Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
081918
Nº Convencional: JSTJ00014329
Relator: TATO MARINHO
Descritores: RECUSA DE ACTO DE REGISTO
ALTERAÇÃO DO PACTO SOCIAL
SOCIEDADE POR QUOTAS
SOCIEDADE COMERCIAL
TIPICIDADE
GERENTE
CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO
ORGÃO SOCIAL
SUBSTITUIÇÃO
Nº do Documento: SJ199203050819182
Data do Acordão: 03/05/1992
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação: BMJ N415 ANO1992 PAG666
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Área Temática: DIR REGIS NOT. DIR COM - REGISTOS / SOC COMERCIAIS.
Legislação Nacional:
Sumário : I - E legitima a recusa de registo da alteração do pacto social de uma sociedade por quotas em que a gerencia
- orgão administrativo - representativo desse tipo de sociedades - e substituida por um conselho de administração.
II - O principio da tipicidade consagrado no Codigo das Sociedades por Quotas abrange não so a obrigatoriedade de opção por um dos quatro tipos de sociedade comercial previstos nesse Codigo, mas tambem a adopção dos orgãos administrativos - representativos previstos para cada um desses tipos.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
I - INVESPAR - Sociedade de Investimentos e Participações, Limitada, veio, para o 12 juizo Civel da
Comarca de Lisboa, recorrer contenciosamente do despacho do Director Geral dos Registos e Notariado que indeferiu a reclamação hierarquica do despacho da Conservadora do Registo Comercial de Lisboa que indeferiu as alterações do pacto social da recorrente bem como da eleição dos seus administradores.
Fundamenta o seu pedido no facto de o artigo 252 do
Codigo das Sociedades Comerciais não impõe que a representação e a administração das sociedades por quotas seja feita atraves de um ou mais gerentes nem impede que a sociedade por quotas seja administrada e representada por um Conselho de Administração.
Foi proferida sentença julgando procedente o recurso interposto por INVESPAR, tendo a Conservadora do
Registo Comercial interposto recurso de agravo, que concedeu provimento ao recurso e revogou a sentença.
Interposto recurso pela INVESPAR doutamente alegou formulando as seguintes conclusões:
1 - Dos artigos 2, 252, 260 e 161 do Codigo das Sociedades Comerciais, bem como do artigo 405 ns. 1 e
2 do Codigo Civil retira-se ser licito aos socios, adoptarem como orgão de administração e representação de sociedade por quotas um Conselho de Administração, nos termos constantes do artigo 6 dos Estatutos de agravante, que esta pretende registar.
2 - Não ha, violação do principio de tipicidade consignado no artigo 2 do Codigo das Sociedades Comerciais.
3 - Com efeito, o tipo de sociedade comercial por quotas e definida tendo em conta, unica e exclusivamente, o preceituado no artigo 197 do Codigo das Sociedades Comerciais, não sendo os elementos normativos, constantes deste Codigo, relativos a administração e representação daquele tipo de sociedade, porque supletivos, integradores do tipo.
4 - Assim, a adopção de um Conselho de Administração para uma sociedade comercial por quotas não conduz a constituição de um tipo misto.
5 - Por outro lado, a recorrente, ao deliberar alterar o pacto social, designadamente o seu artigo 6, de modo que a administração incumba a um Conselho de Administração, não viola qualquer disposição legal de indole imperativa.
6 - Ao entender de forma contraria a Relação a quo violou o disposto nos artigos 21, 197, 252 e 265 todos do Codigo das Sociedades Comerciais e ainda o disposto no artigo 405 do Codigo Civil.
Doutamente, tambem, contra-alegou a Excelentissima
Senhora Conservadora da 2 secção da Conservatoria do
Registo Comercial de Lisboa.
Tudo visto cumpre decidir.
II - A principal questão a decidir consiste em saber se numa sociedade por quotas o orgão administrativo - representativo desse tipo de sociedade, a gerencia, pode, no contrato social ser substituido por um
Conselho de Administração, orgão de administração e representação nas sociedades anonimas.
A agravante INVESPAR - Sociedade de Investimentos e Participações, Limitada procedeu a alteração dos seus estatutos e no artigo 6 estabelece que a administração dos negocios sociais e a administração da sociedade em juizo e fora dele, activa ou passivamente, incumbem ao
Conselho de Administração.
O Conselho de Administração sera composto por um ou mais membros eleitos em assembleia geral, podera nomear de entre eles um Presidente do Conselho de Administração e/ou um Administrador-Delegado a quem compete presidir as reuniões do Conselho de Administração e velar pelo cumprimento das suas deliberações e estatutos.
Ao Administrador-Delegado, havendo-o, compete especialmente a gestão dos actos correntes da sociedade e substituira o Presidente nas suas faltas e impedimentos.
Por sua vez, o mesmo artigo 6 dos Estatutos consigna que a sociedade se obriga pela assinatura do Presidente; pela assinatura do Administrador-Delegado; pela assinatura conjunta de quaisquer dois dos seus administradores; pela assinatura conjunta de um administrador com um procurador da sociedade com poderes especificos para tal e pela assinatura de um ou mais procuradores, nos termos e direitos dos respectivos mandatos.
Entende a agravante INVESPAR que a criação do conselho de administração em vez da gerencia, como orgão administrativo-representativo, não viola o principio de tipicidade constante do artigo 1, n. 3 do Codigo das Sociedades Comerciais.
Apesar da douta e brilhante argumentação desenvolvida afigura-se não ter razão a agravante.
O artigo 1 n. 2 do Codigo das Sociedades Comerciais estabelece que são sociedades comerciais aquelas que tenham por objecto a pratica de actos de comercio e adoptem o tipo de sociedade em nome colectivo, de sociedade por quotas, de sociedade anonima, de sociedade em comandita simples ou de sociedade em comandita por acções.
O n. 3 da mesma disposição estabelece que as sociedades que tenham por objecto a pratica de actos de comercio devem adoptar um dos tipos referidos no numero anterior.
Por sua vez o artigo 2 do Codigo das Sociedades Comerciais ao estabelecer as normas do Codigo Civil sobre o contrato da sociedade refere expressamente que so constituem direito subsidiario as que não sejam contrarias nem aos principios gerais da presente lei nem aos principios informadores do tipo adoptado.
Ha, assim, a afirmação peremptoria do principio de tipicidade pelo qual se estabelece que não pode haver sociedades comerciais alem das previstas na lei.
O problema põe-se, no entanto, quanto a extensão do principio da tipicidade, no sentido de bastar a sua continuidade o que ha de caracteristico na definição de cada tipo ou tambem a necessidade de abarcar os orgãos indispensaveis a realização dos fins estatutarios de cada tipo de sociedade.
Cada tipo de sociedade comercial caracteriza-se fundamentalmente pela constituição, sua posição de capital social e sua responsabilização pelos socios - artigos 175; 197 e 198; 271 e 465, todos do Codigo das Sociedades Comerciais respectivamente para as sociedades em nome colectivo, por quotas, anonimas e em comandita.
No entanto, e de acordo com o grau maior ou menor, de responsabilidade dos socios não so pela realização do capital social, mas pelas dividas da sociedade e ingerencia na vida da propria sociedade, assim os orgãos administrativo-representativos se adequam a realização dessas funções.
Assim, a formação da vontade da sociedade diverge, exceptuando o caso de unanimidade, para cada tipo de sociedade, so podendo as deliberações dos socios se tomadas por alguma das formas admitidas por lei para cada tipo de sociedade - artigo 53 do Codigo das Sociedades Comerciais.
Por outro lado, a gerencia de sociedades por quotas, mesmo funcionando em gerencia plural, exerce conjuntamente os respectivos poderes, enquanto o conselho de administração forma uma deliberação, embora derivada desse exercicio em conjunto desses poderes.
Esta, assim, insita a ideia de que o principio da tipicidade abrange não so a obrigatoriedade de opção por um dos quatro tipos de sociedade comercial previsto no Codigo das Sociedades Comerciais mas, tambem pela adopção dos orgãos administrativo-representativos para esse tipo previstos.
Esta ideia, e reforçada pelo proprio Codigo que, expressamente vem dizer que um orgão tipo de um tipo de sociedade comercial pode ser instaurado noutro tipo de sociedade.
E o que se passa com o artigo 262 n. 1 do Codigo das Sociedades Comerciais que vem permitir a sociedade por quotas que tenha um conselho fiscal que se rege pelo disposto para as sociedades anonimas.
Se a designação, composição e funcionamento dos orgãos administrativo-representativos e fiscalizadores se não incluissem, por força de principio da tipicidade, no tipo de cada sociedade comercial, não seria necessario uma norma, como a do artigo 262 n. 1 do Codigo das Sociedades Comerciais, a permitir que um orgão tipo das sociedades anonimas, como o conselho fiscal, fosse implantado na sociedade por quotas. (Cf., Raul Ventura,
Sociedade por quotas, III, pagina 206 a 207, não expressamente, mas com base do raciocinio exposto).
Outra consequencia do principio da tipicidade abrange não so os tipos de sociedade comercial previstos taxativamente mas os orgãos proprios desse tipo reside no disposto no artigo 85 n. 2 do Codigo das Sociedades Comerciais.
Este preceito estabelece que a deliberação de alteração do contrato da sociedade sera tomada em conformidade com o disposto para cada tipo de sociedade
(Cf. Raul Ventura, Alterações do Contrato de Sociedade, pagina 42 a 54 quanto as exigencias para cada tipo de deliberação).
Conclui-se, portanto, que o principio de tipicidade consignado no Codigo das Sociedades Comerciais, se aplica não so quanto a obrigatoriedade de adopção de um dos tipos de sociedade comercial previsto nesse Codigo, mas, ainda, a conformidade no contrato de sociedade dos orgãos administrativo-representativos tipicos de cada tipo de sociedade.
III - No caso sub-judice a INVESPAR ao alterar os seus estatutos e ao pretender no artigo 6 que a administração dos negocios sociais e a representação da sociedade em juizo ou fora dele, incumbem a um Conselho de Administração, violou o disposto nos artigos 2 e 252 do Codigo das Sociedades Comerciais.
Na verdade, a gerencia e fiscalização, melhor a administração e representação de uma sociedade por quotas e, nos termos do artigo 252 n. 1 do Codigo das Sociedades Comerciais, efectuada por um ou mais gerentes.
O texto da lei sugere uma imperatividade que, se pode considerar decorrente da aplicação do principio de tipicidade.
Por outro lado, a estrutura e funcionamento da gerencia compatibilizara-se melhor com a composição e propriedade do capital e responsabilidade dos socios do que um conselho de administração, por permitir uma maior intervenção pessoal, inclusive todos os socios assumirem os poderes de gerencia.
Por ultimo, oferece maior segurança e certeza juridica aos fornecedores e credores da sociedade por quotas, facilitando o comercio juridico na medida em que facilmente se sabe com quem contratar e a quem pedir a satisfação dos creditos.
Por tudo, improcedem as conclusões 1 a 7 das doutas conclusões.
Pelo exposto, acordam no Supremo em negar provimento ao agravo.
Custas pela agravante.
Lisboa, 5 de Março de 1992.
Tato Marinho,
Pires de Lima,
Tavares Lebre.
Decisões impugnadas:
I - Sentença de 90.07.09 do 12 Juizo Civel de Lisboa;
II- Acordão de 91.04.18 da Relação de Lisboa.