Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
06B3720
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: SALVADOR DA COSTA
Descritores: COMPRA E VENDA
COISA DEFEITUOSA
INDEMNIZAÇÃO
CADUCIDADE DA ACÇÃO
Nº do Documento: SJ200611020037207
Data do Acordão: 11/02/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA.
Sumário : 1. A irregularidade decorrente da reprodução no recurso de revista das alegações apresentadas no recurso de apelação não implica a sanção de deserção do recurso, tenha ou não havido decisão sumária do relator.
2. Há cumprimento defeituoso da obrigação se o devedor a executar em desconformidade com o convencionado.
3. Os vícios das coisas vendidas os que as desvalorizam ou impedem a realização do fim a que são destinadas ou que se traduzam na falta de qualidades asseguradas pelo vendedor.
4. Para efeito do disposto no nº 2 do artigo 287º do Código Civil, o contrato de compra e venda é não cumprido se a coisa vendida ou o preço ainda não tiverem sido entregues.
5. As normas de caducidade do direito de acção constantes no artigo 917º do Código Civil não são aplicáveis às acções em que o comprador de coisas móveis defeituosas pretenda exercer, com fundamento nos respectivos defeitos, o correspondente direito de indemnização.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:


I
Empresa-A intentou, no dia 1 de Fevereiro de 2005, contra Empresa-B, acção declarativa de condenação, com processo ordinário, pedindo a sua condenação a pagar-lhe € 18 778,69 e juros de mora vincendos sobre € 18 403,30, com fundamento na omissão pela ré, não obstante a sua insistência, do pagamento do preço de produtos corantes para tingir malhas que lhe fornecera.
A ré, em contestação, afirmou que a autora a não interpelou para proceder ao pagamento da dívida, não lha ter pago por virtude de um dos produtos por ela fornecidos - corante vermelho Cibacrone P 4B - não ter solidificado em viscose nem produzido os resultados pretendidos.
Em reconvenção, afirmando ter utilizado o referido produto na prestação de serviços para a sociedade Empresa-C e que esta lhe comunicou uma nota de débito no valor de € 172 344,81, pediu, além da improcedência da acção, que, operada a compensação, a autora fosse condenada a pagar-lhe € 153 941,51.
Na réplica, a autora, afirmou, por um lado, que o tingimento não resultou de defeito do produto mas da inadequação do corante ao material em que foi aplicado, não especificado pela ré, e não ser caso de venda de produto defeituoso mas de erro irrelevante sobre a sua qualidade.
E, por outro, se assim não fosse entendido, que caducara o direito da ré por força do disposto no artigo 917º do Código Civil, sob o fundamento de que ela a informou em 12 de Abril de 2004 que o material apresentava sinais de fingimento e que só deduziu reconvenção em 17 de Março de 2005.
Na fase do saneamento, no dia 15 de Novembro de 2005, foi proferida sentença, por via da qual foi julgada verificada a caducidade do direito invocado pela ré de pedir a anulação do contrato e a decorrente indemnização e absolveu a autora do pedido reconvencional e condenou a primeira a pagar à última € 18 403,30 e juros de mora à taxa legal desde a data da citação.
Apelou a ré, e a Relação, por acórdão proferido no dia 9 de Maio de 2006, negou provimento ao recurso.
Interpôs a apelante recurso de revista, formulando, em síntese, as seguintes conclusões de alegação:
- contratou com a recorrida o fornecimento continuado de produtos corantes a fim de serem utilizados no tingimento de malhas constituídas à base de viscose, cujo último fornecimento ocorreu no dia 26 de Março de 2004;
- o produto vendido pela recorrida não tinha as qualidades necessárias para a realização do fim contratado por ela asseguradas;
- trata-se de venda de coisa defeituosa prevista nos artigos 903º e seguintes do Código Civil;
- denunciou os defeitos através de declaração expressa em 12.04.2004 e verbal ao vendedor da recorrida, o qual a esta os comunicou imediatamente;
- a denúncia respeitou os prazos do artigo 916º do Código Civil, pelo que é tempestiva, sendo que aquele artigo não estabelece forma legal para a denúncia, pelo que esta deve ser feita nos termos do artigo 217º daquele diploma;
- o artigo 917º do Código Civil refere-se expressamente às acções de anulação por simples erro, deixando de fora as acções de anulação por dolo, de substituição ou de reparação da coisa, de redução do preço e de indemnização;
- só as acções de anulação por simples erro estão sujeitas ao prazo de caducidade previsto no artigo 917º do Código Civil, e, por regra, as acções de cumprimento de obrigações não lhe estão sujeitas;
- pediu em reconvenção a condenação da recorrida a indemnizá-la pelos danos causados pelo incumprimento da sua obrigação, logo não se verificou a caducidade alguma da acção;
- a entender-se que o artigo 917º do Código Civil se aplica às acções de cumprimento, nos termos da última parte do referido preceito e expressa remissão para o artigo 287º, nº 2, daquele diploma, o prazo de caducidade da acção é de um ano a contar da denúncia, uma vez que o negócio não se encontra cumprido, isto porque não entregou o preço;
- visto que a denúncia ocorreu no dia 12 de Abril de 2004, e a entrada em juízo da reconvenção teve lugar no dia 17 de Março de 2005 - onze meses depois - o prazo de caducidade foi respeitado, pelo que a excepção peremptória deve ser julgada improcedente.

Respondeu a recorrida em síntese de alegação:
- há falta de alegação e causa de deserção do recurso, porque a recorrente repetiu as alegações apresentadas no recurso de apelação, não cumprindo o ónus de alegação previsto no artigo 690º do Código de Processo Civil;
- os factos provados não revelam o incumprimento do contrato por parte da recorrida;
- a reconvenção funda-se em responsabilidade civil por incumprimento defeituoso do contrato, pelo que caducou o direito invocado pela recorrente, porque este não cumpriu o prazo de seis meses a contar da denúncia do defeito prevista no artigo 917º do Código de Processo Civil;
- o artigo 917º do Código Civil aplica-se ao caso vertente, por interpretação extensiva, porque a causa de pedir relativa à indemnização é a mesma da acção de indemnização a que ele se reporta;
- relativamente ao produto alegadamente defeituoso, ambas as prestações estão cumpridas, porque houve entrega da coisa pela recorrida e a recorrente já procedeu ao pagamento do respectivo preço;
- a invocação pelo comprador do seu incumprimento quando a prestação do vendedor já foi cumprida, ao abrigo do nº 2 do artigo 287º do Código Civil, com vista a
dilatar o prazo de caducidade do seu direito, constitui abuso do direito na modalidade de venire contra factum proprium;
- não foi alegada nem provada a existência de dolo, pelo que não pode estar em causa o prazo de um ano previsto no nº 1 do artigo 287º do Código Civil;
- o objecto do recurso está delimitado à decisão de procedência ou não da reconvenção, pelo que nada permite a absolvição da recorrente do pedido.

II
A)

No acórdão recorrido, tal como no tribunal da 1ª instância, foi considerada assente a seguinte factualidade:
1. A autora é uma sociedade comercial que se dedica à comercialização de produtos químicos.
2. No exercício da sua actividade, a autora vendeu à ré, a pedido desta, produtos químicos.
3. Pelo menos no dia 19 de Outubro de 2004, já a ré tinha conhecimento das características dos produtos comprados à autora e dos seus efeitos nos tecidos em que foram aplicados.
4. No dia 12 de Abril de 2004, a ré informou a autora de que o produto comprado, designado por Cibacronred, apresentava sinais de tingimento;
5. A Ré apresentou o instrumento de reconvenção em juízo no dia 17 de Março de 2005, pretendendo exercer o seu direito a ser indemnizada em virtude do facto descrito sob 4.

B)
No acórdão recorrido considerou-se que o corante vermelho Cibracone P - 4B não figura entre os produtos cujo preço é reclamado na acção pela autora e que o alegado defeito não respeita às mercadorias que aquela forneceu à ré integrantes da causa de pedir indicada na petição inicial.

III
A questão essencial decidenda é a de saber se caducou ou não o direito de acção reconvencional que a recorrente formulou contra a recorrida.
Tendo em conta o conteúdo do acórdão recorrido e das conclusões de alegação da recorrente e da recorrida, a resposta à referida questão pressupõe a análise da seguinte problemática:
- ocorre ou não falta de alegação relevante?
- natureza e efeitos do contrato celebrado entre a recorrente e a recorrida;
- regime legal relativo à venda de coisas defeituosas;
- caducou ou não o direito de acção reconvencional em causa?
- síntese da solução para o caso espécie decorrente dos factos disponíveis e da lei.

Vejamos, de per se, cada uma das referidas sub-questões.

1.

Comecemos pela análise da questão suscitada pela recorrida relativa à falta de alegação.
Ela afirmou haver falta de alegação e causa de deserção do recurso por virtude de a recorrente haver repetido no recurso de revista as alegações apresentadas no recurso de apelação, não cumprindo o ónus de alegação previsto no artigo 690º do Código de Processo Civil.
Na realidade, a recorrente reproduziu no recurso de revista as alegações apresentadas no recurso de apelação, sob a justificação de o acórdão da Relação haver confirmado a sentença proferida no tribunal da 1ª instância.
É certo que o recorrente, sob pena de deserção do recurso, deve apresentar o instrumento de alegação em que conclua de forma sintética pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão (artigo 690º, nºs 1 e 3, do Código de Processo Civil).
Ademais, as alegações devem reportar-se ao conteúdo do acórdão recorrido, sob pena de não terem a virtualidade de infirmar o que nele foi decidido.
A reprodução no recurso de revista de alegações produzidas no recurso de apelação só se justifica se a Relação se tiver limitado a proferir decisão sumária, nos termos do artigo 705º do Código de Processo Civil ou a reproduzir a sentença proferida no tribunal da 1ª instância.
Fora desse caso, ocorre irregularidade, com a consequência acima referida, mas sem a virtualidade de implicar a deserção do recurso em causa.
Em consequência, embora no caso vertente a Relação a argumentação jurídica utilizada pela Relação tenha ido além da formulada na sentença proferida no tribunal da 1ª instância, a questão essencial foi a mesma, ou seja, a caducidade ou não do direito de acção.
Em consequência, a irregularidade cometida pela recorrente é insusceptível de implicar a consequência de deserção do recurso que a recorrida invocou.

2.
Atentemos agora na natureza e nos efeitos do contrato celebrado entre a recorrente e a recorrida.
A lei define o contrato de compra e venda como sendo aquele pelo qual se transmite a propriedade de uma coisa mediante um preço (artigo 874º do Código Civil).
Tendo em conta os factos provados, estamos perante um contrato celebrado por duas sociedades comerciais, ou seja, por duas comerciantes, por via do qual uma delas declarou vender e a outra comprar, por determinado preço, produtos químicos destinados à tinturaria de malhas e acabamentos têxteis.
Em consequência, de harmonia com o conceito económico do acto de comércio, a conclusão é no sentido de que estamos perante um contrato de compra e venda de natureza comercial (artigos 874º e 879º, proémio, do Código Civil e 2º, 3º, 13º,
nº 2 e 463º, nº 2, do Código Comercial).
Considerando os factos disponíveis, não se trata, tendo em conta a previsão dos artigos 469º e 470º do Código Comercial, de venda sobre amostra nem de coisas não à vista nem designáveis por padrão.
Do referido contrato resultou para a recorrida a obrigação de entrega dos referidos produtos químicos à recorrente e, para esta, a obrigação de àquela pagar o respectivo preço (artigos 3º do Código Comercial e 879º, alíneas b) e c), do Código Civil).
A recorrida entregou os referidos produtos químicos à recorrente; mas esta, não lhe entregou a quantia de € 18 778,60 relativa ao respectivo preço.

3.
Vejamos agora o regime específico da compra e venda de coisas defeituosas.
Os contratos devem ser pontualmente cumpridos, e as partes que neles outorgam cumprem as obrigações deles derivadas quando realizem a prestação a que estão vinculadas (artigos 406º, nº 1, e 762º, n.º 1, do Código Civil).
No âmbito das modalidades da inexecução da obrigação conta-se, além da mora e do incumprimento definitivo, a execução defeituosa, na lei designada por cumprimento defeituoso (artigo 799º, n.º 1, do Código Civil).
É o caso de o devedor executar materialmente a prestação, mas incumprir o contrato, por virtude de a executar deficientemente, isto é, em desconformidade com o convencionado.
A lei prevê situações específicas de cumprimento defeituoso dos contratos de compra e venda nos artigos 913º a 922º do Código Civil, que importa ter em conta no caso vertente, visto que prevalecem em relação às regras gerais de responsabilidade civil contratual.
Expressa, por um lado, que se a coisa vendida sofrer de vício que a desvalorize ou impeça a realização do fim a que é destinada, ou não tiver as qualidades asseguradas pelo vendedor ou necessárias à realização daquele fim, observar-se-á, com as necessárias adaptações, o prescrito na secção precedente, em tudo quanto não seja modificado pelas disposições dos artigos seguintes (artigo 913º, nº 1, do Código Civil).
E, por outro, que se do contrato não resultar o fim a que a coisa vendida se destina, atender-se-á à função normal das coisas da mesma categoria (artigo 913º, nº 2, do Código Civil).
Trata-se de vícios que desvalorizam as coisas vendidas ou que impedem a realização do fim a que são destinadas, ou que se traduzem na falta de qualidades asseguradas pelo vendedor ou necessárias à consecução do fim a que se destinam.
Ao remeter para o disposto na secção precedente adaptado e a título subsidiário, a lei, por um lado, confere ao comprador de coisas defeituosas, no confronto com o vendedor, além do mais, o direito à redução do preço se as circunstâncias do contrato mostrarem que, sem erro ou dolo, ele as teria adquirido por preço inferior.
E, por outro, em cumulação, o direito de indemnização por prejuízos decorrentes da celebração do contrato (artigos 247º, 251º, 254º, nº 1, 905º, 908º, 909º, 911º e 913º, nº 1, do Código Civil).
A propósito da denúncia dos defeitos, expressa a lei, por um lado, que o comprador deve denunciar ao vendedor o vício ou a falta de qualidade da coisa, excepto
se este houver usado de dolo (artigo 916º, nº 1, do Código Civil).
E, por outro, que a denúncia será feita em trinta dias depois de conhecido o defeito e dentro de seis meses após a entrega da coisa (artigo 916º, nº 2, do Código Civil).
Não cumprido o referido prazo de denúncia, caducam os direitos da titularidade do comprador de anulação do contrato, de reparação ou de substituição da coisa (artigo 298º, nº 2, do Código Civil).
A propósito da caducidade da acção, expressa a lei que a acção de anulação por simples erro caduca, findo qualquer dos prazos fixados no artigo anterior sem que o comprador tenha feito a denúncia ou decorridos seis meses, sem prejuízo, neste último caso, do disposto no nº 2 do artigo 287º (artigo 917º do Código Civil).
Este normativo de caducidade é motivado por razões de certeza e de segurança jurídica, visando obstar ao protelamento do exercício de certos direitos por tempo dilatado, implicando a sua extinção decorridos determinados prazos.
Tem vindo a ser interpretado extensivamente em termos de aplicação às acções tendentes à reparação dos defeitos das coisas em causa ou à redução do respectivo preço, como foi o caso, no que concerne às primeiras, do Assento deste Tribunal de 4 de Dezembro de 1996.
Tal interpretação tem sido justificada, por um lado, na circunstância de o referido normativo visar a realização do interesse do vendedor, do comércio jurídico, com vendas sucessivas, evitando a incerteza na cadeia negocial e as dificuldades de prova e contraprova dos vícios anteriores ou contemporâneos à entrega das coisas.
E, por outro, no entendimento de que a inexistência de prazo de caducidade do direito de acção por virtude de compra e venda de coisas móveis defeituosas teria a consequência de o limite ser o prazo geral de prescrição do direito de vinte anos a que se reporta o artigo 309º do Código Civil, sem conformação com o referido fim da lei.
O artigo 287º do Código Civil, a que alude o seu aludido artigo 917º, também se reporta à anulabilidade, prescrevendo, por um lado, que só têm legitimidade para arguir a anulabilidade as pessoas em cujo interesse a lei estabelece, e só dentro do ano subsequente à cessação do vício que lhe serve de fundamento (nº 1).
E, por outro, que enquanto o negócio não estiver cumprido, pode a anulabilidade ser arguida, sem dependência de prazo, tanto por via de acção como por via de excepção (nº 2).
O negócio não está cumprido, por exemplo o contrato de compra e venda, se não tiver sido entregue pelo vendedor a coisa vendida ou entregue pelo comprador o respectivo preço àquele, caso em que se não verifica a caducidade do direito de acção.

4.
Atentemos agora na questão fulcral de saber se caducou ou não o direito de acção reconvencional em causa.
Recorde-se que a recorrente denunciou o alegado defeito do corante à recorrida no dia 12 de Abril de 2004, mas só a accionou, por via reconvencional, onze meses e cinco dias depois.
Conforme acima se referiu, tem sido interpretado extensivamente o artigo 917º do Código Civil, em termos de o aplicar a todas as acções em que o comprador de coisas móveis pretenda exercer, com fundamento nos respectivos defeitos, o direito de redução do preço, de resolução do contrato, de redução do preço e até mesmo de indemnização.
A reconvenção em causa não visa, em relação ao contrato de compra e venda, a sua anulação, resolução, reparação de defeitos ou redução do preço, estando nela apenas
em causa a indemnização dos prejuízos resultantes do cumprimento defeituoso daquele contrato.
A acção a que se reporta o normativo em análise, porque é de anulação, tem por efeito o desaparecimento retroactivo do contrato de compra e venda, implicando, em regra, a restituição de tudo o que tiver sido prestado em função dele (artigo 289º, nº 1, do Código Civil).
Daí que se justifique o curto prazo de caducidade a que se reporta, porque o referido efeito da acção constitutiva de anulação afecta a segurança do comércio jurídico.
Mas o objecto e o efeito da acção cruzada de condenação no ressarcimento de prejuízos base no defeito da coisa vendida, insusceptível de afectar a segurança do comércio jurídico, não tem semelhança com o objecto e o efeito da acção constitutiva de anulação a que se reporta aquele normativo.
Não há, por isso, igualdade ou maioria de razão que justifique a interpretação extensiva do artigo 917º do Código Civil de modo a implicar a sua aplicação à acção cruzada declarativa de condenação em análise.
Em consequência, a conclusão é no sentido de que não caducou o direito de acção reconvencional em causa, e prejudicada fica a análise do eventual enquadramento desta situação no nº 2 do artigo 287º do Código Civil.

5.
Vejamos, finalmente, a síntese da solução para o caso espécie decorrente dos factos provados e da lei.
A irregularidade derivada de a recorrente repetir no recurso de revista as alegações formuladas no recurso de apelação não implica a consequência de deserção do recurso.
A recorrente e a recorrida celebraram contratos de compra e venda de natureza comercial cujo objecto mediato se consubstanciou em produtos químicos destinados à tinturaria de malhas e acabamentos têxteis.
O artigo 917º do Código Civil é inaplicável à acção cruzada declarativa de condenação em causa.
A circunstância de a recorrente não haver accionado a recorrida no prazo de seis meses após lhe haver denunciado o defeito do produto não implicou a caducidade do seu direito de acção.

Procede, por isso, o recurso, com a consequência da revogação do acórdão recorrido e da sentença proferida no tribunal da 1ª instância e de o processo dever prosseguir neste último tribunal nos seus regulares termos.
Vencida, é a recorrida responsável pelo pagamento das custas respectivas (artigo 446º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).
IV
Pelo exposto, dando provimento ao recurso, revoga-se o acórdão recorrido e a sentença proferida no tribunal da primeira instância, e condena-se a recorrida no pagamento das custas respectivas.


Lisboa, 2 de Novembro de 2006.

Salvador da Costa (Relator)
Ferreira da Costa
Armindo Luís