Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
08S2578
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: PINTO HESPANHOL
Descritores: APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO
CONTRATO DE TRABALHO
ADMINISTRADOR
SOCIEDADE ANÓNIMA
Nº do Documento: SJ20090114025794
Data do Acordão: 01/14/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Sumário :
1. O artigo 12.º do Código do Trabalho estabelece a presunção de que as partes celebraram um contrato de trabalho assente no preenchimento cumulativo de cinco requisitos, o que traduz uma valoração dos factos que importam o reconhecimento dessa presunção; assim, para efeitos de qualificação contratual das relações estabelecidas entre as partes, deve considerar-se que o Código do Trabalho só se aplica aos factos novos, ou seja, às relações jurídicas constituídas após o início da sua vigência, que ocorreu em 1 de Dezembro de 2003.
2. Discutindo-se a qualificação da relação jurídica estabelecida entre o autor e as rés, desde 23 de Março de 2000 a 8 de Março de 2004, e não se extraindo da matéria de facto provada que as partes tivessem alterado, a partir de 1 de Dezembro de 2003, os termos da relação contratual entre eles firmada, aplica-se o regime jurídico do contrato individual de trabalho, anexo ao Decreto Lei n.º 49.408 de 24 de Novembro de 1969.
3. Provando-se que o autor foi admitido para exercer funções de administrador da 1.ª ré e, posteriormente, da 3.ª ré, não se pode qualificar essa relação jurídica como contrato de trabalho subordinado.
4. É certo que o autor desempenhava a sua actividade nas instalações das rés e utilizava instrumentos àquelas pertencentes; porém, a execução da actividade nas instalações das rés e com instrumentos às mesmas pertencentes é compatível tanto com o contrato de trabalho como com as funções de administrador de uma sociedade.
5. Doutro passo, não se provou que as rés tenham fixado ao autor qualquer horário de trabalho, nem efectuado o controlo da respectiva assiduidade, ou sequer a sujeição do autor ao poder disciplinar das rés.
6. Noutro plano de consideração, a definição do local em que o autor devia exercer a sua actividade não assume relevo significativo, dada a especificidade própria da actividade de um membro do conselho de administração de uma sociedade anónima, que deve respeitar a competência normal dos outros administradores nas áreas que não lhe estão distribuídas, designadamente a das instalações.
7. Nesta conformidade, atendendo ao conjunto dos factos provados, conclui-se que o autor não fez prova, como lhe competia (artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil), de que a relação contratual que vigorou entre as partes revestia a natureza de contrato de trabalho, pelo que improcedem os pedidos por si formulados na presente acção, que tinham justamente por fundamento a existência de uma relação laboral.
Decisão Texto Integral:


Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

I

1. Em 22 de Fevereiro de 2005, no Tribunal do Trabalho de Lisboa, AA instaurou a presente acção declarativa, com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho contra (1.ª) BB– BANCO BB, S. A., (2.ª) CC - SGPS, S.A., (3.ª)DD – NOVAS TECNOLOGIAS, SGPS, S. A., e (4.ª) EE, SGPS, S. A., pedindo que, declarado o seu vínculo como laboral, «as 1.ª e 3.ª RR. [fossem] condenadas a reintegrar o A., como resultado do despedimento ilícito que operaram, na mesma categoria profissional, retribuição e demais direitos e regalias e a pagarem-lhe as retribuições vencidas e vincendas, e todas as RR. [fossem] condenadas a competente indemnização por danos morais, no valor não inferior a € 40.000,00, ao que acrescem os competentes juros legais, custas e procuradoria digna».

Para tanto, alegou, em síntese, que:

– Iniciou a sua vida profissional no sector bancário, em 20 de Março de 1974, no Banco Pinto & Sotto Mayor, e transitou para o Grupo do Banco Comercial Português, em 21 de Setembro de 1988, sendo, à data, Director, correspondendo-lhe o nível 15 do ACVT bancário, com vinte seis anos de experiência profissional;
– Justamente por causa da sua experiência profissional e reputado mérito no exercício das funções, em Março de 2000, através de um concurso levado a cabo pela empresa «Brainsearch», foi convidado a integrar os quadros da 1.ª ré;
– Aquando dos contactos iniciais e por forma a aliciá-lo a deixar uma carreira estável e sólida no Banco Comercial Português, o Presidente da 1.ª ré, Dr. JC, apresentou-lhe um projecto inovador e atractivo que respeitaria integralmente a sua antiguidade e demais direitos adquiridos e regalias, no sector bancário, e lhe permitiria simultaneamente desenvolver novas capacidades, tendo-lhe referido, ainda, que, em 2001, iriam ser distribuídos lucros relativos ao ano de 2000;
– Foi-lhe expressamente afiançado e determinante para a sua aceitação que, por forma a assegurar a sua segurança no emprego, sairia do Grupo BCP e entraria para os quadros da 1.ª ré com a categoria profissional de Director, e, em momento posterior, nomeado Administrador, o que ocorreria na Assembleia Geral da 4.ª ré, realizada em 24 de Março de 2000;
– Acordada a salvaguarda da respectiva antiguidade no sector bancário e a segurança no emprego, deu o seu assentimento à proposta que lhe foi dirigida, tendo ficado verbalmente acordado que, para além das diuturnidades, no valor mensal de € 157,62, e subsídio de refeição no valor mensal de € 158,62, receberia a remuneração mensal ilíquida de € 8728,96, paga 14 vezes por ano, acrescida da quantia de € 27.939,89, paga no fim de cada ano civil, por forma a perfazer o «pacote salarial» anual acordado de € 149.639,37;
– Como contrapartida directa da sua prestação, tinha, ainda, direito ao uso de uma viatura Volvo S 80, durante quatro anos, findos os quais, era substituída por uma de valor e prestígio equivalente ou superior com o direito de opção na compra do primeiro, pelo valor residual, ao uso de um cartão de crédito e ao pagamento de pequenas despesas conexas com a viatura como limpezas, lavagens e portagens;
– Por imposição da 1.ª ré, iniciou funções por conta e direcção desta, no dia 23 de Março de 2000, ou seja, três dias volvidos após o contacto pessoal com o Presidente daquela, sem disponibilização de tempo imprescindível para se inteirar das novas condições e formalizá-las, previamente;
– Não obstante as diversas insistências feitas, entre Março de 2000 e Abril de 2001, junto da Direcção de Recursos Humanos e do Chefe de Gabinete do Presidente da 1.ª ré, para que fosse formalizada a proposta contratual que aceitara e que pressuponha a celebração de um contrato de trabalho, no qual lhe era atribuída a categoria profissional de Director, nunca o mesmo foi formalizado;
– Inicialmente, geria o Departamento de Infra-estruturas e Tecnologias e tinha os pelouros das Operações (contidas na Direcção de Operações), Organização e Informática (contidas no Departamento de Informática e Tecnologias de Informação), Meios de Pagamentos (contidos no Departamento de Meios de Pagamento), Economato e Logística (contidos no Departamento Administrativo) e Contabilidade (contidas no Departamento de Contabilidade) das rés, o que fazia nas instalações da 1.ª ré que, para o efeito, lhe foram distribuídas e no horário de trabalho que lhe foi imposto;
– A 1.ª ré procedeu sempre à retenção na fonte das quantias devidas a título de Imposto Sobre o Rendimento, bem como das quantias devidas a título de Fundo de Assistência, SAMS Quadros Técnicos Bancários e Sindicato Nacional dos Quadros Técnicos Bancários e remunerou-lhe as férias;
– No mês de Março de 2001, o Presidente do Conselho de Administração da 1.ª ré, Dr. JC, de forma súbita e inexplicável, comunicou-lhe que não iria ser reconduzido como Administrador, sem fornecer qualquer explicação, e, no dia subsequente, informou-o que não havia motivos para preocupações, pois ia ser reconduzido para outra empresa do Grupo BB, a sub-holdingDD – Novas Tecnologias, 3.ª ré, para supervisionar as empresas associadas;
– Independentemente das empresas/pessoas colectivas a quem foi prestando actividade dentro do Grupo onde se integram as rés, foi a 1.ª Ré BB a pagar-lhe o vencimento;
– No mesmo mês de Março de 2001, foi realizada a Assembleia Geral das 1.ª e 4.ª rés, na qual foi formalmente destituído do cargo de Administrador da 1.ª Ré, mas que não contou com a sua presença, só tendo sido verbalmente informado da «destituição» dias antes da mesma ocorrer, nem foi consultado para a sua suposta eleição para a 3.ª ré, tendo-lhe sido reiterado que iria manter o seu vínculo com o Grupo, por «existirem muitas empresas no grupo a quem podia prestar serviços»;
– No período que mediou entre a saída formal da 1.ª ré e a entrada, também formal, na 3.ª ré, desempenhou funções por conta e no interesse da 4.ª ré, tendo como principais tarefas o «trading internacional», ou seja, os negócios com vocação internacional que tinham como objectivo a apresentação de diversas empresas do Grupo BB, que podiam prestar serviços, entre outros, de consultoria, segurança estática e biométrica, disco óptico/workflow e sistemas informáticos;
– O desenvolvimento de tal actividade aproveitava a todo o Grupo BB, designadamente às 1.ª e 2.ª rés, porquanto era o seu nome que era também difundido no território espanhol, projectando-se a imagem de todo o grupo junto de potenciais clientes, desenvolvendo parcerias estratégicas com empresas externas que continham oportunidades de negócio para todo o Grupo BB;
– Todas as rés reconheciam, implicitamente, e, em particular, a 1.ª ré, que lhe continuou sempre a pagar o ordenado, que a sua prestação aproveitava a todas e que o vínculo que mantinham com ele era um verdadeiro contrato de trabalho, uma vez que não faziam depender a remuneração devida de eleições em Assembleias Gerais, e a prestação de actividade era conformada pelas rés que lhe davam ordens e instruções e às quais estava obrigado a obedecer, no horário de trabalho e local de trabalho que a 1.ª ré expressamente lhe ordenou;
– Mesmo após o dia em que formalmente terá sido nomeado Administrador da 3.ª ré, nada se alterou na prestação e na actividade que se obrigara a cumprir, continuando incumbido das mesmas funções;
– As 1.ª e 3.ª rés passaram a pagar-lhe a nova remuneração que entenderam atribuir-lhe, não do montante correspondente ao valor líquido a que se obrigara o Dr. JC, Presidente da 1.ª ré, mas submetendo-a ainda aos descontos legais, o que resultou numa redução de mais de metade do seu vencimento, sendo certo que a 3.ª ré se assumiu como a nova entidade patronal, sem contudo a 1.ª ré ter deixado de o remunerar, pelo que tal promessa foi feita, quer em nome e por conta da 1.ª Ré, quer em nome e por conta da 3.ª ré, a qual era apresentada como a entidade jurídica para a qual formalmente ele iria desempenhar actividade;
– No dia 14 de Julho de 2003, foi verbalmente informado pelo Secretário da Presidência, o Eng.º FS, que seria «dispensado» a partir do final do mês de Setembro e, no dia 9 de Setembro de 2003, foi convocado para uma reunião com o Eng.º FS, na qual foi informado que o «Grupo BB prescindia dos seus serviços a partir de 31 de Dezembro», contrariando a data apontada anteriormente;
– No dia 5 de Março de 2004, foi convocado pelo Dr. LC, administrador da 4.ª ré, que o informou que a partir daquele momento o Grupo BB dispensaria os seus serviços, situação que se arrastou até ao dia 8 de Março, altura em que foi impedido de entrar nas instalações das rés, por ordem do Eng.º FS, que lhe confirmou, telefonicamente, que, após o ocorrido nesse dia, deixaria de ser funcionário das rés;
– No mesmo dia, voltou a deslocar-se às instalações acompanhado de duas testemunhas, só lhe tendo sido permitido remover os bens pessoais, e nesse mesmo dia, as rés creditaram as notas de despesas apresentadas, embora o autor não pudesse levantar qualquer quantia já que, segundo a Directora de Recursos Humanos, Dr.ª Ana ..., a sua conta bancária permanecia devedora;
– Com esta conduta, previamente programada, querida e reiterada no tempo, as rés obrigaram-no a executar as diversas prestações a que se obrigara, sob uma constante pressão, para em momento posterior o esvaziarem de funções, pressão essa que foi aumentando ao longo dos anos e que se foi convertendo em expedientes dolosos de humilhação gratuita que mais não visavam que enfraquecer o seu estado volitivo e levá-lo a abandonar o cargo para que apenas formalmente fora eleito;
– As manobras de pressão e de humilhação a que as rés o sujeitaram foram ainda operadas à frente de outros colaboradores — alguns seus subordinados — e inclusivamente à frente de terceiros, e visavam atingir a sua imagem;
– Com esta conduta, exercida durante três anos, as rés transformaram uma pessoa altamente diligente, um profissional reputado e permanentemente preocupado em satisfazer todas as necessidades das rés, com quase três décadas de experiência profissional no sector bancário, numa pessoa deprimida e nervosa, sem dinamismo e sem iniciativa, profundamente temerosa pelo seu futuro profissional, atenta a sua idade e o facto do seu percurso profissional ter sido manchado pela forma como foi afastado das rés, o que lhe causou particular consternação e angústia.

A acção, contestada pelas rés, foi julgada improcedente, tendo a sentença da primeira instância absolvido as rés dos pedidos contra si deduzidos.

2. Inconformado, o autor interpôs recurso de apelação, que o Tribunal da Relação de Lisboa julgou improcedente, confirmando a sentença recorrida, sendo contra esta decisão que o autor agora se insurge, mediante recurso de revista, em que formula as conclusões que se passam a transcrever:

«1.º O douto Acórdão, à semelhança do que sucedera com a sentença do Tribunal de 1.ª instância, assenta no juízo conclusivo de que não resulta dos autos que o Recorrente desenvolvesse a sua actividade, sob o controlo e orientação de qualquer Recorrida e, consequentemente, não era possível caracterizar o vínculo estabelecido entre Recorrente e Recorridas como sendo laboral. Aliás,
2.° A improcedência da acção surge basicamente fundamentada no seguinte silogismo: “Demonstrado que o autor exerceu a sua actividade com autonomia, ainda que aufira retribuição, o seu vínculo não reveste a natureza de trabalho subordinado mas de “mandato”. Ora,
3.° Certo é que tal decisão, embora aparentemente fundamentada, não resiste a um exame mais crítico, desde logo porque a prova produzida conduz de forma inexorável à decisão inversa, mas também porque desconsidera as demais relações estabelecidas com as outras RR.,
4.° Tudo não obstante se ter dado como provado que a actividade desenvolvida pelo A. e Recorrente aproveitava a todas. Deste modo,
5.° A decisão pelo tribunal a quo não reflecte, de todo em todo, a totalidade da prova que foi produzida em sede de audiência de julgamento, bem como aquela que constava já da factualidade assente. E isto porque,
6.° O que estava em causa nos presentes autos era, antes de mais, verificar se, pese embora sob a aparência de um contrato de mandato, a relação jurídica constituída entre Recorrente e RR. tinha a natureza de um contrato de trabalho. Para tal,
7.° O A. e Recorrente alegou estarem verificados diversos indícios de tal natureza jurídica subjacente. E,
8.° Na matéria de facto dada como provada pelo Tribunal a quo não tomou [sic], salvo o devido respeito, todos os factos descritos e sobre os quais incidiu prova testemunhal. Acresce que,
9.° Na douta sentença, seguida de muito perto pelo Acórdão que deu origem ao presente recurso, pode ler-se que não consta dos autos que o Recorrente desenvolvesse a sua actividade, sob o controlo e orientação de qualquer Recorrida,
10.° Mais se acrescentando que também não consta dos autos que qualquer das Recorridas orientasse ou fiscalizasse a actividade do Recorrente, que desse ordens ou directivas a este. Ora,
11.° Tal conclusão é, desde logo, manifestamente contraditória com:
[a] o teor do art.° 17.º da matéria julgada provada porquanto se alude a “até Janeiro de 2003, a conta bancária do autor, enquanto funcionário bancário (...)”;
[b] o teor do art.° 20.º da matéria julgada provada, onde se refere que: “Quando o autor regressou de férias que gozou entre meados de Março de 2001 e meados de Abril de 2001, tinha-lhe sido retirado o gabinete onde prestava a sua actividade, tendo-lhe sido ordenado que passasse a desenvolver actividade (…)”;
[c] o teor do art.° 48.º, onde se refere que foi “ordenado ao autor que mudasse para uma sala existente no 2.º piso”;
[d] o teor do art.° 53.º, onde se alega que “entre Abril de 2001 e início de 2002, o autor desempenhou funções por conta e no interesse da 3.ª ré”;
[e] o teor do art.° 54.º, onde se explicita que “o Dr. JC lhe comunicou que passaria a desempenhar a sua actividade, em empresa a constituir, do Grupo BB, na área tecnológica em reestruturação”. É que,
12.° Ao considerar que o Recorrente não estava sob ordens das RR., a douta sentença e o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa não tomaram em consideração estes factos, na exacta medida em que não só constam da factualidade considerada provada diversas ordens que lhe foram dadas e às quais o mesmo Recorrente teve de obedecer,
13.° Como ainda o largo período de tempo em que o Recorrente foi prestando actividade que aproveitava a todas as RR., sem sequer lhe corresponder um meramente formal mandato. É que,
14.º Resultou provado que o A. e ora Recorrente não só exerceu funções que aproveitavam a outras RR, que não aquelas com quem manteve uma relação meramente formal de mandato, sem que daí se tivesse extraído a consequência jurídica de tal, ou seja, a de que não estando vinculado por um contrato de mandato, forçosamente se estaria perante um contrato de trabalho,
15.° Mas também que o A. e ora Recorrente exerceu actividade em períodos para os quais nem sequer fora “eleito”. Por outro lado,
16.° Conforme se referiu já, o Acórdão, à semelhança do que sucede com a douta sentença, assenta fundamentalmente na afirmação de que o Autor desempenhava as funções com relativa autonomia técnica e, por via de tal facto, o seu vínculo não poderia ser considerado como laboral. Não obstante,
17.° Salvo o devido respeito, tal decisão carece de vislumbre de razão, desde logo porque, desde há largos anos que a circunstância de as tarefas serem executadas com autonomia deixou de ser critério admissível para a distinção entre contratos de trabalho e de prestação de serviços. Assim,
18.° Prima facie, o acórdão do Tribunal a quo falece de razão ao afastar a qualificação jurídica de contrato de trabalho apenas e tão-somente porquanto o A. e Recorrente exercia as suas funções com autonomia. Ao invés,
19.° O conceito unanimemente apresentado, tanto pela doutrina, como pela jurisprudência, como verdadeiramente relevante para a caracterização do contrato de trabalho é, como se sabe, o da subordinação jurídica,
20.° Desde já se avançando que não se considera ser o único, na medida em que a melhor doutrina tem também avançado o critério da subordinação económica, interpretado este de forma actualista. Deste modo,
21.° O conceito de subordinação económica deve ser interpretado e aplicado não apenas aos casos em que o prestador do trabalho depende da remuneração que aufere para a sua subsistência (o que era o caso do A. e ora Recorrente, como infelizmente os autos bem o demonstram...), mas também sempre que, na situação concreta, o agente não se pode assumir como um agente autónomo e só consegue prestar a actividade a que se obrigou quando inserido na estrutura organizada pela contraparte (como também era o caso do caso do aqui A. e Recorrente). E,
22.° Compulsados os factos considerados provados e integrados na douta sentença, o que se verifica é que o A. e Recorrente recebia até ordens quanto ao exacto sítio onde podia exercer as suas tarefas,
23.° Estando completamente inserido numa estrutura que lhe era alheia, como se demonstra pelo mero facto de lhe terem retirado a sinalética, sem que lhe fosse concedida qualquer hipótese de se pronunciar sobre esse assunto,
24.° De não lhe ter sido fornecido o mobiliário adequado, forçando-o a pedir emprestado,
25.° Ficando deste modo absolutamente claro e inequívoco que o mesmo Autor e ora Recorrente trabalhava com instrumentos de trabalho fornecidos pelas RR.,
26.° Não tendo o A. e ora Recorrente qualquer capacidade de autodeterminação. Aliás,
27.° Esta sujeição do A. às ordens das RR. é absolutamente patente quando se tem presente que foi o Presidente do Conselho de Administração da 1.ª Ré que transmitiu ao Autor e Recorrente que não iria ser proposto para integrar o novo Conselho de Administração (art. ° 13.º dos factos provados).
28.° Bem como que o Recorrente foi meramente informado que “ia ser reconduzido como administrador de outra sociedade do Grupo BB” (art.° 45.º dos factos provados). Na verdade,
29.° Para além de se reconhecer que tais eleições para o cargo de Administrador eram meras formalidades, destes concretos factos provados resulta igualmente que o A. e Recorrente não exercia as suas funções com autonomia — que não a técnica —porquanto era o Presidente do Conselho de Administração da 1.ª Recorrida quem decidia onde, quando e formalmente para que entidade é que aquele prestava actividade. Deste modo,
30.º Para que se verifique a existência de trabalho genuinamente autónomo o agente em causa não só tem de ter assumido um risco empresarial, como também tem de deter as respectivas expectativas ou oportunidades,
31.° O que, manifestamente, não foi o que sucedeu nos presentes autos! É que,
32.° O Recorrente nunca assumiu — nem as Recorridas lhe permitiriam que o fizesse! — qualquer risco empresarial,
33.° Nunca gozou de qualquer oportunidade de negócio em seu nome próprio,
34.° Nem sequer viu formadas quaisquer expectativas. Ora,
35.° Atendendo aos factos julgados como provados, todos os indicados elementos não indiciam apenas um certo grau de controlo do produto do trabalho, mas denotam antes uma forma de inserção do trabalhador na organização funcional da empresa, e apontam para a existência do requisito de subordinação jurídica que, como se sabe, constitui o elemento basilar do contrato de trabalho por contraposição ao contrato de prestação de serviços, em que avulta a referência do objecto contratual ao resultado do trabalho — cfr. artigos 1.º da LCT e 10.º do Código do Trabalho (por todos, Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 11.ª edição, Coimbra, pág. 137 e ainda Acórdão do STJ, de 22-03-2007).
36° E, contrariamente ao que resulta da douta sentença, “a subordinação jurídica existe sempre que ocorra a mera possibilidade de a entidade patronal dar ordens e exercer a direcção, ou orientar a actividade laboral em si mesma, ainda que só no tocante ao lugar ou ao momento da prestação. São índices da subordinação jurídica: a) a vinculação do trabalhador a horário de trabalho; b) a existência de local de trabalho, nas instalações do empregador ou em local por ele determinado; c) a existência de controlo externo do modo de prestação da actividade; d) a obediência a ordens e a sujeição à disciplina da empresa; e) a retribuição certa, à hora, dia, semana ou mês; f) a pertença dos instrumentos de trabalho ao empregador; g) a exclusividade da actividade laborativa em benefício de uma só entidade; h) regime fiscal e de segurança social”, in Ac. STJ, de 17 de Fevereiro de 1994, disponível em AD, 391.°-900 e, mais recentemente, Ac. STJ, de 12 de Junho de 2003, disponível em Rec. n.º 2082/02-4.ª: Sumários, 6/2003, Ac. STJ, de 30 de Setembro de 2004, disponível em www.dgsi.pt e Ac. STJ, de 29 de Janeiro de 2003, Ver. N.° 3497/02-4.3 Sum. 1/2003. No mesmo transe,
37.° Como se demonstrou já, nem sequer se pode dizer que existia a mera possibilidade de o Recorrente, receber ordens,
38.° Porque, na realidade, o Recorrente recebeu sistematicamente ordens que cumpriu. Mais ainda...
39.° No caso ora em apreço, o A. e Recorrente recebia subsídio de férias e de Natal, tendo ainda direito ao gozo de férias. E,
40.° Desempenhava as suas funções no local de trabalho estipulado pelas RR.,
41.° Que inclusivamente lhe ordenaram que mudasse por mais do que uma vez,
42.° Não restando outra alternativa do que obedecer. Aliás,
43.° Outra demonstração cabal da falta de autonomia do A. e Recorrente é justamente o facto de o Departamento de Recursos Humanos se permitir ir mensalmente deduzindo do seu ordenado as quantias que entendia (facto provado n.º 19),
44.° Sem que este pudesse sequer recusar tais descontos. Ora,
45.° Inexistindo uma qualquer relação laboral, não se vislumbra a que título o Departamento de Recursos da 1.ª Recorrida se permitia proceder a tais descontos, especialmente durante o período em que nenhum mandato o relacionava com tal departamento. Por outro lado,
46.° Certo é que o Recorrente desenvolvia a sua actividade usando os instrumentos de trabalho que lhe foram confiados pelas RR.,
47.° E, mesmo durante o lapso de tempo em que não era formalmente “Administrador” de nenhuma das RR., a 1.ª Recorrida continuou a assegurar-lhe o pagamento do seu vencimento,
48.° Reconhecendo desta forma que existia uma outra relação jurídica constituída, a qual se mantinha mesmo sem ser formalmente eleito. Para tal,
49.° Salvo o devido respeito, era indiferente que tivesse vindo posteriormente a debitá-la a outra empresa, porquanto o vínculo se constitui independentemente de tais movimentos contabilísticos. Acresce ainda que,
50.° A remuneração do Recorrente entre o mês de Abril de 2001 e o início do ano de 2002, período em que não fora formalmente eleito, foi fixada unilateralmente pela mesma 1.ª Recorrida e paga mensalmente, sofrendo os descontos legais. No seguimento,
51.° E ainda no que concerne à autonomia e em sentido oposto ao que se consagrou na douta sentença, podem perfeitamente ser objecto de contrato de trabalho actividades cuja natureza implica a salvaguarda absoluta de autonomia técnica e científica do trabalhador, pois estas formas de autonomia não são inconciliáveis com uma subordinação jurídica (que pode restringir-se a um âmbito administrativo e organizacional — neste sentido, entre muitos outros, vide Ac STJ, de 2 de Outubro de 1991, disponível em Acórd. Doutrin., 368.º/369.º-1023 e ainda Júlio Gomes, op. cit., 124, para quem “a subordinação jurídica é compatível com a autonomia técnica”). É que,
52.° Em determinadas actividades intelectuais, sob pena de saírem da alçada do Direito do Trabalho, situações em que se verifica igual debilidade contratual por parte do trabalhador, a destrinça entre contrato de trabalho e outras realidades não pode ser feita em função do grau de autonomia na execução das tarefas mas, ao invés, atendendo à inserção deste na organização empresarial. Assim,
53.° Em primeiro lugar importa ter presente que conceitos como o de autonomia ou de subordinação jurídica são relativos.
54.° Não só a subordinação jurídica conhece vários graus e é compatível com a autonomia técnica, bastando para que haja subordinação, de acordo com a maior parte da doutrina, a mera potencialidade ou possibilidade do empregador de dar ordens quanto à execução da prestação, como também a própria autonomia é, ela também, relativa. Na verdade,
55.° Ex.mos Conselheiros, esse é justamente o caso dos presentes autos! Mas mais ainda...
56.° Nem se alegue que, por força de ter sido formalmente eleito Administrador da 1.ª Recorrida e, posteriormente, da 2.ª Recorrida, o A. e ora Recorrente reconheceu implicitamente que o vínculo jurídico tinha a natureza de contrato de mandato. É que,
57.° Conforme se afirmou no acórdão do STJ de 24 de Outubro de 2006 (Revista n.º 1831/06), o contrato em análise, qualquer que seja a respectiva qualificação, tem duas componentes: a componente estática (coincidente com a sua formalização) e a componente dinâmica (coincidente com o seu desenvolvimento efectivo).
58.° E, sendo assim, nada poderá impedir que um dos contratantes possa invocar em juízo a desconformidade entre o clausulado — ou parte dele —, e os termos em que o mesmo veio a ser efectivamente executado, podendo daí resultar uma qualificação jurídica diversa daquela que os outorgantes lhe atribuíram.
59.° Pela análise dos factos julgados provados, a conclusão que forçosamente se tem de extrair é a de que a prestação a que o Recorrente se obrigou e, consequentemente, aquela que prestou tinha a natureza de contrato de trabalho,
60.° Não se podendo afastar esta qualificação apenas e tão-somente por causa de, em dois momentos diferentes e nem sequer imediatamente subsequentes, o Recorrente ter sido formalmente eleito Administrador.
61.° A obstaculização da possibilidade de subsistência de duas relações jurídicas diversas concentradas na mesma pessoa (entenda-se de Administrador e de trabalhador) é explicada por um sector da doutrina italiana, onde avultam Martinelli e Giampaolo Di Giorgio com [sic] uma verdadeira armadilha conceptual,
62.° Desde logo porque, segundo o último destes autores, in Administrazione e Lavoro Subordinato nelle Società di Capitali, ADL, 2003, pp. 813 e ss., “se é verdade que a relação orgânica nas relações externas consente que os actos realizados pelo administrador sejam directamente imputáveis à sociedade, não é menos verdade que quem tem funções de administração nem por isso perde a capacidade, que lhe é própria como pessoa para o Direito, de instaurar com a sociedade as mais variadas relações jurídicas, incluindo as de trabalho subordinado”.
63.° Sendo possível e legalmente admissível que se reúnam na mesma pessoa as qualidades de Administrador e de trabalhador, por maioria de razão outra conclusão não se pode tirar no que respeita à mesma possibilidade nos casos em que a mesma pessoa é Administrador de uma empresa,
64.° E trabalhador de outras, como se verifica ser o caso do aqui Recorrente. Na verdade,
65.° O elemento distintivo passa, entre outras, pela assumpção do risco, no sentido em que o trabalhador dependente, independentemente da formalidade que está subjacente à sua contratação, não se assume como entidade autónoma junto do mercado. Em bom rigor,
66.° E como resultou igualmente demonstrado, o Recorrente participou em apresentações, efectuadas no estrangeiro, da estrutura do Grupo BB (facto provado n.º 55.º), significando tal que era visto como uma mera “peça” na engrenagem do Grupo BB,
67.° Estando plenamente inserido nele e aproveitando às RR. a sua prestação, independentemente de, naquela altura, não manter nenhum vínculo formal com a 1.ª (que, todavia, lhe pagava o respectivo ordenado...), com a 2.ª e com a 4.ª RR (em relação à qual a douta sentença refere que o Recorrente prestou actividade por sua conta e no seu interesse, ressalvando — aqui entende-se que bem — que não existia qualquer vínculo estabelecido).
68.° Ficou provado que todas as rés se apresentam indistintamente como o Grupo BB (art.° 3.º da matéria provada) e bem assim que a actividade prestada pelo Recorrente como administrador da 1.ª Recorrida, no triénio de 1998/2000, aproveitava à 1.ª Recorrida e a actividade prestada desde a cessação desse mandato aproveitava à 3.ª Recorrida e às demais empresas da área tecnológica que integravam o Grupo. Ora,
69.° Tal conclusão resulta ainda particularmente explícita do teor do art.° 51.º, quando se alude a que, quando retirada a sinalética alusiva à 3.ª Recorrida, os colegas e terceiros entenderam que o Recorrente estava “na calha e que já não detinha poder na organização”,
70.° Ou seja, no grupo BB!!! Mais ainda...
71.° Foi igualmente dado como provado que o Autor e ora Recorrente participara em apresentações da estrutura do Grupo, com vista a projectar a imagem deste (art.° 55° da matéria julgada como provada). Deste modo,
72.° Ainda que se concluísse que entre o Recorrente e a 1.ª Recorrida não existia uma relação jurídica laboral, certo é que, perante a constatação de que a actividade prestada pelo primeiro extravasava essa mesma relação, antes aproveitando tanto à 2.ª Recorrida, como à 3.ª, como inclusivamente à 4.ª Recorrida, sempre o tribunal teria de ter concluído pelo carácter subordinado quanto a estas últimas. E isto porque,
73.° Pode acontecer que no seio dos grupos faça sentido aplicar normas laborais não a quem tem a personalidade jurídica (as diversas sociedades do grupo, o “empregador aparente”), mas sim ao “empregador real”, ou seja, por vezes justifica-se desconsiderar a personalidade jurídica destas últimas sociedades, de modo a, como proclama Bernardo Lobo Xavier, in Curso de Direito do Trabalho, 2.ª edição, Lisboa, Verbo, 1993, p. 311, “ver-se como empregador (“real”), com os deveres correspondentes, a sociedade dominante (ou directora)”, ou até em certos casos, como o presente, o próprio grupo.
74.° E, tendo o Recorrente desenvolvido sempre a sua actividade nos moldes atrás descritos, a verdade é que as relações de domínio e que comummente são caracterizadas por uma tentativa de “opacidade laboral” devem assim ser encaradas, verificando-se o preenchimento dos pressupostos do contrato de trabalho entre o trabalhador e as várias empresas que, na realidade, beneficiam com a sua prestação.
75.° Tal afere-se, como não podia deixar de ser, pela aptidão económica, ou seja, por quem aproveita a actividade do Recorrente e por quem exercia o poder de direcção, ou seja, pelo menos, a 1.ª, 2.ª e 4.ª RR!
76.° Se não mesmo todo o Grupo BB! Ora,
77.° O douto Acórdão assentou a sua tese no art.° 398.º do Código das Sociedades Comerciais, interpretando-o no sentido de o mesmo vedar a cumulação das duas relações jurídicas, isto é, de Administrador e Trabalhador, até no mesmo grupo de sociedades. Salvo o devido respeito,
78.° Ainda que se entendesse que não é possível a acumulação do vínculo laboral com o de Administrador na mesma sociedade (no que se não concede), sempre importará aferir da viabilidade de tal vínculo (laboral) com outras sociedades do mesmo grupo económico e empresarial. Na verdade,
79.° E no que respeita à cumulação de estatutos diversos pelo mesmo sujeito jurídico na mesma empresa ou sociedade, a verdade é que a interpretação que tem vindo a ser feita do art.° 398.º do CSC não se afigura ser a mais correcta. E isto porque,
80.º Se, por um lado, se pode defender, como faz, por exemplo, António Jorge da Motta Veiga, in Lições de Direito do Trabalho, 6.ª edição, revista e actualizada, Universidade Lusíada, Lisboa, 1995, p. 360, que o art.° 398.º do CSC foi tacitamente revogado aquando da introdução da figura da comissão de serviço no serviço laboral,
81.° Por outro, a verdade é que, não só a epígrafe do preceito em causa, como o seu corpo, sugerem que o mesmo pretende resolver [sic] não é a qualificação do contrato que o administrador possa ter com a sociedade para o exercício de funções de administração nessa mesma sociedade, mas sim afastar a possibilidade de celebrar outros contratos, quer estes se destinem a vigorar simultânea ou sucessivamente. Deste modo,
82.° Lançando-se mão das palavras de Júlio Gomes, in Direito do Trabalho... cit., “quanto ao próprio contrato de emprego, em sentido amplo, que o administrador mantém com a sociedade, não se pode a priori classificá-lo como sendo ou não de trabalho subordinado, porque tudo dependerá do caso concreto”. Aliás,
83.° No mesmo exacto sentido e porque particularmente elucidativo, veja-se Luís Miguel Monteiro, “Regime jurídico do trabalho em comissão de serviço”, in AAVV Estudos de Direito do Trabalho em Homenagem ao Professor Manuel Alonso Olea, Almedina, p. 512-513, segundo o qual: “A favor da tese da impossibilidade legal tem sido invocado o preceito do artigo 398/1.º do Código das Sociedades Comerciais, do qual se conclui ‘que o vínculo estabelecido com o administrador societário não é um contrato de trabalho’. Não se afigura que o argumento possa proceder. Recorde-se que a norma designada se limita a estabelecer que “durante o período para o qual foram designados, os administradores não podem exercer, na sociedade ou em sociedades que com esta estejam em relação de domínio ou de grupo, quaisquer funções temporárias ou permanentes ao abrigo de contratos de trabalho, subordinado ou autónomo, nem podem celebrar quaisquer desses contratos que visem uma prestação de serviços quando cessarem as funções de administrador”. O número 2 do mesmo artigo 398.º acrescenta que “quando for designada administrador uma pessoa que, na sociedade ou em sociedades referidas no número anterior, exerça qualquer das funções mencionadas no mesmo número, os contratos relativos a tais funções extinguem-se, se tiverem sido celebrados há menos de um ano antes da designação, ou suspendem-se, caso tenham durado mais do que esse ano”. Nesta conformidade,
84.° Como decorre da letra do preceito legal em causa, a previsão normativa não tem por objecto — nem visa regular — a natureza jurídica da relação entre sociedade e administrador mas, ao invés, da impossibilidade de coexistência daquele mesmo vínculo com outra relação jurídica,
85.° Não se retirando da norma qualquer argumento quanto à natureza ou qualificação jurídica da relação de administração,
86.° O que é equivalente a dizer-se que não extrai qualquer incompatibilidade genética com o trabalho subordinado. Ademais,
87.° Se tal preceito tivesse porventura a virtualidade que lhe é apontada, então também vedaria a configuração tradicional do mandato, porquanto também alude a “trabalho autónomo”. Consequentemente,
88.° Não existe qualquer incompatibilidade entre a função de administrador e a de trabalhador subordinado, seja na mesma sociedade, seja em qualquer outra que esteja inserida no mesmo Grupo de Sociedades.
89.º A pp. 29, a douta sentença referia que “a factualidade descrita não permite ao tribunal concluir pela existência de um contrato de trabalho entre autor e qualquer ré”. Salvo o devido respeito,
90.°- A ser assim, o que se depreende é que a matéria de facto sobre a qual incidiu o julgamento era insuficiente para a decisão do mérito da causa. É que,
91.° Uma coisa é, tendo presente a matéria de facto, decidir pela não caracterização da situação em apreço como um contrato de trabalho, e outra, muito diversa, é recusar tal qualificação porque a factualidade descrita não é suficiente para essa mesma qualificação. Ora,
92.° Nesse caso, o que o tribunal a quo deveria ter feito era, nos termos do art.° 72.º do CPT, ampliar a base instrutória,
93.° O que não sucedeu, Senhores Conselheiros. Consequentemente,
94.° Não se julgando procedente o presente recurso, sempre haveria que ordenar a reenvio dos autos ao Tribunal a quo, com vista à ampliação da base instrutória,
95.° O que sempre deveria ter sido feito, ao abrigo do princípio da verdade material. E,
96.º Não se alegue que tal deveria ter sugerido aquando da produção da prova, porquanto, nesse momento, desconhecia-se de todo em todo que o Tribunal a quo assim o entenderia.»

Termina concluindo que o aresto recorrido deve ser revogado e substituído por outro que julgue a acção procedente e, se assim não se entender, deve ordenar-se que os autos baixem ao tribunal a quo com vista à ampliação da base instrutória.

As rés contra-alegaram, defendendo a confirmação do julgado.

Neste Supremo Tribunal, a Ex.ma Procuradora-Geral-Adjunta concluiu que a revista deve ser negada, parecer que, notificado às partes, suscitou resposta do autor para discordar daquela posição.

3. No caso vertente, as questões suscitadas são as que se passam a enunciar, segundo a ordem lógica que entre as mesmas intercede:

– Se ocorreu erro na apreciação das provas e na fixação da matéria de facto (conclusões 5.ª e 8.ª, na parte atinente, da alegação do recurso de revista);
Se a decisão sobre a matéria de facto deve ser ampliada (conclusões 89.ª a 96.ª da alegação do recurso de revista);
Se, pese embora sob a aparência de um contrato de mandato, a relação jurídica que vigorou entre as partes deve ser qualificada como contrato de trabalho (conclusões 1.ª a 4.ª, 5.ª, na parte atinente, 6.ª, 7.ª, 8.ª, na parte atinente, e 9.ª a 88.ª da alegação do recurso de revista).

Corridos os vistos, cumpre decidir.

II

1. As instâncias deram como provada a seguinte matéria de facto:

1) A ré Banco BB, S. A., adiante designada por 1.ª ré, foi criada em 1993, inicialmente vocacionada para prestar serviços financeiros e de assessoria a empresas e a investidores institucionais, tendo, desde 1998, optado pela prestação de serviços bancários globais [alínea A) da Factualidade Assente];
2) A ré CC, SGPS, S. A., adiante designada por 2.ª ré, assume-se como uma sub-holding da ré EE, SGPS, S.A., adiante designada por 4.ª ré, englobando, por sua vez, a 1.ª ré, bem como a réDD – Novas Tecnologias, SGPS, S. A., adiante designada por 3.ª ré [alínea B) da Factualidade Assente];
3) A 4.ª ré assume-se como a holding, mas, publicamente, todas as rés se apresentem indistintamente como o Grupo BB[alínea C) da Factualidade Assente];
4) A holdingDD congrega várias sub-holdings que actuam num diversificado leque de áreas de negócios, desde os sectores financeiro ao imobiliário, à industria cimenteira, à prestação de cuidados de saúde, novas tecnologias e electricidade e saneamento, com investimento, pelo menos, neste sector em território marroquino [alínea D) da Factualidade Assente];
5) O BBassume-se como o pilar financeiro de toda a estratégia de investimento que passou, designadamente, pela aquisição, no ano de 2002, do Banco Efisa, já anteriormente apresentado como dependente das estratégias e comandos da 4.ª ré, sendo presidido por JC e apresentando-se amiúde como a instituição bancária que mais cresceu nos últimos anos em Portugal [alínea E) da Factualidade Assente];
6) O autor foi eleito administrador da 1.ª ré, em 23 de Março de 2000, para exercer esse mandato até ao fim do triénio de 1998/2000; em Março de 2001, o autor foi destituído dessas funções e não foi reconduzido [alínea F) da Factualidade Assente];
7) Ao autor foi assegurado, pela 1.ª ré, que […] teria direito ao uso de uma viatura Volvo S 80 durante quatro anos, findos os quais teria direito de opção pela aquisição pelo valor residual; o valor residual em causa foi debitado ao autor em Janeiro de 2004, mas, em Março de 2004, o título de registo de propriedade continuava desactualizado; ao autor não foi atribuída outra viatura automóvel em substituição da primeira [alínea G) da Factualidade Assente];
8) E a 1.ª ré atribui ao autor, em 05.04.00, o direito de um cartão de crédito Visa Empresa, com o plafond anual de € 7.500,00, cartão esse que foi substituído por um outro da mesma natureza, em 09.07.02, atribuído pela 3.ª ré, com o mesmo plafond, [sendo que] este cartão caducou em Setembro de 2003 [alínea H) da Factualidade Assente];
9) No primeiro recibo emitido pela 1.ª ré relativamente ao autor — Abril de 2000 —, foi-lhe creditada a quantia de € 316,00, a título de diuturnidades, mas, no mês de Maio de 2000, foi-lhe debitado aquele montante [alínea I) da Factualidade Assente];
10) Ao autor não foi paga qualquer quantia a título de diuturnidades e [de] subsídio de refeição [alínea J) da Factualidade Assente];
11) A 1.ª ré procedeu sempre à retenção na fonte das quantias devidas a título de Imposto Sobre o Rendimento, bem como das quantias devidas a título de Fundo de Assistência, SAMS Quadros Técnicos Bancários e Sindicato Nacional dos Quadros Técnicos Bancários e remunerou ao autor as férias [alínea L) da Factualidade Assente];
12) O autor constituiu, em Março de 2001, um empréstimo no valor de € 399.038,22, com vista à aquisição de habitação própria, aprovado pela 1.ª ré, a quem o autor forneceu toda a informação relativa aos seus rendimentos e do seu agregado familiar [alínea M) da Factualidade Assente];
13) Em Março de 2001, o Presidente do Conselho de Administração da 1.ª ré, Dr. JC, transmitiu ao autor que este não iria ser proposto para integrar o Conselho de Administração, a partir do final do mandato que estava a terminar [alínea N) da Factualidade Assente];
14) Na assembleia geral da 3.ª ré, realizada no dia 14.12.01, foi deliberado que o autor passaria a integrar o respectivo Conselho de Administração, com efeitos reportados à data da eleição dos demais administradores — 18 de Setembro de 2001; este mandato não lhe foi renovado para o triénio de 2004 a 2006 [alínea O) da Factualidade Assente];
15) Na assembleia geral da 3.ª ré, realizada no dia 14.12.01, ficou ainda deliberado que o autor, bem como o outro administrador eleito na mesma assembleia geral, iria[m] auferir uma remuneração de um milhão de escudos, com efeitos a partir de 18 de Setembro de 2001, tendo ficado exarado em acta que a 3.ª ré assumiria todos os custos associados ao desenvolvimento do projecto até à data da constituição da sociedade [alínea P) da Factualidade Assente];
16) Entre o mês de Abril de 2001 e o início de 2002, a 1.ª ré pagou ao autor a remuneração mensal de € 8.728,96 (x14) [alínea Q) da Factualidade Assente];
17) A partir de então, o autor passou a auferir a remuneração especificada na alínea P) [corresponde ao facto provado 15)] — alínea R) da Factualidade Assente;
18) Até Janeiro de 2003, a conta bancária do autor, enquanto funcionário bancário, nunca tinha apresentado um saldo negativo, tendo as rés começado a debitarem-lhe, mensalmente, juros devedores [alínea S) da Factualidade Assente];
19) Em 26/11/2003, o autor foi informado pelos Recursos Humanos, que o valor disponível do seu vencimento referente ao mês de Novembro do ano de 2003, era, apenas, de € 2.142,12 e, em 22/12/2003, foi informado que o valor disponível do seu vencimento referente ao mês de Dezembro do ano de 2003 era, apenas, de € 1.285,34 [alínea T) da Factualidade Assente];
20) Em Janeiro de 2004, as rés cobravam, ao autor, juros devedores que acrescem à quantia de € 850 mensais [alínea U) da Factualidade Assente];
21) O autor, desde o início do ano de 2006, integra o Conselho de Administração e a Comissão Executiva do Banif – Banco Internacional do Funchal, S. A. [alínea U) da Factualidade Assente];
22) Integra, ainda, a respectiva Comissão Executiva [alínea V) da Factualidade Assente];
23) Do exercício de tais funções, o autor aufere remuneração não inferior a € 7.500 [alínea X) da Factualidade Assente];
24) Essa remuneração é auferida catorze meses no ano, acrescida de outras regalias, designadamente o direito a viatura, telemóvel e cartão de crédito [alínea AA) da Factualidade Assente];
25) Tem, ainda, direito a uma gratificação anual, em função dos resultados obtidos pelo dito Banco, no final de cada exercício [alínea BB) da Factualidade Assente];
26) O autor iniciou a sua vida profissional, no sector bancário, em 20 de Março de 1974, [no] Banco Pinto e Sotto Mayor, do qual transitou para o Grupo do Banco Comercial Português, em 21 de Setembro de 1988 (resposta ao quesito 1.º);
27) Aquando da sua saída do Grupo do Banco Comercial Português, o autor era Director (resposta ao quesito 2.º);
28) No âmbito do «Processo de Identificação e Selecção de um profissional para o cargo de Administrador/gestor Global para BB, S. A.», adjudicado, em Outubro de 1999, pelo Presidente da 1.ª ré, Dr. JC, à empresa «Brainsearch», esta elaborou uma lista com o nome de pessoas que considerou serem potenciais candidatos para exercerem o cargo definido pelo cliente e que entregou, no mês de Março de 2000, ao Dr. JC, o qual, após seleccionar o autor, de entre os potenciais candidatos que integravam essa lista, informou a consultora encarregue do «Processo de Identificação e Selecção» e deu instruções para ser agendada uma entrevista entre si e o autor, que veio a ocorrer antes do dia 23 desse mês e no decurso da qual o Presidente da 1.ª ré, Dr. JC, convidou o autor a exercer o cargo de administrador do Banco BB, S. A., no triénio em curso de 1998/2000 (resposta ao quesito 3.º);
29) Na entrevista que veio a ocorrer entre o autor e o Presidente da 1.ª ré, Dr. JC, no mês de Março de 2000, este convidou o primeiro a exercer o cargo de administrador do Banco BB, S. A., no triénio em curso de 1998/2000, na área das tecnologias e informação, no âmbito da estratégia desta ré e que considerou tratar-se de um projecto inovador e ambicioso (resposta ao quesito 4.º);
30) O Presidente da 1.ª ré, Dr. JC, convidou o autor a exercer o cargo de administrador do Banco BB, S. A., 1.ª ré, no triénio em curso de 1998/2000, na área das tecnologias e informação (resposta ao quesito 6.º);
31) Na mesma altura da admissão do autor para exercer o cargo de administrador da 1.ª ré, Banco BB, S. A., o Dr. JC convidou o Dr. AM, então Director deste banco, para exercer o cargo de administrador na área comercial norte da 1.ª ré, mediante a mesma remuneração proposta ao autor, convite que teve subjacente o conhecimento das funções exercidas por este, inerentes ao cargo de Director na 1.ª ré, e, também, o conhecimento pessoal do próprio Dr. JC, desde há mais de vinte anos, relativamente à pessoa [do] Dr. AM. Posteriormente à admissão do autor para exercer o cargo de administrador do Banco BB, S. A., mas ainda no decurso do ano de 2000, foi admitido, por convite do Dr. JC, para exercer o cargo de administrador desta ré, o Dr. JS, então a exercer funções na Leasing do BCP, tendo este exigido, como condição, a redução a escrito de um acordo no qual ficasse estabelecido que, cessadas as funções inerentes ao cargo de administrador, permaneceria nessa ré, com vínculo laboral, a exercer funções com a categoria de Director, condição que foi aceite (resposta ao quesito 6.ºA);
32) Decorridos não mais de três dias, após o contacto pessoal com o Presidente da 1.ª ré, o autor deu o seu assentimento à proposta de integrar a 1.ª ré, como administrador, para o triénio em curso de 1998/2000 (resposta ao quesito 7.º);
33) O que consta das respostas aos quesitos 3.º, 4.º, 6.º e 7.º; e, ainda, que não foi redigido qualquer documento contendo as condições acordadas entre o autor e o Presidente da 1.ª ré, Dr. JC (resposta ao quesito 7.ºA);
34) Entre o autor e o Presidente da 1.ª ré, Dr. JC, foi verbalmente acordado que o primeiro iria auferir, como administrador desta ré, a remuneração mensal ilíquida de € 8.728,96 (paga 14 x ano), a que acresciam a quantia de € 27.939,89, paga no fim de cada ano civil, por forma a perfazer um pacote salarial de € 149.639,37 (30.000.000$00) — resposta ao quesito 8.º;
35) Elaborada a lista com o nome de pessoas consideradas potenciais candidatos, no âmbito do Processo adjudicado à empresa «Brainsearch», o Presidente da 1.ª ré, Dr. JC, seleccionou, de entre os nomes dos potenciais candidatos, o autor e na reunião referida na resposta ao Quesito 4.º, o Dr. JC convidou o autor a exercer o cargo de administrador do Banco BB, S. A., integrando o Conselho de Administração no triénio então em curso de 1998/2000 e cujo termo ocorria no final desse ano de 2000 (resposta ao quesito 9.º);
36) A atribuição ao autor da viatura automóvel e [a] possibilidade da sua aquisição […], bem como a atribuição de cartões de crédito, eram comuns a todos os administradores da 1.ª e 3.ª ré[s] (resposta ao quesito 10.º);
37) Uma vez exercido o direito de aquisição referido no quesito 10.º, o autor tinha direito à atribuição e consequente utilização de outro veículo de igual ou superior valor e prestígio (resposta ao quesito 10.ºA);
38) O autor tinha direito ao pagamento de pequenas despesas conexas com a viatura como limpezas, lavagens e portagens (resposta ao quesito 10.ºB);
39) A utilização dos cartões de crédito visava permitir a realização por parte do autor de, entre outras, despesas de representação (resposta ao quesito 11.º);
40) O autor e os demais administradores da 1.ª e 3.ª rés entregavam os documentos comprovativos das despesas efectuadas com os cartões de crédito atribuídos, os quais eram agregados ao respectivo extracto, só sendo questionados quanto a uma despesa efectuada caso o valor da mesma fosse considerado [sic] ou superior ao valor que habitualmente era apresentado como despesa (resposta ao quesito 12.º);
41) O autor foi dispensado, pelo BCP, de cumprir o prazo de pré-aviso pela cessação do vínculo (resposta aos quesitos 13.º e 14.º);
42) Por solicitação do autor, a ré efectuou descontos para o Sindicato Nacional dos Quadros Técnicos Bancários (resposta ao quesito 15.º);
43) Foi distribuído ao autor, na qualidade de administrador da 1.ª ré, competência na área do Departamento de Infra-estruturas e Tecnologias, incluindo os pelouros de Operações, Organização e Informática, Meios de Pagamentos, Economato e Logística (resposta ao quesito 16.º);
44) O autor exercia as funções referidas na resposta ao quesito anterior, nas instalações da 1.ª ré, que, para o efeito lhe foram distribuídas, situadas no 5.º piso da Av.ª da República, conjuntamente com a maioria das áreas do designado back-office e conjuntamente com as afectas ao administrador da área financeira, Sr. Dr. FC, situando-se as do outro administrador da área comercial sul, Sr. Dr.RM, no 6.º piso do mesmo edifício, e as do Presidente, no 7.º piso (resposta ao quesito 17.º);
45) Em Março de 2001, após ter transmitido ao autor que, cessado o mandato de 1998/2000, não iria ser proposto para integrar o Conselho de Administração da 1.ª ré, o Presidente do Conselho de Administração desta ré, Dr. JC, informou aquele que ia ser reconduzido como administrador de outra sociedade do Grupo BB, a aqui 3.ª ré, constituída, posteriormente, sendo-lhe cometidas desta feita as tarefas de supervisionar as empresas associadas, da área da tecnologia (resposta aos quesitos 18.º e 19.º);
46) Quando o autor regressou de férias, que gozou entre meados de Março de 2001 e meados de Abril de 2001, tinha-lhe sido retirado o gabinete onde prestava a sua actividade, tendo-lhe sido ordenado que passasse a desenvolver actividade numa área em open-space partilhada com os administradores da 3.ª ré, Srs. Drs. LB e DS, e com uma Directora da empresa Plêiade – Investimentos e Participações SGPS, S. A. (resposta ao quesito 20.º);
47) Posteriormente, aquando da mudança do edifício da Av. da República para o da Av. ...., todos os administradores da 3.ª ré foram colocados no 5.º piso, ficando os Srs. Drs. LB e DS em salas próximas, e ao autor, assim como ao administrador da Plêiade e a uma Directora, em gabinete afastado daquelas salas (resposta ao quesito 21.º);
48) Passado pouco tempo, todos os administradores da 3.ª ré saíram do 5.º piso, tendo sido ordenado ao autor que mudasse para uma sala existente no 2.º piso do edifício sito na Av. ..., onde se manteve, estando o Dr. JJ, então administrador da 3.ª ré, a secretária comum a ambos e toda a demais equipa desta ré instalados no 7.º piso do mesmo edifício, sendo o mobiliário da sala ocupada pelo autor similar ao mobiliário existente nos demais gabinetes de administradores existentes naquele edifício, com excepção do gabinete existente no 8.º piso, ocupado pelo Dr. JC (resposta ao quesito 22.º);
49) Após o autor já estar a desenvolver a sua actividade na sala sita no 2.º Piso do edifício da Avenida ... , foi eliminada, da sinalética de entrada, a referência à sociedade «DD – Novas Tecnologias», 3.ª ré, no 2.º piso (resposta ao quesito 23.º);
50) Quando estava a desenvolver a sua actividade na sala sita no 2.º Piso do edifício da Avenida ...., o autor, para realizar reuniões, solicitou cadeiras emprestadas, tendo, em Janeiro de 2003, pelo menos, solicitado mobiliário ao Director de Recursos Humanos (resposta ao quesito 23.º-A);
51) A não nomeação do autor para o cargo de administrador da 1.ª ré, para o triénio seguinte ao triénio de 1998/2000; a nomeação do autor como administrador da 3.ª ré, nos termos referidos na resposta aos quesitos 18.º e 19.º; a atribuição de gabinete, ao autor, nos termos referidos na resposta aos quesitos 17.º, 20.º, 21.º, 22.º e o facto da sinalética alusiva à 3.ª ré, mencionada na resposta ao quesito 23.º, ter sido eliminada, foi entendido pelos colegas e por terceiros, como sintoma de que o autor «estava na calha» e que já não detinha qualquer poder na organização (resposta ao quesito 23.º-B);
52) No final do ano de 2001, o Grupo BB criou a 3.ª ré, cuja constituição foi registada em 19/10/2001, passando a ser esta sociedade quem controlava as acções e quem conciliava os diversos interesses estratégicos das empresas que compunham tal grupo, para efeitos de negócios globais no mercado ibérico (resposta ao quesito 23.º-C);
53) Entre Abril de 2001 e início de 2002, o autor desempenhou funções por conta e no interesse da 3.ª ré, tendo como principais tarefas os negócios com vocação internacional, que tinham como objectivo a apresentação de diversas empresas do Grupo BB, que poderiam prestar serviços em termos de consultoria, segurança estática e biométrica, disco óptico/workflow e sistemas informáticos (resposta ao quesito 24.º);
54) O autor foi nomeado administrador da 1.ª ré, na Assembleia realizada em 23 de Março de 2000, cargo que exerceu no remanescente do triénio de 1998/2001 e, cessado este, passou a desenvolver actividade com vista à constituição e implementação da 3.ª ré até à constituição da referida sociedade e, posteriormente, exerceu o cargo de administrador desta ré, constando a sua nomeação como administrador da ré «DD – Novas Tecnologias», da acta da Assembleia Geral de 14 de Dezembro de 2001, não tendo o autor questionado qual a empresa em concreto, quando o Dr. JC lhe comunicou que passaria a desempenhar a sua actividade, em empresa a constituir, do Grupo BB, na área tecnológica em reestruturação. Até cessar o cargo de administrador da 1.ª ré, a remuneração do autor foi sempre paga por esta ré e, após essa data, até à cessação do exercício de funções na 3.ª ré, a remuneração do autor foi liquidada pela 1.ª ré que, em momento posterior, debitava, à 3.ª ré, o montante que havia pago ao autor, tendo sido solicitado ao autor que assinasse relatório de contas da 3.ª ré (resposta ao quesito 24.ºA);
55) O autor participou em apresentações, efectuadas no estrangeiro, da estrutura do Grupo BB, com vista a projectar a imagem internacional do BB(resposta ao quesito 24.ºB);
56) A actividade prestada pelo autor como administrador da 1.ª ré, no triénio de 1998/2000, aproveitava à 1.ª ré e a actividade prestada desde a cessação desse mandato aproveitava à 3.ª ré e às demais empresas da área tecnológica que integravam o Grupo (resposta ao quesito 24.ºC);
57) Cessado o exercício do cargo de administrador da 1.ª ré, o autor, a partir do mês de Abril de 2001, passou a auferir a remuneração mensal de € 1.000 [face ao teor dos factos provados 15) e 16), dos documentos n.os 8, 9, 10 e 14, juntos com a petição inicial (fls. 57-59 e 63-69) e dos documentos n.os 5 e 7 da contestação (fls. 253-254 e 259-260), há lapso na conversão de valores expressos em escudos para euros], constando a sua nomeação, como administrador da ré «DD – Novas Tecnologias», da acta da Assembleia Geral de 14 de Dezembro de 2001, cargo que exerceu (resposta aos quesitos 25.º e 26.º);
58) A remuneração do autor pela actividade prestada entre o mês de Abril de 2001 e início do ano de 2002, período anterior à sua eleição formal como administrador da 3.ª Ré — facto que veio a ocorrer em Outubro de 2001 —, foi fixada unilateralmente pela 1.ª ré e liquidada por esta que, por sua vez, debitou à 3.ª ré, em data posterior à constituição desta sociedade, os montantes pagos ao autor (resposta ao quesito 26.ºA);
59) No início do ano de 2002, foi solicitado ao autor que assinasse os relatórios de contas da 3.ª ré, constando a sua nomeação como administrador desta sociedade da Acta da Assembleia Geral n.º 3, junta a fls. 253 e 254, reportada à reunião da Assembleia Geral da 3.ª ré, de 14 de Dezembro de 2001, constando entre a ordem de trabalhos «deliberar sobre uma proposta de eleição de dois novos vogais para o Conselho de Administração desta sociedade», tendo a proposta, que consta da acta, «aprovada por unanimidade», o seguinte teor:
«Considerando que, desde Abril de 2001, o Senhor Dr. AA se encontra envolvido no processo de constituição e implementação da “DD – Novas Tecnologias, SGPS, SA”, tendo desde essa data colaborado, a tempo inteiro, no desenvolvimento do projecto.
Considerando que as funções desempenhadas pelo Senhor Dr. AA são, na realidade, funções que correspondem às de vogal do Conselho de administração da sociedade.
Propõe-se a nomeação dos Senhores Dr. AA (...) e Dr. António de LB (...) para o cargo de vogal do Conselho de administração da “SLN – Novas Tecnologias, SGPS, SA”, para o triénio em curso de 2001/2003, com efeitos retroactivos à data da nomeação dos demais administradores desta sociedade, ou seja, a 18 de Setembro de 2001(...), irão auferir uma remuneração mensal de um milhão de escudos com efeitos a contar da data da sua nomeação...” (resposta ao quesito 26ºB);
60) Todo o trabalho desenvolvido pelo autor desde que cessou o seu mandato como administrador da 1.ª ré até à constituição da 3.ª ré teve fundamentalmente em vista a elaboração de projectos, estudos, investigação e desenvolvimento do que viria a ser a actividade respectiva (resposta ao quesito 27.º);
61) O autor trabalhou com autonomia (resposta ao quesito 28.º);
62) Da Acta da Assembleia Geral n.º 3, junta a fls. 253 e 254, reportada à reunião da Assembleia Geral da 3.ª ré, do dia 14 de Dezembro de 2001, consta, entre a ordem de trabalhos, «deliberar sobre uma proposta de eleição de dois novos vogais para o Conselho de Administração desta sociedade» e a apresentação da proposta de «... nomeação dos Senhores Dr. AA para o cargo de vogal do Conselho de administração da “DD– Novas Tecnologias, SGPS, SA”, para o triénio em curso de 2001/2003, com efeitos retroactivos à data da nomeação dos demais administradores desta sociedade, ou seja, a 18 de Setembro de 2001», a qual foi «aprovada por unanimidade», nomeação que foi registada na Conservatória do Registo Comercial através da apresentação de 16/1/2002 (resposta ao quesito 29.ºA);
63) O autor não foi nomeado administrador da 3.ª ré para o triénio 2004/2006 (resposta aos quesitos 30.º e 31.º);
64) No dia 8 de Março de 2004, o segurança que estava de serviço, em cumprimento de ordem do Eng.º FS, impediu o autor de entrar nas instalações sitas na Avenida ... (resposta aos quesitos 32.º e 33.º);
65) O autor era uma pessoa diligente, um profissional reputado e preocupado em satisfazer o interesse e as necessidades da 1.ª, quando exerceu o cargo de administrador desta e da 3.ª ré, no exercício das funções inerentes ao cargo de administrador desta (resposta ao quesito 34.º);
66) O percurso profissional do autor na 1.ª e 3.ª, com o circunstancialismo referido na resposta aos quesitos 3.º, 4.º, 6.º, 7.º, 8.º, 9.º, 18.º, 19.º, 20.º, 21.º, 22.º, 23.º, 23.ºA, 23.ºB, 24.º, 24.ºA, 25.º, 26.º, 26.ºA, 26.ºB, 32.º, 33.º e 37.ºA da Base Instrutória, trouxe ao autor, pelo menos a partir do mês de Março de 2003, ansiedade, amargura, depressão e receio pelo seu futuro profissional, estado e receios que se acentuaram com a cessação do mandato exercido na 3.ª ré (resposta aos quesitos 35.º, 36.º e 37.º);
67) O autor recebeu, até Março de 2001, a remuneração mensal ilíquida de € 8.728,96 (paga 14 x ano), a que acresciam a quantia de € 27.939,89, paga no fim de cada ano, e desde Abril de 2001 passou a receber a quantia mensal de € 1.000 [face ao teor dos factos provados 15) e 16), dos documentos n.os 8, 9, 10 e 14, juntos com a petição inicial (fls. 57-59 e 63-69) e dos documentos n.os 5 e 7 da contestação (fls. 253-254 e 259-260), há lapso na conversão de valores expressos em escudos para euros]; as despesas efectuadas pelo autor não foram integralmente pagas; não foi renovado o cartão de crédito do autor cuja validade terminou em 30 de Setembro de 2003 e a conta à ordem do autor, n.º 0079.000.03887053101.89, existente no BB, apresentava saldo negativo, em 27 de Junho de 2001, e no período de 3/6/2002 até 30/6/2002, pelo menos (resposta ao quesito 37.ºA);
68) O que consta da resposta ao quesito anterior e ainda que foi devolvido um cheque, no valor de € 12.469,95, emitido pelo autor, sobre a sua conta existente no BB, com o fundamento de «falta de provisão» (resposta ao quesito 37.ºB);
69) Na lista de operações de crédito enviada ao Banco de Portugal, no mês de Janeiro de 2003, a ré fez constar, entre a lista dos créditos concedidos ao autor e que à data estavam em curso, que um crédito concedido, pelo BB, encontrava-se em situação de incumprimento de pagamento, sendo o valor do saldo comunicado de 1 (um) euro, divulgando o Banco de Portugal, ao sistema financeiro, no final de cada mês, uma lista com a identificação dos beneficiários de créditos e informação relativa aos saldos decorrentes das operações de crédito concedido a pessoas singulares e colectivas, pelas instituições de créditos e sociedades financeiras, quer exista situação regular ou incumprimento (resposta ao quesito 37.ºC);
70) Não obstante as insistências do autor junto da Direcção de Recursos Humanos, a 1.ª ré regularizou a situação com o envio da lista de operações do mês seguinte, informando, desse modo, o Banco de Portugal da inexistência de crédito do autor em situação de incumprimento, no montante de um euro (resposta ao quesito 37.ºD);
71) O que consta da resposta aos quesitos 19.º, 24.º, 24.ºA, 28.º e ainda que no mandato exercido durante o triénio de 2001/2003, a partir de data não apurada, a 3.ª ré não deu tarefas concretas para o autor executar (resposta ao quesito 37.ºE);
72) O autor exerceu funções, no IPO – Instituto de Oncologia de Lisboa, em regime de comissão de serviço, de 23/4/2004 até 13/5/2005, auferindo a remuneração mensal de € 4.204,18 (quatro mil, duzentos e quatro euros e dezoito cêntimos), tendo cessado o exercício de tais funções (resposta aos quesitos 38.º e 39.º).

1.1. O recorrente alega que «[a] decisão pelo tribunal a quo não reflecte, de todo em todo, a totalidade da prova que foi produzida em sede de audiência de julgamento, bem como aquela que constava já da factualidade assente», e que «[n]a matéria de facto dada como provada pelo Tribunal a quo não tomou, salvo o devido respeito, todos os factos descritos [sic] e sobre os quais incidiu prova testemunhal».

Tal questão prende-se, pois, com a fixação dos factos materiais da causa.

Como é sabido, a Relação pode modificar a decisão do tribunal de primeira instância sobre a matéria de facto sempre que se verifique qualquer das situações previstas no n.º 1 do artigo 712.º do Código de Processo Civil, e poderá também anular a decisão sobre a matéria de facto, mesmo oficiosamente, quando repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto ou quando considere indispensável a sua ampliação (artigo 712.º, n.º 4, do Código de Processo Civil) ou ainda ordenar a fundamentação da decisão proferida pela primeira instância relativamente a algum ponto de facto que não estiver devidamente fundamentado (artigo 712.º, n.º 5, do Código de Processo Civil).

Todavia, em sede de revista, a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça no âmbito do apuramento da matéria de facto relevante é residual e destina-se exclusivamente a apreciar a observância das regras de direito material probatório, previstas nos conjugados artigos 722.º, n.º 2, e 729.º, n.º 2, ambos do Código de Processo Civil, ou a mandar ampliar a decisão sobre a matéria de facto, nos termos do n.º 3 do artigo 729.º do mesmo diploma legal.

Especificamente, o n.º 2 do artigo 722.º citado estabelece que «[o] erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou fixe a força de determinado meio de prova». E o n.º 2 do indicado artigo 729.º dispõe que «[a] decisão proferida pelo tribunal recorrido quanto à matéria de facto não pode ser alterada, salvo o caso excepcional previsto no n.º 2 do artigo 722.º».

No caso, não vem alegado que o tribunal recorrido tenha ofendido qualquer disposição expressa de lei que exigisse certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixasse a força de determinado meio de prova.

Assim sendo, é de todo evidente que não cabe nos poderes cognitivos deste Supremo Tribunal pronunciar-se sobre o invocado erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa (artigos 712.º, n.º 6, 722.º, n.º 2, e 729.º, n.º 2, do Código de Processo Civil), pelo que improcedem, na parte atinente, as conclusões 5.ª e 8.ª da alegação do recurso de revista.

1.2. O recorrente considera, ainda, que a decisão sobre a matéria de facto deve ser ampliada, já que «[u]ma coisa é, tendo presente a matéria de facto, decidir pela não caracterização da situação em apreço como um contrato de trabalho, e outra, muito diversa, é recusar tal qualificação porque a factualidade descrita não é suficiente para essa mesma qualificação», sendo que, «[n]esse caso, o que o tribunal a quo deveria ter feito era, nos termos do art.° 72.º do CPT, ampliar a base instrutória, o que não sucedeu», pelo que «sempre haveria que ordenar a reenvio dos autos ao Tribunal a quo, com vista à ampliação da base instrutória, [o] que sempre deveria ter sido feito, ao abrigo do princípio da verdade material».
Nos termos dos conjugados artigos 729.º, n.º 3, e 730.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Civil, este Supremo Tribunal pode mandar «julgar novamente a causa», quando «entenda que a decisão de facto pode e deve ser ampliada em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito, ou que ocorrem contradições na decisão sobre a matéria de facto que inviabilizam a decisão jurídica do pleito».

Porém, conforme se vem entendendo uniformemente, a faculdade concedida a este Supremo Tribunal de ordenar a ampliação da matéria de facto, só pode ser exercida no respeitante a factos articulados pelas partes ou de conhecimento oficioso, em consonância com o prevenido no artigo 264.º do Código de Processo Civil.

No caso, para além dos factos já considerados pelas instâncias, não se descortina qualquer outra factualidade, aduzida pelas partes ou de consideração oficiosa, com relevância para a decisão de direito, devendo notar-se que o recorrente não especifica a concreta insuficiência de que padecerá o quadro fáctico assente.

Por outro lado, a falta de prova sobre os factos levados à base instrutória, determinante de respostas negativas ou restritivas, traduz apenas a insuficiência da prova produzida e não a insuficiência da quesitação, sendo insusceptível de justificar a sugerida ampliação da decisão sobre a matéria de facto.

Assim, não há fundamento para determinar a ampliação da matéria de facto ao abrigo do n.º 3 do artigo 729.º do Código de Processo Civil, pelo que improcedem as conclusões 89.ª a 96.ª da alegação do recurso de revista.

Será, pois, com base no acervo factual anteriormente enunciado que há-de ser resolvida a questão nuclear suscitada no presente recurso.

2. Antes de mais, importa definir qual o regime jurídico aplicável ao caso.

Actualmente, a noção de contrato de trabalho, bem como o correspondente regime jurídico, constam do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto, em vigor desde 1 de Dezembro de 2003 (artigo 3.º, n.º 1), sendo que, no caso, discute-se a qualificação da relação jurídica estabelecida entre o autor e as rés, desde 23 de Março de 2000 a 8 de Março de 2004, portanto, constituída antes da entrada em vigor do Código do Trabalho e que subsistiu após o início da vigência deste mesmo Código, cessando antes da entrada em vigor da Lei n.º 9/2006, de 20 de Março, diploma que alterou a redacção de diversos preceitos do mencionado Código.

As dúvidas sobre a norma aplicável em caso de alteração de um particular regime jurídico encontram solução no próprio ordenamento jurídico.

Como refere BAPTISTA MACHADO (Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, Coimbra, 1983, pp. 229-231), «os problemas de sucessão de leis no tempo suscitados pela entrada em vigor de uma LN [lei nova] podem, pelo menos em parte, ser directamente resolvidos por esta mesma lei, mediante disposições adrede formuladas, chamadas “disposições transitórias”».

«Estas disposições transitórias podem ter carácter formal ou material. Dizem-se de direito transitório formal aquelas disposições que se limitam a determinar qual das leis, a LA [lei antiga] ou a LN, é aplicável a determinadas situações. São de direito transitório material aquelas que estabelecem uma regulamentação própria, não coincidente nem com a LA nem com a LN, para certas situações que se encontram na fronteira entre as duas leis.»

A Lei n.º 99/2003 contém normas transitórias que delimitam a vigência do Código do Trabalho quanto às relações jurídicas subsistentes à data da respectiva entrada em vigor, pelo que, para fixar a eficácia temporal daquele Código, há que recorrer aos critérios sobre aplicação da lei no tempo enunciados naquelas normas.

No que agora releva, estipula o n.º 1 do artigo 8.º da Lei n.º 99/2003 que, «[s]em prejuízo do disposto nos artigos seguintes, ficam sujeitos ao regime do Código do Trabalho, os contratos de trabalho e os instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho celebrados ou aprovados antes da sua entrada em vigor, salvo quanto às condições de validade e aos efeitos de factos ou situações totalmente passados anteriormente àquele momento».

A norma transcrita corresponde ao artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 49.408 de 24 de Novembro de 1969, que aprovou o regime jurídico do contrato individual de trabalho, abreviadamente designado por LCT, e acolhe o regime comum de aplicação das leis no tempo contido no n.º 2 do artigo 12.º do Código Civil.

O n.º 2 do artigo 12.º do Código Civil, segundo BAPTISTA MACHADO (Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, obra citada, p. 233), trata-se de norma que ainda exprime o princípio da não retroactividade nos termos da teoria do facto passado, nele se distinguindo «dois tipos de leis ou de normas: aquelas que dispõem sobre os requisitos de validade (substancial ou formal) de quaisquer factos (1.ª parte) e aquelas que dispõem sobre o conteúdo de certas relações jurídicas e o modelam sem olhar aos factos que a tais situações deram origem (2.ª parte). As primeiras só se aplicam a factos novos, ao passo que as segundas se aplicam a relações jurídicas (melhor: Ss Js [situações jurídicas]) constituídas antes da LN mas subsistentes ou em curso à data do seu IV [início de vigência]».

Sobre essa mesma norma, OLIVEIRA ASCENSÃO (O Direito, Introdução e Teoria Geral, Uma Perspectiva Luso-Brasileira, 10.ª edição revista, Almedina, Coimbra, 1997, p. 489) pronuncia-se em termos que se afiguram impressivos, estabelecendo a seguinte distinção: «1) A lei pode regular efeitos como expressão duma valoração dos factos que lhes deram origem: nesse caso aplica-se só aos novos factos. Assim, a lei que delimita a obrigação de indemnizar exprime uma valoração sobre o facto gerador de responsabilidade civil; a lei que estabelece poderes e vinculações dos que casam com menos de 18 anos exprime uma valoração sobre o casamento nessas condições; 2) pelo contrário, pode a lei atender directamente à situação, seja qual for o facto que a tiver originado. Se a lei estabelece os poderes vinculações do proprietário, pouco lhe interessa que a propriedade tenha sido adquirida por contrato, ocupação ou usucapião: pretende abranger todas as propriedades que subsistam. Aplica-se, então, imediatamente a lei nova.»

Nesta mesma linha, afirmam PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA (Código Civil Anotado, volume I, Coimbra Editora, 1967, anotação ao artigo 12.º, pp. 18-19): «[p]revinem-se no n.º 2, em primeiro lugar, os princípios legais relativos às condições de validade substancial ou formal de quaisquer factos, ou referentes aos seus efeitos. Assim, por exemplo, quanto a impedimentos matrimoniais, quanto à capacidade, quanto à legalidade do próprio negócio, quanto à forma, não pode aplicar-se a lei nova a situações anteriores, e o mesmo é de dizer quanto às obrigações do vendedor ou do comprador, quanto aos direitos ou obrigações do locatário ou do senhorio, quanto à obrigação do mutuário, etc.

«Se, porém, tratando-se do conteúdo do direito, for indiferente o facto que lhe deu origem, a nova lei é já aplicável. Assim, para fixar o conteúdo do direito de propriedade, é aplicável a lei nova e não a lei da data da sua constituição. Não interessa, na verdade, saber qual foi o título constitutivo, nem qual foi, por consequência, a data da formação deste. É sempre o mesmo direito de propriedade. O mesmo acontece, geralmente, com os direitos de natureza perpétua […].»

Acompanha-se tal entendimento, aliás já contido no acórdão deste Supremo Tribunal, de 2 de Maio de 2007, proferido no Processo n.º 4368/06, da 4.ª Secção, de que foram relator e adjuntos os mesmos juízes conselheiros que assinam o presente aresto, donde, não estando em causa qualquer das situações especificamente previstas nos artigos subsequentes ao artigo 8.º da Lei n.º 99/2003 e tendo em atenção que a relação jurídica em apreciação se iniciou em 23 de Março de 2000 e cessou em 8 de Março de 2004, aplica-se, no caso, o regime instituído no Código do Trabalho, na sua versão original, ou seja, anterior à redacção conferida pela Lei n.º 9/2006, salvo quanto às condições de validade do contrato ou efeitos de factos ou situações totalmente passados antes da entrada em vigor do Código do Trabalho.

Por isso, quando o Código do Trabalho regula os efeitos de certos factos, como expressão duma valoração dos factos que lhes deram origem, deve entender-se que só se aplica aos factos novos.

O artigo 12.º do Código do Trabalho estabelece a presunção de que as partes celebraram um contrato de trabalho assente no preenchimento cumulativo de cinco requisitos, o que traduz uma valoração dos factos que importam o reconhecimento dessa presunção; por conseguinte, para efeitos de qualificação contratual das relações estabelecidas entre as partes, deve considerar-se que o Código do Trabalho só se aplica aos factos novos, ou seja, às relações jurídicas constituídas após o início da sua vigência, que ocorreu em 1 de Dezembro de 2003 (cf., neste sentido, para além do já citado acórdão de 2 de Maio de 2007, os acórdãos deste Supremo Tribunal de 13 de Fevereiro de 2008, Processo n.º 356/07, e de 10 de Julho de 2008, Processo n.º 1426/08, ambos da 4.ª Secção).

Ora, não se extraindo da matéria de facto dada como provada que as partes tivessem alterado, a partir de 1 de Dezembro de 2003, os termos da relação jurídica entre eles estabelecida, à qualificação daquela relação aplica-se o regime jurídico do contrato individual de trabalho, anexo ao Decreto-Lei n.º 49.408 de 24 de Novembro de 1969, adiante designado por LCT.

3. O acórdão recorrido, na linha da sentença proferida em primeira instância, decidiu «que a factualidade provada não permite concluir pela existência de um contrato de trabalho entre o Autor e qualquer das Rés do Grupo BB».

Contra esta decisão se insurge o autor, que continua a sustentar que «[p]ela análise dos factos julgados provados, a conclusão que forçosamente se tem de extrair é a de que a prestação a que o Recorrente se obrigou e, consequentemente, aquela que prestou tinha a natureza de contrato de trabalho», «[n]ão se podendo afastar esta qualificação apenas e tão-somente por causa de, em dois momentos diferentes e nem sequer imediatamente subsequentes, o Recorrente ter sido formalmente eleito Administrador», e que «[n]ão existe qualquer incompatibilidade entre a função de administrador e a de trabalhador subordinado, seja na mesma sociedade, seja em qualquer outra que esteja inserida no mesmo Grupo de Sociedades».

3.1. O contrato de trabalho tem a sua definição na lei.

Segundo o artigo 1152.º do Código Civil, cuja expressão literal viria a ser reproduzida no artigo 1.º da LCT, contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade intelectual ou manual a outra pessoa, sob a autoridade e direcção desta.

Assim, o contrato de trabalho caracteriza-se, essencialmente, pelo estado de dependência jurídica em que o trabalhador se coloca face à entidade patronal, sendo que o laço de subordinação jurídica resulta da circunstância do trabalhador se encontrar submetido à autoridade e direcção do empregador que lhe dá ordens, e na prestação de serviço não se verifica essa subordinação, considerando-se apenas o resultado da actividade.

A subordinação jurídica que caracteriza o contrato de trabalho decorre precisamente daquele poder de direcção que a lei confere à entidade empregadora (n.º 1 do artigo 39.º da LCT) a que corresponde um dever de obediência por parte do trabalhador [alínea c) do n.º 1 do artigo 20.º da LCT].

Todavia, como vem sendo repetidamente afirmado, a extrema variabilidade das situações concretas dificulta muitas vezes a subsunção dos factos na noção de trabalho subordinado, implicando a necessidade de, frequentemente, se recorrer a métodos aproximativos, baseados na interpretação de indícios.

É o que acontece nos casos em que o trabalho é prestado com grande autonomia técnica e científica do trabalhador, nomeadamente quando se trate de actividades que tradicionalmente são prestadas em regime de profissão liberal.

Nos casos limite, a doutrina e a jurisprudência aceitam a necessidade de fazer intervir indícios reveladores dos elementos que caracterizam a subordinação jurídica, os chamados indícios negociais internos (a designação dada ao contrato, o local onde é exercida a actividade, a existência de horário de trabalho fixo, a utilização de bens ou utensílios fornecidos pelo destinatário da actividade, a fixação da remuneração em função do resultado do trabalho ou em função do tempo de trabalho, direito a férias, pagamento de subsídios de férias e de Natal, incidência do risco da execução do trabalho sobre o trabalhador ou por conta do empregador, inserção do trabalhador na organização produtiva, recurso a colaboradores por parte do prestador da actividade, existência de controlo externo do modo de prestação da actividade laboral, obediência a ordens, sujeição à disciplina da empresa) e indícios negociais externos (o número de beneficiários a quem a actividade é prestada, o tipo de imposto pago pelo prestador da actividade, a inscrição do prestador da actividade na Segurança Social e a sua sindicalização).

Cada um daqueles indícios tem naturalmente um valor muito relativo e, por isso, o juízo a fazer é sempre um juízo de globalidade (MONTEIRO FERNANDES, Direito do Trabalho, 12.ª edição, Almedina, Coimbra, 2004, p. 145), a ser formulado com base na totalidade dos elementos de informação disponíveis, a partir de uma maior ou menor correspondência com o conceito-tipo.

Sublinhe-se que incumbe ao trabalhador, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 342.º do Código Civil, fazer a prova dos elementos constitutivos do contrato de trabalho, nomeadamente, que desenvolve uma actividade remunerada para outrem, sob a autoridade e direcção do beneficiário da actividade, demonstrando que se integrou na estrutura empresarial do empregador.

3.2. No caso, ficou provado que o autor iniciou a sua vida profissional, no sector bancário, em 20 de Março de 1974, no Banco Pinto e Sotto Mayor, transitando para o Grupo do Banco Comercial Português, em 21 de Setembro de 1988, e, quando saiu deste último Grupo, era Director [factos provados 26) e 27)], sendo que, no âmbito do «Processo de Identificação e Selecção de um profissional para o cargo de Administrador/gestor Global para BB, S. A.», adjudicado, em Outubro de 1999, pelo Presidente da 1.ª ré, Dr. JC, à empresa «Brainsearch», esta elaborou uma lista com o nome de pessoas que considerou serem potenciais candidatos para exercerem o cargo definido pelo cliente e que entregou, no mês de Março de 2000, ao Dr. JC, o qual, após seleccionar o autor, de entre os potenciais candidatos, deu instruções para ser agendada uma entrevista entre si e o autor, que veio a ocorrer antes do dia 23 desse mês e no decurso da qual o Dr. JC, convidou o autor a exercer o cargo de administrador do Banco BB, S. A., no triénio de 1998/2000, na área das tecnologias e informação, cujo termo ocorria no final desse ano [factos provados 28) a 30) e 35)].

Na sequência do referido convite, o autor, decorridos não mais de três dias, aceitou a proposta de integrar a 1.ª ré, como administrador, para o dito triénio, não tendo sido «redigido qualquer documento contendo as condições acordadas entre o autor e o Presidente da 1.ª ré, Dr. JC», que acordaram verbalmente que o primeiro iria auferir, como administrador daquela ré, «a remuneração mensal ilíquida de € 8.728,96 (paga 14 x ano), a que acresciam a quantia de € 27.939,89, paga no fim de cada ano civil, por forma a perfazer um pacote salarial de € 149.639,37 (30.000.000$00)», e que «teria direito ao uso de uma viatura Volvo S 80 durante quatro anos, findos os quais teria direito de opção pela aquisição pelo valor residual», bem como a «um cartão de crédito Visa Empresa, com o plafond anual de € 7.500,00», sendo que a atribuição «da viatura automóvel e [a] possibilidade da sua aquisição, bem como a atribuição de cartões de crédito, eram comuns a todos os administradores da 1.ª e 3.ª rés» [factos provados 7), 8), 32) a 34), 36) a 40), e 67)].

Apurou-se, também, que «[o] autor foi eleito administrador da 1.ª ré, em 23 de Março de 2000, para exercer esse mandato até ao fim do triénio de 1998/2000», que lhe foi atribuída «competência na área do Departamento de Infra-estruturas e Tecnologias, incluindo os pelouros de Operações, Organização e Informática, Meios de Pagamentos, Economato e Logística», exercendo tais funções «nas instalações da 1.ª ré, que, para o efeito lhe foram distribuídas, situadas no 5.º piso da Av.ª ..., conjuntamente com a maioria das áreas do designado back-office e conjuntamente com as afectas ao administrador da área financeira, Sr. Dr. FC, situando-se as do outro administrador da área comercial sul, Sr. Dr. RMl, no 6.º piso do mesmo edifício, e as do Presidente, no 7.º piso» [factos provados 6), 43), 44) e 54)].

Porém, «[e]m Março de 2001, o Presidente do Conselho de Administração da 1.ª ré, Dr. JC, transmitiu ao autor que este não iria ser proposto para integrar o Conselho de Administração, a partir do final do mandato que estava a terminar», e que seria «reconduzido como administrador de outra sociedade do Grupo BB, a aqui 3.ª ré, constituída, posteriormente, sendo-lhe cometidas desta feita as tarefas de supervisionar as empresas associadas, da área da tecnologia», sendo que, «[n]o final do ano de 2001, o Grupo BB criou a 3.ª ré, cuja constituição foi registada em 19/10/2001, passando a ser esta sociedade quem controlava as acções e quem conciliava os diversos interesses estratégicos das empresas que compunham tal grupo, para efeitos de negócios globais no mercado ibérico» e «[n]a assembleia geral da 3.ª ré, realizada no dia 14.12.01, foi deliberado que o autor passaria a integrar o respectivo Conselho de Administração, com efeitos reportados à data da eleição dos demais administradores, 18 de Setembro de 2001» e que «o autor, bem como o outro administrador eleito na mesma assembleia geral, iria[m] auferir uma remuneração de um milhão de escudos, com efeitos a partir de 18 de Setembro de 2001, tendo ficado exarado em acta que a 3.ª ré assumiria todos os custos associados ao desenvolvimento do projecto até à data da constituição da sociedade» [factos provados 13) a 17), 45), 52), 54), 57) a 59) e 62)].

Refira-se que o autor, após ter cessado as funções de administrador da 1.ª ré, «passou a desenvolver actividade com vista à constituição e implementação da 3.ª ré até à constituição da referida sociedade e, posteriormente, exerceu o cargo de administrador desta ré» e que a sua retribuição, após cessar o cargo de administrador da 1.ª ré, foi sempre paga por esta ré, «que, em momento posterior, debitava, à 3.ª ré, o montante que havia pago ao autor, tendo sido solicitado ao autor que assinasse relatório de contas da 3.ª ré» [factos provados 54), 58) e 59)].

Mais se apurou que:

«9) No primeiro recibo emitido pela 1.ª ré relativamente ao autor — Abril de 2000 —, foi-lhe creditada a quantia de € 316,00, a título de diuturnidades, mas, no mês de Maio de 2000, foi-lhe debitado aquele montante;
10) Ao autor não foi paga qualquer quantia a título de diuturnidades e [de] subsídio de refeição;
11) A 1.ª ré procedeu sempre à retenção na fonte das quantias devidas a título de Imposto Sobre o Rendimento, bem como das quantias devidas a título de Fundo de Assistência, SAMS Quadros Técnicos Bancários e Sindicato Nacional dos Quadros Técnicos Bancários e remunerou ao autor as férias;
42) Por solicitação do autor, a ré efectuou descontos para o Sindicato Nacional dos Quadros Técnicos Bancários;
46) Quando o autor regressou de férias, que gozou entre meados de Março de 2001 e meados de Abril de 2001, tinha-lhe sido retirado o gabinete onde prestava a sua actividade, tendo-lhe sido ordenado que passasse a desenvolver actividade numa área em open-space partilhada com os administradores da 3.ª ré, Srs. Drs. LB e DS, e com uma Directora da empresa Plêiade – Investimentos e Participações SGPS, S. A.;
47) Posteriormente, aquando da mudança do edifício da Av. da ... para o da Av. ..., todos os administradores da 3.ª ré foram colocados no 5.º piso, ficando os Srs. Drs. LB e DS em salas próximas, e ao autor, assim como ao administrador da Plêiade e a uma Directora, em gabinete afastado daquelas salas;
48) Passado pouco tempo, todos os administradores da 3.ª ré saíram do 5.º piso, tendo sido ordenado ao autor que mudasse para uma sala existente no 2.º piso do edifício sito na Av. ..., onde se manteve, estando o Dr. JJ, então administrador da 3.ª ré, a secretária comum a ambos e toda a demais equipa desta ré instalados no 7.º piso do mesmo edifício, sendo o mobiliário da sala ocupada pelo autor similar ao mobiliário existente nos demais gabinetes de administradores existentes naquele edifício, com excepção do gabinete existente no 8.º piso, ocupado pelo Dr. JC;
50) Quando estava a desenvolver a sua actividade na sala sita no 2.º Piso do edifício da Avenida ..., o autor, para realizar reuniões, solicitou cadeiras emprestadas, tendo, em Janeiro de 2003, pelo menos, solicitado mobiliário ao Director de Recursos Humanos;
53) Entre Abril de 2001 e início de 2002, o autor desempenhou funções por conta e no interesse da 3.ª ré, tendo como principais tarefas os negócios com vocação internacional, que tinham como objectivo a apresentação de diversas empresas do Grupo BB, que poderiam prestar serviços em termos de consultoria, segurança estática e biométrica, disco óptico/workflow e sistemas informáticos;
55) O autor participou em apresentações, efectuadas no estrangeiro, da estrutura do Grupo BB, com vista a projectar a imagem internacional do BB;
56) A actividade prestada pelo autor como administrador da 1.ª ré, no triénio de 1998/2000, aproveitava à 1.ª ré e a actividade prestada desde a cessação desse mandato aproveitava à 3.ª ré e às demais empresas da área tecnológica que integravam o Grupo;
60) Todo o trabalho desenvolvido pelo autor desde que cessou o seu mandato como administrador da 1.ª ré até à constituição da 3.ª ré teve fundamentalmente em vista a elaboração de projectos, estudos, investigação e desenvolvimento do que viria a ser a actividade respectiva;
61) O autor trabalhou com autonomia.

3.3. Conjugando entre si a matéria de facto provada, conclui-se que o autor não logrou provar indícios suficientes da existência de subordinação jurídica.

Na verdade, o que se provou foi que o Presidente da 1.ª ré, Dr. JC, convidou o autor a exercer o cargo de administrador do Banco BB, S. A., 1.ª ré, no triénio em curso de 1998/2000, na área das tecnologias e informação [factos provados 29) a 31)], que «[d]ecorridos não mais de três dias, após o contacto pessoal com o Presidente da 1.ª ré, o autor deu o seu assentimento à proposta de integrar a 1.ª ré, como administrador, para o triénio em curso de 1998/2000 [facto provado 32)] e que «[e]ntre o autor e o Presidente da 1.ª ré, Dr. JC, foi verbalmente acordado que o primeiro iria auferir, como administrador desta ré, a remuneração mensal ilíquida de € 8.728,96 (paga 14 x ano), a que acresciam a quantia de € 27.939,89, paga no fim de cada ano civil, por forma a perfazer um pacote salarial de € 149.639,37 (30.000.000$00)» [facto provado 34)].

É certo que o autor desempenhava a sua actividade nas instalações das rés e utilizava instrumentos àquelas pertencentes; porém, a execução da actividade nas instalações das rés e com instrumentos às mesmas pertencentes é compatível tanto com o contrato de trabalho como com as funções de administrador de uma sociedade.

Doutro passo, não se provou que as rés tenham fixado ao autor qualquer horário de trabalho, nem efectuado o controlo da respectiva assiduidade, ou sequer a sujeição do autor ao poder disciplinar das rés.

Neste contexto, a menção feita no facto provado 18) à «conta bancária do autor, enquanto funcionário bancário», é utilizada numa formulação mais corrente e não com um sentido técnico-jurídico rigoroso, pelo que é probatoriamente inócua, não sendo decisiva para a qualificação do contrato em causa.

Aliás, se dessa expressão se pudesse extrair qualquer valoração jurídica da questão em causa, deveria ter-se como não escrita, nos termos do n.º 4 do artigo 646.º do Código de Processo Civil, já que, nessa perspectiva, configuraria matéria com um inquestionável sentido jurídico e que se integra no thema decidendum.

Num outro plano de consideração, embora conste do facto provado 46) que «[q]uando o autor regressou de férias, que gozou entre meados de Março de 2001 e meados de Abril de 2001, tinha-lhe sido retirado o gabinete onde prestava a sua actividade, tendo-lhe sido ordenado que passasse a desenvolver actividade numa área em open-space partilhada com os administradores da 3.ª ré, […], e com uma Directora da empresa Plêiade […]», e do facto provado 48) que, «[p]assado pouco tempo, todos os administradores da 3.ª ré saíram do 5.º piso, tendo sido ordenado ao autor que mudasse para uma sala existente no 2.º piso do edifício sito na Av. ..., onde se manteve, estando o Dr. J J, então administrador da 3.ª ré, a secretária comum a ambos e toda a demais equipa desta ré instalados no 7.º piso do mesmo edifício, sendo o mobiliário da sala ocupada pelo autor similar ao mobiliário existente nos demais gabinetes de administradores existentes naquele edifício, […]», estes factos não assumem relevo significativo, dada a especificidade própria da actividade de um qualquer membro do conselho de administração de uma sociedade anónima, que deve respeitar a competência normal dos outros administradores ou do conselho, nos termos da lei (artigos 405.º a 407.º do Código das Sociedades Comerciais).

Tal como salientam as rés, «um administrador, pelo simples facto de o ser, não passa a ser dono e senhor absoluto da empresa», «integra sim uma equipa, tem normalmente pelouros distribuídos [e] deverá integrar-se na organização existente e actuar em função dela e no respeito das regras estabelecidas», sendo «absolutamente normal que deva obedecer às determinações do administrador competente nas outras áreas que não as que lhes estão distribuídas, designadamente a das instalações».

Impressiona, como defende o autor, «o teor do art.° 53.º, onde se alega que “entre Abril de 2001 e início de 2002, o autor desempenhou funções por conta e no interesse da 3.ª ré”», «o teor do art.° 54.º, onde se explicita que “o Dr. JC lhe comunicou que passaria a desempenhar a sua actividade, em empresa a constituir, do Grupo BB, na área tecnológica em reestruturação”», e que o autor tenha participado em apresentações, efectuadas no estrangeiro, da estrutura do Grupo BB, com vista a projectar a imagem internacional do BB [facto provado 55)].

Contudo, estes indícios, só por si, não são concludentes quanto à existência de subordinação jurídica, impondo-se uma valoração conjunta dos factos provados.

O mesmo se diga da não assunção de risco empresarial por banda do autor.

Ora, a actividade prestada pelo autor como administrador da 1.ª ré, no triénio de 1998/2000, centrou-se na gestão das actividades daquela sociedade, e todo o trabalho desenvolvido desde que cessou o seu mandato como administrador da 1.ª ré até à constituição da 3.ª ré teve em vista a elaboração de projectos, estudos, investigação e desenvolvimento do que viria a ser a actividade respectiva, funções que foram desenvolvidas com autonomia [factos provados 56) e 59) a 61)], sendo que, no que respeita à actividade do autor no período compreendido entre a cessação do seu mandato como administrador da 1.ª ré e a sua nomeação como administrador da 3.ª ré, a matéria de facto provada não contém indícios suficientes que permitam concluir pela existência de subordinação jurídica do autor a qualquer das rés.

Nesta conformidade, atendendo ao conjunto dos factos provados, conclui-se que o autor não fez prova, como lhe competia (artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil), de que a relação contratual que vigorou entre as partes revestia a natureza de contrato de trabalho, pelo que improcedem os pedidos por si formulados na presente acção, que tinham justamente por fundamento a existência de uma relação laboral.

Improcedem, pois, as restantes conclusões da alegação do recurso de revista.

III

Pelo exposto, decide-se negar a revista e confirmar o acórdão recorrido.

Custas pelo recorrente.
Lisboa, 14 de Janeiro de 2009
Pinto Hespanhol (relator)
Vasques Dinis
Bravo Serra