Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1674/07.7TVLSB.P1.S1
Nº Convencional: 2.ª SECÇÃO
Relator: TÁVORA VICTOR
Descritores: RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL
RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
ÓNUS DA PROVA
CULPA
PRESUNÇÃO DE CULPA
PRESUNÇÕES LEGAIS
NEXO DE CAUSALIDADE
CAUSALIDADE ADEQUADA
AUTORIZAÇÃO
BANCO DE PORTUGAL
CULPA IN CONTRAHENDO
Data do Acordão: 02/23/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Sumário :
I - Mau grado em pouco se traduza, no tocante aos respectivos requisitos, a diferença entre os dois tipos de responsabilidade civil, contratual e extracontratual, certo é que no que concerne ao ónus da prova existe entre ambas uma diferença fundamental; na responsabilidade civil obrigacional a culpa presume-se, o que não sucede na responsabilidade extracontratual ou aquiliana onde cabe ao lesado provar a culpa do lesante.

II - Não se provando que as Rés se encontrassem autorizadas ou registadas junto do Banco de Portugal para o exercício da actividade que vinham desempenhando, nem actuavam como instituições de crédito ou financeiras, tanto basta para se afirmar que aquele exercício não se integrava no regime previsto no DL n.º 298/92 de 31-12, não estando o mesmo, aliás à data, tutelado por qualquer norma legal, o que só veio a suceder “com a publicação do DL n.º 357-B/2007 de 31-10.

III - Dando-se como provado que “as Rés não informaram os investidores com vista a prevenir eventuais danos e a alertá-los para o risco subjacente às suas aplicações”. Todavia isto não basta para assacar responsabilidade às Rés; é que o sucedido só poderá relevar se, em sede de causalidade adequada, fosse possível filiar o resultado danoso na conduta omissiva daquela; e isso não ocorreu.

IV - A exigência do nexo de causalidade facto/dano teria igualmente que marcar presença numa fase preliminar do contrato propriamente dito, como geradora de prejuízos, nisto se traduzindo a responsabilidade pré-contratual. Destarte não poderá falar-se de culpa in contrahendo que se prende com a lesão do interesse contratual negativo, ou dano de confiança, impondo quando aquela se verifica, que o lesado seja colocado na posição em que estaria se não tivesse encetado as negociações, tendo direito a ser ressarcido do que despendeu na expectativa da sua consumação.

V - A previsão do artigo 483º não abrange o caso em análise; o seu fito é apenas prevenir certos interesses gerais ou colectivos, mau grado a sua aplicação possa também beneficiar interesses particulares. Deverá tratar-se de normas que “directamente apenas protejam a colectividade como tal, especialmente o Estado e que só beneficiam o indivíduo na medida em que cada um está interessado no bem da colectividade.

Decisão Texto Integral:
     1. RELATÓRIO.

     Acordam no Supremo Tribunal de Justiça.

     AA intentou acção declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário, contra BB Investimentos, Sociedade de Promoção de Investimentos em Bens Tangíveis, Lda., e CC, pedindo que as RR. sejam condenadas, solidariamente, a pagar à A., a título de indemnização por danos patrimoniais, a quantia de € 112.500,00 e, por danos não patrimoniais, a quantia de € 5.000,00, acrescidas de juros de mora, calculados à taxa legal, desde a data da citação.

     Alegou, em síntese e no essencial, que em Março de 2006 celebrou quatro conjuntos de contratos com a DD, S.A., traduzidos em negócios de investimento que constituem uma aplicação financeira de natureza Bancária, sendo a compra e recompra outorgadas pela mesma DD, S.A., correspondendo o preço de recompra ao somatório do valor do capital investido com o juro oferecido em função do capital aplicado e do prazo da aplicação.

     Mais alegou que não lhe foram pagos os juros trimestrais acordados, na data do vencimento das respectivas obrigações de pagamento, e que a DD, S.A. se encontra em situação de insolvência, judicialmente declarada.

     Invoca que a 1ª R., constituída para servir de intermediária, em Portugal, da DD, S.A., desenvolveu uma actividade de intermediação bancária, de recepção de depósitos em dinheiro, do público, sabendo que nem ela nem a DD, S.A. se encontravam autorizadas ou registadas para o efeito junto do Banco de Portugal, violando o disposto no nº 1 do artigo 8º, nos artigos 14º e ss. e nos artigos 44º e ss do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo DL n.º 298/92, de 31/12.

     Mais alega que as RR. violaram o disposto no nº 1 do artigo 9º da Lei da Defesa do Consumidor e no artigo 227º do Código Civil por não terem esclarecido a A. dos riscos da actividade da DD, S.A..

     Assim, deixou de receber o valor investido (€ 100.000, 00), o juro acordado (€ 12.500,00), e que sofreu danos não patrimoniais traduzidos na perturbação da sua tranquilidade, em ansiedade e inquietação.    

     As RR. contestaram alegando a sua ilegitimidade e, impugnando a versão dos factos articulados, invocam que actuaram como agentes da DD, S.A. em Portugal, sem qualquer poder de decisão e desconhecendo a existência de quaisquer actos lesivos dos seus clientes ou a sua situação deficitária.

     Invocaram que o crédito da A. deve ser deduzido no processo concursal daquela, em concorrência com os demais credores.

     Alegaram que a A. é dona dos valores filatélicos que adquiriu, que estão depositados em Espanha, e que o seu crédito não está vencido, não sendo exigível, e que o seu crédito deve ser deduzido no processo concursal daquela, em concorrência com os demais credores. Mais impugnam a existência dos pressupostos da obrigação de indemnizar nos termos reclamados.

     Nos articulados subsequentes as partes reiteraram, no fundamental, as posições antes assumidas, pedindo cada uma delas a condenação como litigante de má da contra parte.

     No despacho saneador foi julgada improcedente a excepção de ilegitimidade passiva.

     Realizada audiência de julgamento, foi proferida sentença a julgar a acção improcedente e a absolver as RR. dos pedidos.

     A Autora apelou, pugnando sem êxito pela revogação da sentença. O Tribunal todavia julgou a apelação improcedente confirmando assim o decidido.

     De novo inconformada recorre de novo, agora de revista, a Autora, para este Supremo Tribunal, pedindo que seja concedida a revista com base na errónea interpretação e aplicação das normas supra-enunciadas, nomeadamente dos artigos 227° e 483°, CC, 971º, LDC e 200º, RGIC, revogando-se em consequência o Acórdão datado de 2 de Maio de 2011, devendo o mesmo ser substituído pela condenação das Rés no peticionado em 1ª Instância.

     Caso assim não se entenda, requer-se a revogação do Acórdão colocado em crise nos Autos e a sua substituição pela condenação da 1ª Ré no pagamento de uma indemnização, no montante de € 100.000, acrescido de juros à taxa legal, colocando-se assim a ora Recorrente na situação em que estaria se a 1ª Ré não houvesse incumprido, de forma culposa, os deveres e obrigações decorrentes das normas supra citadas, erroneamente aplicadas e interpretadas pelo Acórdão da Relação.

     Foram para tanto apresentadas as seguintes,

     Conclusões.

     1) O presente recurso de revista vem interposto do Acórdão, datado de 2 de Maio de 2011, que manteve a decisão do tribunal de lª instância de 28 de Outubro de 2010.

     2) Esta primeira sentença houvera julgado improcedente a acção declarativa de condenação com processo ordinário, absolvendo as Rés BB Investimentos, Sociedade de Promoção de Investimentos em Bens Tangíveis, Lda. ("BB Investimentos") e CC do pedido formulado.

     3) Em suma, a ora Recorrente celebrara — em sua própria casa - com a 1ª Ré, que agia em nome e por conta de uma sociedade de direito espanhol, a DD, SA, quatro conjuntos contratuais, pré-elaborados, tendentes à compra de um lote de valores filatélicos, ao depósito dos mesmos valores, e a uma promessa unilateral de recompra do referido lote de valores filatélicos, pela referida DD, SA.

     4) A ora Recorrente entregara nessa ocasião à 1ª Ré, que recebeu em nome da DD, SA, o montante agregado de € 100.000,00 (cem mil euros), contra o compromisso de uma remuneração do capital investido segundo uma taxa de 6,25%, atendendo ao prazo de dois anos contratualmente estipulado, findos os quais deveria operar o reembolso das quantias investidas.

     5) Os valores filatélicos em questão nunca foram entregues ou sequer mostrados à ora Recorrente.

     6) A DD, SA foi entretanto declarada insolvente por um tribunal de comércio espanhol, não tendo a ora Recorrente, até agora recebido qualquer parte do montante entregue.

     7) O Acórdão da Relação assentou a sua decisão em três pilares: (I) não foi provada a culpa das Rés na violação dos deveres pré-contratuais que sobre elas impendiam; (II) a actividade desenvolvida pelas Rés em Portugal não configurava uma actividade ilícita, susceptível de suportar a imputação de danos; (III) os danos reclamados pela ora Recorrente ainda são incertos.

     8) Tendo em conta o conteúdo da decisão assim resumida, e dos factos provados sobre os quais incidiu, é inevitável concluir que o Acórdão da Relação do Porto padece de violação de lei substantiva, nos termos e para os efeitos do artigo 722º, nº 1 do CPC, já que se fundamenta numa errónea interpretação e aplicação das normas jurídicas invocadas, entre as quais os artigos 227º e 483º, CC, o artigo 9º/l, LDC e os artigos 8º/l, 14° e seguintes e 44° e seguintes, em especial o artigo 200º, RGIC.

     9) No que se refere à errónea interpretação e aplicação dos artigos 227°, CC e 9°/l, LDC, deve sublinhar-se que, no caso em apreço, recaíam sobre a 1ª Ré - ainda que agindo em nome e por conta da DD, SA -, deveres de informação, lealdade e protecção, cuja violação, por acção e omissão, foi dada como provada.

     10) Com efeito, a 1ª Ré estava vinculada a deveres decorrentes da boa fé, nas fases de negociação e conclusão do contrato que vinculou a ora Recorrente à DD, SA, ainda que entre aquela e a ora Recorrente não tenha sido - nem devesse ser - estabelecido qualquer vínculo contratual.

     11) Sendo hoje incontornável entre nós a aceitação de uma responsabilidade autónoma de terceiros, como é o caso dos agentes, ao lado (e além) da responsabilidade do representado, difundida pela doutrina, e já recebida pelo legislador, como bem o demonstra o Decreto-Lei nº 211/2004, de 20 de Agosto, que regula o exercício das actividades de mediação imobiliária e de angariação imobiliária.

     12) O legislador português, neste caso, demonstrou preocupação com a vinculação específica existente entre a empresa de mediação e o interessado de um negócio a celebrar com um cliente da primeira: embora para o interessado a empresa de mediação seja um terceiro (na medida em que entre ambos não irá ser celebrado um contrato), também é certo que este terceiro influencia de forma determinante a negociação e conclusão do contrato com o cliente da empresa de mediação.

     13) Tendo em conta esta vinculação específica, o legislador impôs à empresa de mediação, i.e., ao terceiro, uma série de deveres, cujo cumprimento é devido perante o interessado, de entre os quais se destaca o dever de obter informação junto de quem as contratou e fornecê-la aos interessados de forma clara, objectiva e adequada, nomeadamente sobre as características, composição, preço e condições de pagamento do bem em causa bem como o de comunicar imediatamente aos interessados qualquer facto que ponha em causa a concretização do negócio visado (artigo 16°/1, alíneas c) e e).

     14) No limite, como o legislador português deixou bem claro, à empresa de mediação pode ser exigida uma conduta contrária aos interesses do próprio cliente, em homenagem à boa-fé pré-contratual: deverá comunicar aos interessados qualquer facto que ponha em causa a concretização do negócio visado - artigo 16 nº 1 alínea c).

     15) E como corolário da concretização dos deveres pré-contratuais que sobre elas impendem, sujeitou as empresas de mediação a uma responsabilidade solidária pelos danos causados a terceiros, para além das situações já previstas na lei, quando se demonstre que actuaram, aquando da celebração ou execução do contrato de mediação imobiliária, em violação do disposto nas alíneas a) a e) do n.° 1 e das alíneas b) e c) do nº 2 do artigo 16º (artigo 22°/3).

     16) Uma vinculação de terceiro (no caso, a 1ª Ré) a deveres deste tipo — de que o caso das empresas de mediação é mero exemplo, e não fundamento — compreende-se numa relação obrigacional, em que no outro pólo está a contraparte do representado (no caso, a Recorrente), sem deveres de prestação principais, mas com deveres acessórios, recíprocos, de informação, lealdade e protecção.

     17) E existirá quando o terceiro tiver atraído uma especial confiança da contraparte negocial, na seriedade e cumprimento do vínculo contratual, ou quando tiver um interesse económico autónomo.

     18) Em suma, pode fixar-se que, entre nós, um terceiro fica obrigado a deveres decorrentes da boa fé, nos termos do artigo 227°, CC e do artigo 9°/l da LDC, ainda que nunca venha a tornar-se contraparte contratual, desde que assim o dite a especial vinculação com uma das contrapartes negociais, baseada na confiança ou a existência de um interesse económico próprio.

     19) Foi admitida, pelo próprio Acórdão ora recorrido, esta vinculação a deveres decorrentes da boa fé e foi dada como provada a sua violação, já que a 1ª Ré não informou a ora Recorrente dos riscos do investimento proposto pela DD, SA, tendo promovido, antes pelo contrário — e como também ficou provado — a ideia de total idoneidade e solvabilidade da DD, SA e da existência, originalidade e valor dos selos transmitidos, e ainda da respectiva suficiência para garantir o investimento realizado.

     19) Sublinhe-se que a imputação à 1ª Ré da confiança depositada pela Autora na solidez dos investimentos é matéria assente nos Autos: A A. foi levada a crer pela actuação da 1ª Ré, no valor intrínseco dos activos que julgava encontrarem-se subjacentes aos contratos referidos em 1 (os selos) como garantia suficiente dos seus investimentos (Cfr. 39.° facto provado, pág. 30 do Acórdão).

     20) Ora no caso em apreço, o cumprimento perfeito dos deveres de informação por parte da 1ª Ré teria consistido numa conduta diametralmente oposta, e que passaria pelo esclarecimento quanto aos riscos associados, quanto à natureza não supervisionada da DD, SA., quanto à inexistência de protecção do fundo de garantia de depósitos, do sistema de indemnização aos investidores, etc.

     21) Em suma, os deveres de informação que estão hoje codificados no artigo 5° do Decreto-Lei nº 357-D/2007, de 31 de Outubro, não se devendo duvidar da sua vigência anterior, já que não são mais que decorrências codificadas da boa fé.

     22) Essa violação levou a que a Autora confiasse na solidez financeira da contraparte contratual e na segurança do investimento realizado, sendo assim a confiança depositada imputável à 1ª Ré.

     23) Caso houvesse conhecido os riscos associados à estrutura de investimento desenvolvida pela DD, SA a Autora não teria logicamente celebrado os contratos em apreço.

     24) O Acórdão não se satisfez, no entanto — erradamente - com os factos supra descritos, dados como provados, e com o enquadramento jurídico também enunciado, identificando a falta de prova de culpa da 1ª Ré como obstáculo ao nascimento da obrigação de indemnizar.

     25) Que a imputação de danos nos termos do artigo 227.°, CC não necessita de uma conduta dolosa por parte do agente, bastando-se com um comportamento meramente negligente não suscita qualquer dúvida entre nós.

     26) Igual adesão, na doutrina e na jurisprudência, recolhe a aplicação da presunção de culpa prevista no artigo 799.°/1, CC

     27) Em suma: a vinculação de terceiros a deveres de informação, protecção e lealdade não deve ser posta em causa no nosso ordenamento jurídico, quando estes tenham influenciado o desfecho das negociações, através da confiança que para si tenham atraído de uma das contrapartes do negócio, ou quando nele tenham um interesse económico próprio; nestes casos, violados os deveres, a imputação de danos é feita nos termos do artigo 799.°/l, CC, presumindo-se a culpa do agente.

     28) Nos termos dos artigos 798º e 799°/l, CC, incumbia à 1ª Ré provar nos Autos que cumprira diligentemente os deveres de informação, protecção e lealdade que sobre si impendiam, ou que a falta de cumprimento não procedia de culpa sua, o que não aconteceu.

     29) Atendendo a que, nos termos dos artigos 798° e 799º nº, CC se presume a culpa da 1ª Ré, por no caso em apreço não ter realizado qualquer actividade probatória que afastasse a presunção, deveria esta ter sido condenada a colocar a Autora na situação em que estaria se os deveres pré-contratuais tivessem sido cumpridos de forma perfeita.

     30) Neste cenário, a Autora não teria celebrado qualquer contrato com a DD, SA, e teria tido, desde 2006 até à presente data (assim como teria actualmente) à sua disposição, os € 100.000,00 entregues à DD, SA através da 1ª Ré.

     31) Com efeito, e seguindo as palavras de Paulo Mota Pinto, tendo em conta a especial adequação ao caso: “Também entre nós se aceita que, consistindo o evento lesivo na violação (negligente) dos deveres pré-contratuais de informação ou de verdade, o lesado tem de ser colocado na situação em que estaria se tivessem sido cumpridos esses deveres, e, portanto, de ser "colocado, a respeito da disposição patrimonial causada por aquela, na situação em que estaria se tivesse recebido uma informação correcta" (Paulo Mota Pinto, “Interesse Contratual Negativo e Interesse Contratual Positivo”, II, 2008, 1383).

     32) Acresce que, como acima se antecipou, de forma resumida, o Tribunal recorrido — além de não considerar suficiente a prova da violação de deveres pré-contratuais — fundamentou a sua decisão na pretensa conformidade da actividade da lª Ré com as normas constantes do RGIC.

     33) Em resumo, e quanto a este aspecto, a decisão recorrida assentou em duas linhas argumentativas, para sustentar a licitude da conduta das Rés, que inviabilizaria a imputação de danos nos termos do artigo 483°/l, CC: as normas do RGIC não são aplicáveis ao caso em apreço e, mesmo que o fossem, não configuram normas destinadas a proteger interesses alheios, no sentido do artigo 483°/1, CC

     34) Segundo a decisão agora colocada em crise, o RGIC apenas vincula as pessoas que exerçam a actividade expressamente prevista e assumam a natureza das pessoas que aquelas normas também evidenciam.

     35) E, num cenário de hipotética adesão desta máxima com a realidade, as Rés, para além de não assumirem as vestes jurídicas de instituições de crédito ou sociedades financeiras, desenvolviam uma actividade que também não se integra nestas previsões normativas, não sendo lícito apelar a um regime que, de forma expressa, tipifica as pessoas e as acções que devem submeter-se a essa legislação específica.

     36) Só que deve sublinhar-se que uma interpretação deste tipo resultaria numa impossibilidade lógica de aplicação do artigo 200°, RGIC, que sanciona como pena de prisão até 5 anos aquele que exercer actividade que consista em receber do público, por conta própria ou alheia, depósitos ou outros fundos reembolsáveis, sem que para tal exista a necessária autorização.

     37) Se, como sustenta o Acórdão recorrido, as normas do RGIC só se aplicassem às instituições de crédito e sociedades financeiras que exerçam as actividades expressamente previstas no regime geral, então nunca poderia logicamente sancionar-se uma pessoa, singular ou colectiva, que não estando constituída como instituição de crédito ou sociedade financeira desenvolvesse uma actividade equivalente, em termos materiais e económicos, à recepção de fundos reembolsáveis do público!

     38) A conclusão que resulta de uma interpretação cuidada da norma constante do artigo 200°, RGIC vai no sentido diametralmente oposto: a norma serve precisamente para sancionar pessoas singulares ou colectivas que não estejam constituídas como instituições de crédito ou sociedades financeiras e que ainda assim desenvolvam actividades que configurem a recepção de fundos reembolsáveis do público.

     39) Basta lembrar que quase todos os sistemas piramidais de investimento, que a imaginação humana tem engendrado para defraudar terceiros, reúnem as características que o douto Acórdão sublinhou: as pessoas que os desenvolvem não estão formalmente constituídas como entidades reguladas, e a actividade que desenvolvem não é formalmente uma actividade bancária!

     40) No caso em apreço, existia esta dissociação entre a realidade formal e a materialidade subjacente: em simultâneo à venda dos activos, era celebrado um contrato de recompra, com preço predefinido, que operava a transferência total, para o vendedor, do risco da respectiva desvalorização e do benefício da valorização.

     41) Se o valor dos activos diminuísse no prazo acordado, a Autora teria, ainda assim direito à remuneração acordada; e se o valor dos activos aumentasse mais do que a remuneração acordada, os benefícios seriam recolhidos pela DD, SA.

     42) Do ponto de vista formal, as partes celebravam um contrato de compra e venda de selos... mas do ponto de vista material e económico, os ditos "investidores" desembolsavam determinada quantia pecuniária, cujo reembolso, num prazo determinado, não dependia, de forma alguma das vicissitudes que afectassem o valor dos activos.

     43) E é o ponto de vista material que, para efeitos do artigo 200°, RGIC interessa, como o confirma a melhor doutrina portuguesa: "A lei não se preocupou com a fórmula jurídica de recepção do dinheiro: ela prevê o resultado — a própria recepção — e não o meio de lá chegar. Qualquer expediente para contornar a lei através de esquemas puramente jurídicos é, assim, irrelevante" [Menezes Cordeiro, “Manual de Direito Bancário”, 2010, 930].

     44) Em suma, através da 1ª Ré eram recebidos em Portugal fundos do público, contra o compromisso da sua devolução, a prazo, acrescida de uma taxa fixa de remuneração porque a actividade da 1ª Ré em Portugal se resumia a promover e intermediar a comercialização de produtos da DD, SA e a receber e promover a recepção pela DD SA. de dinheiro do público, o que foi feito de forma organizada e repetida, através da proliferação de diversos estabelecimentos abertos ao público, nas mais importantes cidades do país, complementada com o recurso a angariadores e comissionistas.

     45) No caso em apreço ficou então demonstrado que a 1ª Ré se dirigiu à ora Recorrente - um destinatário do escopo de protecção das normas do RGIC - e formulou uma proposta contratual cujo resultado económico era o seguinte: em Março de 2006 a Autora entregava à 1ª Ré determinado montante, que sertã devolvido no prazo de 2 anos, acrescido de juros. Como diz o povo: o resto é conversa!

     46) O legislador português, tardiamente, veio sancionar esta conclusão: o Decreto-Lei nº 357-D/2007, de 31 de Outubro, ao regular a comercialização, junto do público, de contratos relativos ao investimento em bens corpóreos veio admitir, tacitamente, que esta actividade, quando desenvolvida de forma não regulada, é especialmente perigosa para o público em geral, provando-o as cautelas impostas pelo legislador, nomeadamente através da sujeição a supervisão prudencial e comportamental.

     47) Tampouco se pode aceitar o argumento segundo o qual as normas do RGIC embora reflexamente possam tutelar interesses particulares, não se integram na previsão de disposição legal destinada a proteger interesses alheios, como sugere o Acórdão recorrido.

     48) Entre nós, e além fronteiras, a doutrina tem-se pronunciado pela natureza de norma de protecção das regras que impõe a autorização e sujeição a supervisão das entidades que desenvolvem a actividade bancária, assim como daquelas que criminalizam a recepção de fundos não autorizada.

     49) A título de exemplo, e por todos, atente-se nas seguintes linhas, perfeitamente esclarecedoras: "Independentemente da dimensão penal aqui presente, podemos considerar que a transcrita norma torna globalmente ilícita a recepção de depósitos do público, sem autorização. Estamos perante uma norma de protecção, para efeitos do disposto no final do artigo 483.°/1 do Código Civil. As pessoas prejudicadas pelo ilícito apontado podem, assim, solicitar as indemnizações competentes" [Menezes Cordeiro, Manual de Direito Bancário, 2010, 970].

     50) Do exposto é então possível concluir: mesmo que o Acórdão recorrido não tivesse imputado os danos sofridos pela Autora, por violação de deveres pré-contratuais decorrentes da boa fé, sempre teria de imputá-los pela violação de normas destinadas a proteger interesses alheios.

     51) Com efeito, a 1.ª Ré, ao desenvolver uma actividade material e economicamente equivalente à da recepção de fundos por um banco, sem para tal estar autorizada, violou um conjunto de normas do RGIC que se destinam, precisamente, a tutelar o tipo de interesses lesado no caso dos Autos.

     52) Em suma, trata-se do interesse, concretizado na pessoa da Autora, de contar com a solidez financeira das entidades recipientes de fundos do público, decorrente da sujeição a supervisão prudencial e comportamental por entidades competentes, e que em última análise viabilizaria o respectivo reembolso.

     53) Assim sendo, o Acórdão recorrido não poderia deixar de condenar a 1ª Ré a indemnizar a Autora pelos danos sofridos, condenando-a a pagar as quantias recebidas (€ 100.000), acrescidas de juros à taxa legal.

     54) Por último, a decisão em crise nos Autos assentou a sua decisão numa suposta inexistência de danos: Por outro lado, avaliados os factos provados conclui-se que os danos verificados na esfera patrimonial ainda são incertos, pois desconhece-se se será ressarcida no processo de insolvência (Cfr. 5º parágrafo, pág. 39 do Acórdão).

     55) Ficou no entanto assente em lª instância, que a DD, SA se encontra em situação de irrecuperável ruptura financeira tendo sido contra esta sociedade instaurado um processo de insolvência obrigatória, nos tribunais espanhóis, durante o qual esta foi declarada em concurso necessário.

     56) Por outro lado, é facto provado que até hoje não foram pagas à Autora quaisquer quantias pela DD, SA ou pelas Rés.

     57) Assim como provado ficou que destes factos resultou a perturbação da tranquilidade, ansiedade e inquietação da Autora.

     58) Aparentemente, a evidência dos factos não foi suficiente para o Acórdão recorrido, que entendeu de relevar a possibilidade de a Autora, titular de uma pretensão contratual, actuada no processo de insolvência da DD, SA, ser reembolsada nesse foro dos montantes entregues.

     59) A decisão da Relação é inaceitável, também neste aspecto, desde logo porque o ressarcimento dos danos morais foi peticionado, no valor de € 5.000, tendo a existência dos mesmos sido dada como provada e a sua existência não depende do sucesso da pretensão actuada na insolvência da DD, SA!

     60) Mas, e sobretudo, no que se refere aos danos patrimoniais, são desconsideradas, entre outras questões, a natureza da responsabilidade da 1ª Ré enquanto responsabilidade própria, por facto ilícito e autónoma em relação à responsabilidade contratual da DD, SA bem como as normas constantes dos artigos 562º e 566º/2, CC.

     61) A este propósito recorde-se que a responsabilidade da 1ª Ré pela violação de deveres de informação pré-contratuais a que estava sujeita é uma responsabilidade por facto próprio, que origina uma obrigação de indemnizar autónoma da responsabilidade contratual que onera a DD, SA.

     62) Esta responsabilidade não é subsidiária da responsabilidade contratual da DD, SA, fazendo ao invés sentido aplicar, aqui, a solidariedade do artigo 22.°/3 do Decreto-Lei nº 211/2004, já referido.

     64) A Autora pode assim actuar o seu crédito ao ressarcimento dos danos perante a 1ª Ré, como agente da violação de deveres pré-contratuais, ou contra a DD, SA, como contraparte contratual, sendo quando muito de admitir que a 1ª Ré invoque o artigo 568º, CC e exija a cessão dos seus direitos contra terceiros.

     65) Defender o contrário equivaleria a esquecer que a responsabilidade civil prevalece sobre um putativo princípio preventivo de enriquecimento sem causa, esquecimento esse que é impossível face à letra do artigo 568.°, CC: só faz sentido em termos lógicos, admitir que o lesante possa exigir a transferência dos direitos do lesado perante terceiro, se antes for admitido um concurso de pretensões; caso contrário, o lesante poderia sempre invocar uma subsidiariedade em relação à responsabilidade do terceiro e não tinha necessidade — nem motivo — para exigir a cessão de direitos!

     66) Sugerir o contrário equivaleria a inverter completamente a ordem (valorativa e lógica) dos princípios: a prevenção do enriquecimento sem causa seria tão intensa que através dela seria posto em risco o ressarcimento de danos, em caso de concurso de pretensões!

     67) No nosso direito esta inversão não é admissível; pelo contrário, deve reconhecer-se que a prevenção do enriquecimento do lesado é uma vertente do princípio da compensação do dano, que a condiciona, por ser valorativa e logicamente superior: "O princípio da proibição do enriquecimento do lesado, isto é, de que o evento lesivo e a sua indemnização apenas visam reintegrar os bens do lesado, mas não devem ser fonte de lucro ou aumento do seu património, não é, pois, mais do que uma perspectiva ou vertente particular do princípio da compensação..." (Paulo Mota Pinto, Interesse Contratual Negativo e Interesse Contratual Positivo, I, 2008, 711).

     68) Assim sendo, o facto de existir actualmente uma pretensão baseada no contrato, na titularidade da Autora, contra a DD, SA apenas pode ter como efeito juridicamente relevante a exigência do lesante, relativa à transferência dos direitos de crédito subjacentes, no processo de insolvência, e nunca uma decisão que negue a compensação dos danos que à 1ª Ré são imputáveis.

     69) Mas mesmo que assim não se entendesse, sempre teria de reconhecer-se que o raciocínio do tribunal também envolve uma leitura errónea dos artigos 562.° e 566.°/2, CG, nos termos dos quais deve ser feita uma comparação entre a situação patrimonial actual real do lesado e a sua situação patrimonial actual hipotética, caso não existisse facto ilícito e dano a ele imputável.

     70) No caso dos Autos, caso a 1ª Ré tivesse cumprido os deveres de informação que sobre ela impendiam, a Autora não teria desembolsado as quantias em questão (€ 100.000), as quais - mantendo-se no seu património - teriam sido remuneradas desde então a uma taxa de juro de mercado.

     71) A situação que existiria actualmente, então, num cenário de conformidade com o direito por parte da 1ª Ré, seria a da disponibilidade, no património da Autora, de € 100.000, acrescidos de juros.

     72) O Acórdão recorrido, aparentemente preocupado com o enriquecimento sem causa da Autora, foi no entanto rápido a alertar: a situação actual real da Autora inclui uma pretensão contratual, já actuada judicialmente, cujo valor ascende pelo menos aos € 112.500 acordados com a DD, SA.

     73) Como se o valor nominal do crédito actuado na insolvência da DD, SA equivalesse ao seu valor real!

     74) Ora o valor real do crédito de que é titular a Autora, actuado no processo de insolvência da DD, SA não é obviamente de € 112.500, duvidando-se mesmo que tenha qualquer valor económico, tendo em conta os factos que ficaram provados nos Autos e em especial os contornos da insolvência da DD, SA.

     75) Permitir que a 1ª Ré, depois de provados todos os pressupostos da responsabilidade civil, se veja desonerada da obrigação de indemnizar, apenas pela possibilidade remota de a Autora vir a ser compensada, no plano contratual, numa ínfima parte do que desembolsou é um resultado iníquo e injusto, que não pode ser tolerado!

     76) Entre duas soluções imperfeitas (a Autora vir a ser duplamente compensada ou não ser compensada por nenhum dos lesantes) sempre teria de se preferir a primeira, que pelo menos faz jus ao princípio eticamente superior, que é o da compensação do dano.

     77) Mas nenhuma das soluções é necessária: condenando a 1ª Ré a ressarcir a Autora, sempre se poderá operar a transferência do direito de crédito contra a DD, SA, nos termos do artigo 568.°, CC ou, a posteriori, operar a restituição do eventual enriquecimento, caso ele venha efectivamente a acontecer, nos termos gerais.

     78) Mas mesmo que assim não se entenda, o que apenas se admite por cautela de patrocínio, sempre terá de concluir-se que a putativa incerteza relativa ao quantum do dano apenas permite ao tribunal condenar a 1ª Ré no que venha a ser liquidado, sem prejuízo da condenação imediata em relação aos danos morais, já provados, peticionados e quantificáveis, nos termos articulados do artigo 661/2.°, CPC e 565°, CC.

     Não houve contra-alegações.

     Corridos os vistos legais, cumpre decidir.

                            +

     2. FUNDAMENTOS.

     O Tribunal da Relação deu como provados os seguintes,

     2.1. Factos.

     2.1.1. No Domingo, dia 05 de Março de 2006, o Dr. EE deslocou-se à residência da A., sita no C... G..., nº ..., ...º - ..., em Lisboa, para que esta assinasse -  tendo esta assinado - os seguintes quatro conjuntos de contratos pré-elaborados e cujas cópias se encontram juntas a fls. 39 a 93 dos autos, dando-se aqui por reproduzidos os seus termos:

     Um conjunto formado por:

     - Contrato nº ..., que formalmente corporiza um mandato de compra de um lote de valores filatélicos;

     - Contrato de Depósito nº ...-...-...;

     - Contrato nº ...-...-..., que formalmente corporiza um mandato de venda/promessa unilateral de recompra de um lote de valores filatélicos.

     Um outro conjunto formado por:

     - Contrato nº ..., que formalmente corporiza um mandato de compra de um lote de valores filatélicos;

     - Contrato de Depósito nº ...-...-...;

     - Contrato nº ...-...-..., que formalmente corporiza um mandato de venda/promessa unilateral de recompra de um lote de valores filatélicos.

     Um terceiro conjunto formado por:

     - Contrato nº ..., que formalmente corporiza um mandato de compra de um lote de valores filatélicos;

     - Contrato de Depósito nº ...-...-...;

     - Contrato nº ...-...-..., que formalmente corporiza um mandato de venda/promessa unilateral de recompra de um lote de valores filatélicos.

     E por fim, um quarto conjunto formado por:

     - Contrato nº ..., que formalmente corporiza um mandato de compra de um lote de valores filatélicos;

     - Contrato de Depósito nº ...- ...-...;

     - Contrato nº ...-...-..., que formalmente corporiza um mandato de venda/promessa unilateral de recompra de um lote de valores filatélicos (al. A) dos Factos Assentes), em todos esses documentos figurando como outorgantes a A. e CC, S.A., com sede em Madrid.

     2.1.2. Na mesma ocasião, também em Lisboa, a A. desembolsou as importâncias de respectivamente, € 30.000,00, € 10.000,00, € 30.000,00 e € 30.000,00 que entregou à 1ª Ré (al. B).

     2.1.3. E recebeu as correspondentes cartas compromisso de pagamento de rendimentos, no montante global de € 12. 500,00 (al. C).

     2.1.4. Em 05.03.2006 o Dr. EE, referido em 1., trabalhava para a 1ª Ré (resposta ao quesito 1º).

     2.1.5. Todos os contratos identificados em 1 foram assinados pela A., em Lisboa, também na presença do seu irmão e gestor de negócios, FF (resposta ao quesito 2º).

     2.1.6. A DD, S.A. encontra-se em situação de irrecuperável ruptura financeira (resposta ao quesito 3º).

     2.1.7. Foi deduzida acusação em Espanha pelo Ministério Fiscal contra as pessoas e nos termos constantes do documento junto a fls. 114 a 125 dos autos, cuja tradução se encontra a fls. 102 a 113, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido (al. D).

     2.1.8. Em 11.05.2006 foi instaurado contra DD, SA um processo de insolvência obrigatória que corre termos no Juzgado de lo Mercantil nº 6 de Madrid (Autos de Concurso" nº 208/2006), conforme consta do documento junto a fls. 174 a 225, traduzido de fls. 125 a 173, cujo teor se dá aqui por inteiramente reproduzido (al. E).

     2.1.9. Tendo a DD, SA sido declarada em concurso necessário, por decisão de 14.07.2006 (vd. mesmo documento).

     2.1.10. Em dia não apurado, mas posterior ao dia 6, no mês de Maio de 2006, o irmão e gestor de negócios da A., FF, deslocou-se aos escritórios de Lisboa da 1.ª R., solicitando o pagamento à A. (resposta ao quesito 4º).

     2.1.11. O que lhe foi expressamente recusado (resposta ao quesito 5º).

     2.1.12. E até hoje não foram pagas à A. o capital investido no montante de € 100.000,00, nem a sua remuneração no montante de € 12.500,00 (resposta ao quesito 6º).

     2.1.13. O referido em 11. e 12. causou e causa à A. perturbação da sua tranquilidade, ansiedade e inquietação (resposta ao quesito 7º).

     2.1.14. Todos os contactos havidos no âmbito dos contratos referidos em 1. foram tidos apenas com a 1ª Ré (resposta ao quesito 8º).

     2.1.15. A 1ª Ré tem por objecto a promoção de investimentos em bens tangíveis, sendo os seus sócios DD, SA, titular de uma quota de € 10.149.000,03, GG Portugal, Sociedade Filatélica, Lda, titular de uma quota de € 499,99 e de HH Portugal - Sociedade de Produtos para a Saúde e Higiene, Lda., titular de uma quota de € 499,99, obrigando-se a 1ª, 2ª e 3ª sociedade pela intervenção do gerente ou de mandatário e tendo sido em 03.03.1999 designada gerente a 2ª Ré, CC (al. F).

     2.1.16. A actividade exclusiva da 1ª Ré consistia na comercialização em Portugal, em nome alheio, de modo público, estável e remunerado dos produtos criados pela "DD, S.A." (resposta ao quesito 9º).

     2.1.17. A actividade da 1.ª R. resumia-se a promover e intermediar a comercialização de produtos da DD, S.A. e a receber e promover a recepção pela DD, S.A. de dinheiro do público (resposta ao quesito 10º).

     2.1.18. A 1.ª R. foi constituída para exercer a actividade que vem referida em 16. e 17. (resposta ao quesito 11º).

     2.1.19. O que sucedeu de modo ininterrupto até à intervenção dos Tribunais Espanhóis na DD, S.A. (resposta ao quesito 12º).

     2.1.20. A 2ª Ré foi anteriormente quadro bancário experimentado e pessoa da confiança do Sr. II (resposta ao quesito 13º).

     2.1.21. No exercício da sua actividade a 1ª Ré abriu diversos estabelecimentos ao público, entre os quais se encontram, ao menos, os sitos na Rua da S..., nº ... - ...º, no Porto, na Rua R... A..., nº ... - ...º E/D, em Lisboa, na Rua B... de V..., nº ... em Leiria, na Rua ... de J..., nº ...-..., na Guarda, na Rua M... S...P..., nº ... - ...º, salas .../.../..., em Braga e na Av. A..., nº ... - ...º, Sala ..., no Funchal (resposta ao quesito 14º).

     2.1.22. A 1ª Ré recorreu a angariadores e comissionistas diversos (resposta ao quesito 15º).

     2.1.23. Foi interlocutor da A. e do seu irmão e gestor de negócios, FF, quanto aos contratos referidos em 1., o Sr. Dr. EE (resposta ao quesito 16º).

     2.1.24. Os rendimentos associados aos investimentos da A. foram propostos e acordados pelo Sr. Dr. EE em função dos capitais investidos e do prazo dos investimentos (2 anos) (resposta ao quesito 17º).

     2.1.25. Foi no escritório de Lisboa da 1.ª R. que o Dr. FF, em dia não apurado mas posterior ao dia 6, no mês de Maio de 2006, foi informado pelo Sr. Dr. JJ que, por instruções da 2.ª R., havia cessado a realização de pagamentos a favor dos clientes portugueses (resposta ao quesito 18º).

     2.1.26. No caso dos contratos referidos em 1. foi oferecida uma remuneração em função do capital investido, do prazo das aplicações (2 anos) e da periodicidade de pagamento (trimestral), correspondente a uma taxa de 6,25% (resposta ao quesito 19º).

     2.1.27. Apesar de na sua estrutura formal, cada contrato se articular como uma dupla transferência de selos postais contra o pagamento dos respectivos preços, a sua função económica é a de uma operação de crédito (resposta ao quesito 20º).

     2.1.28. E assim devido ao facto do preço de "recompra" dos selos corresponder ao somatório do valor do capital investido com uma remuneração oferecida em função do capital aplicado e do prazo da aplicação (resposta ao quesito 21º).

     2.1.29. O activo subjacente a estas operações (os selos) era, quanto à remuneração da aplicação, irrelevante, por a revalorização acordada, cuja quantia dependia exclusivamente do tempo de duração do contrato, ser totalmente independente das eventuais oscilações de valor dos selos, contingência que, no caso de ser adversa, não teria nenhum efeito sobre o cliente (resposta ao quesito 22º).

     2.1.30. A A. nunca recebeu, tampouco tendo visto, os selos postais que adquiriu (resposta ao quesito 23º).

     2.1.31. Por intermédio da 1.ª R., a DD, S.A. recebia o dinheiro dos clientes, obrigando-se a restituir outro tanto, e a receber os 1ª, 2ª e 3ª clientes, por seu turno, uma remuneração sobre o dinheiro entregue à 1.ª R., actuando esta em nome da DD, S.A., sem que ocorresse a exibição ou entrega física dos selos àqueles (resposta aos quesitos 24º e 25º).

     2.1.32. As Rés sabiam que nem a 1ª Ré, nem a DD, S.A. se encontravam autorizadas ou registadas junto do Banco de Portugal para o exercício da actividade referida em 17. (resposta ao quesito 26º).

     2.1.33. As Rés sabiam o tipo de actividade desenvolvida pela DD, S.A. (resposta ao quesito 27º).

     2.1.34. As RR. não informaram os investidores com vista a prevenir eventuais danos e a alertá-los para o risco subjacente às suas aplicações (resposta ao quesito 29º).

     2.1.35. No exercício da sua actividade, a 1ª Ré promovia junto dos investidores entre os quais a A., a ideia de total idoneidade e solvabilidade da DD, S.A. (al. G).

     2.1.36. A 1.ª R. asseverava aos investidores, entre os quais a A., mesmo não tendo conhecimentos de facto ou técnicos para tal, a existência, originalidade e valor dos selos transmitidos (resposta ao quesito 30º).

     2.1.37. E garantia a segurança dos investimentos em produtos da DD, S.A. (resposta ao quesito 31º).

     2.1.38. A 1ª Ré divulgava na Internet e em jornais económicos portugueses, quase diariamente, elementos publicitários e informativos com a indicação do investimento em valores filatélicos e de que tal investimento era seguro, rentável e com imediata liquidez (resposta ao quesito 33º).

     2.1.39. A A. foi levada a crer pela actuação da 1ª Ré, no valor intrínseco dos activos que julgava encontrarem-se subjacentes aos contratos referidos em 1. (os selos) como garantia suficiente dos seus investimentos (resposta ao quesito 34º).

     2.1.40. As RR. não mencionaram alguma vez à A. que a DD, S.A. atravessava situação de relevante défice patrimonial, ainda que sob a veste de mero risco ou contingência (resposta ao quesito 36º).

                            +

     2.2. O Direito.

     Nos termos do preceituado nos artsº 660º nº 2, 684º nº 3 e 690º nº 1 do Código de Processo Civil, e sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal. Nesta conformidade e considerando também a natureza jurídica da matéria versada, cumpre focar os seguintes pontos: 

     - O caso vertente momentos fundamentais.

     - Enquadramento normativo do caso vertente.

     - Solução adoptada e tomada de posição sobre a argumentação contrária.

     - Pressupostos da responsabilidade civil.

     - A responsabilidade pré-contratual.

      - Da não aplicação ao caso sub iudice do Regime Geral das Instituições de crédito.

      - Da responsabilidade civil das Rés filiada na violação de normas destinadas a proteger interesses alheios à luz do artigo 483º do Código Civil.  

                            +

     2.2.1. O caso vertente. Momentos fundamentais.

    

     O Autor celebrou com uma sociedade espanhola, a DD SA, quatro conjuntos de contratos nos termos dos quais essencialmente mandatou a Ré BB para que procedesse à aquisição de valores filatélicos, o que veio a suceder, tendo a Autora pago àquela, o preço respectivo e assumindo a BB a obrigação de os revender ou adquirir para si, numa data fixada por um montante mínimo fixado, superior ao do preço, sendo certo que a BB ficou depositária daqueles valores.

     A Autora desembolsou as importâncias referidas no ponto 2 num total de € 100.000,00.

     A DD SA obrigou-se a efectuar o pagamento à Autora como periodicidade mensal, dos valores acordados nos contratos de mandato de revenda ou requisição até à data neles fixada para esses actos; cfr. cartas de compromisso de pagamento de rendimentos a que se alude no ponto 3.

     A DD SA. entrou em situação de ruptura financeira e declarada por decisão proferida pelo Juzgado de lo Mercantil nº 6 de Madrid no processo nº 208/06, datada de 14/7/2006 em concurso necessário, o que equivale à insolvência do direito português – Lei Concursal nº 22/2003 de Julho.

     A Autora não recebeu, apesar de o ter solicitado, as remunerações acordadas nem o capital investido no negócio.

     Perante esta factualidade cumpre qual o quadro normativo do respectivo enquadramento. São a este respeito divergentes as posições das partes; a Autora propende para aplicação à problemática em presença dos preceitos que regulamentam a responsabilidade contratual e pré-contratual, fazendo ainda apelo à presunção de culpa que as Rés não terão afastado. Por seu turno, estas últimas entendem que o caso em análise apenas poderá ter o seu enquadramento nos princípios da responsabilidade extracontratual, sendo aliás nesse sentido que aponta o teor da PI.

                            +

     2.2.2. Enquadramento normativo do caso vertente.

     Solução adoptada e tomada de posição sobre a argumentação contrária.

          - Pressupostos da responsabilidade civil.

         

         

         - Da não aplicação ao caso sub iudice do Regime Geral das Instituições de crédito.

          - A responsabilidade pré-contratual.

         - Da responsabilidade civil das Rés filiada na violação de normas destinadas a proteger interesses alheios à luz do artigo 483º do Código Civil.  

          - Falta de preenchimento dos pressupostos da responsabilidade civil à luz dos factos provados.

                            +

     2.2.2.1. Pretende a Autora por via desta acção tornar efectiva a responsabilidade civil das Rés em virtude da factualidade acima esboçada.

     Nos termos do preceituado no artigo 483º do Código Civil — Diploma a que pertencerão os restantes normativos a citar sem menção de origem — "aquele que com dolo ou mera culpa violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição destinada a proteger interesses alheios, fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação".

     Ali se estabelece pois o princípio geral da responsabilidade civil, fundada em facto que seja objectivamente controlável ou dominável pelo agente, isto é uma conduta humana, que tanto pode consistir num facto positivo, uma acção, como num negativo (omissão ou abstenção), violadora do direito de outrem ou de qualquer disposição legal que vise proteger interesses alheios — comportamento ilícito.

     Para que desse facto irrompa a consequente responsabilidade necessário se torna, à partida, que o agente possa ser censurado pelo direito, em razão precisamente de não ter agido como podia e devia de outro modo; isto é que tenha agido com culpa.

     A ilicitude e a culpa são elementos distintos; aquela, virada para a conduta objectivamente considerada, enquanto negação de valores tutelados pelo direito; esta, olhando sobretudo para o lado subjectivo do facto jurídico.

     A responsabilidade traduz-se na obrigação de indemnizar, de reparar os danos sofridos pelo lesado.

     Este dever de indemnizar compreende não só os prejuízos causados, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão — artº 564º do Código Civil.

     O prejuízo surge pois como um elemento novo a acrescer ao facto ilícito e à culpa, sem o qual o agente não se constituiria na obrigação de indemnizar.

     Os danos podem ter um conteúdo económico (danos patrimoniais) abrangendo os danos emergentes, efectiva diminuição do património do lesado, o prejuízo causado nos seus bens, e o lucro cessante, os ganhos que se frustraram por causa do facto ilícito, ou imaterial (danos não patrimoniais ou morais, que resultam da ofensa de bens de carácter espiritual ou morais, e que não sendo susceptíveis de avaliação pecuniária, podem todavia ser compensados pelo sacrifício imposto no património do lesante).

     A reparação dos danos deve efectuar-se em princípio mediante uma reconstituição natural, isto é repondo-se a situação anterior à lesão; mas quando isso não for possível, ou não repare integralmente os danos, ou seja excessivamente onerosa para o devedor, então haverá que subsidiariamente fixar‑se a indemnização em dinheiro - cfr. artsº 562º e 566º do Código Civil. Nesta hipótese, o dano real ou concreto é expresso pecuniariamente, reflectindo-se sobre a situação patrimonial do lesado (dano patrimonial ou abstracto)[1].

     A responsabilidade civil pode, no que ora nos interessa, verificar-se no âmbito de um contrato, gerada pelo incumprimento de uma das partes, sendo certo que não é necessário que aquele seja definitivo, já que a simples mora constitui o devedor na obrigação de indemnizar o credor – artigo 804º. Sendo um dos pressupostos de indemnizar, a lei prevê, para além do dolo, a culpa, como um dos requisitos a qual se presume em sede contratual.

     Estatui o artigo 798º que “o devedor que falta culposamente ao cumprimento de uma obrigação torna-se responsável pelo prejuízo causado a credor”. O Tatbestand desta norma, no âmbito da responsabilidade contratual, exige para a respectiva violação: “1º o facto voluntário (acção ou omissão); 2º violação cometida na relação obrigacional e dentro dos deveres compreendidos na relação de prestação; 3º relação entre o facto voluntário e a violação de um dever compreendido na relação de prestação”[2].

     A responsabilidade extracontratual ou aquiliana resulta da prática de factos ilícitos culposos violadores de direitos ou interesses alheios juridicamente protegidos, causadores de prejuízos a outrem; como resulta dos seus próprios termos, esta responsabilidade gera-se fora do círculo de uma relação obrigacional entre as partes.

     Muito embora em pouco se traduza, no tocante aos respectivos requisitos, a diferença entre os dois tipos de responsabilidade supra-referidos, certo é que no que concerne ao ónus da prova existe entre ambas uma diferença fundamental; na responsabilidade civil obrigacional a culpa presume-se, o que não sucede na responsabilidade extra-contratual ou aquiliana em que cabe ao lesado provar a culpa do lesante.

     Volvendo agora ao caso que analisamos, a recorrente sustenta a tese da responsabilidade contratual. Na verdade refere que, nos termos do preceituado nos artigos 798º e 799º nº 1 do Código Civil, incumbiria à 1ª Ré provar que cumprira diligentemente os deveres de informação, protecção e lealdade que sobre si impendiam, ou que a falta de cumprimento não procedia de culpa sua, o que não logrou fazer. Acresce que, ao caso têm aplicação das normas do Regime Geral das Instituições de Crédito – DL 298/92 de 31 de Novembro. É bem certo que se apurou que a 1ª Ré e a própria C1…, S.A. não se encontravam autorizadas ou registadas junto do Banco de Portugal para o exercício dessa actividade.

É inequívoco, pois, que as Rés não foram constituídas, geneticamente, nem actuavam, como instituições de crédito ou sociedades financeiras, e tanto basta para se afirmar que esta actividade não se integra no regime previsto no DL 298/92 de 31 de Dezembro, nomeadamente, a actividade desenvolvida pela 1ª Ré. Para além da informação do Banco de Portugal junta a fls. 905 e 906, conclui-se, da análise dos artigos 2º e 3º do Diploma em causa e respectivo preâmbulo, sem margem para dúvida que a actividade da Ré se limitava à angariação e que não estava à data a coberto de previsão legal. Esta lacuna de índole legislativa só veio a ser suprida com a publicação do DL 357-B/2007 de 31 de Outubro, onde encontrou sede de regulamentação a actividade das sociedades que “têm por objecto exclusivo a prestação de serviços de consultadoria para investimento em instrumentos financeiros e a recepção ou transmissão de ordens por conta de outrem relativamente àqueles” - cfr. preâmbulo do Diploma em análise; tal consagração traduz, sem dúvida, o reconhecimento por parte do Legislador de que a actividade em análise era omissa no ordenamento jurídico e requeria de regulamentação.

     Afastada a responsabilidade contratual das Rés, vejamos se é possível censurar a sua conduta à luz da responsabilidade extracontratual ou aquiliana. A este respeito tomaremos em consideração na nossa análise o estatuído nos artigo 8º e 9º do DL 24/96 de 31 de Julho – Lei de Defesa do consumidor. O primeiro estatui no seu número 1 que “O fornecedor de bens ou prestador de serviços deve, tanto nas negociações como na celebração de um contrato, informar de forma clara, objectiva e adequada o consumidor, nomeadamente, sobre características, composição e preço do bem ou serviço, assim como sobre o período de vigência do contrato, garantias, prazos de entrega e assistência após o negócio jurídico”. Por seu turno o artigo 9º confere ao consumidor “protecção dos seus interesses económicos, impondo-se nas relações jurídicas de consumo a igualdade material dos intervenientes, a lealdade e a boa fé, nos preliminares, na formação e ainda na vigência dos contratos”.

     Tudo ponderado entendemos que não há que censurar a Rés pelo ocorrido. É bem certo ter-se dado como provado que “as Rés não informaram os investidores com vista a prevenir eventuais danos e a alertá-los para o risco subjacente às suas aplicações”. Todavia isto não basta para assacar responsabilidade às Rés; é que o sucedido só poderá relevar se em sede de causalidade adequada for possível filiar o resultado danoso na conduta omissiva daquela[3]; e isso não ocorreu; nomeadamente não foi feita a prova que a Ré tinha conhecimento de que a DD SA. corria o risco de falência e que o tivesse ocultado à Autora, sendo certo que sobre esta última recaía o ónus respectivo.

                            +

     Esta exigência do nexo de causalidade facto/dano teria igualmente que marcar presença numa fase preliminar do contrato propriamente dito, como geradora de prejuízos, nisto se traduzindo a responsabilidade pré-contratual. Estatui o artigo 227º do Código Civil que “Quem negoceia com outrem para conclusão de um contrato deve, tanto nos preliminares como na formação dele, proceder segundo as regras da boa-fé, sob pena de responder pelos danos que culposamente causar à outra parte”. É que da análise dos elementos de integração dos deveres pré-contratuais, a saber, deveres de protecção, informação de lealdade[4] não há, até por maioria de razão, a prova de qualquer omissão que pudesse levar a Autora a concluir pelo risco de falência da Sociedade Espanhola. E assim, não tendo havido ofensa do princípio da boa-fé por parte da Ré, não poderá falar-se de culpa in contrahendo a qual se prende aqui com a lesão do interesse contratual negativo, ou dano de confiança, impondo quando aquela se verifica, que o lesado seja colocado na posição em que estaria se não tivesse encetado as negociações, tendo direito a ser ressarcido do que despendeu na expectativa da sua consumação[5].

                            +

     No entanto a Autora entende ainda que o comportamento da Ré sempre seria passível de responsabilidade civil, nomeadamente pelo disposto no artigo 483º nº 1 do Código Civil, ou seja violação de norma destinada a proteger interesses alheios. Na óptica da Autora tal disposição viabilizaria a aplicação ao caso vertente do disposto no DL 298/92 de 31 de Dezembro, já que também as normas que contém visam aquela protecção. Mas, tal como o Tribunal a quo, também entendemos que a previsão do artigo 483º não abrange o caso em análise; o seu fito é apenas prevenir certos interesses gerais ou colectivos, mau grado a sua aplicação possa também beneficiar interesses particulares. Deverá tratar-se de normas que “directamente apenas protejam a colectividade como tal, especialmente o Estado e que só beneficiam o indivíduo na medida em que cada um está interessado no bem da colectividade”[6]. Aliás o citado DL é taxativo na enumeração das instituições de crédito e respectivas funções, sendo certo que já acima explanámos que a 1ª Ré não se enquadra nessa enumeração. Por outro lado, a tese da recorrente levar-nos-ia a ultrapassar de forma abusiva a falta de regulamentação legal, o que não é em princípio função dos Tribunais suprir, mas antes ao poder legislativo se e quando o entender fazer.

                            +

     Nesta conformidade, a acção naufraga em toda a linha por falta de ilicitude, facto culposo e nexo de causalidade entre os danos sofridos pela Autora e o comportamento das Rés, sendo certo que a única entidade a quem aquela poderia pedir contas seria a DD, sociedade espanhola, que não é sequer Ré neste processo.

     Assim não verificados os requisitos da responsabilidade civil, sempre a revista teria que ser negada.

    

     Poderá destarte concluir-se:

     1) Mau grado em pouco se traduza, no tocante aos respectivos requisitos, a diferença entre os dois tipos de responsabilidade civil, contratual e extracontratual, certo é que no que concerne ao ónus da prova existe entre ambas uma diferença fundamental; na responsabilidade civil obrigacional a culpa presume-se, o que não sucede na responsabilidade extracontratual ou aquiliana onde cabe ao lesado provar a culpa do lesante.

     2) Não se provando que as Rés se encontrassem autorizadas ou registadas junto do Banco de Portugal para o exercício da actividade que vinham desempenhando, nem actuavam como instituições de crédito ou financeiras, tanto basta para se afirmar que aquele exercício não se integrava no regime previsto no artigo 298/92 de 31 de Dezembro, não estando o mesmo, aliás à data, tutelado por qualquer norma legal, o que só veio a suceder “com a publicação do DL 357-B/2007 de 31 de Outubro.

     3) Dando-se como provado que “as Rés não informaram os investidores com vista a prevenir eventuais danos e a alertá-los para o risco subjacente às suas aplicações”. Todavia isto não basta para assacar responsabilidade às Rés; é que o sucedido só poderá relevar se, em sede de causalidade adequada, fosse possível filiar o resultado danoso na conduta omissiva daquela; e isso não ocorreu.

     4) A exigência do nexo de causalidade facto/dano teria igualmente que marcar presença numa fase preliminar do contrato propriamente dito, como geradora de prejuízos, nisto se traduzindo a responsabilidade pré-contratual. Destarte não poderá falar-se de culpa in contrahendo que se prende com a lesão do interesse contratual negativo, ou dano de confiança, impondo quando aquela se verifica, que o lesado seja colocado na posição em que estaria se não tivesse encetado as negociações, tendo direito a ser ressarcido do que despendeu na expectativa da sua consumação.

     5) A previsão do artigo 483º não abrange o caso em análise; o seu fito é apenas prevenir certos interesses gerais ou colectivos, mau grado a sua aplicação possa também beneficiar interesses particulares. Deverá tratar-se de normas que “directamente apenas protejam a colectividade como tal, especialmente o Estado e que só beneficiam o indivíduo na medida em que cada um está interessado no bem da colectividade.

                            +

     3. DECISÃO.

     Pelo exposto acorda-se em negar a revista.

     Custas pela Autora.

    

Lisboa, 23 de Fevereiro de 2012.

Távora Victor (Relator)

Sérgio Poças

Granja da Fonseca


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      [1] Cfr. por todos Pessoa Jorge "Ensaio dos Pressupostos da Responsabilidade Civil" pags. 61 ss e 371 ss.

      [2] Vide Nuno Manuel Pinto Oliveira “Princípios de Direito dos Contratos” Coimbra Editora 2011, pags. 613. Menezes Leitão “Direito das Obrigações” I Almedina Coimbra, 5ª Edição, 2006, pags. 346 ss.

      [3] Cfr. Ac. deste STJ de 14-07-2010 in www.dgsi/stj; 

      [4] Cfr. Menezes Leitão Ob cit. pags. 353 ss: Menezes Cordeiro “Tratado de Direito Civil Português” Almedina, Coimbra 2005, 3ª Edição pags. 504 ss.

      [5] Cfr. v.g. Ac. deste Supremo Tribunal de 16-12-2010 in www.dgsi.pt.stj.

      [6] Cfr. Pires de Lima e Antunes Varela “Código Civil Anotado”, I 4ª Edição pags. 473.