Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
797/14.0TAPTM.E2.S1
Nº Convencional: 3.ª SECÇÃO
Relator: NUNO GONÇALVES
Descritores: RECURSO DE ACÓRDÃO DA RELAÇÃO
HOMICÍDIO
COVID-19
PRAZO DE INTERPOSIÇÃO DE RECURSO
SUSPENSÃO
EXTEMPORANEIDADE
REJEIÇÃO DE RECURSO
Data do Acordão: 07/07/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário :
I -    Dispõe o art. 6º-B, n.º 5, al. d), aditado pela Lei n.º 4-B/2021, à Lei n.º 1-A/2020, a suspensão dos prazos judiciais ali decretada não obsta a que seja proferida decisão final nos processos em relação aos quais o tribunal entenda não ser necessária a realização de novas diligências, caso em que não se suspende o prazo para interposição de recurso.

II -  Decidido recurso, por acórdão da Relação proferido no período de vigência daquela norma legal, o prazo para interpor recurso ordinário é de 30 dias a contar da notificação da decisão recorrida.

III - É extemporâneo o recurso interposto para além do prazo legal – art. 411.º, n.º 1, al. a), do CPP.

IV - Não devia admitir-se e, tendo sido admitido, deve rejeitar-se –art. 414.º, n.º 3, do CPP.

Decisão Texto Integral:

O Supremo Tribunal de Justiça, 3ª secção, em conferência, acorda:


A. RELATÓRIO:

a) a condenação:

No Juízo Central Criminal …. - Juiz ….., no processo em epígrafe, mediante acusação do Ministério Público, foi julgado o arguido:

- AA, de 61 anos e os demais sinais dos autos.

O Tribunal, por acórdão de 19/04/2016, decidiu condenar o arguido pela prática, em autoria material, na forma consumada, do imputado crime de homicídio, p. e p. pelo art.º 131 do Código Penal, na pena de treze anos de prisão.

O arguido, inconformado, interpôs recursos – interlocutório e da decisão do objeto do processo - perante a 2ª instância. O Tribunal da Relação …., por acórdão de 6 de novembro de 2018, julgou totalmente improcedentes os recursos, confirmando integralmente a decisão condenatória da 1ª instância.

O arguido, irresignado, recorreu perante o Supremo Tribunal de Justiça. Que, por acórdão de 6 de novembro de 2019, na procedência parcial do recurso, “ainda que por diferentes razões”, “nos termos do disposto nos artigos 434.° e 410.°, nº 2, alínea a) e 426.° nº 1 do CPP” ordenou “o reenvio dos autos para novo julgamento a fim de se esclarecerem” as causas da morte da vítima; apurar da existência de dolo direto ou dolo eventual; e se houve ou não arrependimento.

Cumprindo com o ordenado, o Tribunal de 1ª instância, realizou novo julgamento para esclarecimento daquelas concretas questões e, por acórdão de 2 de julho de 2020, condenou o arguido pela prática, em autoria material, na forma consumada, de um crime de homicídio, p. e p. pelo art.º 131 do Código Penal, na pena de treze (13) anos de prisão.

O arguido inconformado interpôs recurso perante a 2ª instância questionando, em resumo, a não admissão das provas que, complementarmente, requereu, impugnando a decisão em matéria de facto, atribuindo-lhe o erro-vício da insuficiência, para a decisão da matéria de facto assente, a violação do in dubio pro reo, da regra da livre apreciação da prova e arguindo-a de nulidade por insuficiência de fundamentação e falta de exame crítico da prova.

A Relação ….., conhecendo especificadamente das questões suscitadas pelo arguido, por acórdão de 23 de fevereiro de 2021, julgou improcedente o recurso.

2. o recurso:

O arguido, renitente, recorre agora perante o Supremo Tribunal de Justiça.

Nas conclusões reproduz, ipsis literis, a alegação e ademais, com desordenadas e insistentes repetições de argumentos relativamente às mesmas questões. Pelo que deveria convidar-se a observar o estatuído no art.º 412º n,º 1, esclarecendo as conclusões, sob cominação do disposto no art.º 417º n.º 3 do CPP. Porém, ponderando a gravidade do crime - homicídio (que viola o bem dos bens jurídicos) – e, principalmente, foi cometido há mais de 7 anos -, entende-se, porque possível, resumir as conclusões do recorrente, aproveitando aquelas que contêm o essencial das questões efetivamente colocadas. Mantendo-se, praticamente na integra, a única questão (a referente à medida da pena) que, se o recurso em 2º grau fosse admitido, poderia ser conhecida pelo Supremo Tribunal de Justiça.

Neste conspecto, o arguido rematou a alegação de recurso com as seguintes conclusões (em síntese).

V - Entendeu a Relação …. que “a matéria de facto intocada pelo STJ está a coberto de caso julgado e assim era imodificável pelo Tribunal recorrido”, “sendo o reenvio parcial não faz sentido que o “novo julgamento” venha a ter a intervenção de outro colectivo que não apreciou a globalidade dos factos, criando problemas de apreciação de prova, mas ainda assim confirmou o acórdão da 1.ª instância.

VI - Estabelece o art.º 32º, n.º 9.º da CRP “Nenhuma causa pode ser subtraída ao tribunal cuja competência esteja fixada em lei anterior.”

VII. Tal não sucedeu no caso porque o tribunal de 1.ª instância, apesar de distribuído a outra secção, o tribunal entendeu que não se trata de novo julgamento, contrariamente ao que fora doutamente decidido no acórdão do STJ ao declarar o recurso parcialmente procedente e, nos termos dos art.ºs 434.º e 410.º, n.º2, alínea a) e art.º 426, n.º 1 do CPP ordenar o”;

VIII - O STJ, entendendo que a “matéria de facto é insuficiente para apurar a causa da morte e a modalidade do dolo não sendo também claro se o tribunal considerou ou não a existência de arrependimento do arguido, o que corporiza o vicio a que alude o art.º 410.º, n.º 2, alínea a) do CPP”, reenviou os autos para se esclarecessem aquelas questões.

IX - sendo um novo julgamento ainda que parcial, deveria permitir a apresentação de provas.

XVII - em 19.10.2019 foi notificado nos termos e para os efeitos dos art.º s 313.º, n.º 2 e 315.º ambos do CPP, contudo o rol de testemunhas não foi aceite por o tribunal de 1.ª instância ter considerado “apenas ouvir o Arguido dispensando-se a inquirição das demais testemunhas já inquiridas, igualmente se indeferindo as demais diligências de prova na medida em que não se antolha das mesmas qualquer relevância para o objeto do presente processo tal qual se encontra definido pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, nem tão pouco o arguido esclarece a sua relevância.”

XXIII - o arguido não pode concordar que a matéria de facto intocada pelo STJ esteja a coberto de caso julgado, uma vez que não parece que o processo tenha transitado em julgado.

XXX - o recorrente entende que a prova produzida na audiência julgamento não tem a virtualidade de sustentar que praticou o crime de homicídio de que vem acusado.

XXXI - não confessou nem foi efectuada qualquer prova de que tivesse cometido os factos de que vem acusado.

XXXV - Por não ter prestado declarações não deverá ser prejudicado ou beneficiado, sendo um direito que lhe assiste, nos termos do art.º 343.º do CPP.

XXXVII - da prova produzida na audiência não resulta provada, com a certeza e segurança que se exige para a condenação, a autoria do arguido de factos dados como assentes.

XXXVIII - nenhuma prova foi feita, nenhuma testemunha ouvida, nenhum documento, apenas foi efectuada a identificação do arguido e a sua vontade de não prestar declarações.

XLI - Pelo que se impõe decisão diversa no que à matéria de facto ora impugnada tange devendo ser alterada para os seguintes termos: não se provou quaisquer factos pelos quais o arguido vinha acusado.

XLII - Os dados disponíveis conjugados com as regras de experiência comum apontam, pelo menos, para a absolvição do recorrente, por força do princípio do in “dubio pro reo”.

XLIII - Existindo, desta forma, um erro notório na apreciação da prova e contradição insanável do douto acórdão da Relação.

XLV - em momento algum se apurou como e porquê teria o Recorrente praticado os factos, nem foi sequer possível apurar as circunstâncias de modo, tempo e lugar.

XLVII - Desta forma deverá ser dado como não provado, que o ora recorrente, por alguma forma, foi o Autor do crime de homicídio descrito na decisão recorrida .

XLVIII - Ao dar como provado estes factos, sem que nenhuma prova o sustente, violou o tribunal a quo a Constituição da República Portuguesa, no seu artigo 32º nº 2, dando como provado uma mera presunção, sendo certo que as presunções não são meios de prova num Estado de Direito.

XLIX - Padece de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, nos termos do art. 410º nº 1 alínea a).

L - Violou ainda o princípio da livre apreciação da prova, constante do art. 127º do CPP.

LI - Violou igualmente o princípio in dubio pro reo segundo o qual, na dúvida sobre a verificação ou não de determinado facto, sempre há-de decidir-se de acordo com o que se mostrar mais favorável ao arguido, o que não sucedeu no caso em apreço.

LIII - o acórdão recorrido padece de erro notório na apreciação da prova, nos termos do art. 410, nº 2 alínea c), bem como não logrou fazer um adequado exame crítico da prova, nos termos do art. 374º nº 2 do CPP, implicando a nulidade, nos termos do art. 379º nº 1 alínea a), devendo declarar-se nulo.

LVI - Pelo exposto deve dar-se provimento ao recurso e revogar-se o acórdão da 2.ª Instância por erro de interpretação das disposições conjugadas dos artigos 340.º, 374.º, n.º 2, e 379.º, n.º 1, alínea a) e do artigo 379.º, n.º 1, alínea c),art.º 426.º e 426.º-A todos do CPP, substituindo-se por outro que declare a nulidade do acórdão da 1ª instância por enfermar das nulidades contempladas na alíneas a) e c) do n.º 1 do art. 379.º do CPP, reportando a nulidade da a alínea a) do n.º 1 do art. 379.º ao n.º 2 do art. 374.º do CPP.

LVII - A 1.ª Instância condenou o Recorrente como autor material de um crime de homicídio p. e p. pelo artigo 131.º do Código Penal na pena de 13 anos de prisão.

LVIII - A 2.ª instância, aderindo aos “argumentos já aduzidos na fundamentação utilizada para a determinação da medida da pena”, confirmou a decisão da 1.ª instância.

LIX - no acórdão da 1.ª instância, a propósito da conduta anterior e a posterior ao factos, alude-se à falta de sentimentos, a nenhum arrependimento, mas também refere uma tentativa de suicídio no dia seguinte ao dos factos. Por outro lado, não parece que sejam levados em conta dois factores que podem modificar a percepção da falta de sentimentos e da existência de arrependimento, um, de o recorrente ser alemão, povo mais frio e racional que os latinos, sendo eventualmente uma questão cultural e por isso mais difícil de perceber a sua contenção, o outro é então qual a razão da eventual tentativa de suicídio no dia seguinte?

LX - A 2.ª instância privilegiou a função retributiva da pena em detrimento da sua função ressocializadora.

LXI- a pena imposta é excessiva, deve ser reduzida para o limite mínimo.

3. resposta do Ministério Público:

A Digna Procuradora-Geral Adjunta na Relação …. contramotivou, defendendo a improcedência do recurso, sem que nada tenha respondido quanto à questionada dosimetria da pena.

4. parecer do Ministério Público:

A Digna Procuradora-Geral Adjunta neste Supremo Tribunal, em douto parecer, suscita, como questão previa, a rejeição parcial do recurso, por irrecorribilidade do acórdão recorrido, argumentando (em síntese):

O recorrente pretende ver reapreciadas pelo Supremo Tribunal questões decididas em definitivo pela Relação.

Desde logo as que respeitam à impugnação da decisão em matéria de facto.

Reedita perante o STJ as questões que suscitara perante a Relação, designadamente o invocado erro de julgamento por insuficiência de prova, bem como a violação do princípio da livre apreciação da prova e do princípio in dubio pro reo, questões que se reconduzem à discordância sobre a decisão em matéria de facto.

Da análise da decisão recorrida não resulta que contenha qualquer dos vícios previstos no nº 2, do art. 410, do CPP, nomeadamente os invocados pelo recorrente que, embora não possam constituir objecto do recurso, porque também eles se reconduzem à decisão sobre a matéria de facto, seriam de conhecimento oficioso, caso se verificassem, como resulta do disposto no art. 434, do CPP.

Assim, o acórdão da Relação é irrecorrível na parte em que confirma a decisão sobre a matéria de facto, sem prejuízo de este Supremo Tribunal a poder alterar por força do conhecimento oficioso de qualquer dos vícios previstos no nº 2, do art. 410, do CPP, se entender que se verificam.

No demais, pronuncia-se pela improcedência do recurso, argumentando (em síntese):

O recorrente mistura e confunde as questões que coloca e os argumentos que invoca, esquecendo que o objecto do recurso é o acórdão da Relação e não o da 1ª instância.

O Tribunal da Relação ….. pronunciou-se sobre todas as questões suscitadas no recurso, o recorrente, porém, sem atender a essa decisão e aos fundamentos que lhe subjazem, continua a afirmar a sua interpretação da decisão deste Supremo Tribunal relativa ao reenvio do processo para novo julgamento.

A nova decisão da 1ª instância não sofre de nulidade passível de se estender à decisão recorrida.

O recorrente suscita, ex novo, a eventual violação do princípio do juiz natural na composição do tribunal colectivo que realizou o novo julgamento, sem que a tenha suscitado perante o próprio tribunal, nem mesmo perante a Relação, pelo que tal questão não deverá ser objecto de pronúncia por este Supremo Tribunal.

Quanto à medida da pena aplicada, que o recorrente tem por excessiva, pronuncia-se pela confirmação argumentando que a moldura, às circunstâncias que rodearam a prática dos factos, ao grau de culpa manifestado, a ilicitude e as às exigências de prevenção e especial e geral não a pena não merece intervenção corretiva.

5. contraditório:

O arguido notificado nos termos do art.º 417º n.º 2 do CPP. nada veio dizer.


*


Dispensados os vistos, o processo foi à conferência.

Cumpre decidir.

B. OBJETO DO RECURSO:

No recurso vêm reeditadas as mesmas questões de direito que o recorrente colocou perante o Tribunal da 2ª instância.

Desconsidera – alegando com temeraria deslealdade – que, enquanto ali, impugnando a decisão em matéria de facto, poderia argumentar projetando a reclamada alteração da facticidade provada na pretendida decisão de direito, não é aceitável outro tanto no recurso perante o STJ. Aqui a matéria de facto não admite discussão. O recurso, de revista, destina-se exclusivamente ao reexame de matéria de direito, à aplicação do direito à factualidade definitivamente assente pelas instâncias. É, por conseguinte, descabido alegar, em recurso perante o STJ, que “não se provaram nenhuns factos”, numa versão idealizada pelo recorrente do modo que lhe pareceu mais conveniente à sua pretensão recursória, mas que é rotundamente contrariada pela decisão em matéria de facto. Como não deveria olvidar, a narrativa do acontecimento não tem outra redação, - nem admite matizações -, que não seja a vertida na decisão em matéria de facto. No caso, duplamente confirmada pelas instâncias.

Feita esta advertência, importa sumariar as questões suscitadas:

- a questão prévia da rejeição parcial do recurso (em todas as questões atinentes à facticidade assente), suscitada pela Digna PGA;

- a dosimetria da pena aplicada.

E, antes de todas, oficiosamente, a questão prejudicial da extemporaneidade do recurso.

C. FUNDAMENTAÇÃO:

1. os factos:

As instâncias julgaram os seguintes factos provados:

1. No dia 25 de Março de 2014, pela 10h08, o arguido AA contactou telefonicamente, através do n.º ….., o ofendido BB, titular do n.º ….., tendo ambos discutido ao telefone. Nessa ocasião, combinaram encontrar-se ainda naquela manhã.

2. Assim, nesse mesmo dia, entre as 10h30m e as 11h, no escritório da empresa “S……, Lda.”, sito na Rua ….., bloco …., loja ….., em ……, o arguido AA encontrou-se com o ofendido BB e, por discordarem de assuntos relacionados com a dita empresa de que eram sócios, discutiram.

3. Nessa sequência, o arguido AA agarrou com as duas mãos no pescoço de BB, apertando-o com força e bateu-lhe com a cabeça numa superfície plana, fazendo com que caísse inanimado no chão.

4. De seguida, AA saiu do referido escritório, ausentando-se para parte incerta.

5. Como consequência directa e necessária das agressões de que foi vítima, BB sofreu as seguintes lesões:

- no pescoço (lado externo) apresentava equimose avermelhada com escoriação na metade direita da região sub-mentoniana, medindo 3x4cm e equimose avermelhada com escoriação na linha média da região cervical com 3x3,5cm;

no pescoço (lado interno, após dissecação por planos):

- Tecido celular subcutâneo: infiltração sanguínea muito marcada em relação com as lesões descritas no hábito externo e ainda abaixo destas;

- Músculos: infiltração sanguínea muito intensa e a toda a volta, sobretudo da metade inferior;

- Vasos e nervos: Laceração da íntima da carótida direita;

- Osso Hióide: fractura do corno direito e pela base do corno esquerdo;

- Estruturas Cartilagíneas: Fractura do corno superior esquerdo com intensa infiltração sanguínea;

- Laringe e traqueia Muco sanguinolento à superfície das mucosas;

- Glândula Tiroide: infiltração sanguínea.

- na cabeça apresentava equimose arroxeada na metade direita da região frontal com 3x2cm; escoriação na metade esquerda da região frontal com 1 cm de diâmetro e escorrência sanguinolenta da boca;

6. A constrição extrínseca do pescoço (esganadura) é idónea a produzir a morte.

7. AA sabia que ao proceder à constrição extrínseca do pescoço (esganadura) do ofendido BB lhe tirava a vida, circunstância que quis e conseguiu.

8. O arguido agiu sempre de forma deliberada, livre e consciente, bem sabendo que a sua conduta é proibida e punida por lei.

Mais se provou:

9. O arguido não tem antecedentes criminais registados.

10. AA é cidadão …, fixado em Portugal desde os 26 anos, em meados dos anos oitenta. Com habilitações escolares equiparadas ao ensino secundário e formação profissional de técnico especialista …... Trabalhou nesta qualidade na ……, pelo que veio inicialmente para Portugal – ……, quando ainda vigorava o acordo luso-…. da utilização desta base. Depois da experiência de 5 anos em Portugal, optou por não regressar à ……, tendo então já em vista o casamento com a actual mulher. No país de acolhimento reorganizou-se pela via de novas opções de trabalho, ligado a empresas de vários ramos, com funções  ….., …. e principalmente ….. Em 2000 mudou-se com a família constituída, da região  …. para o ….., onde permanecem até agora. A relação é descrita como estável e gratificante, assim como os recursos suficientes para o suprimento das necessidades consideradas fundamentais.

Até à data do presente envolvimento com o sistema de justiça, AA não foi referenciado por problemas de ordem social, mostrando-se um indivíduo adaptado, sociável, apreciador de ambientes de convivência, tendo como hobby particular ..….. e a actividade …...

À data dos factos, AA mantinha funções de gerente e sócio minoritário na empresa S…..., Lda, com âmbito de actividades ….., na prática dedicada fundamentalmente à …… ligados à exploração de ….., constituída inicialmente por BB, vítima identificada no processo.

Terá sido convidado para trabalhar com este no ano 2012, porém refere terem-se vindo a avolumar sentimentos de prejuízo e desconfiança face às intenções de BB num contexto pouco claro dos rendimentos e da actividade da empresa.

Em todo o caso, AA foi levando a cabo uma vida quotidiana regular, contando com o vencimento de aproximadamente 1000€, garantido pela actividade na empresa S........ Na altura tinha já a vida organizada na morada actual, casa adquirida mediante empréstimo bancário, de que pagam prestações. O agregado era e continua a ser constituído pela esposa e pelo filho, actualmente com 23 anos.

Logo após a ocorrência dos factos, a empresa S....... cessou a actividade e bem assim o arguido vendeu a sua quota de 25% da empresa ao anterior contabilista CC. Há quase dois anos a situação laboral do arguido tornou-se particularmente precária, sendo-lhe mais difícil a constituição de alternativas, designadamente por se ver confinado à área da cidade  ….. Até ao fim do ano de 2014 trabalhou numa empresa  ….…..

Desde há poucos meses atrás tornou-se ….. da empresa  ….. E…... A esposa é …. e o filho trabalha afora também numa empresa  …….

Referem viver dentro de padrões sócio-económicos de relativa contenção, mas suficientes, contando com recursos de algumas poupanças anteriores e ajudas pontuais da família de origem.

O confronto com o falecimento de BB e a atribuição da autoria deste crime desencadeou um comportamento inusitado e descontrolado de atentar contra a própria vida, motivo de internamento no serviço de psiquiatria do CH…. na altura. Foi, contudo, uma situação entendida no contexto familiar como de carácter pontual, reativo à situação.

Não foram atribuídos ao arguido comportamentos desajustados ou indicadores de perturbação psico-afetiva antes deste episódio de urgência psiquiátrica. Também não foi entendida como necessária a continuidade a qualquer acompanhamento psicológico, considerando que se encontra compensado.

Embora se mostre particularmente hesitante, com uma narrativa confusa relativamente aos factos, o arguido encara frontalmente a acusação e mostra-se cumpridor face às obrigações inerentes à medida coactiva.

A família, quer a esposa e filho, quer outros familiares, têm-se mostrado preocupados em assegurar o suporte possível ao arguido.

1. o direito:

a) recurso extemporâneo:

O acórdão recorrido, embora datado de 23.02.2021 – data absolutamente irrelevante para efeito de recurso (não se compreendendo como pode ter sido publicado sem ter sido votado em conferência) -, foi registado em 25.02.2021, Dia em que foi notificado aos sujeitos processuais.

Mediante requerimento da Mandatária da assistente, o acórdão foi corrigido, nos termos do art. 380 n.º 1 al.ª b)  do CPP, mas unicamente quanto à condenação em custas.

Por imposição da Lei n.º 4-B/2021 de 1 de fevereiro (que aditou à Lei n.º 1-A/2020 entre outros, o artigo 6º-B), suspendeu-se, com efeitos desde 22 de janeiro do corrente ano civil (2021), o decurso do prazo de atos processuais que houvesse que praticar “no âmbito dos processos e procedimentos que corram termos nos tribunais judiciais (…) e Tribunal Constitucional”.

Regime de suspensão que cessou em 6 de abril de 2021, dia no qual se reiniciou o decurso dos prazos processuais que estivessem suspensos – Lei n.º 13-B/2021 de 5 de abril de 2021.

No caso, o acórdão recorrido – que julgou improcedente o recurso interposto pelo arguido - foi proferido no tempo de vigência daquela suspensão dos prazos judiciais.

O recurso do arguido para o Supremo Tribunal de Justiça foi interposto em 9 de abril de 2021, 39º dia posterior ao da data em que a notificação à Defensora se considera recebida – art. 113º n.º 12 do CPP.

Pelo que importa saber se o recurso interposto para além do 30º dia posterior à notificação do acórdão recorrido aos sujeitos processuais pode considerar-se apresentado no prazo legalmente firmado no art.º 411º n.º 1 al.ª a) do CPP, por haver – ou não - norma que o submetia ao regime suspensivo.  

Estabelecia o revogado art.º 6º-B da citada Lei n.º 4-A/2021, no n.º 1 a suspensão “de todas as diligências e todos os prazos para a prática de atos processuais (…) que devam ser praticados no âmbito dos processo e procedimentos que corram termos nos tribunais judiciais (…) sem prejuízo do disposto nos números seguintes”. E, no n.º 5 al.ª d) que a suspensão do decurso do prazo judicial não obstava a que fosse proferida decisão final nos processos em relação aos quais o tribunal entendesse “não ser necessária a realização de novas diligências, caso em que não se suspendem os prazos para a interposição de recurso, arguição de nulidades ou requerimento de retificação ou reforma da decisão”.

Na interpretação deste Supremo Tribunal, aquela norma é muito clara neste aspeto, estatuindo que. na situação comtemplada, “não se suspendem os prazos para a interposição de recurso”.

Assim mesmo se interpretou e decidiu no Ac. de 23.06.2021, proferido no proc. n.º 222/18.8PAABT-A.S1, desta (3ª) secção.

Evidentemente que, em razão do âmbito do recurso (no qual não vinha requerida renovação de prova) julgado no acórdão recorrido e também da fase em que o procedimento se encontrava, não havia quaisquer diligências - novas ou velhas – que, nessa fase, pudessem realizar-se. Corresponderia à prática de ato processual inútil e, por isso proibido – art. 130º do CPC – exigir-se, para que a norma citada operasse, que o tribunal declarasse o que a lei não consente, ou seja, que não havia diligências novas a realizar na fase de recurso.

Tanto assim é que o Tribunal da Relação proferiu o acórdão recorrido.

Pelo que, conforme estatuía a norma legal citada, que aqui se aplica, não se suspendeu o prazo para a interposição de recurso do acórdão recorrido.

Por isso, o arguido, qualquer sujeito processual, tinha, 30 dias a contar da notificação daquela decisão, para interpor recurso ordinário – art. 411º n.º 1 al:º a) do CPP.

Porque a Defensora foi notificada eletronicamente – no Citius - em 25.02.2021, considera-se a notificação feita no dia 1 de março (porque o 3º dia posterior foi um domingo, dia 28 de fevereiro), que foi uma segunda-feira.

Consequentemente, o prazo para interpor recurso daquele acórdão iniciou-se em 2 de março (termo inicial), decorrendo até 31 de março de 2021 (data do termo final

Tendo o recurso do arguido sido apresentado em 9 abril de 2021, 9º dia posterior ao termo final do prazo legal, é, pois, extemporâneo.

Razão porque não deveria ter sido admitido no Tribunal a quo. Todavia, aquela decisão de admissão do recurso não vincula o Tribunal superior conforme estabelece o art. 414º n.º 3 do CPP.

Assim, em consonância com o exposto, porque extemporâneo, impõe-se rejeitar o recurso do arguido. Não podendo, por isso, conhecer-se do respetivo objeto.

C. DECISÃO:

O Supremo Tribunal de Justiça, 3.ª secção criminal, acorda em:

a) rejeitar, por extemporâneo, o vertente recurso, em conformidade com as disposições conjugadas dos arts. art.º 6º-B n.º 5 al.ª d) da Lei n.º 4-A/2021 e 411º n.º 1 al:ª a) e 414º nº 2, ambos do CPP.


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Custas pelo recorrente fixando-se a taxa de justiça em 5 UCs – arts. 513º n.º 1 e 3 do CPP, 8º n.º 9 e tabela III anexa ao Regulamento das Custas Processuais.

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Lisboa, 7 de junho de 2021


Nuno Gonçalves (Juiz Conselheiro relator)

(Atesto o voto de conformidade do Ex.mº Sr. Juiz Conselheiro Paulo Ferreira da Cunha – art. 15º-A do Decreto-Lei n.º 10-A/2020 de 13 de março na redação dada pelo DL n.º 20/2020 de 1/05 aplicável ex vi do art.º 4 do CPP)[1]

Paulo Ferreira da Cunha (Juiz Conselheiro adjunto)

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[1]   Artigo 15.º-A: (Recolha de assinatura dos juízes participantes em tribunal coletivo)
A assinatura dos outros juízes que, para além do relator, tenham intervindo em tribunal coletivo, nos termos previstos no n.º 1 do artigo 153.º do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, na sua redação atual, pode ser substituída por declaração escrita do relator atestando o voto de conformidade dos juízes que não assinaram.