Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
3754/18.4T8VIS.C1.S1
Nº Convencional: 2.ª SECÇÃO
Relator: MARIA DA GRAÇA TRIGO
Descritores: RESPONSABILIDADE BANCÁRIA
INTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA
DEVER DE INFORMAÇÃO
VIOLAÇÃO
PRESUNÇÃO DE CULPA
ILICITUDE
DANO
NEXO DE CAUSALIDADE
ÓNUS DA PROVA
APLICAÇÃO FINANCEIRA
VALORES MOBILIÁRIOS
INSTITUIÇÃO BANCÁRIA
UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Data do Acordão: 11/30/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Sumário :
Em resultado da aplicação ao caso dos autos dos pontos 1. e 2. da decisão uniformizadora proferida pelo Pleno das Secções Cíveis do STJ (AUJ n.º 8/2022), considera-se ilícita a conduta do réu intermediário financeiro por violação dos deveres de informação a que se encontrava adstrito.
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça



1. AA e mulher, BB, instauraram contra o Banco BIC Português, S.A. a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, pedindo a condenação do R. a pagar aos AA. a quantia de €123.767,12, acrescida de juros de mora vincendos, contados desde 14.08.2018 até efectivo e integral pagamento.

Para tanto alegam, em síntese: que foram e que são clientes do Banco R. (antes Banco BPN, S.A.), com conta à ordem na sua agência de ..., tendo, em Maio de 2006, um funcionário do R. proposto aos AA. a subscrição de um produto financeiro dito igual a um depósito a prazo, sem qualquer risco, com uma boa rentabilidade, sendo o capital investido garantido pelo próprio banco; que, convencidos de se encontrarem a subscrever um produto seguro, como um depósito a prazo, os AA. investiram €100.000,00, nos termos propostos pelo funcionário do R., no chamado produto ‘SLN Rendimento Mais 2006’, convictos de que não corriam qualquer risco e de que o capital era garantido pelo R., convicção que se manteve até Novembro de 2014, data em que o R. se recusou a pagar o capital investido pelos AA.; que os AA. não foram informados sobre o tipo de aplicação que estavam a subscrever, não sabiam quem era a SLN, e que, caso soubessem da existência de qualquer risco ou que o produto não era garantido pelo Banco, nunca o teriam subscrito, não lhes tendo sido entregue qualquer documentação explicativa do produto financeiro subscrito.

Em consequência do que invocam ter sofrido danos de natureza patrimonial, sendo €100.000,00 de capital e €23.767,12 de juros de mora vencidos até 13.08.2017 e não pagos.

Concluem pedindo que a acção seja julgada procedente e, em consequência, que o R. seja condenado a pagar aos AA. a quantia de €123.767,12, bem como os juros de mora vincendos, contados desde 14.08.2018 e até efectivo e integral pagamento.

Contestou o R., por excepção e por impugnação. Por excepção, invocou a prescrição do eventual direito dos AA., por ser do conhecimento dos AA. o tipo de investimento efectuado, tendo o R. actuado de boa-fé e com mera negligência, enquanto intermediário financeiro e tendo assim decorrido o prazo para o exercício do direito pelos AA.. Em sede de impugnação, alegou: que os AA. tinham experiência em investimentos bancários, sabendo o tipo de produto que subscreviam, tendo sido informados de todas as condições inerentes ao investimento em causa; que o produto financeiro em causa era, à data da sua emissão, seguro, tendo o seu incumprimento tido origem num facto imprevisível e anormal: a nacionalização do Banco BPN e a insolvência da SLN; e que nunca foi referido aos AA. que o Banco garantiria o capital, sabendo os AA. caber tal obrigação à SLN.

Concluiu pedindo que a acção fosse julgada improcedente e que o R. fosse absolvido do pedido.

Na resposta os AA. pugnaram pela improcedência das excepções.

Dispensada a realização de audiência prévia, foi proferido despacho saneador, relegando para final o conhecimento da excepção de prescrição invocada.

Foi proferida sentença pela qual se decidiu julgar a acção parcialmente procedente e, em consequência, condenar o R. Banco BIC Português, S.A. a pagar aos AA. a quantia de €100.000,00, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde 10.05.2016 até integral pagamento.

Inconformado, interpôs o R. recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra, o qual, por acórdão de 28 de Janeiro de 2020 foi julgado improcedente, confirmando-se a decisão recorrida.


2. Veio o R. interpor recurso, por via excepcional, para o Supremo Tribunal de Justiça, o qual foi admitido por acórdão de 26 de Junho de 2020 da Formação prevista no n.º 3 do art. 672.º do Código de Processo Civil.


3. Formulou o Recorrente as seguintes conclusões:

[excluem-se as conclusões relativas à admissibilidade do recurso por via excepcional]

«9) A menção à expressão capital garantido não tem por si só a virtualidade de atribuir qualquer senso [ao] desaparecimento de todo o risco de qualquer tipo de aplicação... A este propósito, de resto, e quase esvaziando tudo o que pudéssemos alegar, é eloquente o parecer adiante junto do PROF. PINTO MONTEIRO, onde se chega a esta mesma conclusão!

10) A expressão capital garantido mais não é do que a descrição de uma característica técnica do produto – corresponde à garantia de que o valor de reembolso, no vencimento, é feito pelo valor nominal do título e correspondente ao respectivo valor de subscrição! Ou seja, o valor do capital investido é garantido!

11) Veja-se a este propósito o Plano de Formação Financeira em site do Conselho de Supervisores Portugueses – www.todoscontam.pt!

12) Vale isto por dizer que, ainda que se entenda que esta expressão mereceria uma densificação ou explicação aos clientes, a fim de evitar qualquer confusão, o certo é que, transmitindo uma característica técnica, não se poderá firmar que o banco, ou os seus colaboradores agiram com culpa, e muito menos grave!

13) insistimos no facto de esta menção, ainda que interpretada por um “leigo” apenas deveria permitir concluir pela segurança atribuída ao instrumento financeiro em causa! E não a qualquer tipo de garantia absoluta de cumprimento da entidade emitente.

14) A apresentação de características de um produto financeiro meramente descritivas, com indicação de prazo, remuneração, garantia de capital, liquidez por endosso não parece constituir de qualquer forma uma forma de manifestação de uma vontade de vinculação por parte de quem as anuncia!

15) E o certo é que as Obrigações eram então, como são ainda de uma forma geral, um produto conservador, com um risco normalmente reduzido, indexado à solidez financeira da sociedade emitente. Ao que acrescia, no caso concreto, e em abono desta sociedade emitente pertencer ao mesmo Grupo que o Banco Réu - mais, de ser a sua sociedade totalmente dominante!

16) Tanto mais que o risco de um DP no Banco seria, então, semelhante a uma tal subscrição de Obrigações SLN, porque sendo a SLN dona do Banco a 100%, o risco da SLN estava indexado ao risco do próprio Banco.

17) Ao parecer entender esta expressão como tendo valor negocial, o tribunal a quo violou o disposto no art.º 236 º do Código Civil.

De resto,

18) O dever de informação quanto aos “riscos do tipo de instrumento financeiro” surge perfeitamente densificado quanto ao seu cumprimento, não deixando o legislador uma cláusula aberta que permita margem para dúvida quanto ao alcance do seu dever.

19) De facto, se é verdade que a informação tem que ser completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita (art. 7º CdVM), não é menos verdade que o cumprimento desse dever de transmissão da informação não se compadece com qualquer conceptologia idílica e de delimitação difusa quanto ao seu inadimplemento.

20) E desde logo, não se compadece com ideias simplistas como as de mera reprodução de prospectos dos produtos, principalmente antes da transposição da chamada DMIF, em que a complexidade técnica da documentação de cada instrumento financeiro era enorme. Até porque que defenda que deveria o intermediário financeiro transmitir a informação das primeiras páginas do prospecto não pode deixar de defender que a mesma diligência deveria ser obrigatória quanto ao restante conteúdo do mesmo documento!

21) A informação deve ser prestada não apenas de forma exaustiva, mas essencialmente de uma forma acessível, sendo que a mera reprodução do prospecto, como pretende a decisão recorrida, seria certamente tudo menos acessível.

22) A adequação da informação começa exactamente por afastar o cumprimento meramente formal do dito dever de informação, antes visando uma efectiva informação.

23) O CdVM estabelece objectiva e precisamente qual a informação que tem de ser prestada quanto a cada um dos contratos de intermediação financeira e até – em alguns casos –, quanto aos instrumentos financeiros objecto dessa intermediação.

24) E, quanto ao risco, há aqui que chamar à colação o art. 312º nº 1 alínea e) do CdVM, que obriga então o intermediário financeiro a informar o investidor sobre os “riscos especiais envolvidos nas operações a realizar”. Ora, tal redacção refere-se necessariamente ao negócio de intermediação financeira enquanto negócio de cobertura que, depois, proporcionará negócios de execução. E a verdade é que tal menção não pode nunca equivaler ao dever de informação sobre o instrumento financeiro em si (como, aliás, na redacção aplicável ao caso).

25) Neste sentido apontam não só o elemento histórico decorrente da redacção anterior da lei, como também o elemento sistemático já abordado, como até o seu próprio elemento literal.

26) Mas, o que é certo é que, o legislador não deixou nada ao acaso e logo no número seguinte, afirmou claramente o que se devia entender por risco do tipo do instrumento financeiro em causa.

27) Assim é que nas quatro alíneas do nº 2 do art. 312º-E obriga a que a descrição dos riscos do tipo do instrumento em causa incluam:

a) Os riscos associados ao instrumento financeiro, incluindo uma explicação do impacto do efeito de alavancagem e do risco de perda da totalidade do investimento;

b) A volatilidade do preço do instrumento financeiro e as eventuais limitações existentes no mercado em que o mesmo é negociado;

c) O facto de o investidor poder assumir, em resultado de operações sobre o instrumento financeiro, compromissos financeiros e outras obrigações adicionais, além do custo de aquisição do mesmo;

d) Quaisquer requisitos em matéria de margens ou obrigações análogas, aplicáveis aos instrumentos financeiros desse tipo.

28) São ESTES e APENAS ESTES os riscos do tipo do instrumento financeiro sobre os quais o Intermediário Financeiro tem que prestar informação!

29) A alusão que a lei faz quanto ao risco de perda da totalidade do investimento está afirmada em função das características do investimento. Trata-se, portanto, de um risco que tem que ser endógeno e próprio do instrumento financeiro e não motivado por qualquer factor extrínseco ao mesmo.

30) O investimento em Obrigações, não é sujeito a qualquer volatilidade, sendo o retorno do investimento certo no final do prazo, por reembolso do capital investido ao valor nominal do título (de “capital garantido”), acrescido da respectiva rentabilidade.

31) Logo, não há necessidade de que a advertência do risco de perda da totalidade do investimento seja feita, porque a mesma não é aplicável ao caso!

32) Recordemos que qualquer contrato, seja qual for a sua natureza, apenas um de dois destinos: o cumprimento ou incumprimento! Ou seja, é de uma ingenuidade atroz pensar-se que alguém toma a prestação de qualquer contrato como certa, e não apenas como mais ou menos segura!

33) Por isso, a informação acerca do risco da perda do investimento tem que ser dada em função dos riscos próprios do tipo de instrumento financeiro, o que deve ser feito SE E SÓ SE tais riscos de facto existirem!

34) Não se pode confundir a advertência sobre o risco de perda do investimento com a análise de qualquer qualidade e robustez (ou falta dela) do emitente do título!

35) Não cometeu o R. qualquer acto ilícito!

36) A decisão recorrida violou por errónea interpretação ou aplicação o disposto no art.º 312 do CdVM (na redacção aplicável) e os art.ºs 74 e 75 do RGCISF.».

Termina pedindo a revogação do acórdão recorrido e a absolvição do R. do pedido.


3. Os Recorridos contra-alegaram, concluindo nos termos seguintes:

[excluem-se as conclusões relativas à admissibilidade do recurso por via excepcional]

«27) Sem prescindir, os Recorridos entendem, também que, ainda que o recurso seja admitido, o que não se concede, não terá provimento, pois, não tem fundamento legal ou factual.

28) Salvo o devido e muito merecido respeito que o parecer do Prof. Dr. Pinto Monteiro nos merece, não podemos concordar que o dito parecer possa ter aplicação nos presentes autos. Pois,

29) O que foi dado como provado e quanto a este circunstancialismo – com sublinhados nossos- foi que:

11. Disse-lhe ainda que os juros que o Banco pagaria eram interessantes, pois até Outubro de 2006 seriam no valor de 4,5% ao ano, mas a partir dessa data chegariam aos 6,25% ao ano (Euribor+1,75%) – 21º PI.

12. O referido funcionário informou o A. marido também que se tratava de um produto do próprio banco e com capital absolutamente garantido, como um depósito a prazo, e que o valor investido seria retornado por crédito na conta bancária do A. domiciliada no balcão de ... em Maio de 2016 – 22º, 26º, 30º e 31º PI.

17. Em 9 de Maio de 2006 (data da maturidade do produto – fls. 47) o R., então BPN, não pagou aos AA. o capital investido de €100.000,00, nem posteriormente – 48º PI.

26. Na sequência dessa operação, a Ré foi creditando semestralmente a favor dos AA. os juros correspondentes, facto que reforçou a confiança do autor que tinha apostado num produto credívele seguro, até porque ao tempo o Banco BPN era uma instituição bancária que oferecia total confiança ao investidor, não podendo prever-se os desenvolvimentos que são do conhecimento geral – 69º e 70º PI.

30) Conforme também se cita no Acórdão do Tribunal “a quo”, e constituindo fundamento da decisão ora posta em crise, a douta Sentença de 1.º Instância, tendo em conta estes factos, decidiu que (com sublinhados nossos): “(…) Assumiu, desta forma, o Banco BPN o pagamento do capital investido, e a título principal, e não meramente acessório, através das declarações de vontade emitidas, sendo assim responsável diretamente perante o credor pelo cumprimento das obrigações da sociedade emitente. (…)”

31) Por outro lado, foi considerado como não provado que: “O R. nunca disse aos AA. que o banco garantiria o cumprimento das obrigações SLN – 57º cont.”

32) Perante estes factos, não se vislumbra como é que a Recorrente possa almejar a que o douto parecer possa ter aplicação aos presentes autos, pois é disso que se trata, é aferir se o parecer e as considerações tecidas no recurso têm aplicabilidade aos presentes autos, e não pura e simplesmente levar os doutos Arestos proferidos na enxurrada que é a o “contencioso enorme” de que a Recorrida diz padecer.

33) A Recorrente, estribando-se no parecer refere: “Como vimos de expor supra, a menção à expressão capital garantido não tem por si só a virtualidade de atribuir qualquer senso desaparecimento de todo o risco de qualquer tipo de aplicação...(…)”.

34) Porém, não se trata, pois, nos presentes autos da existência ou não de risco, trata-se sim de um montante investido que a Recorrente se obrigou a retornar na sua maturidade, e não o fez, dado que o que se provou foi que a Recorrente se obrigou que o “12.(…)valor investido seria retornado por crédito na conta bancária do A. domiciliada no balcão de ... em Maio de 2016 – 22º, 26º, 30º e 31º PI.(…), e que “17. Em 9 de Maio de 2006 (data da maturidade do produto – fls. 47) o R., então BPN, não pagou aos AA. o capital investido de €100.000,00, nem posteriormente – 48º PI.(…).

35) Tudo o que demais se possa expender acerca da garantia de capital são fait divers.

36) É certo que, conforme o Prof. Dr. Pinto Monteiro refere: “(…) Risco há sempre, por mais ínfimo que seja (ou possa parecer); tudo se resume à questão de o risco associado a um qualquer produto poder ser maior ou menor (…).

37) Ora, neste caso, e quanto à relação estabelecida, não se verificou a ocorrência de qualquer risco, pois a Recorrente tem solvabilidade, assegurou o retorno do capital e pura e simplesmente não cumpriu.

38) O Insigne Professor refere no parecer que: “(…) Logo à partida temos de deixar vincado parecer-nos perfeitamente irrealista que os clientes considerassem que uma obrigação, para além de oferecer uma taxa de juro aos seus subscritores marcadamente superior à dos depósitos a prazo, lhes proporcionasse também uma segurança em tudo idêntica à destes depósitos. (…)”.

39) Nesta ótica, os clientes das instituições bancárias deveriam sempre desconfiar de aplicações mais vantajosas, e olvidar por inteiro violação dos deveres que instruem a confiança no seu banco e que é a essência de toda a atividade bancária.

40) Ou seja, caso as condições da aplicação fossem vantajosas, antes de fazerem qualquer aplicação deveriam desconfiar da informação prestada, ao passo que o Banco ficaria isento de prestar informações claras e verdadeiras.

41) A tal “(…) relação de permanente informação entre as partes, distinguindo-se a informação bancária da comum por ser, tendencialmente, técnico-jurídica, simples, direta e eficaz (…) a que alude o Prof. Dr. Menezes Cordeiro na obra citada no parecer junto e na Sentença do Tribunal de 1.º Instância, esfumar-se-ia.

42) E seria permitido ao Recorrente usar o “dolus bonus” que sem dúvida o legislador procurou sempre afastar na relação dos consumidores com a Banca.

43) Todo o esforço que os legisladores nacionais e supra nacionais para dar credibilidade às instituições bancárias, regulando a sua atividade, introduzindo regras de comportamento especificas, reconhecendo a sua importância no panorama económico e financeiro, estaria esvaziada de conteúdo.

44) Quando se refere também no parecer que “(…)parece-nos igualmente indefensável que acreditassem que o risco seria exactamente o mesmo de um depósito a prazo, um produto que, justamente por ser um dos mais seguros, oferece uma das taxas de juro mais baixas(…), parece-nos, salvo do devido respeito que se está a fazer um juízo de valor eminente pessoal, que extravasa os limites do silogismo judiciário e mais ainda neste caso concreto com completo desrespeito pelo princípio da imediação da prova.

45) Na verdade, procura-se justificar a atuação da entidade bancária com um raciocínio baseado em supostas regras de senso comum, que são aplicáveis na judicatura dos factos e não no âmbito da interpretação legislativa.

46) Tais considerações, são desajustadas à espécie de recurso “sub judice” em que o que se pretende é a melhor aplicação do direito, e o “capital garantido” não é um conceito de direito, é matéria factual.

47) Deve, pois, nesta parte o recurso improceder.

48) Já quanto à segunda vertente do recurso que se prende com o âmbito do dever de informação, para além da matéria de facto já referida supra foi ainda provado que:

“23. Os AA. nunca foram informados e muito menos esclarecidos ou advertidos de quaisquer condições que pudessem fazer desviar o depósito que realizavam do regime de um normal depósito a prazo, em que o capital é sempre garantido e são recebidos periodicamente pelo depositante os juros remuneratórios respetivos – 64º PI.

24. Tal aplicação não possui as características que foram asseguradas ao Autor, facto que apenas recentemente conheceu – 65º PI.

25. OAutor nunca recebeu qualquer documento que titulasse a operação ou nota informativa, e não foi informado de quaisquer outras condições de subscrição, ou de quaisquer documentos relativos à subscrição, nunca as mesmas lhe tendo sido explicitadas – 66º e 67º PI.”

49) Apesar da Recorrente o ter alegado em sua defesa, foi dado como não provado que:

“c) Os AA. conheceram logo que haviam adquirido obrigações SLN – 12º cont.

d) O funcionário do R. apresentou o produto aos AA. como tratando-se de uma subscrição de obrigações, constituindo esses valores mobiliários uma representação da dívida da sociedade emitente, tendo ainda explicado que se tratava da sociedade-mãe do banco – 59º e 73º cont.

e) Os AA. foram total e exaustivamente esclarecidos sobre as condições do produto, tendo dado ordem expressa para subscrição dos ditos instrumentos financeiros – 62º, 63º, 70º a 72º cont.”

50) Atenta a matéria de facto dada como provada e acima de tudo a matéria de facto dada como não provada, parece-nos descabido discutir o âmbito do dever de informação, e a sua intensidade neste ou naquele ponto.

51) Conforme refere a Recorrente quando se refere ao incumprimento dos deveres de informação e ao CdVM: “É, portanto, no decalque deste figurino legal, cuidadosamente delineado pelo legislador, que temos que buscar a existência ou não de incumprimento do intermediário financeiro...(…)”

52) Ora, atenta a matéria de facto dada como provada e mais do que tudo a dada como não provada supra-mencionada, não foi pura e simplesmente dada qualquer informação, não se tratando de aferir a intensidade ou conteúdo da informação prestada, pois, a informação quanto ao instrumento financeiro é inexistente.

53) Na relação estabelecida entre Recorrente e Recorrida nunca foi veiculada a existência de uma terceira entidade, ou seja, a emitente SLN, nunca foi mencionada, e os Recorridos desconheciam a sua existência, ou sequer que tinham contratado com essa entidade.

54) Pois foi dado como provado que “16. Assim, e muito embora sem disso terem consciência, os AA. ficaram titulares de duas obrigações SLN Rendimento Mais 2006novalor nominal de €50.000,00cadauma –36º PI.” e que “24. Tal aplicação não possui as características que foram asseguradas ao Autor, facto que apenas recentemente conheceu – 65º PI.”

55)E como não provado que “c) Os AA. conheceram logo que haviam adquirido obrigações SLN – 12º cont.”.

56) A atenção da Recorrente e do Parecer junto centra-se no âmbito da informação acerca do risco, sendo que os doutos arestos condenatórios integrantes da dupla conforme, centram também a responsabilidade da Recorrente na ausência de informação acerca da existência de uma terceira entidade, neste caso a entidade emitente.

57) Assim, atenta a matéria de facto dada como provada a informação prestada pelo Recorrente foi completa, verdadeira, clara e objectiva?

58) A resposta a esta questão é lapidar no Acórdão do tribunal “a quo”:

“No presente caso ficam provados os supra referidos factos, que claramente nos levam a concluir pela deficiente incorreção das então informações prestadas ao A. marido, apenas visando a sua ‘captação’ ou ‘canalização’ para as subscrições obrigacionistas à data a correr no BPN e a favor da SLN.”

“Afigura-se-nos, pois, que nas ocasiões em causa aos clientes do BPN aqui Autores não foram dadas, pelo funcionário do BPN que com eles tratou do caso em apreço, as informações possíveis, relevantes, adequadas, concretas, atuais e claras, de tal forma que o dito cliente só subscreveu as referidas aquisições, subscrições ou aplicações porque foi deliberadamente mal informado sobre o tipo de papel comercial em causa, o que nunca teria sucedido se tal circunstancialismo se não se tivesse verificado.”

59) Ora, querer discutir-se o âmbito do dever de informação quanto ao risco, ou a sua intensidade, quando a informação prestada quanto ao instrumento financeiro foi inexistente, é claramente despropositado e reforça a ideia já transmitida supra que a Recorrente pretende pura e simplesmente tentar fazer entrar pela janela o que não conseguiu que entrasse pela porta.

60) Usa o presente recurso para impedir o trânsito em julgado da decisão proferida e tenta inseri-la na enxurrada de decisões que lhe são favoráveis, pois que a pedra de toque nos presentes autos é que a existência de qualquer ligação à SLN foi omitida, aparecendo sempre a Recorrente.

61) A Recorrente levou os Recorridos a acreditar que estariam a confiar os seus fundos ao seu Banco, e era este que os tinha que devolver, e assumiu tal devolução.

62) Ora, tendo-o feito é curial que a Recorrente seja condenada a proceder de acordo com o que se obrigou.

63) Constituindo raciocínio falacioso que os deveres constantes do art.º 312º sejam aplicáveis apenas às informações relativas ao negócio de cobertura, porquanto os mesmos abrangem todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada (…), sendo que tal normativo avança, “nomeadamente”, comas previsões constantes das alíneas a) a h) não excluindo, pois, outras informações relevantes para o efeito.

64) No presente caso, está provado que os Recorridos foram contactados pelo funcionário da Recorrente, para se deslocar à agência a fim de lhe apresentar um novo produto.

65) Estamos, por conseguinte, perante técnicas de venda bastante agressivas, as quais deveriam estar afastadas do tipo de negociação em causa, em que deveriam prevalecer os interesses dos clientes, não o das entidades bancárias.

66) Assim, a Recorrente não informou o Recorrido marido de que se tratava de obrigações subordinadas de uma entidade terceira (a SLN), sendo que, estas informações, relevantíssimas, não foram sequer abordadas pela Recorrente e seus funcionários na relação estabelecida com o Recorrido marido., como é óbvio, do que resulta ser clara a ilicitude e a total má-fé da conduta do Recorrente.

67) Por outro lado, o funcionário assegurou ao Recorrido que era o próprio Banco a entidade em que ficaria depositado o dinheiro, sendo este o responsável pelo seu reembolso.

68) Assim, tanto a informação verbalmente comunicada apontavam acima de tudo, no facto de ser uma aplicação no próprio Banco e ser este o obrigado à restituição do capital aplicado, na tentativa da maximização a todo o custo da subscrição de tais aplicações.

69) Mas, mesmo que assim fosse, até quanto a este dever a Recorrente transmitiu informação não só errónea, como conscientemente falsa, pois, foi afirmando o instrumento financeiro como sendo do próprio Banco.

70) Tendo em consideração a factualidade provada, dúvidas não restam que a Recorrente, na prestação dos serviços de intermediação financeira contratados, informou erroneamente o Recorrido Marido.

71) Mas mais do que isso, a matéria de facto provada permite-nos ainda concluir que a Recorrente, como intermediário financeiro, nem sequer informou o Recorrido de que estava a prestar um serviço de intermediação financeira, não tendo elucidado o mesmo que estava a comprar obrigações, ainda por cima subordinadas, ou elucidado acerca do que se tratavam obrigações, de uma sociedade terceira (a emitente SLN), tendo o autor aplicado o seu dinheiro convencido que o mesmo ficava depositado no banco BPN (o intermediário financeiro), como algo semelhante a um depósito a prazo, com o capital sempre garantido.

72) Provado ficou também que se o Recorrido soubesse que o capital investido não estava garantido pelo próprio Banco (se corresse algum risco) não aplicaria o dinheiro no produto financeiro, em tudo igual a um depósito a prazo, aconselhado pelo funcionário da Recorrente.

73) Não pode pois proceder a alegação da Recorrida, devendo manter-se na íntegra a condenação decorrente da dupla conforme, sob pena de violação do disposto nos Arts. 671.º n.º 3 e 672.º n.º 1 alíneas a) e b) do C.P.C.

74) As questões levantadas são matéria de facto, pelo que modificando-se a decisão proferida estar-se-ia a violar o Art.671.º n.º3 e 682.º n.º2 do CPC, pois a matéria de facto e a prova consequente não foi posta em causa e não foi invocado qualquer vício decorrente do Art. 674.º n.º 3.

75) Sendo procedente violar-se-iam também as disposições constantes nos Arts. 227º, nº1, 799º, e 800º, nº1, do Código Civil, Art. 1º, nº1, alínea b), 7º, 289º, 290º, 292º, 293º, 304º, 305º, 312º, 314º e 324º, nº 2, do Código dos Valores Mobiliários e 73º, 74º e 76º do Regime Geral das Instituições de Crédito e das Sociedades Financeiras

76) Tendo a Decisão recorrido feito a correta aplicação da legislação aplicável e por conseguinte está isenta de qualquer mácula.».


4. Tendo em conta o disposto no n.º 4 do art. 635.º do Código de Processo Civil, o objecto do recurso delimita-se pelas respectivas conclusões, sem prejuízo da apreciação das questões de conhecimento oficioso.

Assim, o presente recurso tem como objecto unicamente a seguinte questão:

- Saber se o acórdão recorrido padece de erro de direito ao ter dado como verificada a violação dos deveres de informação por parte do R. intermediário financeiro.


5. Entretanto, foi proferido despacho de suspensão da instância até ao julgamento dos diversos recursos para uniformização de jurisprudência admitidos em matéria de pressupostos da responsabilidade civil do intermediário financeiro.


6. Tendo sido proferida, no âmbito do Processo n.º 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A, decisão uniformizadora, que transitou em julgado, e que - como Acórdão de Uniformização de Jurisprudência (AUJ) n.º 8/2022 - foi publicado no Diário da República, Iª Série, de 03.11.2022, foi declarada cessada a suspensão da instância, atendendo a que o teor do referido AUJ permite resolver a questão objecto do presente recurso de revista, sem necessidade de se aguardar pelo desfecho dos demais recursos uniformizadores.

Cumpre apreciar e decidir.


7. Vem provado o seguinte (mantêm-se a numeração e a redacção das instâncias):

1. O B.P.N. - Banco Português de Negócios, S.A., (B.P.N., S.A.), vocacionado para a área de banca de investimentos, foi constituído em 1993 por via da fusão das sociedades financeiras Soserfin e Norcrédito – 2º PI.

2. Em 27 de Outubro de 1999 foi criada a sociedade B.P.N., S.G.P.S., S.A. que integra o capital do B.P.N., S.A. como seu principal e quase único ativo – 3º PI.

3. Na data da subscrição do produto em causa nestes autos a sociedade B.P.N., S.G.P.S., S.A. era detida na totalidade pela S.L.N., S.G.P.S., S.A. (hoje denominada GALILEI, S.G.P.S., S.A.) – 4º PI.

4. A S.L.N., S.G.P.S., S.A. era, até à nacionalização, a proprietária do B.P.N. - Banco Português de Negócios, S.A., dado ser a única e exclusiva acionista da B.P.N., S.G.P.S., S.A. – 5º PI.

5. Por via da Lei 62-A/2008, de 11 de Novembro, o Estado Português apropriou-se de todas as ações representativas do capital social do Banco Português de Negócios, S.A. (B.P.N.), pessoa coletiva n.º 503159093, através de um regime jurídico de apropriação pública por via da nacionalização – 9º PI.

6. Não obstante a nacionalização, o B.P.N. manteve o mesmo número de pessoa coletiva 503159093, a sua denominação, a atividade económica e a natureza jurídica de sociedade comercial, com a ressalva de, a partir da nacionalização, ser “uma sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos” – 11º PI.

7. Em Dezembro de 2012, mediante operação de fusão por incorporação, a pessoa coletiva n.º 503159093 (sociedade incorporante), mantendo o objeto social original, incorporou os activos e passivos do Banco BIC Português, pessoa coletiva n.º 507880510 (sociedade incorporada), e alterou a denominação para “Banco Bic Português, SA”, tendo ocorrido transferência global do património da sociedade incorporada para a ora Ré, operação essa registada na matricula comercial pela ap. 101/2012/1207 – 14º PI.

8. Os ora AA. são clientes da agência de ... do R., sendo titulares da conta de depósitos à ordem n.º ...01, destinando a mesma, essencialmente, a depósito de poupanças – 16º, 17º e 19º PI.

9. Os AA. sempre optaram por operações que não comportassem qualquer risco, cujo rendimento e a recuperação dos valores aplicados fossem 100% seguros, e disso estava e sempre esteve ciente o funcionário que o contactou – 28º PI.

10. No início de Maio de 2006 o A. marido foi abordado pelo funcionário do BPN, CC, pessoa em quem depositava total confiança, e que lhe efetuava, ao longo de vários anos, os seus investimentos (uma vez que o A. estava fora do país longos períodos,fruto da sua atividade profissional, sobre a possibilidade de efetuar uma aplicação que era igual a um depósito a prazo – 20º e 24º PI.

11. Disse-lhe ainda que os juros que o Banco pagaria eram interessantes, pois até Outubro de 2006 seriam no valor de 4,5% ao ano, mas a partir dessa data chegariam aos 6,25% ao ano (Euribor+1,75%) – 21º PI.

12. O referido funcionário informou o A. marido também que se tratava de um produto do próprio banco e com capital absolutamente garantido, como um depósito a prazo, e que o valor investido seria retornado por crédito na conta bancária do A. domiciliada no balcão de ... em Maio de 2016 – 22º, 26º, 30º e 31º PI.

13. Os AA. confiaram na informação prestada pelo funcionário do R., e ficaram convencidos de que se tratava de uma operação em tudo idêntica a um depósito a prazo, mas com outra denominação, cujo capital e juros estavam garantidos pelo banco – 26º, 27º, 30º e 51º PI.

14. Sendo que, devido à elevada procura pelos clientes BPN e à sua qualidade e segurança, caso o A. assim o pretendesse, poderia dispor do seu dinheiro – 32º PI.

15. Finda a breve reunião, e convencido o A. marido que estaria a fazer uma aplicação normalíssima e isenta de risco, concordou em fazê-la e mobilizou quantias para a subscrição solicitada, decisão que o A. não tomaria se, por parte do dito funcionário bancário, não fosse manifestada a garantia de capital e juros e a qualidade e segurança do produto antes da subscrição deste – 34º e 35º PI.

16. Assim, e muito embora sem disso terem consciência, os AA. ficaram titulares de duas obrigações SLN Rendimento Mais 2006 no valor nominal de €50.000,00 cada uma – 36º PI. 17. Em 9 de Maio de 2006 (data da maturidade do produto – fls. 47) o R., então BPN, não pagou aos AA. o capital investido de €100.000,00, nem posteriormente – 48º PI.

18. O produto “SLN Rendimento Mais 2006” foi transacionado nos balcões comerciais do R., tendo sido distribuído pelo R. aos funcionários um documento (em 2004, mas aplicado igualmente em 2006) elucidando-os das estratégias de venda do produto, indicando-lhes inclusive quais as respostas a apresentar às eventuais dúvidas do cliente, de modo a convencê-lo da segurança da compra – 37º a 40º PI.

19. O Réu instruiu os seus funcionários, neste produto, a usar o seguinte argumentário (externa e internamente) para obter o convencimento dos clientes a adquirirem o produto:

a) capital garantido

b) elevadas taxas de remuneração – 41º PI.

20. A Direção Comercial do então B.P.N., S.A., ora Ré, transmitia aos seus funcionários de rede de balcões que, por sua vez, transmitiam aos clientes, que o produto dos autos era um investimento seguro e garantido pelo próprio banco – 43º e 44º PI.

21. Esta informação era veiculada nas reuniões internas da Ré de modo reiterado, em todas as reuniões de quadros em que participavam os funcionários dos balcões àquela data, incluindo o funcionário que vendeu o produto ao A. marido, circunstância que influenciou diretamente (se revelou essencial para) a tomada de decisão do A. marido, que não subscreveria tal produto se tivesse conhecimento de que nem sequer o capital investido era garantido, ou que era outra entidade (desconhecida do público) a obrigada à restituição do capital e juros aplicados – 45º a 47º PI.

22. A S.L.N., ora denominada Galilei SGPS, SA, e emitente formal das obrigações foi declarada insolvente em 05.07.2016 – 49º PI.

23. Os AA. nunca foram informados e muito menos esclarecidos ou advertidos de quaisquer condições que pudessem fazer desviar o depósito que realizavam do regime de um normal depósito a prazo, em que o capital é sempre garantido e são recebidos periodicamente pelo depositante os juros remuneratórios respetivos – 64º PI.

24. Tal aplicação não possui as características que foram asseguradas ao Autor, facto que apenas recentemente conheceu – 65º PI.

25. O Autor nunca recebeu qualquer documento que titulasse a operação ou nota informativa, e não foi informado de quaisquer outras condições de subscrição, ou de quaisquer documentos relativos à subscrição, nunca as mesmas lhe tendo sido explicitadas – 66º e 67º PI.

26. Na sequência dessa operação, a Ré foi creditando semestralmente a favor dos AA. os juros correspondentes, facto que reforçou a confiança do autor que tinha apostado num produto credível e seguro, até porque ao tempo o Banco BPN era uma instituição bancária que oferecia total confiança ao investidor, não podendo prever-se os desenvolvimentos que são do conhecimento geral – 69º e 70º PI.

27. As Obrigações SLN 2006, emitidas pela SLN, SGPS, S.A., era um produto de risco normalmente reduzido, indexado à solidez financeira da sociedade emitente, no caso a “mãe” do banco – 27º e 28º cont.

Factos dados como não provados:

a) A fulcralidade da colocação do produto financeiro em causa nos autos estava relacionada diretamente com o cumprimento de “ratios” de solvabilidade quer da empresa dominante quer do próprio banco, na sequência de inspeção levada a cabo pelo Banco de Portugal em 2002 e que deu origem a ressalvas por parte dos auditores na revisão de contas desse mesmo ano mas só conhecida em 2003, informação que foi omitida aos clientes – 55º e 56º PI.

b) À data da subscrição já era conhecido pelo funcionário que o Grupo se encontrava em sérias dificuldades – 68º PI

c) Os AA. conheceram logo que haviam adquirido obrigações SLN – 12º cont.

d) O funcionário do R. apresentou o produto aos AA. como tratando-se de uma subscrição de obrigações, constituindo esses valores mobiliários uma representação da dívida da sociedade emitente, tendo ainda explicado que se tratava da sociedade-mãe do banco – 59º e 73º cont.

e) Os AA. foram total e exaustivamente esclarecidos sobre as condições do produto, tendo dado ordem expressa para subscrição dos ditos instrumentos financeiros – 62º, 63º, 70º a 72º cont.

f) O R. nunca disse aos AA. que o banco garantiria o cumprimento das obrigações SLN – 57º cont.


8. Entenderam as instâncias, e não vem posto em causa, que a intervenção do Banco BPN no processo de subscrição, pelo A., em Abril de 2006 (facto provado 1.), do produto financeiro Obrigação SLN 2006, é qualificável como actividade de intermediação financeira, abrangida pelo regime do Código dos Valores Mobiliários, na redacção em vigor à data da subscrição.

Nos termos da fundamentação do Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 8/2022, proferido em processo no qual estavam em causa o mesmo produto financeiro e as mesmas entidades financeiras, diferindo apenas a pessoa do investidor, termos que são, por isso, válidos para o caso dos autos:

«Enquanto intermediário financeiro, o Banco tratou da comercialização, aos seus balcões, das Obrigações SLN, executando ordens de subscrição –  que lhe foram transmitidas pelo Autor –  das obrigações emitidas por uma terceira entidade – a SLN-Sociedade Lusa de Negócios, S.A. [artigos 289.°, n.°1, 290.°, n.°1, al. b) e 293.°, n.°1, al. a), todos do Código dos Valores Mobiliários, aprovado pelo Decreto-Lei n.°486/99, de 13 de novembro], donde resulta a qualificação jurídica da intervenção do Banco como um serviço e uma atividade de intermediação financeira e o contrato celebrado entre o Autor e a Ré um contrato de intermediação financeira (...).

Atendendo ao papel dos “denominados intermediários financeiros, cuja função é, precisamente, promover (de forma interessada) a conciliação entre as duas vontades de sentido oposto mas convergente, fazendo com que as poupanças dos (potenciais) investidores sejam eficientemente afetadas à atividade de quem as procura – cabe-lhes, pois relacionar e conciliar a oferta e a procura de valores mobiliários (…) dúvidas não há que a formação de decisões de investimento informadas e a prevenção de lesões dos interesses patrimoniais dos clientes investidores não deixarão de figurar como corolário dos deveres a que os intermediários financeiros estão vinculados.” (...)

Assim, os intermediários financeiros na qualidade de agentes económicos especialmente qualificados que, no mercado de valores mobiliários, prestam, simultaneamente, aos emitentes e aos investidores, contra remuneração, os serviços de realização das transações por sua conta (ou seja, propiciam o encontro entre os investidores/aforradores e os emitentes/captadores de fundos) e estão obrigados a providenciar ao investidor todos os elementos necessários à tomada de decisões esclarecidas de investimento. Daí que, de entre os deveres dos intermediários financeiros previstos especialmente no Código de Valores Imobiliários (CVM), ressaltem, entre outros, os deveres de informação ao cliente.

Enquanto intermediário financeiro [cf. artigos 289.°, n.°1, al. a) e 290.°, n.° 1, al. c) do CVM] o banco estava obrigado ao cumprimento dos princípios ou regras de conduta estabelecidas nos artigos 304.° a 342.° do CVM.».

8.1. Entre esses deveres assumem especial relevância os deveres de informação, considerando-se, mais uma vez nos termos da fundamentação do AUJ n.º 8/2022, que:

«[A] informação a prestar pelo intermediário financeiro ao investidor (cliente) relativa a atividades de intermediação e emitentes, que seja suscetível de influenciar as decisões de investimento, deve ser completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita (artigo 7.º do CVM), devendo o intermediário financeiro prestar todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada, sendo que a extensão e a profundidade da informação devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimento e de experiência do cliente, informando dos riscos especiais que as operações envolvem (artigo 312.º do CVM) e orientar a sua atividade no sentido da proteção dos legítimos interesses dos seus clientes, devendo observar os ditames da boa fé, com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência, informando-se, previamente, sobre a situação financeira dos clientes, a sua experiência e investimentos (aspetos que o intermediário financeiro tem o dever de conhecer) e sem esquecer que compete ao intermediário financeiro tomar a iniciativa de prestar todas as informações e não aguardar que o investidor (cliente) as solicite.».

O não cumprimento ou o cumprimento defeituoso dos deveres de informação gera responsabilidade civil, conforme enunciado na fundamentação do AUJ n.º 8/2022, que vimos seguindo de perto:

«O artigo 314.º, n.º 1, do CVM, estabelece que “os intermediários financeiros são obrigados a indemnizar os danos causados a qualquer pessoa em consequência da violação dos deveres respeitantes à organização e ao exercício da sua actividade, que lhes sejam impostos por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública.”

E, no seu n.º 2, por sua vez, refere que “A culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação.”

Estabelece-se neste preceito a responsabilidade do intermediário financeiro em consequência da violação de deveres respeitantes ao exercício da sua atividade, que lhes sejam impostos por lei ou regulamento emanado de autoridade pública.

No que respeita à regra do n.º 2 do artigo 314.º, estabelece-se a presunção de culpa do intermediário financeiro se o dano for causado no âmbito das relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja causado pela violação dos deveres de informação (...).

Trata-se de uma presunção de culpa ilidível, suscetível de prova do contrário (artigo 350.º, n.º 2, do Código Civil).».

8.2. Temos, assim, que, no que se refere aos pressupostos da responsabilidade civil do intermediário financeiro – ilicitude, culpa, dano e nexo de causalidade entre a ilicitude/não cumprimento do dever de informação e o dano – se tem como assente que a culpa se presume, tendo-se, porém, suscitado dúvidas na jurisprudência deste Supremo Tribunal, sobre quem recai o ónus da prova da ilicitude e do nexo de causalidade entre a ilicitude/não cumprimento do dever de informação e o dano.

Estas dúvidas foram resolvidas da seguinte forma pelo Pleno das Secções Cíveis do Supremo Tribunal de Justiça na decisão uniformizadora (AUJ n.º 8/2022) a que vimos fazendo referência:

«1. No âmbito da responsabilidade civil pré-contratual ou contratual do intermediário financeiro, nos termos dos artigos 7.º, nº 1, 312º nº 1, alínea a), e 314º do Código dos Valores Mobiliários, na redação anterior à introduzida pelo Decreto-Lei n.º 357-A/2007, de 31 de outubro, e 342.º, nº 1, do Código Civil, incumbe ao investidor, mesmo quando seja não qualificado, o ónus de provar a violação pelo intermediário financeiro dos deveres de informação que a este são legalmente impostos e o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano.».


8.3. Tendo-se igualmente gerado, na jurisprudência deste Supremo Tribunal, controvérsia significativa em torno dos parâmetros pelos quais o cumprimento dos deveres de informação deve ser aferido, a mesma decisão uniformizadora (AUJ n.º 8/2022) unificou a jurisprudência no seguinte sentido:

«2. Se o Banco, intermediário financeiro – que sugeriu a subscrição de obrigações subordinadas pelo prazo de maturidade de 10 anos a um cliente que não tinha conhecimentos para avaliar o risco daquele produto financeiro nem pretendia aplicar o seu dinheiro em “produtos de risco” – informou apenas o cliente, relativamente ao risco do produto, que o “reembolso do capital era garantido (porquanto não era produto de risco”), sem outras explicações, nomeadamente, o que eram obrigações subordinadas, não cumpre o dever de informação aludido no artigo 7.º, n.º1, do CVM.».

Procuremos aplicar esta orientação ao caso sub judice.

Relevam os seguintes factos provados:

8. Os ora AA. são clientes da agência de ... do R., sendo titulares da conta de depósitos à ordem n.º ...01, destinando a mesma, essencialmente, a depósito de poupanças – 16º, 17º e 19º PI.

9. Os AA. sempre optaram por operações que não comportassem qualquer risco, cujo rendimento e a recuperação dos valores aplicados fossem 100% seguros, e disso estava e sempre esteve ciente o funcionário que o contactou – 28º PI.

10. No início de Maio de 2006 o A. marido foi abordado pelo funcionário do BPN, CC, pessoa em quem depositava total confiança, e que lhe efetuava, ao longo de vários anos, os seus investimentos (uma vez que o A. estava fora do país longos períodos, fruto da sua atividade profissional, sobre a possibilidade de efetuar uma aplicação que era igual a um depósito a prazo – 20º e 24º PI.

12. O referido funcionário informou o A. marido também que se tratava de um produto do próprio banco e com capital absolutamente garantido, como um depósito a prazo, e que o valor investido seria retornado por crédito na conta bancária do A. domiciliada no balcão de ... em Maio de 2016 – 22º, 26º, 30º e 31º PI.

13. Os AA. confiaram na informação prestada pelo funcionário do R., e ficaram convencidos de que se tratava de uma operação em tudo idêntica a um depósito a prazo, mas com outra denominação, cujo capital e juros estavam garantidos pelo banco – 26º, 27º, 30º e 51º PI.

14. Sendo que, devido à elevada procura pelos clientes BPN e à sua qualidade e segurança, caso o A. assim o pretendesse, poderia dispor do seu dinheiro – 32º PI.

15. Finda a breve reunião, e convencido o A. marido que estaria a fazer uma aplicação normalíssima e isenta de risco, concordou em fazê-la e mobilizou quantias para a subscrição solicitada, decisão que o A. não tomaria se, por parte do dito funcionário bancário, não fosse manifestada a garantia de capital e juros e a qualidade e segurança do produto antes da subscrição deste – 34º e 35º PI.

16. Assim, e muito embora sem disso terem consciência, os AA. ficaram titulares de duas obrigações SLN Rendimento Mais 2006 no valor nominal de €50.000,00 cada uma – 36º PI.

Perante a factualidade dada como provada, da aplicação dos parâmetros constantes do ponto 2. do AUJ n.º 8/2022 resulta forçoso concluir-se que, no caso dos autos, e tal como entendeu o tribunal ‘a quo’, o Banco BPN desrespeitou os deveres de informação a que se encontrava adstrito, sendo, pois, ilícita a sua conduta.


8.4. Assinala-se que a verificação dos demais pressupostos da responsabilidade civil do intermediário financeiro não foi objecto de apreciação pelo tribunal a quo, nem tampouco tal verificação foi posta em causa no presente recurso de revista, pelo que sobre a mesma não cabe pronunciar-nos.

9. Pelo exposto, julga-se o recurso improcedente, confirmando-se a decisão do acórdão recorrido.

Custas pelo Recorrente.

Lisboa, 30 de Novembro de 2022


Maria da Graça Trigo (Relatora)

Catarina Serra

Paulo Rijo Ferreira