Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
08A1599
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: MOREIRA CAMILO
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
DANOS PATRIMONIAIS
DANOS FUTUROS
PENSÃO DE SOBREVIVÊNCIA
SUBSÍDIO POR MORTE
Nº do Documento: SJ20080617015991
Data do Acordão: 06/17/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE
Sumário :
I - Entre os danos patrimoniais que o responsável pela produção do acidente de viação está obrigado a indemnizar, contam-se os chamados danos patrimoniais resultantes da perda de remunerações do trabalho.
II - Excepcionalmente, em casos de morte, a lei reconhece o direito a indemnização de danos patrimoniais futuros iure proprio às pessoas que podiam exigir alimentos do lesado directo ou àquelas pessoas a quem o lesado os prestava no cumprimento de uma obrigação natural - art. 495.º, n.º 3, do CC.
III - Nesta situação se encontra o cônjuge de uma vítima mortal, tendo em conta o dever de assistência resultante do casamento (arts. 1672.º, 1675.º e 1676.º do CC)
IV - Para exercitar tal direito, não é necessário provar que se recebia alimentos, bastando apenas demonstrar que se estava em situação de, legalmente, os poder vir a exigir e a previsibilidade dos mesmos, nos termos do art. 564.º, n.º 3, do CC.
V - O cálculo da perda de alimentos, a fazer com recurso à equidade (art. 566.º, n.º 3, do CC), constitui uma operação delicada, de difícil solução, na medida em que obriga a fazer apelo a situações hipotéticas e tem de se alicerçar em dados problemáticos, tais como a idade da vítima, o tempo provável da sua vida activa, a evolução das despesas alimentares em função do aumento do custo de vida, a evolução dos salários, a taxa de juro e a própria idade do beneficiário dos alimentos.
VI - A obrigação de pagamento pelas instituições de segurança social do subsídio por morte e de pensões de sobrevivência a familiares do beneficiário falecido, nos casos em que há terceiros responsáveis pela morte, apenas representa um adiantamento “em lugar do devedor”.
VII - Assim, assegurando o ISSS, nesses casos, provisoriamente, a protecção desses familiares, cabe-lhe, em conformidade, exigir o valor dos subsídios ou pensões pagos, incluindo-se aqui o subsídio por morte.
Decisão Texto Integral:


Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:


I – No Tribunal Judicial da Comarca de Vila do Conde, AA, BB e CC, em acção com processo ordinário, emergente de acidente de viação, para efectivação da responsabilidade civil, intentada contra Companhia de Seguros FF, S.A., pediram a condenação da Ré a pagar:
1. – à demandante AE a quantia de € 259.857
2. – ao demandante BB a quantia de € 45.000
3. – ao demandante CC a quantia de € 45.000
todas acrescidas de juros legais a contar da citação, a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos na sequência de um acidente de viação ocorrido no dia 5 de Janeiro de 2001 (por lapso, escreveram 2000), cerca das 14 horas, na freguesia de Árvore, do concelho de Vila do Conde, em que foram intervenientes os veículos automóveis ligeiros de matrícula 00-00-HJ, conduzido pelo marido e pai dos demandantes, AM, seu proprietário, e 00-00-GC, conduzido pelo seu proprietário, PM, e segurado na Ré, de que resultou a morte de ambos os condutores, imputando os Autores a culpa na produção do acidente ao condutor da segunda viatura.

O Instituto de Solidariedade e Segurança Social (ISSS) veio deduzir contra a Ré um pedido de reembolso de prestações da Segurança Social no montante de € 20.023,37, com juros de mora desde a citação até integral pagamento.

Na sua contestação, a Ré pugnou pela improcedência da acção.

Opondo-se ao pedido do ISSS, a Ré veio defender que não há lugar ao reembolso do subsídio de morte, por se tratar de pura prestação social devida pela simples morte do beneficiário, independentemente da sua causa, e que, quanto às pensões de sobrevivência, a haver lugar ao seu reembolso, terão elas de ser abatidas na indemnização que, por danos patrimoniais, porventura for devida.

Houve réplica.

Na audiência de discussão e julgamento da causa, o ISSS ampliou o pedido para € 35.640,21, tendo em conta novas prestações pagas.

A final, foi proferida sentença, segundo a qual a acção foi julgada parcialmente procedente e, em consequência, se decidiu condenar a Ré a pagar:
“a) À autora AE a quantia global de 80.833,33 Euros – oitenta mil oitocentos e trinta e três euros e trinta e três cêntimos, acrescida de juros de mora à taxa de 4%, contados a partir da notificação desta decisão até efectivo pagamento, atentando-se no que acima ficou dito quanto à não cumulação de indemnizações;
b) Aos autores BB e CC a quantia global de 15.833,33 Euros – quinze mil oitocentos e trinta e três euros e trinta e três cêntimos, por cada um deles, acrescida de juros de mora à taxa de 4%, contados a partir da notificação desta decisão até efectivo pagamento;
c) Condenar a ré a reembolsar o Instituto de Solidariedade e Segurança Social da quantia de 17.820,10 euros, acrescida de 50% das pensões que se vencerem e forem pagas e de juros de mora à taxa de 4%, a contar da citação”.

Decidiu-se ainda absolver a Ré do demais pedido.

Após recurso da Ré, foi, no Tribunal da Relação do Porto, proferido acórdão a julgar improcedente a apelação e a confirmar a sentença recorrida.

Ainda inconformada, veio a Ré interpor o presente recurso de revista, o qual foi admitido.

A recorrente apresentou alegações, formulando as seguintes conclusões:
1ª – Para efeitos de indemnização por facto ilícito, há que distinguir duas situações: a indemnização à vítima do acidente e a indemnização a terceiros.
2ª – A indemnização por danos patrimoniais futuros à vítima do acidente, decorrentes de incapacidade (IPP), deve traduzir-se num capital produtor do rendimento perdido pelo lesado em virtude da perda da sua capacidade de ganho.
3ª – A indemnização a terceiros tem carácter excepcional, pois só existe nos casos previstos na lei, em especial pela perda dos alimentos recebidos da vítima (nº 3 do artº 495º do Ccivil).
4ª – Essa indemnização é devida por direito próprio (que não a título sucessório) e tem como limite o limite dos alimentos perdidos, não sendo devida qualquer outra indemnização por quaisquer outros danos, nomeadamente pela perda da expectativa de aforro e do eventual enriquecimento do património hereditário (como se diz no acórdão recorrido, antecipando desde já a parte dos autores!!!).
5ª – É que ninguém tem direito à pessoa e à capacidade de ganho de outrem – seja cônjuge seja pai – ou aos rendimentos que essa pessoa poderia produzir ou aforrar no futuro com o seu trabalho.
6ª – Sendo a responsabilidade e o dano repartidos na base de 50% dos dois veículos intervenientes, sendo o marido e pai dos autores sócio gerente de uma sociedade com problemas financeiros (artº 57º da petição) e sendo a petição inicial omissa quanto ao valor da sua contribuição para os alimentos dos autores, não se justifica indemnização superior a 60.000€.
7ª – À qual devem ser abatidas as indemnizações recebidas da ZURICH a título de acidente de trabalho e 50% das pensões de sobrevivência recebidas do ISS até à data do pagamento.
8ª – Deve reconhecer-se que o ISS só tem direito ao reembolso de 50% das pensões de sobrevivência desembolsadas e que não tem direito ao reembolso do subsídio por morte, por se tratar de uma prestação eminentemente social, que sempre seria devida, independentemente da causa da morte. Doutro modo, teria de reconhecer-se que só tem direito ao reembolso de 50% do subsídio pago.
9ª – O douto acórdão recorrido, ao decidir como decidiu, fez errada interpretação e aplicação das normas legais aplicáveis, nomeadamente do nº 3 do artº 495º e 562º do Ccivil, e artºs 4º e 5º do DL 322/90, de 18/10.

Contra-alegaram os recorridos, defendendo a confirmação do acórdão impugnado.

Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

II – Nas instâncias foram dados como provados os seguintes factos:
1. No dia 5 de Janeiro de 2001, cerca das 14 horas, ocorreu um acidente de viação na Rua ...., Lugar de Areia, Árvore.
2. No acidente referido em 1., foram intervenientes os veículos ligeiros de passageiros de matrícula 00-00-HJ, conduzido e propriedade de AM, marido e pai dos Autores, e o de matrícula 00-00-GC, conduzido e propriedade de PM.
3. No local do acidente, a estrada tem a largura de 7,25 metros, o piso em paralelo e, devido ao tempo chuvoso e manchas de óleo, o piso encontrava-se molhado e escorregadio.
4. No acidente, faleceram ambos os condutores.
5. Considerando o sentido Mindelo-Árvore, a cerca de 150 metros do local onde se deu o acidente, desenha-se uma curva para a direita seguida de contra curva para a esquerda.
6. Os vidros e plásticos partidos dos veículos ficaram espalhados pela via, ficando alguns vidros próximos do veículo HJ.
7. Após a colisão, o HJ ficou imobilizado junto a um pinheiro e o GC ficou imobilizado a 34,70 metros de distância.
8. Ficando com a parte da frente enfiada numa bouça existente no lado direito da estrada, atento o sentido Árvore-Mindelo.
9. E a traseira voltada para a faixa de rodagem.
10. Em consequência do acidente, o marido e pai dos Autores sofreu as lesões referidas no artigo 30º da petição, que aqui se dá como reproduzido, e que foram causa da morte.
11. Na altura do acidente, o marido e pai dos Autores circulava ao serviço da empresa A...M... & Filho, Limitada, da qual era sócio gerente.
12. O marido e pai dos Autores tinha, à data do acidente, 51 anos de idade.
13. AM era saudável, bem constituído, trabalhador jovial, com feitio sociável, expansivo e alegre.
14. A Autora e o marido estiveram casados 24 anos.
15. Os Autores e o falecido constituíam uma família harmoniosa e feliz.
16. Os Autores sentiram a morte do pai e marido.
17. O marido e pai dos Autores era sócio gerente de uma sociedade comercial que se dedicava ao transporte de mercadorias, no regime de aluguer, e de terraplanagem de terrenos.
18. A AE não foi capaz de dar continuação ao trabalho do marido.
19. E, perante a perda de clientela, a AE requereu falência em Novembro de 2001.
20. O falecido AM tinha um rendimento mensal de cerca de 1.000,00 Euros, pagos 12 vezes ao ano.
21. E apenas gastava consigo 250 Euros mensais.
22. No auto de conciliação por acidente de trabalho (o mesmo acidente dos autos) que correu termos no Tribunal de Matosinhos, a Autora AA passou a receber a pensão anual e vitalícia de 3.561,42 Euros.
23. E recebeu o subsídio por morte de 4.010,35 Euros, acrescido da quantia de 2.673,56 Euros, a título de subsídio de funeral.
24. E o Paulo a pensão mensal anual de 2.373,56 Euros, e ambas as pensões referidas com início em 16.01.2001.
25. O Instituto de Solidariedade e Segurança Social continua a pagar as pensões de sobrevivência ao cônjuge sobrevivo e ao filho, com inclusão dos 13º e 14º meses, pensões que, actualmente, são dos montantes mensais de 309,39 Euros para a viúva e de 102,13 Euros para o filho.
26. O proprietário do veículo 00-00-GC, na altura do acidente, tinha a sua responsabilidade civil, por acidentes de viação, transferida para a Ré Seguradora pela apólice 6.619,043.

III – 1. As questões suscitadas no presente recurso consistem em saber:
- se a indemnização atribuída aos Autores por via da perda total da capacidade de ganho da vítima depende dos alimentos que esta prestava ou seria obrigada a prestar, se continuasse viva, devendo a acção improceder nesta parte, ou ser fixada indemnização não superior a € 60.000;
- se ao ISSS apenas é devido o reembolso de metade das pensões de sobrevivência pagas, não sendo devido o reembolso de metade do subsídio por morte.

O acórdão recorrido, posto perante tais questões, não deu razão à recorrente.

Quid iuris?

2. Vejamos a 1ª questão enunciada.

Segundo o nº 3 do artigo 495º do Código Civil, no caso de lesão de que proveio a morte, têm direito a indemnização os que podiam exigir alimentos ao lesado ou aqueles a quem o lesado os prestava no cumprimento de uma obrigação natural.

Não podendo apurar-se o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites do que tiver por provado – artigo 566º, nº 3, do mesmo diploma.

Segundo os acórdãos deste STJ proferidos nas Revistas nºs 1052/99 e 1030/99, da 6ª Secção, em 11.01.2000 (Sumários de Acórdãos Cíveis do STJ, Edição Anual – 2000, páginas 17 e 18, respectivamente), a lei reconhece, nos casos de morte, excepcionalmente o direito à indemnização de danos patrimoniais iure proprio às pessoas que podiam exigir alimentos do lesado directo.

Também o acórdão de 22.05.2001 do mesmo Tribunal, proferido na Revista nº 25/01, da mesma Secção (Sumários …, Edição Anual – 2001, pág. 166), refere que, para exercitar o direito de indemnização a alimentos do artigo 495º, nº 3, do Código Civil, não é necessário provar que se recebia alimentos, basta demonstrar que se estava em situação de, legalmente, os poder vir a exigir e a previsibilidade dos mesmos, nos termos do artigo 564º, nº 3, do mesmo Código.

Algo diferente é a posição assumida no acórdão de 07.06.2001, proferido na Revista nº 634/01, da 2ª Secção (citada Edição, pág. 217).

Aí se diz que o nº 3 do artigo 495º do Código Civil, como norma excepcional, é, em princípio, insusceptível de aplicação analógica.
Mais refere que não basta, por isso, a simples invocação da qualidade ou status de cônjuge sobrevivo para, de pronto e de modo automático, ser atribuída ao invocante uma indemnização a esse título: esta só pode ser exigida por danos efectivos – que não pelos meramente potenciais – da cessação da prestação de alimentos, podendo, porém, o tribunal atender aos danos futuros que sejam previsíveis, atribuindo, desde logo, um determinado quantum indemnizatório se já dispuser de elementos factuais que, com razoável dose de verosimilhança, lhe permitam determinar que tais danos são, desde já, previsíveis.

Posto isto, diremos que o facto de a Autora poder exigir alimentos do marido, em cumprimento do dever de assistência (cfr. artigos 1672º, 1675º e 1676º do Código Civil), leva-nos à conclusão de que, efectivamente, e face à morte de seu marido, ela tem direito a indemnização, ao abrigo do disposto no citado artigo 495º, nº 3 (neste sentido, cfr. acórdão deste STJ de 08.07.2003, Revista nº 1360/03 – CJ/STJ, Ano XI, Tomo II-2003, pág. 141 –, de que foi relator o aqui relator).

Só que – e como bem se refere nos dois primeiros acórdãos citados –, o cálculo da perda de alimentos é sempre uma operação delicada, de solução difícil, na medida em que obriga a fazer apelo a situações hipotéticas e tem de alicerçar-se em dados problemáticos, tais como a idade da vítima, o tempo provável de vida activa da mesma, a evolução das despesas alimentares em função do aumento do custo de vida, a evolução dos salários e a taxa de juro, a própria idade dos beneficiários de alimentos.

Compreendendo o dever de indemnizar não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão, e podendo, na respectiva fixação, o tribunal atender aos danos futuros desde que previsíveis, temos que, se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados – artigos 564º e 566º, nº 3, do Código Civil.

O que agora aqui está em causa é, precisamente, um pedido de réditos futuros pela privação da respectiva fonte.
Por isso, há-de, em consequência, fazer-se apelo a critérios de probabilidade a projectar em termos de normalidade da vida.

Como critério de determinação dos danos futuros correspondentes à perda da capacidade de ganho, designadamente em casos como este, em que tal perda foi motivada por falecimento, sempre com as correcções que as circunstâncias do caso equitativamente aconselham, tem-se por adequado, instrumentalmente, lançar mão da conjugação das regras respeitantes à determinação de uma indemnização fixada em renda (seguros de vida) com as que regem a determinação do valor das pensões sociais (a partir do nível dos rendimentos do trabalho), conjugando quanto se estabelece nos artigos 567º do Código Civil, 17º do Decreto-Lei nº 522/85, de 31.12, e 26º da Lei nº 28/84, de 14.08 (cfr. acórdão deste STJ de 28.10. 1992, in BMJ nº 420, pág. 544).
Daí que, neste caso, as atribuídas pensões se tomem como referência a considerar.

De qualquer forma, o que importa é encontrar um capital susceptível de produzir rendimento equivalente ao perdido pelos lesados, sem que se traduza no seu enriquecimento.

Para tanto, lança-se, por vezes, mão de tabelas financeiras, as quais constituem sempre instrumentos úteis à formulação do juízo de equidade a que alude a lei e à uniformização de critérios.

No entanto, já o acórdão deste Tribunal de 28.09.1995 (CJ/STJ, Ano III, Tomo III-1995, pág. 36) afasta o recurso a quaisquer tabelas ou fórmulas, confiando preferentemente no prudente arbítrio do tribunal, com recurso à equidade, solução que também se nos afigura mais adequada, sem embargo de se reconhecer o papel adjuvante que o recurso a tabelas ou fórmulas possa ter.

No caso em apreço, há que partir dos seguintes dados:

- O marido e pai dos Autores era sócio gerente de uma sociedade comercial que se dedicava ao transporte de mercadorias, no regime de aluguer, e de terraplanagem de terrenos;
- A AE não foi capaz de dar continuação ao trabalho do marido e, perante a perda de clientela, requereu a falência em Novembro de 2001;
- O falecido AM tinha um rendimento mensal de cerca de 1.000 Euros, pagos 12 vezes por ano;
- E apenas gastava consigo 250 Euros mensais;
- A Autora e o marido estiveram casados 24 anos;
- O marido e pai dos Autores tinha, à data do acidente, 51 anos de idade.

Perante esta factualidade, entendemos que a verba de € 130.000,00 (reduzida aqui a 50%) encontrada pelas instâncias é muito exagerada.

É que, quanto aos filhos, a obrigação de alimentos só existe enquanto os mesmos forem menores, salvo os casos excepcionais contemplados no artigo 1880º do Código Civil, sendo certo que os autos não fornecem elementos (idade, frequência de cursos universitários ou outros) que nos permita concluir que os filhos tinham ainda de receber alimentos de seu pai.

Assim sendo, e tendo em conta também a idade da própria viúva (sabe-se que, aquando da morte do marido, estavam casados há 24 anos), entendemos como perfeitamente equilibrada a verba de € 60.000,00 (aqui reduzida a metade, ou seja, a € 30.000,00) como indemnização pela perda da capacidade de ganho da vítima, em vez do montante de € 130.000,00 (reduzido a 50%) arbitrado nas instâncias.

3. Passemos à questão do reembolso da prestação paga a título de subsídio por morte.

Refere a recorrente que, por se tratar de uma prestação eminentemente social, que sempre seria devida, independentemente da causa da morte, não há lugar ao reembolso.

Não lhe assiste razão.

Nos termos do artigo 2º da Lei nº 28/84, de 14 de Agosto (Lei de Bases da Segurança Social), a segurança social protege os trabalhadores e suas famílias, na situação de falta ou diminuição de capacidade para o trabalho, de desemprego involuntário e de morte, garantindo a compensação de encargos sociais e as pessoas que se encontrem em situação de falta ou diminuição de meios de subsistência.

Está aqui em causa a aplicação do disposto no artigo 16º da referida Lei nº 28/84, o qual prescreve: “No caso de concorrência, pelo mesmo facto, do direito a prestações pecuniárias dos regimes de segurança social com o de indemnização a suportar por terceiros, as instituições de segurança social ficam sub-rogadas nos direitos do lesado até ao limite do valor das prestações que lhes cabe conceder”.

O preâmbulo do Decreto-Lei nº 59/89, de 22 de Fevereiro, esclareceu que a Segurança Social “assegura, provisoriamente, a protecção do beneficiário, cabendo-lhe, em conformidade, exigir o valor dos subsídios ou pensões pagos”.

Concordamos com o acórdão deste STJ de 03.03.2005, proferido na Revista nº 19/95, desta 1ª Secção (aliás, de acordo com a tendência que se vem verificando na jurisprudência portuguesa), quando diz que não há que esgrimir com a circunstância de a morte ter sempre de ocorrer mais cedo ou mais tarde, constituindo, por isso, um encargo certo e inevitável, para daí concluir que o CNP apenas antecipou o pagamento do subsídio por morte, não tendo essa antecipação relevância para a atribuição do direito de sub-rogação.

Na verdade, já o acórdão deste STJ de 05.01.1995 (CJ/STJ, Ano III, Tomo I-1995, pág. 163) refere que o Centro Nacional de Pensões deve ser tido como “lesado” em relação aos subsídios e pensões pagos em consequência de acidente de viação.

Infere-se, assim, que a obrigação de pagamento pelas instituições de segurança social do subsídio por morte e de pensões de sobrevivência a familiares do beneficiário falecido, nos casos em que há terceiros responsáveis pela morte, apenas representa um adiantamento “em lugar do devedor” (neste sentido, cfr. acórdão deste STJ de 11.07.2006, proferido na Revista nº 1969/06, desta Secção, subscrito, na mesma qualidade, pelos mesmos Juízes do presente acórdão).

Tem, pois, o ISSS direito também ao reembolso da prestação paga a título de subsídio por morte, embora reduzida a 50%, dada a proporção da responsabilidade da aqui recorrente.

4. Resulta, pois, do exposto que colhem parcialmente as conclusões da recorrente, tendentes ao provimento do recurso, pelo que o acórdão recorrido terá de ser alterado.

IV – Podemos, assim, extrair as seguintes conclusões:

1ª – Entre os danos patrimoniais que o responsável pela produção do acidente de viação está obrigado a indemnizar, contam-se os chamados danos patrimoniais resultantes da perda de remunerações do trabalho.
2ª – Excepcionalmente, em casos de morte, a lei reconhece o direito a indemnização de danos patrimoniais futuros iure proprio às pessoas que podiam exigir alimentos do lesado directo ou àquelas pessoas a quem o lesado os prestava no cumprimento de uma obrigação natural – artigo 495º, nº 3, do C.C..
3ª – Nesta situação se encontra o cônjuge de uma vítima mortal, tendo em conta o dever de assistência resultante do casamento (artigos 1672º, 1675º e 1676º do C.C.)
4ª – Para exercitar tal direito, não é necessário provar que se recebia alimentos, bastando apenas demonstrar que se estava em situação de, legalmente, os poder vir a exigir e a previsibilidade dos mesmos, nos termos do artigo 564º, nº 3, do C.C..
5ª – O cálculo da perda de alimentos, a fazer com recurso à equidade (artigo 566º, nº 3, do C.C.), constitui uma operação delicada, de difícil solução, na medida em que obriga a fazer apelo a situações hipotéticas e tem de se alicerçar em dados problemáticos, tais como a idade da vítima, o tempo provável da sua vida activa, a evolução das despesas alimentares em função do aumento do custo de vida, a evolução dos salários, a taxa de juro e a própria idade do beneficiário dos alimentos.
6ª – A obrigação de pagamento pelas instituições de segurança social do subsídio por morte e de pensões de sobrevivência a familiares do beneficiário falecido, nos casos em que há terceiros responsáveis pela morte, apenas representa um adiantamento “em lugar do devedor”.
7ª – Assim, assegurando o ISSS, nesses casos, provisoriamente, a protecção desses familiares, cabe-lhe, em conformidade, exigir o valor dos subsídios ou pensões pagos, incluindo-se aqui o subsídio por morte.

V – Nos termos expostos, acorda-se em conceder parcialmente a revista e, em consequência, decide-se alterar de € 65.000,00 para € 30.000,00 (valores já reduzidos a 50%) o montante atribuído aos Autores a título de perda total da capacidade de ganho da vítima, mantendo-se, no demais, a decisão recorrida.

Custas pela Ré/recorrente e pelos Autores/recorridos, na proporção de, respectivamente, 1/10 e 9/10, sem prejuízo do apoio judiciário que foi concedido a estes últimos.


Lisboa, 17 de Junho de 2008

Moreira Camilo (Relator)
Urbano Dias
Paulo Sá