Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
8496/17.5T8STB.E1.S2
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: NUNO PINTO OLIVEIRA
Descritores: CONTRATO-PROMESSA DE COMPRA E VENDA
DIREITO DE PREFERÊNCIA
CADUCIDADE
PRÉDIO CONFINANTE
ÓNUS DA PROVA
INCUMPRIMENTO DO CONTRATO
SINAL
INDEMNIZAÇÃO
DESPESAS JUDICIAIS
RESOLUÇÃO DO NEGÓCIO
Data do Acordão: 11/20/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDO PROVIMENTO PARCIAL À REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL – DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / CONTRATOS / PACTOS DE PREFERÊNCIA – DIREITO DAS COISAS / DIREITO DE PROPRIEDADE / PROPRIEDADE DE IMÓVEIS / FRACCIONAMENTO E EMPARCELAMENTO DE PRÉDIOS RÚSTICOS.
Doutrina:
- Fernando Andrade Pires de Lima e João de Matos Antunes Varela (com a colaboração de Manuel Henrique Mesquita), anotações aos arts. 1380.º e 1381.º, Código Civil anotado, vol. III, Artigos 1251.º a 1575.º, 2.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 1987 (reimpressão), p. 270-275 e 275-277;
- Manuel Henrique Mesquita, Obrigações reais e ónus reais, Livraria Almedina, Coimbra, 1990, p. 202-229;
- Mário Júlio de Almeida Costa, Direito das obrigações, 10.ª ed., Livraria Almedina, Coimbra, 2006, p. 438;
- Nuno Manuel Pinto Oliveira, Ensaio sobre o sinal, Coimbra Editora, Coimbra, 2008, p. 33-45, 107-111.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 416.º E 1381.º, ALÍNEA A).
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 19-02-2013, PROCESSO N.º 246/05.5TBMNC.G1.S1;
- DE 01-04-2014, PROCESSO N.º 854/07.0TBLMG.P1.S1.
Sumário :
I. — A prova da caducidade de um contrato-promessa, em consequência do exercício de um direito legal de preferência de terceiro, compreende a prova de que o terceiro era titular do direito de preferência e a prova de que o terceiro, titular do direito de preferência, o exerceu.

II.— A fórmula quando algum dos terrenos se destine a algum fim que não seja a cultura da alínea a) do art. 1381.º do Código Civil significa quando o adquirente e, em especial, o comprador destine o terreno a algum fim que não seja a cultura.

III. — Em consequência, a  alínea a) do art. 1381.º do Código Civil exige que dos factos provados decorra a intenção de afectar o terreno a algum fim que não seja a cultura e a possibilidade física e jurídica (legal ou regulamentar) da afectação correspondente à intenção do comprador.

IV.  — Estando o contrato-promessa de compra e venda condicionado à transformação do prédio em terreno para construção, em termos de o contrato-promessa caducar desde que a transformação não seja possível, o proprietário de terreno confinante não terá direito de preferência: ou bem que a transformação é possível, e não há direito de preferência por força da alínea a) do art. 1381.º do Código Civil, ou bem que a transformação não é possível, e não há direito de preferência por força do art. 416.º do Código Civil (por ter caducado o projecto de venda). 

Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA



I. — RELATÓRIO


 1. AA, Lda, propôs a presente acção contra BB, pedindo: 

   a) que seja reconhecido o incumprimento definitivo do contrato;

   b) que o Réu seja condenado ao pagamento da quantia correspondente ao dobro do sinal e ainda em dívida, no montante de € 80.000,00;

 c) que o Réu seja condenado ao pagamento da quantia de € 26.925,54 a título de indemnização pelos danos causados com o incumprimento contratual;

  d) que o Réu seja condenado ao pagamento de juros vencidos e vincendos até efectivo e integral pagamento.


 2. Alegou, em síntese, o seguinte:

   I. — que a Autora e o Réu celebraram um contrato de compra e venda do prédio misto, com a denominação de CC, situado em …, com a área total de 15.375 hectares, descrito na CRP de … sob o nº 1…3, inscrito na matriz da freguesia de … sob o artigo 106, secção F3, pelo preço de 400.000,00 € (quatrocentos mil euros); II. — que a Autora pretendia edificar no prédio em causa um empreendimento de turismo no espaço rural na modalidade de hotel rural e que, em consequência, a promessa ficou condicionada à elaboração pela promitente Compradora de Pedido de Informação Prévia (PIP), à aprovação do referido PIP pelo Município de …, até ao prazo de 90 (noventa) dias após a celebração do contrato promessa e à transformação do prédio em terreno para construção na matriz predial e no registo predial em data anterior á celebração da escritura de compra e venda, tendo por base o PIP aprovado;

    III. — que, em 6 de Março de 2017, a Autora requereu junto do Município de … a aprovação de Pedido de Informação Prévia (PIP); que, em 9 de Abril de 2017, o Pedido de Informação Prévia foi aprovado, no sentido em que “é viável a instalação de um empreendimento de turismo rural na modalidade de hotel rural”; IV. — que a aprovação do Pedido de Informação Prévia foi comunicada ao Réu por carta datada de 2 de Maio de 2017 e que a data da escritura pública da compra e venda foi fixada para o dia 19 de Maio de 2017 no Cartório Notarial de … de DD; V. — que, em 9 de Maio de 2017, o Réu notificou à sociedade EE, Lda. — titular inscrito do prédio rústico confinante, com a denominação de B…, situado em … e com a alegada área total de 31.575 hectares, inscrito na freguesia de … sob o artigo 1…5, secção F3 — para, querendo, exercer o direito legal de preferência previsto no art. 1380.º do Código Civil; VI. — que, em 18 de Maio de 2017, o Réu comunicou à Autora a cessação do contrato-promessa, ao abrigo da cláusula quarta, nºs 5 e 6; VII. — que o Réu celebrou contrato de compra e venda com a sociedade EE, Lda.;

  VIII. — que a sociedade EE, Lda., não tinha o direito de legal de preferência previsto no art. 1380.º do Código Civil; IX. — que, em consequência, o Réu não cumpriu o contrato-promessa de compra e venda, devendo indemnizar a Autora das despesas com o contrato, “que ascendem à quantia de 26.925,54 euros”, e dos danos decorrentes do não cumprimento do contrato, conforme a convenção de sinal (80 0000 euros).


 3. O Réu BB contestou, pugnando pela improcedência do pedido.


  4. A 1.º instância proferiu sentença que julgou a acção improcedente e, em consequência, absolveu o Réu BB do pedido.


  5. Inconformada, a Autora AA, Lda, interpôs recurso de apelação.


6. Finalizou a sua alegação com as seguintes conclusões:


I. A Autora/Recorrente ao não considerar provado que o A. tenha notificado a R. da aprovação do PIP em 2 de Maio de 2017

II. Nenhum dos documentos juntos pela Autora foram impugnados pelo Reu razão pela qual estava o tribunal condicionado à apreciação do seu teor para efeitos probatórios nos termos dos artigos 444º e 607º, nº 5, do C.P.C, encontrando-se a carta em questão reproduzida na matéria de facto.

III. Termos em que deverá dar-se por provado que o A. tenha notificado a R. da aprovação do PIP em 2 de Maio de 2017

IV. A sentença é ainda nula por contradição entre os seus fundamentos de facto e a decisão, porquanto no que concerne à matéria de facto, transcrevendo a decisão de deferimento do Pedido de Informação Prévia constante do ponto 12) da matéria de facto, decide no pressuposto da inexistência de deferimento do referido pedido, pelo que, por conseguinte é nula a sentença nos termos do art.º 615, n.º 1 al. c) do CPC

V. No âmbito do acordo celebrado entre as partes o promitente vendedor só estava desvinculado da celebração do contrato definitivo se, a existir, fosse exercido o direito de preferência pelo titular do prédio confinante.

VI. Foi este acordo de vontades exteriorizadas pelas declarações negociais emitidas que levou à vinculação da Recorrente e do Réu (artigo 217º do Código Civil), não tendo o tribunal poderes para o alterar, uma vez verificada a sua conformidade legal, não sendo a vendedor conferido o direito de não celebrar o contrato caso as entidades competentes não se pronunciassem favoravelmente à pretensão da Autora/Recorrente, pelo que outra interpretação como é feita pelo Tribunal Recorrido viola o disposto nesta norma do Código Civil.

VII. A câmara municipal de … considerou ser viável a construção de um empreendimento turístico, na modalidade de hotel rural, tendo, tal como era seu dever e lhe fora solicitado pelo Requerente, informado quais as disposições legais que deveriam ser atendidas par a instrução do processo de licenciamento e que o mesmo, leia-se o processo de licenciamento, deveria ser submetido a consulta do Turismo de Portugal, pelo que verificava-se a condição convencionada na alínea a) Cláusula Quarta do Contrato: “Cláusula Quarta (Condição Resolutiva) que a celebração da escritura estava condicionada à Elaboração pela Promitente Compradora de Pedido de informação Prévia (PIP);

VIII. O Pedido de Informação Prévia solicitado pela Autora a 07.03.2017 foi efetuado, ao abrigo do artigo 14º, nº 1, do RJEU, Sendo que o próprio RJET no seu artigo 5º determina que, sem prejuízo do nele estabelecido, a instalação de um empreendimento turístico deve obedecer às normas e requisitos estabelecidos no RJEU, às regras e técnicas de construção aplicáveis às edificações em geral, sendo que “qualquer interessado pode requerer à camara municipal informação prévia sobre a possibilidade de instalar um empreendimento turístico e quais as respectivas condicionantes urbanísticas” (artigo 25º do RJET)

IX. O pedido de informação prévia configurase como um procedimento próprio e autónomo do procedimento de licenciamento ou de comunicação prévia que lhe sucede (ou pode suceder), procedimento que tem uma fase de iniciativa, de instrução (incluindo a consulta a entidades externas que tenham, para efeitos de licenciamento ou de comunicação prévia, de se pronunciar sobre a pretensão) e de decisão, enquanto a aprovação do projecto de arquitetura se apresenta como uma fase, a mais importante e central, do procedimento de licenciamento. Assim, a decisão relativa ao pedido de informação prévia, para além de se apresentar como um acto prévio, pressupõe também um procedimento prévio que embora vise oprocedimento subsequente (de licenciamento ou de comunicação prévia) não se deve com ele confundir”

X. A câmara de … emitiu parecer no sentido em que considerou que (…) é viável a instalação de um empreendimento de turismo rural na modalidade hotel rural. Contudo, …, o Turismo de Portugal I.P. deve emitir parecer ao pedido de informação prévia para realização de obras de edificação referentes aos empreendimentos turísticos.

XI. A Autora diligenciou e obteve PIP, definitivo e não condicionado, favorável para a construção de um hotel rural.

XII. A sentença recorrida fez uma errada interpretação dos Regimes Jurídicos em causa: Regime Jurídico de Urbanização e Edificação (RJUE) e do Regime Jurídico da Instalação, Exploração e Funcionamento dos Empreendimentos Turísticos (RJET)

XIII. A Câmara de … informou, como era seu dever, de todos os condicionamentos legais ou regulamentares a que estava sujeita a pretendida edificação.

XIV. A Câmara informou a A. de que, a pedir o licenciamento da construção, o seu deferimento estava condicionado à obtenção de parecer favorável do Turismo de Portugal I.P., parecer a ser proferido em sede de consultas externas às entidades competentes e a ser efetuadas pela Câmara.

XV. A obtenção desse parecer não era assim, nos termos do contrato de nenhuma das partes, uma vez que seria emitido em sede de processo de licenciamento de construção a desencadear pela A. após a celebração do contrato definitivo.

XVI. Considerar como a sentença recorrida o fez que o licenciamento era objeto do acordo entre as Partes violou o âmbito do acordo de vontades entre as partes.

XVII. O R. não diligenciou, nem obteve decisão dos órgãos competentes, sobre a transformação do prédio rústico em urbano uma vez notificado pela A. do PIP favorável. Não tendo o tribunal emitida pronuncia sobre este facto articulado pela Autora e que integra uma obrigação contratual, a sentença é invalida por omissão de pronuncia.

XVIII. Tendo sido a condição de transformação do prédio, tal como as demais, estabelecidas a favor da A., esta, ainda assim optou pela celebração do contrato promessa não tendo o R. invocado qualquer obstáculo com esse fundamento.

XIX. A não transformação do prédio, nos termos do contratualmente fixado, deveria ser provada e comprovada pelo Reu e não ter sido dado como provado de forma conclusiva e oficiosa pelo tribunal.

XX. Não tendo o Reu feito qualquer prova dessa impossibilidade não podia o tribunal oficiosamente e em substituição da parte e das entidades competentes para a emissão dessa decisão, concluir que era impossível transforma o prédio rustico em terreno para construção.

XXI. O direito legal de preferência em causa, contrariamente ao mencionado na douta decisão, não decorre do artigo 1376º do Código Inscrita no Conselho Distrital de Lisboa da Ordem dos Advogados com o nº 46/98 Civil, mas sim do artigo 1380º, sendo que o artigo 1337º , alínea a), do Código Civil exclui da proibição do fracionamento dos prédios aqueles que destinem a fim diferente do da cultura, não cabendo assim, e quanto a estes, preferência na alienação-artigo 1381º, alínea a) do Código Civil. Fundamentação legal omissão no inciso decisório.

XXII. Sendo o fim do terreno, o da construção, o proprietário do prédio confinante não goza do direito de preferência do artigo 1380º do Código Civil.

XXIII. Não sendo o prédio um prédio agrícola, e integrando zona da RAN a desanexar, não goza também o proprietário do prédio confinante do direito de preferência do artº 26º do Decreto-Lei 73/2009 de 31 de março

XXIV. Há contradição entre a decisão e a fundamentação contida na decisão recorrida o que leva a que e quanto à existência ou não do direito legal de preferência, com a consequente apreciação da exclusão ou não desse direito tendo em conta o prédio objeto do contrato, a aprovação do PIP e a possibilidade da sua transformação em prédio urbano para construção, se conclua haver omissão de pronúncia.

XXV. A sentença ao ter decidido com base em factos não impugnados, ou articulados pelo R, violou o artigo 609º, nº 1, do CPC.

XXVI. A sentença recorrida tendo conhecido de factos não contestados pelo Réu e com base neles ter fundamentado a sua decisão, assim como tendo decidido de fora conclusiva uma vez que não fundamenta essa decisão, v.g., quanto à alteração do fim do tereno e ao direito legal de preferência, padece de vícios que, nos termos do artigo 625º, e quanto a eles a tornam nula, invalidade que se argui e fundamenta nos termos para os efeitos do disposto nos artigos 615º, nº 4 do CPC.

XXVII. Pelo que dúvidas não podem restar de que tendo o Reu incumprido definitivamente o contrato prometido, deve ser condenado no pedido formulado pela Autora, pagamento ao Autor das quantias peticionadas.

XXVIII. Veja-se que, das duas uma:

— Ou estavam as condições verificadas e como tal o prédio a adquirir não tinha um fim agrícola e não havia direito legal de preferência, pelo que o RR. violou os deveres para com o A. ao vender a terceiro quando não estava obrigado legalmente a isso;

— Ou não estando as condições verificadas não havia negócio a celebrar, pelo que não havendo negócio definitivo a celebrar não havia que oferecer a preferência;

XXIX. Devendo a decisão do Tribunal a quo ser revogada e substituída por outra que condene o Reu nos mesmos e precisos termos contidos na petição inicial.

Nestes termos e nos demais de Direito,

Deve o presente Recurso de Apelação ser julgado totalmente procedente, por provado fazendo assim esse Venerando Tribunal a acostumada JUSTIÇA,


 7. O Réu BB contra-alegou, pugnando pela confirmação da sentença recorrida.


 8. O Tribunal da Relação de Évora julgou o recurso improcedente, confirmando a sentença recorrida.


 9. Inconformada, a Autora AA, Lda, interpôs recurso de revista.


 10. Finalizou a sua alegação com as seguintes conclusões:


I. A Autora/Recorrente não pode concordar com a interpretação e aplicação feita dos regimes jurídicos em causa: RJUE, RJEIET e artigo 1381º do Código Civil.

II. Foi convencionado na alínea a) Cláusula Quarta do Contrato: “Cláusula Quarta (Condição Resolutiva) que a celebração da escritura estava condicionada à Elaboração pela Promitente Compradora de Pedido de informação Prévia (PIP);

III. De acordo com o artigo 14º, nº 1, do RJEU “ Qualquer interessado pode pedir à câmara municipal, a título prévio, informação sobre a viabilidade de realizar determinada operação urbanística ou conjunto de operações urbanísticas diretamente relacionadas, bem como sobre os respetivos condicionamentos legais ou regulamentares nomeadamen relativo a infraestruturas, servidões administrativas e restrições de utilidade pública, índices urbanísticos, cérceas, afastamentos e demais condicionante aplicávei à pretensão”.

IV. O Pedido de Informação Prévia solicitado pela Recorrente a 07.03.2017 foi efetuado, ao abrigo do artigo 14º, nº 1, do RJUE, sendo que o próprio RJET no seu artigo 5º determina que, sem prejuízo do nele estabelecido, a instalação de um empreendimento turístico deve obedecer às normas e requisitos estabelecidos no RJEU, às regras e técnicas de construção aplicáveis às edificações em geral, sendo que “qualquer interessado pode requerer à câmara municipal informação prévia sobre a possibilidade de instalar um empreendimento turístico e quais as respectivas condicionantes urbanísticas” (artigo 25º do RJET).

V. A emissão de parecer do Turismo de Portugal é exigível para os pedidos de informação prévia solicitados ao abrigo do nº 2, do artigo 14º do RJUE e para os pedidos de licenciamento ou comunicação prévia de obra, o que não se confunde com o pedido de informação prévia solicitado ao abrigo do nº 1 do artigo 14ºdo RJUE, como é o caso dos autos.

VI. O pedido de informação prévia configura-se como um procedimento próprio e autónomo do procedimento de licenciamento ou de comunicação prévia que lhe sucede (ou pode suceder), procedimento que tem uma fase de iniciativa, de instrução (incluindo a consulta a entidades externas que tenham, para efeitos de licenciamento ou de comunicação prévia, de se pronunciar sobre a pretensão) e de decisão, enquanto a aprovação do projecto de arquitetura se apresenta como uma fase, a mais importante e central, do procedimento de licenciamento. Assim, a decisão relativa ao pedido de informação prévia, para além de se apresentar como um acto prévio, pressupõe também um procedimento prévio que embora vise o procedimento subsequente (de licenciamento ou de comunicação prévia) não se deve com ele confundir.

VII. A câmara de … proferiu decisão vinculativa em que considerou que (…) é viável a instalação de um empreendimento de turismo rural na modalidade hotel rural. Tendo salientado que o pedido de licenciamento deveria ser instruído com o parecer do Turismo de Portugal.

VIII. A câmara, nos termos do nº 1, do artigo 14º do RJUE, sem intervenção e necessidade de pareceres de outras entidades, aprecia e decide sobre a viabilidade, enquadramento legal e regulamentar da pretensão dos requerentes.

IX. A decisão camarária que considerou viável a pretensão do Recorrente em edificar no imóvel o empreendimento turístico na modalidade Hotel Rural, tem caracter constitutivo de direitos, vinculando a Câmara dentro dos limites do pedido apresentado.

X. Um pedido de informação prévia não é mais do que uma decisão que considera viável, ou não viável, determinada operação urbanística.

XI. O Acórdão recorrido fez uma errada interpretação dos Regimes Jurídicos em causa: Regime Jurídico de Urbanização e Edificação (RJUE) e do Regime Jurídico da Instalação, Exploração e Funcionamento dos Empreendimentos Turísticos (RJET)

XII. A Câmara de … informou, como era seu dever, de todos os condicionamentos legais ou regulamentares a que estava sujeita a pretendida edificação.

XIII. A Câmara informou a Recorrente de que, a pedir o licenciamento da construção, o seu deferimento estava condicionado à obtenção de parecer favorável do Turismo de Portugal I.P., parecer a ser proferido em sede de consultas externas às entidades competentes e a ser efetuadas pela Câmara.

XIV. A obtenção desse parecer não integrava a condição alusiva ao PIP uma vez que estava em causa um pedido de informação prévia e não um pedido de licenciamento ou comunicação prévia.

XV. Tendo sido a condição de transformação do prédio, tal como as demais, estabelecidas a favor da A., esta, ainda assim optou pela celebração do contrato promessa não tendo o R. invocado qualquer obstáculo com esse fundamento.

XVI. É que a transformação do prédio rustico, em urbano, é efetuada com base na decisão camarária emitida. E a não transformação do prédio antes da celebração da escritura não faz com que não se considere provado o fim diferente daquele que consta na sua matriz.

XVII. Sendo o fim do terreno, o da construção, o proprietário do prédio confinante não goza do direito de preferência do artigo 1380º do Código Civil, não sendo “necessário que a afectação do prédio a fim diferente exista já ao tempo da alienação. O fim relevante, para aplicação desta norma-excepção, é aquele que o adquirente pretende dar ao terreno, mesmo que essa intenção não conste da respectiva escritura, devendo, todavia, esse elemento subjectivo ter concretização na factualidade apurada” como decorre do acórdão fundamento que se junta

XVIII. O Réu apenas tinha o dever jurídico de não celebrar o contrato definitivo caso fosse exercido, legalmente, o direito de preferência.

Devendo a decisão do Tribunal a quo ser revogada e substituída por outra que condene o Reu nos mesmos e precisos termos contidos na petição inicial.


  11. O Réu BB contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso.


  12. A Formação prevista no art. 672.º, n.º 3, do Código de Processo Civil admitiu a revista.


 13. Como o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões dos Recorrentes (cf. arts. 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cf. art. 608.º, n.º 2, por remissão do art. 663.º, n.º 2, do Código de Processo Civil), as questõs a decidir, in casu, são as seguintes:

I. — se o contrato-promessa de compra e venda concluído entre a Autora  AA, Lda, e o Réu BB cessou, em consequência do exercício do direito legal de preferência previsto no art. 1380.º do Código Civil;

II. — se a Autora, agora Recorrente, AA, Lda, tem direito à indemnização, ou à pena, prevista na convenção de sinal, à indemnização das despesas com o contrato e à indemnização dos danos pelo não cumprimento.


II. — FUNDAMENTAÇÃO


 OS FACTOS


 14. O acórdão recorrido deu como provados os factos seguintes:


1 - Com data de 8 de Janeiro de 2017, A. e R. celebraram um contrato promessa de compra e venda, através do qual o A. prometeu vender à R. o prédio rústico com a denominação de CC, situado em …, com a área total de 15,375 hectares, descrito na Conservatória do Registo predial de … sob o n.º 1…3, inscrito na matriz da freguesia de … sob o artigo 106, secção F3.

2 - Consta do Considerando b) do Contrato que sobre o prédio referido em 1) incidia uma hipoteca a favor do Banco Caixa FF da ..., C.R.L.., sendo da exclusiva responsabilidade do promitente vendedor assegurar o cancelamento do registo da hipoteca em momento anterior ao da escritura pública de compra e venda.

3 - Nos termos da Cláusula Primeira do Contrato:


“1. O Promitente Vendedor promete vender o Prédio à Promitente Compradora, no estado em que o mesmo se encontra. o qual, por sua vez, promete comprá-lo caso o Promitente Vendedor cumpra todas as obrigações presentes na Cláusula Terceira infra, sem prejuízo do disposto na Cláusula Quarta infra.

2. O Prédio será transmitido desocupado de pessoas e bens e livre de quaisquer ónus ou encargos, registados ou não, nomeadamente da hipoteca referida no Considerando b).

3. Sem prejuízo do ónus previsto no Considerando b), o Prédio não está sujeito a qualquer ónus que no esteja registado ou cujo registo na Conservatória do Registo Predial não seja necessário, tal como servidões (acordos de vizinhança), nem quaisquer servidões ou condicionantes inerentes à zona em que se insere o imóvel.”


4 - De acordo com a Cláusula Segunda:


“O preço da compra e venda ora prometida é de 400.000,00€ (Quatrocentos mil curos) e será pago da seguinte forma:

a) Na presente data, a titulo de sinal e principio de pagamento, a Promitente Compradora paga ao Promitente Vendedor o montante de 80.000,00€ (Oitenta mil euros), através de cheque emitido à ordem deste, dando o mesmo, pelo presente contrato, a correspondente quitação após efectiva e boa cobrança;

b) Com a outorga da escritura pública de compra e venda, a Promitente Compradora pagará ao Promitente Vendedor o montante de 320.000,00€ (Trezentos e vinte mil euros), correspondente à parte remanescente do preço, através de cheque bancário.”


5 - Dispõe a Cláusula Quarta do Contrato:


“Cláusula Quarta (Condição Resolutiva)

1. A celebração da compra e venda aqui prometida fica sujeita à verificação cumulativa das seguintes condições:

a) Elaboração pela Promitente Compradora de Pedido de informação Prévia (PIP); e

b) Aprovação do referido PIP pelo Município de …, até ao prazo de 90 (noventa) dias após a celebração do Contrato Promessa, para o que o Promitente Vendedor, caso seja exigido, se vincula a assinar a documentação que for necessária para o efeito, no prazo máximo de 5 (cinco) dias a contar de solicitação da Promitente Compradora, correndo todos os custos destes atos exclusivamente por conta da Promitente Compradora, incluindo taxas, encargos ou emolumentos;

c) Transformação do Prédio em terreno para construção na matriz predial e no registo predial em data anterior à celebração da escritura de compra e venda tendo por base o PIP aprovado.

2. Verificando-se que o PIP não é aprovado pelo Município de …, a Promitente Compradora deverá informar, dentro do prazo de 5 (cinco) dias, o Promitente Vendedor do teor dessa decisão, podendo ainda a Promitente Compradora, no prazo de 15 (quinze) dias, optar por fazer cessar o presente Contrato, comunicando-o por carta registada com aviso de receção ao Promitente Vendedor, caso em que este terá a obrigação de restituir à Promitente Compradora quaisquer importâncias que lhe tenham sido entregues por esta, no prazo de 5 (cinco) dias após receber tal notificação, nada mais sendo devido entre as Partes, seja a que título for, incluindo por danos, prejuízos, custos, encargos ou lucros cessantes.

3. Verificando-se que não é legalmente possível por decisão final e definitiva dos órgãos competentes a transformação do Prédio em terreno para construção na matriz predial e no registo predial, o Promitente Vendedor deverá informar, por carta registada com aviso de receção, a Promitente Compradora do teor dessa decisão, caso em que o presente contrato cessará de imediato e o Promitente Vendedor terá a obrigação de restituir à Promitente Compradora quaisquer importâncias que lhe tenham sido entregues por esta, no prazo de 5 (cinco) dias após receber tal notificação, nada mais sendo devido entre as Partes, seja a que título for, incluindo por danos, prejuízos, custos, encargos ou lucros cessantes.

4. O Promitente Vendedor obriga-se ainda, após a celebração do presente Contrato, a efetuar as notificações para efeitos de exercício do direito legal de preferência, às entidades públicas e privadas a quem assista tal direito, e mediante a publicação dos anúncios para o exercício do direito legal de preferência pela Câmara Municipal e demais entidades.

5. Caso algum dos titulares de direito legal de preferência exerça esse direito na venda do Prédio, o presente contrato-promessa caducará automaticamente.

6. Em caso de cessação do presente contrato com base no fundamento enunciado no número anterior, o Promitente Vendedor obriga-se a notificar a Promitente Compradora, no prazo máximo de 5 (cinco) dias, após tomar conhecimento do exercício do direito, devendo anexar o documento comprovativo do exercício do direito de preferência por parte de qualquer uma das referidas entidades.

7. O disposto nos números anteriores implica, designadamente, que, cessado o contrato, o Promitente Vendedor devolverá à Promitente Compradora o montante recebido, a título de sinal e de antecipação do pagamento do preço, em singelo, nada mais sendo devido entre as Partes, seja a que título for, incluindo por danos, prejuízos, custos, encargos ou lucros cessantes.”


6 - É o seguinte o teor da Cláusula Quinta:


“1. A escritura pública correspondente ao contrato prometido será outorgada no dia, hora e local a designar pela Promitente Compradora, e deverá ter lugar num prazo máximo de 90 (noventa) dias a contar da data da assinatura do presente contrato.

1.1. O prazo referido no número anterior poderá ser prorrogado por um período adicional de 180 (cento e oitenta) dias, a solicitação da Promitente Compradora devendo disso informar a Promitente Vendedora. com uma antecedência mínima de 3 (trés) dias, relativamente ao termo do prazo de 90 (noventa) referido no número anterior ou no prazo de 5 (cinco) dias a contar da data da notificação para a escritura se entretanto esta tiver sido já enviada nos termos do número anterior, em qualquer das seguintes circunstâncias:

a) Não existir ainda pronúncia da Câmara Municipal sobre o PIP;

b) A Câmara Municipal não aprovar o PIP apresentado e o Promitente Comprador tencionar submeter um novo PIP;

e) Não estiver concluída a transformação do prédio em terreno para construção.

2. A Promitente Compradora notificará por escrito o Promitente Vendedor da data, hora e local designado para a outorga da escritura pública, com a antecedência mínima de 15 (quinze) dias.

3. O pagamento do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (IMT). os emolumentos notariais e registrais e o imposto do selo (IS), inerentes à transmissão do Prédio, são da responsabilidade da Promitente Compradora.

4. Até à data da outorga do contraio prometido, são da conta do Promitente Vendedor os encargos e despesas relativos ao Prédio, designadamente de natureza fiscal, tais como o IMI (ou a anterior contribuição autárquica), ainda que tais responsabilidades sejam exigidas após a referida data.

5. A posse do Prédio transmitir-se-á para a Promitente Compradora na data da celebração da escritura pública de compra e venda, sem prejuízo do Promitente Vendedor desde já autorizar a Promitente Compradora a visitar o Prédio para o fim de levantamento e elaboração ou alteração de projetos, caso este o solicite.”


7 - Dispõe a Cláusula Sexta (Incumprimento Contratual e Execução Especifica):


“1. O incumprimento definitivo do presente contrato confere à parte não faltosa o direito de, em alternativa:

a) Resolver de imediato o presente contrato, com as consequências previstas no art.º 442º do Código Civil; ou

b) Requerer a execução específica do presente contrato, nos termos previstos no artigo 830º do Código Civil.

2. A resolução do contrato nos termos da alínea a) do número anterior operará de imediato na data de receção da notificação para o efeito enviada pela pane não faltosa à outra parte.

3. Em caso de resolução deste contrato, ou da sua execução especifica, a parte faltosa fica ainda obrigada a indemnizar a outra parte pelos custos, incluindo os atinentes a advogados, incorridos por esta em resultado ou por força da resolução ou do recurso à execução específica”.


8 - De acordo com a Cláusula Oitava do contrato,


“1. Todas as notificações e comunicações a ter lugar entre as Partes nos termos e ao abrigo do presente contrato serão efetuadas por escrito, por correio registado com aviso de receção, e dirigidas, conforme o caso, para um dos seguintes endereços (morada e com cópia para correio eletrónico):

(a) Promitente Vendedor:

- Morada: Rua …. n.° …. … …;

- Com cópia para o Correio eletrónico: gg…@adv.oa.pt:

(b) Promitente Comprador;

- Morada: Att. Dra. …, Largo de …, …, … …;

- Com cópia para Correio eletrónico: …@me.com.

2. As Partes obrigam-se a comunicar reciprocamente qualquer alteração aos endereços referidos no número anterior, no prazo de 5 (cinco) dias, após a sua verificação, sob pena de se considerarem como validamente efetuadas todas as comunicações dirigidas aos mesmos, ainda que as partes as não recebam.”


9 - Era objectivo da sociedade A. edificar no prédio prometido comprar um Empreendimento de turismo no espaço rural na modalidade de Hotel Rural.

10 - Na sequência de um pedido de Atendimento Público sobre “Esclarecimentos sobre a viabilidade de construção”, com data de 14/12/2016, a Câmara Municipal de … informa que:


“Analisada a pretensão, informa-se que:

1. Por aplicação das definições constantes no artigo 18° do Decreto-Lei n.° 39/2008, de 7 de março, alterada pelo Decreto-Lei n.º 15/2014, de 23 de janeiro, que estabelece o Regime Jurídico da Instalação, exploração e funcionamento dos empreendimentos turísticos, acima transcrito, apenas é viável a instalação de um empreendimento de turismo rural na modalidade de hotel rural.

Contudo, nos termos da alínea b) do n.° 1 do art.º 26º do Decreto-Lei n.° 39/2008, de 7 de março, na sua actual redação, o Turismo de Portugal, I.P. deve, nos termos das artigos 13.° e 13º-B do RJUE, emitir parecer ao pedido de Informação prévia para realização de obras de edificação referentes aos empreendimentos turísticos previstos nas alíneas a) a d) do n.° 1 do artigo 4.° e na alínea c) do n.° 3 do art.° 18º do Decreto-Lei n.º 39/2008, de 7 de março, na sua atual redação, no qual está incluído os estabelecimentos hoteleiros (alínea a) do n.º 1 do art.° 4.º);

2. Por aplicação do índice máximo de urbanização e índice máximo de impermeabilização, estipulado, nas alíneas b) e o) do ponto 1.2 do n.º1 do artigo 11º do Plano Diretor Municipal de … é viável a construção de 6150m2m2 (15.3750ha x 0,04 = 6150m2) e a impermeabilização de 10762,50m2 (153750ha x 0,07 =10762,50m2), cumprindo os condicionantes previstos no Sistema Nacional de Defesa da Floresta contra incêndios (Decreto-Lei n.° 124/2006, de 28 de junho, alterado pelo Decreto-Lei n.° 17/2009, de 14 de janeiro)

Os requerentes informaram que vão solicitar, à Câmara Municipal de …, pedido de informação prévia nos termos da legislação aplicável.”


11 - Em 7 de Março de 2017, a A. requereu junto do Presidente da Câmara Municipal de … uma Informação Prévia sobre a viabilidade, nos termos do n.º 1 do art.º 14º do Dec.-Lei n.º 555/99 de 16 de dezembro, informação sobre a viabilidade, bem como todos os condicionalismos legais e regulamentares da seguinte operação urbanística: Obras de Construção/Turismo.

12 - Com data de 9/4/2017, o Município de …, após análise da pretensão da A., dos elementos juntos por este e da legislação aplicável, notifica a A. que:


“Assim sendo e tendo em conta a pretensão temas os seguintes parâmetros:

1. Por aplicação das definições constantes no artigo 18º do Decreto-Lei n.º 39/2008, de 7 de março, alterado pelo Decreto-Lei n.º 15/2014, de 23 de janeiro, que estabelece o Regime Jurídico da instalação, exploração e funcionamento dos empreendimentos turísticos, acima transcrito é viável a instalação de um empreendimento de turismo rural na modalidade de hotel rural.

Contudo, nos termos da alínea b) do n.º 1 do art.º 26º do Decreto-Lei n.º 39/2008, de 7 de março, na sua atual redação, o Turismo de Portugal, l.P. deve, nos termos dos artigos 13º e 13º-B do RJUE, emitir parecer ao pedido de informação prévia para realização de obras de edificação referentes aos empreendimentos turísticos previstos nas alíneas a) a d) do n.º 1 do artigo 4.º e na alínea c) do n.º 3 do art.º 18º do Decreto-Lei n.º 39/2008, de 7 de março, na sua atual redação, no qual está incluído os estabelecimentos hoteleiros (alínea a) do n.º 1 do art.º 4º);

2. Os edifícios não podem ter mais de dois pisos acima da cota de soleira e um piso abaixo da cota de soleira, sendo a altura máxima da edificação de 8 m;

3. Por aplicação do índice máximo de utilização, estipulado na alínea b) do ponto 1.2 do n.º 1 do artigo 11.º do PDM … é viável a área de construção de 6150m2 (15,375ha x 0,04 = 6150m2);

4. Por aplicação do índice máximo de impermeabilização, estipulado na alínea c) do ponto 1.2 do n.º 1 do artigo 11º do PDM … é viável a área de impermeabilização de 10762,50m2 (15,375ha x 0,07 = 10762,50m2);

5, A construção dos novos edifícios deve garantida a distancia à estrema da propriedade de uma faixa de proteção de 50m, definidos no Decreto-Lei n. 124/2005 de 28 de junho, alterado pelo Decreto-Lei n.° 17/2009, de 14 de janeiro.

Parte do prédio rústico encontra-se de acordo com a Planta de Perigosidade de Risco de Incêndio classificado como alta e muito alta, pelo que é proibida a construção nesta área, conforme o ponto 2 do art.º 16 do Decreto-Lei n.º 124/2006, de 28 de junho, alterado pelo Decreto-Lei n.º 17/2009, de 14 de janeiro).

6. Estacionamento deverá contemplar um lugar /três camas ou um lugar /apartamento, de acordo com o estipulado na alínea e) do ponto 1.2 do n.º 1 do artigo 11.2 do PDM … . Mais deverá prever, também, lugares de estacionamento automóvel para pessoas com mobilidade condicionada de acordo com o Decreto-Lei n.2 163/2005, de 8 de agosto.

Face ao exposto, considera-se viável a pretensão, nas condições supra mencionadas.

Relativamente ao processo de licenciamento, informa-se que o mesmo deverá ser Instruído em conformidade com a Portaria n.º 113/2015, de 22 de abril e Portaria n,2 937/2008, de 20 de agosto (turismo no espaço rural) e sujeito a consulta do Turismo de Portugal, I.P.”.


13 - Com data de 2 de Maio de 2017, a A. envia uma carta ao R. com o seguinte teor:


“Assunto: Contrato-Promessa de Compra e Venda celebrado em 8 de fevereiro de 2017 (“Contrato—Promessa”).

Promitente-Compradora: AA, Lda (“AA”)

Prorrogação de prazo para celebração de escritura de compra e venda

Exmo. Senhor

Na sequência do Contrato-Promessa em que V.Exa. prometeu vender e a AA prometeu comprar o prédio rústico denominado “CC”, sito em …, …, descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o n.º 1…3, inscrito na matriz da freguesia de … sob o artigo 106, secção F3, (“Prédio”), nos termos e condições nele exarados, servimo-nos da presente para expor e requer a V.Exa. o seguinte:

As partes acordaram mutuamente nos n.°s 1 e 1.1. da cláusula quinta do Contrato-Promessa que a escritura pública de compra e venda seria outorgada “no dia, hora e local a designar pela Promitente Compradora, (...) no prazo máximo de 90 (noventa) dias a contar da data da assinatura do Contrato-Promessa”, tendo determinado ainda “o prazo (...) poderá ser prorrogado por um período adicional de 180 (cento e oitenta) dias, a solicitação da Promitente Compradora com uma antecedência mínima de 3 (três) dias relativamente ao termo do prazo de 90 (noventa) (...), em qualquer das seguintes circunstâncias”:

a) Não existir ainda pronúncia da Câmara Municipal sobre o PIP; ou

b) A Câmara Municipal não aprovar o PIP apresentado e o Promitente Comprador tencionar submeter um novo PIP; ou

c) Não estiver concluída a transformação do prédio em terreno para construção.

Tendo em consideração que a aprovação do PIP pela Câmara Municipal se encontra ainda condicionada pela aprovação do Turismo de Portugal e considerando ainda que não se encontra concluída a transformação do prédio em terreno para construção, a AA, Lda vem pela presente comunicação prorrogar o prazo para celebração da escritura de compra e venda por um período adicional de 180 dias, nos termos dos n.°s 1 e 1.1. da cláusula quinta do Contrato-Promessa.”


14 - O R. envia à A. uma carta datada de 18 de Maio de 2017 dizendo:


“ASSUNTO: Exercício de Direito de Preferência

Exma. Gerência,

Através da presente, e nos termos previstos nos n.ºs 5 e 6 da Cláusula Quarta do Contrato Promessa de Compra e Venda entre nós outorgado em 8 de fevereiro de 2017, comunico a V. Exas. a cessação do mesmo, com base no exercício do direito legal de preferência na venda do prédio objecto do mencionado Contrato Promessa por um dos titulares de tal direito.

Para o efeito, e ainda nos termos do n.º 6 da Cláusula Quarta do Contrato Promessa de Compra e Venda, anexo documento comprovativo do exercício do direito de preferência pela “EE, Lda.”, com a qual celebrarei, porque a tal estou legalmente obrigado, contrato definitivo nas condições anteriormente comunicadas a esta sociedade comercial.

Nesta conformidade, para os efeitos do n.º 7 do Contrato Promessa entre nós celebrado, solicito que V. Exas. indiquem a forma como pretendem seja devolvido o cheque que me foi entregue, ainda que não depositado, aquando das assinaturas do mencionado contrato, a título de sinal e princípio de pagamento.”


15 - O R. não chegou a apresentar a pagamento o cheque que o A. lhe entregou na data da celebração do contrato promessa a titulo de sinal e principio de pagamento com o montante nele aposto de €: 80.000,00 (oitenta mil euros).

16 - O R. devolveu ao A. o cheque em apreço.

17 - O parecer do Turismo de Portugal, I.P. não foi emitido.

18 - Os prédios confinantes do R. e da EE, Lda. tinham, à data da outorga da escritura de compra e venda de 19 de Maio de 2017:

— o inscrito sob o artº. 105 da Secção F3 de … uma área de 31,575 hectares, de pinhal, montado de sobro e eucaliptal;

— e o prédio inscrito sob o artº. 106 da Secção F3 de … uma área de 15,375 hectares, de pinhal e montado de sobro.

19 - No dia 19 de Maio de 2016 compareceram A. e R. no Cartório Notarial sito em …, data em que se encontrava marcada a celebração da escritura pública de compra e venda, que não se chegou a celebrar entre as partes porquanto o promitente-vendedor recebeu uma missiva expedida pela “EE, Lda.” comunicando a intenção de exercer o seu direito de preferência; não obstante a marcação da escritura foi mantida para a mesma data e hora, entre o R. e a “EE, Lda.”, como efectivamente se veio a realizar nesse mesmo dia.


  15. O acórdão recorrido deu como não provado o facto seguinte — “Que a aprovação do PIP foi comunicada ao R. por carta datada de 2 de maio de 2017”.


     O DIREITO


 16. A primeira questão consiste em determinar se o contrato-promessa de compra e venda concluído entre a Autora AA, Lda, e o Réu BB cessou, em consequência do exercício do direito legal de preferência previsto no art. 1380.º do Código Civil. 


 17. A Autora, agora Recorrente, alega em síntese que o contrato não cessou, por estar preenchido o pressuposto da alínea a) do art. 1381.º do Código Civil. O Réu, agora Recorrido, alega em síntese que o contrato-promessa cessou nos termos dos n.ºs 5, 6 e 7 da cláusula quarta e que, ainda que o contrato-promessa não tivesse cessado nos termos dos n.ºs 5, 6 e 7 da cláusula quarta, sempre teria uma causa legítima de não cumprimento — a obrigação de preferência.


18. Os n.ºs 5, 6 e 7 da cláusula quarta do contrato-promessa são do seguinte teor:


5. Caso algum dos titulares de direito legal de preferência exerça esse direito na venda do Prédio, o presente contrato-promessa caducará automaticamente.

6. Em caso de cessação do presente contrato com base no fundamento enunciado no número anterior, o Promitente Vendedor obriga-se a notificar a Promitente Compradora, no prazo máximo de 5 (cinco) dias, após tomar conhecimento do exercício do direito, devendo anexar o documento comprovativo do exercício do direito de preferência por parte de qualquer uma das referidas entidades.

7. O disposto nos números anteriores implica, designadamente, que, cessado o contrato, o Promitente Vendedor devolverá à Promitente Compradora o montante recebido, a título de sinal e de antecipação do pagamento do preço, em singelo, nada mais sendo devido entre as Partes, seja a que título for, incluindo por danos, prejuízos, custos, encargos ou lucros cessantes.


  19. Em consonância com os princípios gerais sobre a atribuição / distribuição do ónus da prova, o Réu, agora Recorrido, tinha o ónus da prova da cessação do contrato-promessa — a cessacção do contrato-promessa é um facto extintivo do direito do Autor, agora Recorrente. Considerados os termos em que estão redigidos os n.ºs 5 e 5 da cláusula quarta, a prova da caducidade do contrato-promessa compreende (i) a prova de que o terceiro era titular do direito de preferência e (ii) a prova de que o terceiro, titular do direito de preferência, o exerceu. Ora, o Réu, agora Recorrido, não fez a prova de que o terceiro fosse titular do direito de preferência.


  20. Os arts. 1380.º e 1381.º do Código Civil são do seguinte teor:


Artigo 1380.º: “1. — Os proprietários de terrenos confinantes, de área inferior à unidade de cultura, gozam recìprocamente do direito de preferência nos casos de venda, dação em cumprimento ou aforamento de qualquer dos prédios a quem não seja proprietário confinante. […]

4. — É aplicável ao direito de preferência conferido neste artigo o disposto nos artigos 416.º a 418.º e 1410.º, com as necessárias adaptações”.


Artigo 1381.º — Não gozam do direito de preferência os proprietários de terrenos confinantes:

a) Quando algum dos terrenos constitua parte componente de um prédio urbano ou se destine a algum fim que não seja a cultura;

b) Quando a alienação abranja um conjunto de prédios que, embora dispersos, formem uma exploração agrícola de tipo familiar [1].


  O Supremo Tribunal de Justiça tem interpretado a fórmula quando algum dos terrenos se destine a algum fim que não seja a cultura da alínea a) do art. 1381.º do Código Civil como significando quando o adquirente e, em especial, o comprador destine o terreno a algum fim que não seja a cultura[2]. Em consequência, “[o] fim que releva […] não é aquele a que o terreno esteja afectado à data da alienação, antes o que o adquirente pretenda dar-lhe” [3].

  Interpretando a fórmula da alínea a) do art. 1381.º como significando quando o comprador destine o terreno a algum fim que não seja a cultura, o Supremo Tribunal de Justiça exige que dos factos provados decorram duas coisas: em primeiro lugar, a intenção de afectar o terreno a algum fim que não seja a cultura [4] e, em segundo lugar, a possibilidade física [5] e jurídica (legal ou regulamentar) da afectação correspondente à intenção do comprador [6].  Os dois requisitos explicam-se pelo perigo de fraude: “Caso contrário [— caso não se exigisse a prova de que a intenção de afectar o terreno a algum fim que não seja a cultura é legal e regulamentarmente possível —] estar-se-ia a dar relevo jurídico a simples manifestações subjectivas de vontade, quiçá ficcionadas, que fariam precludir a norma-regra do direito de preferência do proprietário confinante” [7][8].


  21. Os factos dados como provados são suficientes para que se conclua que a intenção da Autora, agora Recorrente, era a construção de um empreendimento turístico, na modalidade de hotel rural (n.º 9); que o contrato definitivo estava sujeito à condição de “[t]ransformação do prédio em terreno para construção […] tendo por base o [pedido de informação prévia] aprovado” (n.º 5); e que a Autora, agora Recorrente, AA, Lda, requereu junto do Presidente da Câmara Municipal de … uma informação prévia sobre a viabilidade da construção do empreendimento turístico, nos termos do n.º 1 do art. 14.º do Decreto-Lei n.º 555/99 de 16 de Dezembro (n.º 11). Entre os elementos relevantes para apreciar a credibilidade da intenção do adquirente, do comprador, estão, p. ex., as diligências desenvolvidas e o resultado das diligências desenvolvidas [9]; ora a Autora, agora Recorrente, desenvolveu diligências no sentido de averiguar da viabilidade da construção do empreendimento turístico (n.º 11) e o resultado das diligências desenvolvidas foi-lhe, ainda que condicionadamente, favorável (facto provado sob o n.º 12).

    Em conclusão, e como se escreve no acórdão recorrido, “pode considerar[-se] que […] a intenção do apelado [era destinar o terreno à construção imobiliária]”.


  22. Estando preenchido o primeiro requisito — estando provada a intenção do comprador de afectar o terreno a algum fim que não seja a cultura —, põe-se o problema do segundo requisito — do requisito da possibilidade física e jurídica (legal ou regulamentar) da afectação correspondente à intenção do comprador. A Autora, agora Recorrente, alega que o segundo requisito está preenchido e o Réu, agora Recorrido, alega que não — que o facto de a Autora, agora Recorrente, não ter conseguido, designadamente, o parecer favorável do Turismo de Portugal, I. P.; faz com que não esteja provada a possibilidade jurídica, legal e regulamentar, da afectação.


 22. Em primeiro lugar, os factos dados como provados são suficientes para que se conclua que a afectação correspondente à intenção da Autora, agora Recorrente, de construção de um empreendimento turístico, na modalidade de hotel rural, era juridicamente possível. 

    A Câmara Municipal de … não chegou a autorizar a construção do empreendimento turístico; ainda que não tenha chegado a autorizar a construção, respondeu ao pedido de informação dizendo que, “[p]or aplicação das definições constantes no artigo 18° do Decreto-Lei n.° 39/2008, de 7 de Março, alterada pelo Decreto-Lei n.º 15/2014, de 23 de Janeiro, […] apenas é viável a instalação de um empreendimento de turismo rural na modalidade de hotel rural”, com a reserva de que “o Turismo de Portugal, I.P. deve […] emitir parecer ao pedido de Informação prévia para realização de obras de edificação referentes aos empreendimentos turísticos”.


  23. A Autora, agora Recorrente, alega que o acórdão recorrido está em contradição com o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11 de Dezembro de 2008 — processo n.º 08B3602.

   Entre a situação sub judice e as situações subjacentes aos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de Janeiro de 2003 — processo n.º 02B3914 — e de 11 de Dezembro de 2008 — processo n.º 08B3602 — há uma diferença, e uma diferença significativa: na situação sub judice, a Câmara Municipal não autorizou, não chegou a autorizar, a construção do empreendimento; nas situações subjacentes acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de Janeiro de 2003 e de 11 de Dezembro de 2008, a Câmara Municipal autorizou, chegou a autorizar, a construção.

     O argumento deduzido nos acórdãos de 9 de Janeiro de 2003 e de 11 de Dezembro de 2008 no sentido de que a autorização Câmara Municipal era suficiente para dar como provado que a construção era legalmente possível — ainda que o prédio estivesse integrado na reserva agrícola ou na reserva ecológica nacional [10] — não procede, não pode proceder, no caso sub judice.

   Embora haja uma diferença, e uma diferença significativa, a diligência da Autora no sentido de conseguir uma informação sobre a possibilidade de instalação do empreendimento e o resultado da diligência da Autora concretizada na informação de que “é viável a instalação de um empreendimento de turismo rural na modalidade de hotel rural” é, deve ser, suficiente para que sustente que a intenção é credível e que a afectação é, prima facie, possível.


  24. Em segundo lugar, ainda que os factos dados como provados não fossem suficientes para que se concluísse que a afectação era física e juridicamente possível, nunca o terceiro proprietário de prédio confinante teria o direito de preferência previsto no art. 1380.º do Código Civil.

   O Réu, agora Recorrido, dá como fundamento da caducidade do contrato-promessa o exercício do direito legal de preferência, nos termos dos n.ºs 5 e 6 da cláusula quarta do contrato-promessa. Ora as alternativas são duas, e só duas — ou bem que a transformação do prédio em terreno para construção ainda era possível, ou bem que já não era possível — e, em nenhuma das duas alternativas o proprietário do prédio confinante teria um direito de preferência.

    Caso a transformação do prédio em terreno para construção ainda fosse possível, não haveria (não poderia haver) exercício do direito legal de preferência previsto no art. 1380.º, n.º 1, por estar preenchida a previsão da alínea a) do art. 1381.º do Código Civil[11]. Caso a transformação do terreno para construção já não fosse possível, não haveria (não poderia haver) exercício legal do direito de preferência previsto no art. 1380.º, n.º 1, por não estar preenchida a previsão do art. 416.º, n.º 1, aplicável por remissão do art. 1380.º, n.º 4, do Código Civil.

    Na hipótese de não ser possível a transformação do terreno em prédio para a construção, teria aplicação o n.º 3 da cláusula quarta do contrato-promessa de compra e venda:


“3. Verificando-se que não é legalmente possível por decisão final e definitiva dos órgãos competentes a transformação do Prédio em terreno para construção na matriz predial e no registo predial, o Promitente Vendedor deverá informar, por carta registada com aviso de receção, a Promitente Compradora do teor dessa decisão, caso em que o presente contrato cessará de imediato e o Promitente Vendedor terá a obrigação de restituir à Promitente Compradora quaisquer importâncias que lhe tenham sido entregues por esta, no prazo de 5 (cinco) dias após receber tal notificação, nada mais sendo devido entre as Partes, seja a que título for, incluindo por danos, prejuízos, custos, encargos ou lucros cessantes”.


  Ou seja: na hipótese de não ser possível a transformação do terreno em prédio para construção, o contrato-promessa de compra e venda caducaria (cessaria de imediato).

  Como o contrato-promessa cessaria de imediato, deixaria de haver um projecto de venda — e, deixando de haver um projecto de venda, deixaria de haver direito de preferência.


  25. Em resposta à primeira questão, deve dizer-se que o contrato-promessa de compra e venda não cessou em consequência do exercício do direito de preferência previsto no art. 1380.º do Código Civil — o terceiro proprietário do prédio confinante não tinha, e não podia ter, direito de preferência na alienação e, em especial, na venda do prédio objecto do contrato-promessa. 


   26. A segunda questão consiste em determinar se a Autora, agora Recorrente, AA, Lda, tem direito à indemnização, ou à pena, prevista na convenção de sinal, à indemnização das despesas com o contrato e à indemnização dos danos pelo não cumprimento.


   27. Como o contrato-promessa entre a Autora, agora Recorrente, e o Réu, agora Recorrido, não tivesse cessado em 18 de Maio de 2017, a venda da coisa objecto do contrato prometido a terceiro — à sociedade EE, Lda. —  em 19 de Maio de 2017 tem como consequência o não cumprimento ilícito do contrato-promessa de compra e venda [12].


28. A cláusula sétima do contrato-promessa é do seguinte teor:


“1. O incumprimento definitivo do presente contrato confere à parte não faltosa o direito de, em alternativa:

a) Resolver de imediato o presente contrato, com as consequências previstas no art.º 442º do Código Civil; ou

b) Requerer a execução específica do presente contrato, nos termos previstos no artigo 830º do Código Civil.

2. A resolução do contrato nos termos da alínea a) do número anterior operará de imediato na data de receção da notificação para o efeito enviada pela pane não faltosa à outra parte.

3. Em caso de resolução deste contrato, ou da sua execução especifica, a parte faltosa fica ainda obrigada a indemnizar a outra parte pelos custos, incluindo os atinentes a advogados, incorridos por esta em resultado ou por força da resolução ou do recurso à execução específica”.


  29. Em primeiro lugar, a Autora, agora Recorrente, AA, Lda, exige o pagamento da indemnização, ou da pena, prevista na cláusula ou convenção de sinal [13].


  30. O art. 442.º, n.º 2, do Código Civil diz que, “se o não cumprimento do contrato for devido [ao accipiens — ao contraente que recebeu o sinal—], tem [o trádens — o contraente que consitutiu o sinal —] a faculdade de exigir o dobro do que prestou”; ora, o direito, ou a faculdade, de exigir o dobro do que prestou compõe-se de dois elementos: em primeiro lugar, do direito, ou da faculdade, de exigir a restituição da coisa prestada e, em segundo lugar, da faculdade de exigir uma indemnização ou uma pena cujo valor seja igual ao valor da coisa prestada [14].

      A Autora, agora Recorrente, não tem o direito, ou a faculdade, de exigir a restituição da coisa prestada. O facto provado sob o n.º 15 diz-nos que “[o] Réu não chegou a apresentar a pagamento o cheque que o Autor lhe entregou na data da celebração do contrato promessa a titulo de sinal e principio de pagamento com o montante nele aposto de €80.000,00 (oitenta mil euros)” e o facto provado sob o n.º 16, que “o Réu devolveu ao Autor o cheque em apreço”. Embora não tenha o direito, ou a faculdade, de exigir a restituição da coisa prestada, tem a faculdade de exigir uma indemnização ou uma pena cujo valor seja igual ao da coisa prestada, ou seja, 80 000 euros.


   31. Em segundo lugar, em complemento da indemnização ou da pena constante da convenção de sinal, a Autora exige uma indemnização “pelos custos, incluindo os atinentes a advogados, incorridos por esta em resultado ou por força da resolução ou do recurso à execução específica”.


  32. O art. 442.º, n.º 4, do Código Civil determina que, “[n]a ausência de estipulação em contrário, não há lugar, pelo não cumprimento do contrato, a qualquer outra indemnização, nos casos de perda do sinal ou de pagamento do dobro deste, ou do aumento do valor da coisa ou do direito à data do não cumprimento” — e a Autora chama ao caso o n.º 3 da cláusula sexta do contrato-promessa:


“3. Em caso de resolução deste contrato, ou da sua execução especifica, a parte faltosa fica ainda obrigada a indemnizar a outra parte pelos custos, incluindo os atinentes a advogados, incorridos por esta em resultado ou por força da resolução ou do recurso à execução específica”.


   O n.º 3 da cláusula sexta não deve interpretar-se como convenção ou estipulação em contrário, por que se atribua à Autora, agora Recorrente, o direito à indemnização do dano excedente ou do prejuízo suplementar pelo não cumprimento. Indemnização pelo não cumprimento no sentido do art. 442.º, n.º 4, do Código Civil é diferente de indemnização pelos custos incorridos [pela parte não faltosa] por força da resolução, ou em resultado da resolução. A Autora, agora Recorrente, pediu uma indemnização dos custos com o contrato, ou dos danos pelo não cumprimento do contrato; não pediu uma indemnização dos custos incorridos por força da resolução, ou em resultado da resolução; logo, não pode prevalecer-se do n.º 3 da cláusula sexta.

         

  33. Em todo o caso, ainda que a Autora, agora Recorrente, tivesse pedido uma indemnização dos custos incorridos por força da resolução, ou em resultado da resolução, os factos dados como provados não são suficientes para que se possa sustentar que a Recorrente haja incorrido em custos, ou que os custos hajam sido consequência ou resultado da resolução.


34. Em resposta à segunda questão, deve dizer-se que a Autora, agora Recorrente, tem direito à indemnização, ou à pena, prevista na convenção de sinal — 80 000 euros —; não tem direito a uma indemnização adicional ou suplementar pelas as despesas com o contrato; e não tem direito a uma indemnização adicional ou suplementar pelos danos do não cumprimento.


III. — DECISÃO


   Face ao exposto, concede-se parcial provimento ao recurso, revoga-se parcialmente o acórdão recorrido e condena-se o Réu ao pagamento da quantia de 80.000,00 euros, prevista na convenção de sinal, acrescida de juros vencidos e vincendos até efectivo e integral pagamento.


 Em tudo o mais, confirma-se o acórdão recorrido.


   Custas pela Recorrente AA, Lda e pelo Recorrido BB, na proporção do respectivo decaimento.


Lisboa, 20 de Novembro de 2019


Nuno Manuel Pinto Oliveira (Relator)

Maria dos Prazeres Pizarro Beleza

Olindo dos Santos Geraldes

__________

[1] Sobre a interpretação dos arts. 1380.º e 1381.º do Código Civil, vide designadamente Fernando Andrade Pires de Lima / João de Matos Antunes Varela (com a colaboração de Manuel Henrique Mesquita), anotações aos arts. 1380.º e 1381.º, in: Código Civil anotado, vol. III — Artigos 1251.º a 1575.º, 2.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 1987 (reimpressão), págs. 270-275 e 275-277, respectivamente, ou Manuel Henrique Mesquita, Obrigações reais e ónus reais, Livraria Almedina, Coimbra, 1990, págs. 202-229.

[2]Vide, designadamente, os acórdãos do STJ de 12 de Julho de 1983 — processo n.º 070205 —, de 20 de Junho de 1990 — processo n.º 078594 —, de 3 de Março de 1998 — processo n.º 96B930 —, de 31 de Março de 1998 — processo n.º 98A113 —, de 20 de Junho de 2000 — processo n.º 00A217 —, de 9 de Janeiro de 2003 — processo n.º 02B3914 —, de 6 de Fevereiro de 2003 — processo n.º 02B4164 —, de 20 de Abril de 2004 — processo n.º 04A844 —, de 29 de Abril de 2004 — processo n.º 04B980 —, de 4 de Outubro de 2007 — processo n.º 07B2739 —, de 28 de Fevereiro de 2008 — processo n.º 08A075 —, de 11 de Dezembro de 2008 — processo n.º 08B3602 —, de 6 de Maio de 2010 — processo n.º 537/02.G1.S1 — ou de 19 de Fevereiro de 2013 — processo n.º 246/05.5TBMNC.G1.S1.

[3] Cf. Fernando Andrade Pires de Lima / João de Matos Antunes Varela (com a colaboração de Manuel Henrique Mesquita), anotação ao art. 1381.º, in: Código Civil anotado, vol. III — Artigos 1251.º a 1575.º, cit., pág. 276.

[4] Cf. acórdãos do STJ de 20 de Junho de 1990 — processo n.º 078594 —, de 3 de Março de 1998 — processo n.º 96B930 —, de 31 de Março de 1998 — processo n.º 98A113 —, de 20 de Junho de 2000 — processo n.º 00A217 —, de 9 de Janeiro de 2003 — processo n.º 02B3914 —, de 6 de Fevereiro de 2003 — processo n.º 02B4164 —, de 20 de Abril de 2004 — processo n.º 04A844 —, de 4 de Outubro de 2007 — processo n.º 07B2739 —, de 11 de Dezembro de 2008 — processo n.º 08B3602 —, de 6 de Maio de 2010 — processo n.º 537/02.G1.S1 —, de 19 de Fevereiro de 2013 — processo n.º 246/05.5TBMNC.G1.S1 —, ou de 1 de Abril de 2014 — processo n.º 854/07.0TBLMG.P1.S1.

[5] Cf. acórdão do STJ de 19 de Fevereiro de 2013 — processo n.º 246/05.5TBMNC.G1.S1.

[6] Cf. acórdãos do STJ de 20 de Junho de 1990 — processo n.º 078594 —, de 20 de Junho de 2000 — processo n.º 00A217 —, de 9 de Janeiro de 2003 — processo n.º 02B3914 —, de 6 de Fevereiro de 2003 — processo n.º 02B4164 —, de 20 de Abril de 2004 — processo n.º 04A844 —, de 4 de Outubro de 2007 — processo n.º 07B2739 —, de 11 de Dezembro de 2008 — processo n.º 08B3602 —, de 6 de Maio de 2010 — processo n.º 537/02.G1.S1 —, de 19 de Fevereiro de 2013 — processo n.º 246/05.5TBMNC.G1.S1 —, ou de 1 de Abril de 2014 — processo n.º 854/07.0TBLMG.P1.S1.

[7] Cf. acórdão do STJ de 11 de Dezembro de 2008 — processo n.º 08B3602.

[8] Em termos semelhantes, vide oacórdão do STJ de 19 de Fevereiro de 2013 — processo n.º 246/05.5TBMNC.G1.S1 —, em cuja fundamentação de direito se escreve que “não se compreenderia que assim não fosse [i.e., que não fosse necessária a alegação e a prova de que a afectação correspondente á intenção do adquirente era juridicamente viável] uma vez que justificando-se a consagração do direito de preferência no artigo 1380º nº 1 por razões de interesse publico — ligadas à necessidade de alteração da estrutura fundiária do país e à manutenção da estabilidade ecológica — não podiam essas razões ser contornadas com base em meras intenções declaradas e apenas remota e hipoteticamente possíveis”.

[9] Cf. acórdão do STJ de 6 de Fevereiro de 2003 — processo n.º 02B4164.

[10] Em termos semelhantes, o acórdão do STJ de 6 de Fevereiro de 2003 — processo n.º 02B4164 — considerouque o facto de a Câmara Municipal ter autorizado a construção era indício suficiente de uma forte potencialidade ædificandi.

[11] Em consequência, o contrato-promessa não poderia ter caducado por efeito dos n.ºs 5 e 6 da cláusula quarta.

[12] Cf. facto provado sob o n.º 19, com a correcção do lapsus calami que consisitiu em dizer-se 2016, quando só podia querer dizer-se 2017.

[13] O pedido de pagamento da indemnização ou da pena prevista na convenção de sinal corresponde a uma declaração tácita de resolução do contrato-promessa, relevante para efeitos do art. 442.º, n.º 2, do Código Civil — vide Mário Júlio de Almeida Costa, Direito das obrigações, 10.ª ed., Livraria Almedina, Coimbra, 2006, pág. 438

[14] Sobre as funções indemnizatória e compulsória do sinal confirmatório, vide Nuno Manuel Pinto Oliveira, Ensaio sobre o sinal, Coimbra Editora, Coimbra, 2008, págs. 33-45, 107-111 e passim.