneração líquida mensal de € 375,00 acrescida de subsídio de alimentação no valor de € 49,50. A par dessa atividade profissional, a A. ocupava-se das lides domésticas, tais como a confecção das refeições para a família (marido e três filhos), a limpeza da casa e o tratamento das roupas.

Das sequelas resultantes das lesões sofridas, consolidadas em 01/01/ 2006, resultou uma incapacidade genérica de 6%, em termos de rebate profissional, mas ainda assim compatível com o exercício da sua atividade habitual. Além disso, a A., que não padecia de deformidade ou incapacidade física, antes do acidente, passou a sofrer de lombalgias e dorsalgias de que a A. que lhe causam sofrimento e mal-estar. Atualmente, não consegue realizar ou só executa com grande dificuldade, tarefas que exijam maior esforço físico ou que requerem a sua posição de sentada por períodos mais ou menos prolongados.

Deste quadro fáctico não se extrai que a A. tenha deixado de exercer a sua profissão habitual nem que tenha tido redução da remuneração auferida, mas sim que, para executar as tarefas profissionais correspondentes e mesmos as tarefas domésticas o terá de fazer com muito maior esforço.

Em tais circunstâncias, não se mostra ajustado determinar a indemnização devida na base de um cálculo matemático rigoroso em função do seu rendimento profissional, mas apenas por aproximação.    

Como acima se deixou dito, em caso de não verificação de incapacidade permanente para a profissão habitual, a consideração do dano biológico servirá para cobrir ainda, no decurso do tempo de vida expetável, a supressão ou restrição de outras oportunidades profissionais ou de índole pessoal, mesmo fora do quadro da profissão habitual ou para compensar custos de maior onerosidade com o desempenho ou suprimento dessas atividades ou tarefas, assumindo assim uma função complementar.

Como se refere no acórdão do STJ, de 07/06/2011, proferido no processo n.º 160/2002.P1.S1[8]:

«Na verdade, a força de trabalho de uma pessoa é um bem, sem dúvida capaz de propiciar rendimentos.

Logo, a incapacidade funcional importa sempre diminuição dessa capacidade, obrigando o lesado a um maior esforço e sacrifício para manter o mesmo estado antes da lesão e, inclusivamente, provoca inferiorização, no confronto do mercado de trabalho, com outros indivíduos por tal não afectados.

A repercussão negativa que a incapacidade funcional tem para o lesado centra-se, assim, na diminuição da sua condição física, resistência e capacidade de esforços, o que se traduzirá numa deficiente ou imperfeita capacidade de utilização do corpo no desenvolvimento das actividades pessoais em geral e numa consequente e igualmente previsível maior penosidade na execução de diversas tarefas que normalmente se lhe depararão no futuro.»

Restará agora ponderar a incapacidade genérica parcial da A. para, no período de vida expetável, até um horizonte acima dos 70 anos, para desempenhar com maior onerosidade as suas tarefas profissionais e pessoais, nas lides domésticas, de alcance económico, o que só poderá ser conseguido por via da equidade, ao abrigo do n.º 3 do artigo 566.º do CC.

Assim, deve ter-se em linha de conta que a A., apesar de permanecer com uma incapacidade genérica de 6%, em termos de rebate profissional, mas compatível com a sua atividade profissional, não consegue realizar ou só executa com grande dificuldade tarefas que exigem maior esforço físico ou que requerem a sua posição de sentada por períodos mais ou menos prolongados, o que é de molde a influir negativamente e sobremaneira na sua produtividade como costureira. De igual modo e atenta a idade da A., tais limitações são claramente suscetíveis de reduzir o leque de possibilidades de conseguir outra atividade económica similar, alternativa ou complementar, para mais num mercado competitivo tão exigente como o atual.

Além disso, já fora da órbita profissional, as mesmas limitações traduzir-se-ão em maior onerosidade no desempenho das tarefas pessoais da A., mormente na realização das lides domésticas a que se dedica, tais como a confeção das refeições para a família, a limpeza da casa e o tratamento das roupas, o que se prevê que perdure e até se agrave ao longo do período de vida expetável.  

Nessas circunstâncias e na linha dos padrões jurisprudenciais seguidos pelo STJ para situações do género, tem-se por ajustada a compensar o dito dano biológico, na sua vertente patrimonial, uma indemnização no valor de € 25.000,00 (vinte e cinco mil euros), reportado à data da consolidação daquela incapacidade. 

    

2.4. Quanto aos danos não patrimoniais do A.


Segundo o artigo 496.º, n.º 1, do CC prescreve que “na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.”

Por sua vez, o n.º 3 do mesmo normativo determina que o montante de indemnização seja fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso, nos termos estatuídos no art.º 494.° do referido Código. Como ensina o Sr. Prof. Antunes Varela, e como vem sendo seguido pela jurisprudência dos nossos tribunais, o juízo de equidade requer do julgador que tome «em conta todas as regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e da criteriosa ponderação das realidades da vida», sem esquecer que sobredita “indemnização” tem natureza mista, já que visa não só reparar, de algum modo, o dano, mas também reprovar a conduta lesiva[9].

Com efeito, ante a imaterialidade dos interesses em jogo, a indemnização dos danos não patrimoniais não pode ter por escopo a sua reparação económica. Visa sim, por um lado, compensar o lesado pelo dano sofrido, em termos de lhes proporcionar uma quantia pecuniária que permita satisfazer interesses que apaguem ou atenuem o sofrimento causado pela lesão; e, por outro lado, servir de sancionamento da conduta do agente. Todavia, no critério a adotar, não se devem perder de vista os padrões indemnizatórios decorrentes da prática jurisprudencial, procurando - até por uma questão de justiça relativa - uma aplicação tendencialmente uniformizadora ainda que evolutiva do direito, como aliás impõe o n.º 3 do artigo 8.º do CC.

Para tal efeito, são relevantes, além do mais: a natureza, multiplicidade e diversidade das lesões sofridas; as intervenções cirúrgicas e tratamentos médicos e medicamentosos a que o lesado teve de se submeter; os dias de internamento e o período de doença; a natureza e extensão das sequelas consolidadas, o quantum doloris, o dano estético, se o houver.    

Ora, em situações de gravidade e projeção superiores às do caso destes autos, o Supremo Tribunal de Justiça tem vindo a considerar ajustados valores indemnizatórios, a título de danos não patrimoniais, entre € 30.000,00 e 60.000,00[10]. Para casos de gravidade e extensão de nível inferior, têm sido considerados valores que ficam aquém do patamar de € 30.000,00, variando, casuisticamente, em função de uma ponderação conjugada dos diversos factores tidos por relevantes.

       Assim, por exemplo, no acórdão do STJ, de 19/02/2015, proferido no processo n.º 99/12.7TCGMR.G1.S1 (acessível na Internet), considerou-se:

«(…) adequada a quantia de € 20.000,00 a título de danos não patrimoniais, tendo em atenção que: (i) à data do acidente o autor tinha 43 anos de idade; (ii) em consequência do acidente sofreu traumatismo do ombro direito, com fractura do colo do úmero, fractura do troquiter, traumatismo do punho direito, com fractura escafóide, traumatismo do ombro esquerdo, com contusão; (iii) foi submetido a exames radiológicos e sujeito a imobilização do ombro com velpeau; (iv) foi submetido a uma intervenção cirúrgica ao escafóide; (v) foi submetido a tratamento fisiátrico; (vi) mantém material de osteossíntese no osso escafóide; (vii) teve de permanecer em repouso; (viii) ficou com cicatriz com 5 cms vertical, na face anterior do punho; (ix) as sequelas de que ficou a padecer continuam a provocar-lhe dores físicas, incómodos e mal-estar que o vão acompanhar toda a vida e que se acentuam com as mudanças do tempo, sendo de quantificar o quantum doloris em grau 4 numa escala de 1 a 7.»


No caso vertente, provou-se que:

 i) – A A nasceu em 25/07/1965;

 ii) – Em 26/1/2005, pelas 13h30, foi atropelada, quando atravessava uma passadeira para peões, já a meio da mesma, por um veículo que circulava a 60-80 km/hora, em local cujo limite máximo de velocidade era de 50 km/hora;

  iii) -  Em consequência do embate a que se alude, a A. foi projetada e derrubada no solo, sofrendo contusão dorsal compatível com fratura cuneiforme da vértebra D7, sem lesões neurológicas, tendo sido conduzida ao hospital, onde ficou internada no Serviço de Ortopedia e onde permaneceu no hospital em repouso e algaliada durante 5 dias;

  iv) – Regressada ao seu domicílio, a A. teve de usar um colete dorso-lombar e manter-se em repouso no leito, mas em 13/02/2005 teve de ser internada novamente, por apresentar toracalgia intensa, na região dorsal esquerda, com dispneia, colocando-se a hipótese de se tratar de trombo-embolismo pulmonar, não confirmada pelo posterior exame, tendo a TAC torácico revelado pequeno derrame pleural à esquerda, com alterações de contusão hemorrágica do parênquima adjacente, sendo submetida a broncofibroscopia para despiste de lesão pulmonar visível sangrante, que foi normal;

v) - Em 28/02/2005, a A. teve alta do internamento hospitalar, regressando ao seu domicílio, passando ao regime de tratamento em consulta externa;

vi) - Em 28/03/2005, a A. foi submetida a eletromiograma dos membros inferiores, que evidenciou sinais compatíveis com disfunção radicular L4-L5 à direita e L5 à esquerda, com desenervação ativa à esquerda;

vii) - A data da consolidação médico-legal das lesões sofridas pela A. é fixável em 01/01/2006; o período de incapacidade temporária geral total ocorreu desde 26/01/2005 até 28/02/2005, fixável num período de 34 dias; o período de incapacidade temporária geral parcial ocorreu desde 01.02.2005 até 01/01/2006, fixável num período de 335 dias; o período de incapacidade temporária profissional total ocorreu desde 26/01/2005 até 01/01/2006, fixável num período de 341 dias; o “quantum doloris” é fixável no grau 4, numa escala de 7 graus de gravidade crescente; a incapacidade permanente geral da autora é fixável em 6%; as sequelas sofridas em consequência do acidente são, em termos de rebate profissional, compatíveis com o exercício da atividade habitual, mas implicam esforços suplementares; a A. não sofreu sequelas psiquiátricas permanentes decorrentes do acidente;

viii) - Após o acidente, a A. sofreu um agravamento do seu estado depressivo, melhorando posteriormente com um ajuste terapêutico e passou a sentir um estado de fadiga constante; 

ix) - Antes do embate, a A. era uma pessoa sem qualquer deformidade ou incapacidade física e executava tarefas que exigiam esforço físico com normalidade e sem a dificuldade que passou a sentir após o acidente;

x) - A A. exercia a atividade de costureira e as tarefas domésticas, confecionando as refeições para a família, fazendo a limpeza da casa e tratamento das roupas;

  xi) - Apesar de clinicamente curada, a A. em consequência do traumatismo da coluna dorso-lombar, ficou a sofrer de dorsalgias residuais ao nível D6-D7 com irradiação intercostal, embora com predomínio à esquerda, sofrendo dorsalgias residuais, que a obrigam a medicação irregular com analgésicos e anti-inflamatórios, e de lombalgias residuais ao nível da charneira lombo sagrada;

  xii) - Atualmente, a A. não consegue realizar ou só executa com grande dificuldade tarefas que exigem maior esforço físico ou que requerem a sua posição de sentada por períodos mais ou menos prolongados;

  xiii) - Em consequência do embate, das lesões sofridas e dos tratamentos a que teve de se sujeitar, a A. sofreu dores, mal-estar e incómodos que se prolongaram no tempo, sendo que  as lombalgias e dorsalgias de que a A. ficou a padecer causam sofrimento e mal-estar à A.;

 xiv) - A A. sente desgosto de ter ficado marcada e afetada negativamente na sua capacidade de trabalho;  

  xv) - Durante cerca de 4 meses, a A. teve de recorrer à assistência de outra pessoa, sua cunhada, para tratar da casa e a ajudar a lavar e a vestir.  


      Perante este quadro factual tão exaustivo, tendo em conta a idade da A. (40 anos à data da consolidação das sequelas), a natureza das lesões sofridas, os períodos de internamento e de convalescença, os tratamentos a que teve, sucessivamente, de se submeter, as sequelas com que ficou e a repercussão na sua vida quotidiana, o grau de quantum doloris fixado em 4 pontos numa escala crescente de 1 a 7, o sofrimento que, segundo as regras da experiência, tudo isso implica com tendência a agravar-se com a idade, o facto do acidente se ter devido a culpa exclusiva e grave do condutor do veículo atropelante sem qualquer parcela de responsabilidade da A., o longo tempo decorrido entre a data da propositura da ação (24/03/2006) e a data da sentença final (28/05/2014), considerando ainda que a A. peticionou, inicialmente, nesta sede, o valor de € 30.000,00, sustentando no presente recurso um valor não inferior a € 15.000,00, tem-se por justificada e equitativa uma compensação pelo danos não patrimoniais no montante de € 20.000,00 (vinte mil euros), reportado à data da decisão final em 1.ª instância, o qual, no conjunto dos demais valores arbitrados, se inscreve dentro do valor global do pedido.


IV - Decisão


Pelo todo o exposto, acorda-se em negar a revista da R. e conceder parcial provimento à revista da A., alterando a decisão recorrida, nos segmentos respeitantes à indemnização pelo défice funcional e ao dano não patrimonial, decidindo-se:

A - Condenar a R. a pagar à A.:

a) - a quantia de € 25.000,00 (vinte e cinco mil euros), a título de indemnização pelo défice funcional, acrescida de juros de mora, à taxa anual de 4%, desde a citação;  

   b) – a quantia de  20.000,00 (vinte mil euros), a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora, à mesma taxa, desde a data da sentença em 1.ª instância;

 B – Confirmar o demais decidido no acórdão recorrido.

         As custas da ação e dos recursos ficam a cargo de ambas as partes, na proporção do respetivo decaimento.

Lisboa, 16 de junho de 2016

Manuel Tomé Soares Gomes (Relator)

Maria da Graça Trigo

Carlos Alberto Andrade Bettencourt de Faria


_______________

[1] A este propósito, sobre a distinção entre nulidade e revogabilidade da sentença, associadas, respetivamente, aos vícios formais e ao erro de julgamento, vide CASTRO MENDES, Direito Processual Civil, Vol. II, Obras Completas, 2012, AAFDL, pag. 543 a 547.
 
[2] Veja-se, a este propósito, a título exemplificativo, o acórdão do STJ, de 04/06/2015, relatado por Maria dos Prazeres Beleza, no processo n.º 1166/10.7TBVCD.P1.S1, em que outros acórdãos anteriores do mesmo Tribunal, acessível na Internet http://www.dgsi.pt/jstj
[3] Relatado por Lopes do Rego, acessível na Internet http://www.dgsi.pt/jstj
[4] Vide, a este propósito, as doutas considerações do ac. do STJ, de 21-03-2013, relatado por Salazar Casanova, no processo n.º 565/10.9TBVL.S1, acessível na Internet - http://www. dgsi.pt/jstj.
[5] Entre muitos outros, vide, a título de exemplo, o ac. do STJ, de 7-6-2011, relatado por Granja da Fonseca, no âmbito do processo 160/2002.P1.S1, publicado na Internet, http://www.dgsi.pt/jstj.
[6] Relatado por Lopes do Rego, disponível na Internet – http://www.dgsi.pt/jstj.
[7] A este propósito, veja-se artigo doutrinário de 2011 da autoria Maria da Graça Trigo, aqui 1.ª adjunta, sob o título Adopção do Conceito de “Dano Biológico” pelo Direito Português, acessível na Internet; e ainda o aprofundamento desse tema pela mesma Autora, sob o título Obrigação de indemnização e dano biológico, in Responsabilidade Civil – Temas Especiais, Capítulo IV, pp. 69 e seguintes, Universidade Católica, 2015.
[8] Relatado por Granja da Fonseca, acessível na Internet - http://www.dgsi.pt/jstj.
 
[9] Vide Prof. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. 1.º, 10.ª Edição, Almedina, pag. 605, nota 4.
[10] A este propósito, veja-se o recente acórdão do STJ, de 07/04/2016, relatado por Maria da Graça Trigo, ora 1.ª adjunta, proferido no processo n.º 237/13.2TCGMR.G1.S1, em que se citam vários acórdãos deste mesmo Tribunal , acessível na Internet - http://www.dgsi.pt/jstj.