Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
08B1846
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: JOÃO CAMILO
Descritores: CONTRATO DE SEGURO
INTERPRETAÇÃO DA DECLARAÇÃO NEGOCIAL
ÂMBITO DO RECURSO
QUESTÃO NOVA
NULIDADE DE CLÁUSULA
Nº do Documento: SJ20080710018466
Data do Acordão: 07/10/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Sumário :
I. Numa acção de indemnização deduzida contra uma seguradora pela respectiva segurada, a Relação pode, em recurso de apelação, conhecer da nulidade de cláusulas do respectivo contrato de seguro, apesar de só nas alegações da apelante tal nulidade ser levantada, por apesar de se tratar de questão nova, ser do conhecimento oficioso, nos termos do art. 286º do Cód. Civil.
II. A interpretação das cláusulas do contrato de seguro deve observar o disposto nos arts. 236º a 238º do Cód. Civil e no tocante às cláusulas gerais e especiais – por terem a natureza de cláusulas contratuais gerais -, o disposto no Dec.-Lei nº 486/85 de 25/10.
III. Deste último diploma legal ressalta o disposto no seu art. 7º, pelo qual as cláusulas particulares devem prevalecer sobre o conteúdo das cláusulas especiais e gerais.
IV. Assim, interpretada a cláusula particular com recurso à teoria da impressão do declaratário e com auxílio ao conteúdo de determinada cláusula especial do mesmo, tem o sentido daquela cláusula particular obtido de prevalecer sobre a cláusula geral de exclusão de garantia que colida com aquela.
V. Constando do mesmo contrato de seguro que a segurada não pode “sob pena de responder por perdas e danos” abonar a terceiros lesados a indemnização reclamada sem autorização escrita da seguradora, e tendo a seguradora se recusado a indemnizar esses terceiros, fica a segurada legitimada a proceder àquela indemnização e a exigir depois o respectivo montante da seguradora, independentemente de poder incorrer, eventualmente, na referida responsabilidade por perdas e danos para com a mesma seguradora.
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

A&A, SA intentou a presente acção declarativa, com processo ordinário, na 7ª Vara Cível do Porto, contra BB -Companhia de Seguros, SA, pedindo que a Ré fosse condenada a pagar-lhe a importância global de € 29.679,32, por tal quantia se traduzir no pagamento das reparações nas construções vizinhas e que a autora efectuou, devido aos danos que causou no decurso da obra realizada em Matosinhos, sendo certo que tal responsabilidade civil pelo pagamento de tais indemnizações se encontrava transferida para a R., por contrato de seguro realizado entre ambas.
A Ré Companhia de Seguros contestou, pedindo a improcedência da acção, por o contrato de seguro invocado ser um contrato de responsabilidade civil da actividade de empreiteiro (e não responsabilidade na execução de obra do empreiteiro) e, por outro lado, como resulta das condições especiais e particulares da apólice, ter sido excluída a responsabilidade civil no caso de danos ocorridos: em terrenos, …instalações subterrâneas, imóveis, bem como respectivos inquilinos ou recheios, que se produzam por desmoronamento ou abatimento de terreno ou no decurso dos trabalhos de escavação...ou infiltração de qualquer líquido..."; e pelo uso de ... martelos pneumáticos, aparelhos semelhantes e pelo arremesso de estilhaços resultantes do uso de explosivos". No mais impugnou os danos e pagamentos alegados pela autora.
Na réplica, a autora, além de ter impugnado a matéria de facto consubstanciadora de excepção, pugna pela natureza global do seguro contratado, o qual engloba todas as obras executadas pela autora e garante, sem excepção, toda e qualquer responsabilidade extracontratual da autora.
Ainda alega que a Ré assumiu a responsabilidade pelo pagamento dos danos em causa e que com a sua atitude contrária, incorreu em claro abuso de direito.
Por outro lado, sustenta que a actuação da A. - ao intervir imediata e prontamente em ordem a evitar o agravamento dos danos, e por estar em risco eminente a cedência das habitações afectadas pelos trabalhos por si executados - é enquadrável no instituto da acção directa, configurando a sua actuação também uma situação de estado de necessidade.
Ainda pede a condenação da Ré como litigante de má fé, em multa e indemnização não inferior a € 5.000,00.
A Ré treplicou, concluindo nos mesmos termos da sua contestação e pugnando pela sua absolvição do pedido.
Foi proferido saneador e organizou-se a condensação, realizando-se julgamento com decisão da matéria de facto e sendo proferida sentença que julgou a acção improcedente.
Inconformada a autora, apelou dessa sentença, tendo a apelação sido julgada procedente e sendo a ré condenada parcialmente no pedido.
Desta vez foi a ré que inconformada interpôs a presente revista, tendo nas suas alegações formulado as seguintes conclusões:
- Tendo a autora suscitado a questão da nulidade da cláusula 1º 2.1 e 1º 2.2 das condições especiais do contrato de seguro no recurso de apelação, o Tribunal recorrido não podia tomar em conhecimento de tal nulidade contratual, porquanto se tratava de uma questão nova.
- É que os recursos destinam-se a conhecer questões já tratadas nos autos e já decididas, e não para conhecer de questões novas, o que se verificou in casu, pois que
- Só em sede de recurso de apelação a autora veio a suscitar a questão da nulidade de tais cláusulas contratuais – o que o Tribunal recorrido conheceu no douto acórdão recorrido.
- Por isso, foi violado o disposto no art. 676º do CPC.
- Mesmo que assim se não entenda, sempre as ditas cláusulas são válidas, pois que ao caso não diz respeito a contratação da cláusula “cabos e tubagens subterrâneos”.
- Sendo válidas tais cláusulas, a ré não responde pelos danos provocados pela autora.
- É que a cláusula “cabos e tubagens subterrâneos “ não diz respeito à colocação de tais equipamentos, mas sim, aos danos provocados em tais bens quando se efectuam obras que implicam abertura de solos e perfurações ou mexidas no subsolo.
- Por isso, tal cláusula refere-se à cobertura de eventuais danos em bens que não são visíveis.
- Mas isso nada tem a ver com a natureza das obras ou com o processo construtivo em que as obras se desenrolam ou são executadas.
- Por isso, a contratação de tal cláusula não interfere com a contratação das cláusulas previstas em 1º 2.1 e 1º 2.2 das condições especiais da apólice ou até com a cláusula prevista em 5º.2 e) das condições gerais da apólice.
- Sendo válidas as cláusulas gerais e especiais da apólice, os danos provocados pela autora, conforme resulta dos factos provados, não estão cobertos pelo seguro.
- É que tais danos foram provocados por desmoronamento ou abatimento de terreno, no decurso de trabalhos de escavação, por infiltração de água, por uso de martelos pneumáticos e aparelhos semelhantes e ainda provocados por vibrações.
- Assim, não estava transferida para a ré a responsabilidade pelos danos provocados pela autora, pelo que a acção devia ter sido julgada totalmente improcedente, como decidiu o Tribunal de 1ª instância.
- Ao decidir em sentido contrário, o Tribunal recorrido violou o disposto nos arts. 236º, 238º, 405º e 406º do Cód. Civil, no art. 427º do Cód. Comercial, e ainda nos arts. 10º e 11º do Dec.-Lei nº 486/85 de 25/10.
- Além disso, a acção devia também ser julgada improcedente, pois que a autora – atento o estabelecido no art. 24º-2 das condições gerais da apólice – estava impedida de liquidar quaisquer indemnização a terceiros.
- Tal cláusula contratual é válida e estava em vigor, pelo que, atento o disposto nos arts. 405º e 406º do Cód. Civil, que se mostram violados pela autora – ao pagar - pagou mal, donde dever ser a acção julgada totalmente improcedente.

Contra-alegou a recorrida defendendo a manutenção do decidido.
Corridos os vistos legais, urge apreciar e decidir.
Como é sabido – arts. 684º, nº 3 e 690º, nº 1 do Cód. de Proc. Civil -, o âmbito dos recurso é delimitado pelo teor das conclusões dos recorrentes.
A aqui recorrente nas conclusões das suas alegações levantou, para conhecer neste recurso, as seguintes questões:
a) Tendo a autora apenas suscitado a questão da nulidade da cláusula 1º 2.1. e 1º 2.2. das condições especiais do contrato de seguro em causa, no recurso de apelação, não podia a Relação tomar conhecimento de tal nulidade contratual, por se tratar de questão nova ?
b) De qualquer modo as ditas cláusulas são válidas e importam a desresponsabilização da recorrente pelos danos peticionados, porque a cláusula “cabos e tubagens subterrâneos “ não diz respeito à colocação de tais equipamentos mas sim aos danos provocados em tais bens já colocados por terceiros quando se efectuam obras que impliquem aberturas dos solos e perfurações ou mexidas no subsolo ?
c) E sempre a acção devia ser improcedente por força da cláusula 24º- 2 das condições gerais da apólice ?

Mas antes de apreciar estas questões há que especificar a matéria de facto que as instâncias deram como provada e que a seguinte:
A) A Autora dedica-se ao exercício da indústria de construção civil de obras públicas e particulares.
B) Em 19/04/2000, a Autora, como segurada/tomadora de seguro, e a Ré, como seguradora, celebraram o contrato de seguro, do ramo «responsabilidade civil», titulado pela apólice n° 2-1-91-051748/01 (actualmente apólice n° 54325218 - doc. de fls. 27), cuja «Condição Particular» se encontra junta a fls. 18, contrato esse que teve início na referida data e nos termos do qual a Autora transferiu para a Ré a responsabilidade civil, por «danos corporais e ou materiais», de obras públicas «com a cláusula de cabos e tubagens subterrâneas», sendo o capital seguro de Esc. 200.000.000$00, com uma franquia de 10,00% do sinistro, com um mínimo de Esc. 100.000$00.
C) Nos termos do art. 2° das «Condições Gerais» do contrato de B), juntas a fls. 20/25, tal contrato «tem por objecto a garantia da responsabilidade extracontratual que, ao abrigo da lei civil, seja imputável ao Segurado, através do pagamento das indemnizações que legalmente lhe sejam exigíveis pelos danos patrimoniais e não patrimoniais resultantes das lesões corporais e/ou materiais por este causadas a terceiros, enquanto na qualidade ou no exercício da actividade expressamente referida nas Condições Especiais e Particulares» desse contrato.
D) De acordo com o art. 5.º, n° 2, al. e) dessas mesmas «Condições Gerais», «salvo convenção em contrário das Condições Especiais e mediante pagamento de sobreprémio e sem prejuízo de outras exclusões nelas constantes», o contrato de seguro de B) «não garante também os danos resultantes de lesões cobertas pelo art. 2° quando causadas e/ou decorrentes» «pela alteração do meio ambiente (...), assim como todas aquelas que forem devidas à acção de fumos, vapores, vibrações, ruídos, cheiros, temperaturas, humidades, corrente eléctrica ou substâncias nocivas».
E) Segundo o art. 24°, n° 1 das mencionadas «Condições Gerais», «em caso de sinistro coberto» pelo contrato de B), «o Tomador de Seguro e o Segurado, sob pena de responderam por perdas e danos, obrigam-se», designadamente:
- «a comunicarem à Seguradora, no prazo de 48 horas a contar do momento em que tenham tido ou devam ter tido conhecimento de qualquer acto ou facto de que possa eventualmente resultar responsabilidade garantida por esta Apólice e a participarem-no, por escrito e de forma circunstanciada, no prazo de 8 dias» (al. a);
- «a comunicarem à Seguradora, no prazo de 48 horas a contar do momento em que tenham tido ou devam ter tido conhecimento de qualquer pedido de indemnização formulado pelo lesado (...), mesmo quando tenham já participado o sinistro» (al. b).
E de acordo com a al. a), do n.º 2 desse mesmo art. 24°, «o Segurado não poderá também, sob pena de responder por perdas e danos», «abonar extrajudicialmente a indemnização reclamada sem autorização escrita da Seguradora, formular ofertas, tomar compromissos ou praticar acto tendente a reconhecer a responsabilidade da Seguradora, a fixar a natureza e valor da indemnização ou que, de qualquer forma, estabeleça ou signifique a sua responsabilidade».
F) Nos termos do art. 1.º, n° 1 das «Condições Especiais» do contrato de B), juntas a fls. 19, sob a epígrafe «Âmbito de Cobertura», «de harmonia com o disposto nas Condições Gerais da Apólice», tal contrato «tem por fim a cobertura da responsabilidade civil legal extracontratual imputável ao Segurado pelos danos patrimoniais e não patrimoniais resultantes de lesões corporais e/ou materiais causadas a terceiros durante o período de execução dos trabalhos inerentes às obras a cargo do Segurado, incluindo os emergentes da actividade dos estaleiros, laboração de equipamento auxiliar (gruas, escavadores, pás, carregadoras, dumpers, empilhadoras e análogos), queda de materiais, ferramentas e andaimes, desde que montados pelo Segurado».
Segundo o n° 2 do referido art. 1.º, «quando expressamente declarado nas Condições Particulares da Apólice e mediante o pagamento de sobreprémio, este contrato garantirá a responsabilidade civil do Segurado, por danos de carácter acidental causados», nomeadamente:
- «em terrenos, cabos, canalizações, pontes, poços, instalações subterrâneas e imóveis, bem como aos respectivos inquilinos e recheios, que se produzam por desmoronamento ou abatimento do terreno ou no decurso de trabalhos de escavação, construção ou demolição ou em seguida a extravasamento ou infiltração de qualquer líquido» (ponto 2.1);
- «pelo uso de bate estacas, martelos pneumáticos e aparelhos semelhantes» (ponto 2.2);
- «pelo arremesso de estilhaços resultantes do uso de explosivos» (ponto 2.3).
G) Segundo o art. 2.º das referidas «Condições Especiais» do contrato de B), sob a epígrafe «Exclusão de Riscos», «além das exclusões expressamente designadas nas Condições Gerais da Apólice», o contrato de B) «não cobre», designadamente:
- «fendas ou fissuras em edifícios, desde que estas não afectem a estabilidade dos mesmos edifícios nem a segurança dos que deles fazem uso» (n.º 6);
- «danos consequentes da utilização de explosivos, sem prejuízo do disposto em 2.3 pelos danos causados exclusivamente pelo arremesso de estilhaços» (n.º 7).
H) No exercício da actividade mencionada em A), os Serviços Municipalizados de Águas e Saneamento de Matosinhos adjudicaram à Autora a empreitada de «remodelação de redes de saneamento básico do Largo ... e Envolventes, em St Cruz do Bispo», através do contrato celebrado em 10/09/2002, titulado pelo doc. fotocopiado a fls. 15/17, tendo os respectivos trabalhos sido objecto de consignação.
I) No âmbito da empreitada de H), a Autora, no decurso do seu normal trabalho de exploração, durante o período de execução dos trabalhos, que lhe foram adjudicados, inerentes às obras a seu cargo, efectuou as infra-estruturas para a remodelação das redes de saneamento básico no local, tendo procedido, para a instalação de tubagens subterrâneas, à abertura de uma vala no Largo da ..., em St Cruz do Bispo, junto à Igreja Paroquial de St Cruz do Bispo, e de uma vala na Rua do ..., em Sta Cruz do Bispo, com recurso, pelo menos, a escavadoras.
J) A fls. 67, encontra-se fotocopiada uma carta, datada de 23/11/2004, enviada pela Ré à Autora e por esta recebida, da qual consta, designadamente:
«Assunto: Processo de Sinistro na 04543098 - Apólice RC 55018505 ; Lesados Vários - Remodelação de redes de saneamento básico no Largo da ... e envolventes, em Santa Cruz do Bispo; Sinistro ocorrido em 07/04/2004».
«Reportamo-nos à participação do sinistro que V. Exas oportunamente nos enviaram, para dar conhecimento que consideramos finalizada a instrução do processo em epígrafe.
Após a requerida e cuidada apreciação, fundamentalmente com base na documentação enviada e peritagem efectuada, concluímos que a ocorrência verificada (danos diversos em imóveis, decorrentes da abertura de valas) não possui enquadramento nas coberturas de Responsabilidade Civil previstas pela apólice.
Esta conclusão é baseada no facto da apólice não garantir danos de carácter acidental causados "em terrenos, cabos, canalizações, pontes, poços, instalações subterrâneas e desmoronamento ou abatimento do terreno ou no decurso de trabalhos de escavação, construção ou demolição (...)" de acordo com Ponto 2.1 do Art. 1.º das Condições Especiais da apólice. Igualmente, este contrato não cobre "danos consequentes da utilização de explosivos (...)" conforme Ponto 7 - Art. 2.º -Exclusão de Riscos, das Condições Especiais da apólice.
Neste contexto, informamos V. Exas que iremos proceder ao encerramento do processo de sinistro sem o pagamento de qualquer indemnização».
L) A fls. 68/69, encontra-se fotocopiada uma carta registada com aviso de recepção (fls. 70), datada de 10/12/2004, enviada pela Autora à Ré e por esta recebida, da qual consta, nomeadamente:
«Em resposta à vossa carta de 23.11.2004 relativa ao processo de sinistro em epígrafe, vimos pronunciarmo-nos nos termos seguintes:
1. Carece de total fundamento a vossa posição no sentido de que a ocorrência verificada não possui enquadramento nas coberturas de responsabilidade civil previstas pela apólice;
2. Com efeito o sinistro ocorrido mostra-se coberto pela respectiva apólice e enquadrado no artigo l.º, n.º 1 das condições especiais e bem assim no artigo 2.º das condições gerais;
3. Na verdade, trata-se de um sinistro ocorrido durante o período de execução dos trabalhos inerentes às obras a cargo desta empresa, na abertura de valas para instalação de tubagens com recurso a escavadoras;
4. Sendo certo que por força da nossa actividade produziram-se danos patrimoniais na esfera de terceiros e concretamente em imóveis localizados na imediação da obra;
5. Por outro lado, imediatamente após a produção do sinistro, concretamente no mês de Abril do corrente ano, efectuamos a competente participação dos danos junto dessa seguradora;
6. Temos conhecimento que peritos dessa seguradora se deslocaram diversas vezes às habitações sinistradas e assumiram quer junto desta empresa quer dos respectivos proprietários os custos das diferentes reparações;
7. Pelo que é com total surpresa e repúdio que registamos a vossa actual posição, de resto contrária à inicialmente assumida, e tomada decorridos cerca de 8 meses após a nossa participação;
8. Assim, dada a gravidade da situação concedemos a V. Exas um último prazo de 15 dias para assunção das vossas responsabilidades;
9. Findo esse prazo sem que V. Exas assumam o custo das diferentes reparações, será esta empresa a promover a execução das referidas obras, imputando todos os custos delas decorrentes a essa Seguradora».
M) A fls. 71, encontra-se fotocopiada uma carta, datada de 03/02/2005, enviada pela Ré à Autora e por esta recebida, da qual consta, em síntese:
«Em resposta à prezada carta de V. Exas de 10 de Dezembro, cumpre-nos informar que procedemos à reanálise deste assunto, tendo concluído por manter a posição anteriormente assumida.
Com efeito, pese muito embora os argumentos aduzidos na Vossa carta, o evento participado não tem enquadramento nas coberturas garantidas pelo contrato titulado pela apólice (...), tendo em conta nomeadamente, a discrepância entre o âmbito do seguro face à obra, a origem dos danos (vibrações) e os meios utilizados (explosivos) nas escavações.
Nestes termos, embora lamentando, encontramo-nos impedidos de satisfazer a Vossa pretensão».
N) Das valas referidas em I), apenas a vala da Rua .., em Santa Cruz do Bispo tinha a profundidade de cerca de 5 a 6 metros e foi entivada pela autora, para evitar cedências de terras ( resposta ao quesito 1°).
O) Quando procedia à abertura dessas valas, nas condições referidas em I), a Autora provocou fissuras várias nos tectos e paredes do prédio de habitação de JC, sito à Rua do ..., no 107, em St Cruz do Bispo, e desalinhamento de muros exteriores e pavimentos (resposta ao quesito 2.º).
P) E provocou fissuras várias nos tectos e parede de todas as divisões no prédio de habitação de Maria Emilia A1ves da Cruz, sito à Rua do ..., n° 121, em Sta. Cruz do Bispo ( resposta ao quesito 3°).
Q) E provocou fissuras várias na paredes e tectos do prédio de habitação de CS, sito à Rua ..., n° 000, em St Cruz do Bispo ( resposta ao quesito 4°).
R) E provocou fissuras diversas nas paredes interiores, e tectos do prédio de habitação de JL, sito à Rua do ..., n° 137, em Sta Cruz do Bispo ( resposta ao quesito 5°).
S) E provocou fissuras nas paredes exteriores dos prédios sitos à Rua ..., nos 107, 121, 123, 137, 139 e 153, de LS (resposta ao quesito 6°).
T) E provocou brechas nos muros exteriores e fissuras e assentamentos dos pavimentos exteriores na habitação de José A1ves da Silva, sita à Rua do ..., n° 122, em Sta Cruz do Bispo ( resposta ao quesito 7°).
U) E provocou fissuras diversas nas paredes e tectos da Igreja Paroquial de Sta Cruz do Bispo e no assentamento dos degraus e patamares da entrada da mesma ( resposta ao quesito 8°).
V) Os danos referidos nos quesitos 2° a 7°, inc1usivé, foram resultado e consequência directa do tipo de terreno mole e quase vegetal existente no local de intervenção da Autora, e das chuvas contínuas e intensas que ocorreram à data ( resposta ao quesito 9.º).
W) A Autora não recorreu à utilização de explosivos nas frentes de trabalhos referidas em I) ( resposta ao quesito 10°).
X) Na sequência de oficio dos SMAS de Matosinhos a referir os danos causados pela Autora na Igreja Paroquial de Sta Cruz do Bispo, aquela efectuou, em 22/04/2004, a participação do sinistro junto de representante da Ré ( resposta ao quesito 11°).
Y) Os proprietários das habitações vizinhas afectadas pela intervenção da Autora em obra, foram informadas pelo Director de Produção desta última, Eng. António Macedo, de que deveriam apresentar junto da Autora as respectivas reclamações acompanhadas dos competentes orçamentos para reparação dos danos ocorridos, o que fizeram (resposta ao quesito 12°).
Z) Na sequência das restantes reclamações que lhe foram dirigidas por proprietários de prédios vizinhos, a Autora apresentou, em 10/05/2004 e em 25/05/2004, por escrito, as participações dos sinistros, formulando junto da Ré o pedido de abertura de sinistro e peritagem dos danos ( resposta ao quesito 13°).
AA) Aquando da participação dos sinistros à R, a autora pediu a intervenção de um perito daquela na obra, a fim de verificar a extensão dos danos, o qual avaliou os danos ( resposta ao quesito 14°).
BB) Após a produção dos danos aludidos nos quesitos 2° a 8°, inclusivé, peritos da Ré deslocaram-se aos prédios aí referidos (resposta ao quesito 15°).
CC) Para reparar todas as fissuras dos tectos e paredes o interior da habitação aludida no quesito 2°, construir um tecto novo e pintar a tinta plástica todas as paredes que foram arranjadas, foi necessária a quantia de € 1.523,20, que a Autora pagou a JC (resposta ao quesito 16°).
DD) Na habitação aludida no quesito 3°, para construir um tecto novo em «pladur», reparar todas as fissuras dos outros tectos e paredes, pintar a tinta plástica os que foram arranjados e retirar alguns azulejos do quarto de banho e colocar novos, foi precisa a importância de € 1.523,20, que a Autora pagou a Maria Emília Alves da Cruz ( resposta ao quesito 17°).
EE) Na habitação referida no quesito 4°, para fazer três tectos novos em «pladur», eliminar as fissuras nos restantes tectos e paredes do prédio, arranjar o quarto de banho e pintar as paredes que foram arranjadas, foi necessário o montante de € 2.088,50, que a Autora pagou a CS ( resposta ao quesito 18°).
FF) Na habitação mencionada no quesito 5°, para reparar e pintar o tecto da cozinha, reparar e pintar as paredes da cozinha, reparar e pintar as paredes do quarto, pintar o tecto do quarto, reparar e pintar o tecto do hall de entrada e reparar e pintar as paredes do hall de entrada, foi precisa a quantia de € 2.088,50, que a Autora pagou a JL (resposta ao quesito 19°).
GG) Para reparar todas as fissuras dos tectos e paredes o interior da habitação aludida no quesito 2°, construir um tecto novo e pintar a tinta plástica todas as paredes que foram arranjadas, foi necessária a quantia de € 1.523,20, que a Autora pagou a JC (resposta ao quesito 16°).
HH) Na habitação aludida no quesito 3°, para construir um tecto novo em «pladur», reparar todas as fissuras dos outros tectos e paredes, pintar a tinta plástica os que foram arranjados e retirar alguns azulejos do quarto de banho e colocar novos, foi precisa a importância de € 1.523,20, que a Autora pagou a Maria Emília Alves da Cruz ( resposta ao quesito 17°).
II) Na habitação referida no quesito 4°, para fazer três tectos novos em «pladur», eliminar as fissuras nos restantes tectos e paredes do prédio, arranjar o quarto de banho e pintar as paredes que foram arranjadas, foi necessário o montante de € 2.088,50, que a Autora pagou a CS ( resposta ao quesito 18°).
JJ) Na habitação mencionada no quesito 5°, para reparar e pintar o tecto da cozinha, reparar e pintar as paredes da cozinha, reparar e pintar as paredes do quarto, pintar o tecto do quarto, reparar e pintar o tecto do hall de entrada e reparar e pintar as paredes do hall de entrada, foi precisa a quantia de € 2.088,50, que a Autora pagou a JL (resposta ao quesito 19°).
LL) Para reparar as fissuras verificadas nas paredes dos prédios referidos no quesito 6° e reparar e pintar as respectivas fachadas e reparar os muros exteriores, foi necessária a importância de €2.677,50, que a Autora pagou a LS ( resposta ao quesito 20°).
MM) Na habitação mencionada no quesito 7°, a Autora, com a anuência do seu proprietário, efectuou, ela própria, os trabalhos de reparação, demolição dos muros e pavimentos exteriores, os quais custaram, com equipamento, mão-de-obra e materiais, € 5.876,94, quantitativo que a Autora suportou ( resposta ao quesito 21°).
NN) Na Igreja Paroquial de Sta Cruz do Bispo, para a execução dos trabalhos de reparação dos danos aludidos no quesito 8°, foi preciso a quantia de € 12.913,48, que a Autora pagou à «Fábrica da Igreja Paroquial de St Cruz do Bispo» ( resposta ao quesito 22°).
OO) Pelo menos, as obras mencionadas nos quesitos 18°, revestiam-se de carácter urgente por existir risco para a segurança das pessoas que nelas habitavam ( resposta ao quesito 23°).
PP) A Autora deu imediato conhecimento à Ré dos trabalhos aludidos nos quesitos 16°, 17°, 18°, 19°, 20°, 21º e 22° e das indemnizações que pagou aos proprietários e inquilinos dos prédios em ordem à promoção de tais trabalhos ( resposta ao quesito 24.º).
QQ) Na abertura da vala no Largo da ... referida em I), a autora utilizou, também, martelo e aparelhos de percussão ( resposta ao quesito 25°).
RR) Tais instrumentos e as escavadoras aludidas em I), ao serem manuseados e ao trabalharem, produziram vibrações que foram afectar a Igreja Paroquial de St Cruz do Bispo, abrindo brechas e fissuras nas paredes, interiores e exteriores, bem como nas escadas e alguns muros (resposta ao quesito 26°).
SS) Na abertura da vala na Rua do ..., aludida em I), que atingiu a profundidade de cerca de 5 a 6 metros, a autora utilizou as escavadoras mencionadas em I), que provocaram vibrações e consequentes rachas e fissuras nos prédios urbanos sitos na Rua do ..., com entradas pelos n.ºs 107,121,123, 137, 139 e 153 ( resposta ao quesito 27°).
TT) Na noite de 1 para 2 de Abril de 2004 ocorreu um desmoronamento da vala sita na Rua do ..., o que provocou um abatimento do terreno circundante e consequentes assentamentos de passeios e muros exteriores nos prédios urbanos sitos na Rua do ..., com entradas pelos n.ºs 114 e 122 ( resposta ao quesito 28°).

Vejamos agora cada uma das concretas questões acima mencionadas como objecto deste recurso.

a) Nesta primeira questão defende a recorrente que a apreciação da nulidade das cláusulas 1º 2.1. e 1º 2.2. das condições especiais do contrato em causa estava vedada à Relação por, tratando-se de questão apenas levantada pela recorrida no recurso de apelação, constituir questão nova não susceptível de apreciação ex novo em recurso.
Não podemos aceitar tal pretensão tal como doutamente já opinou o douto acórdão recorrido.
Com efeito e citando o sumário do notável acórdão deste Supremo Tribunal de 7-01-1993, BMJ 423, pág. 539 e segs.: “ Os recursos visam o reestudo, por um Tribunal Superior, de questões já vistas e resolvidas pelo tribunal a quo, e não a pronúncia do Tribunal a quem sobre questões novas. Esta regra, que decorre, e designadamente, dos artigos 676º, nº 1 e, e 684º, nº 3 do Código de Processo Civil, comporta duas excepções: 1º - situações em que a lei expressamente determina o contrário; 2º- situações em que em causa está matéria de conhecimento oficioso”.
Ora a nulidade de cláusulas contratuais é do conhecimento oficioso, nos termos do art. 286º do Cód. Civil.
Desta forma, apesar de a aqui recorrida não ter levantado a questão da nulidade das cláusulas contratuais em causa na primeira instância e a respectiva sentença dela se não ter ocupado, nada impedia que o acórdão que conheceu da apelação interposta daquela sentença tivesse apreciado essa nulidade, por, apesar de ser questão nova – porque não levantada nem conhecida na 1ª instância e apenas ter sido levantada nas alegações da apelação -, ser do conhecimento oficioso.
Soçobra, assim, este fundamento do presente recurso.

b) Nesta segunda questão defende a recorrente a validade das referidas cláusulas e a sua interpretação no sentido de as mesmas eximirem aquela da responsabilidade pelos danos aqui peticionados.
Esta é uma questão que requer mais aprofundada análise, já que a sentença de 1ª instância, que fez uma análise cuidada do litígio, chegou à conclusão de que as mesmas cláusulas eram válidas e interpretou-as no sentido de que pelas mesmas a recorrente era exonerada da responsabilidade decorrente do contrato de seguro. Por seu lado, o douto acórdão recorrido fez um estudo igualmente profundo e fundamentado sobre essa questão e concluiu no sentido de que essas cláusulas devem ser interpretadas restritivamente, no sentido de que não excluem a responsabilidade da recorrente nos danos peticionados.
Daqui poderá dizer-se, desde já, que a redacção que a recorrente deu às condições gerais, especiais e particulares do contrato em causa poderá ter sido pouco unívoca, o que poderá levar à aplicação do disposto no art. 11º, nº 2 do Dec.-Lei nº 446/85 de 25/10.
Vejamos então a questão.
Ora antes de mais há que precisar os termos da decisão do acórdão recorrido.
Este não declarou a nulidade das referidas cláusulas 1º2.1. e 1º 2.2. das condições especiais do contrato em causa como refere a recorrente, mas apenas as interpretou, em consonância com as condições particulares do mesmo, de forma algo restritiva que permitiu fazer englobar os danos aqui peticionados nos danos segurados no contrato em causa, danos esses que a 1ª instância havia entendido estarem abrangidos pelas excepções à garantia daquele seguro.
O que o acórdão em causa qualificou como nula, por contrária à boa fé, nos termos do art. 16º do citado Dec.-Lei nº 486/85, foi a cláusula do art. 5º/2-e) das condições gerais do mesmo contrato - cfr. acórdão recorrido a fls. 447 a 449.
Desta forma, não há que apreciar a alegada nulidade daquelas cláusulas, mas sim proceder à sua interpretação a fim de aferir se pelas mesmas os danos aqui peticionados estão abrangidos pela garantia do contrato em causa ou pelas excepções ou exclusões àquela garantia.
Tal como referiu o acórdão recorrido, está aqui em causa a interpretação de um contrato de seguro, negócio este formal e cuja forma ou título é dado pela respectiva apólice, normalmente, integrada por condições gerais, particulares e, se as houver, especiais.
Para a interpretação destas cláusulas há, antes de mais, que recorrer ao disposto nos arts. 236º e segs. do Cód. Civil.
Segundo o mencionado art. 236º, a declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não poder razoavelmente contar com ele. E continua aquele dispositivo que sempre que o declaratário conheça a vontade real do declarante, é de acordo com ela que vale a declaração emitida.
Por seu lado, tratando-se de negócio formal, o art. 238º do mesmo código estipula que a declaração não pode valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso.
Além disso, na interpretação daquela declaração há que atender a todas as circunstâncias do caso concreto, todos os coeficientes ou elementos que um declaratário medianamente instruído, diligente e sagaz, na posição do declaratário efectivo, teria tomado em conta.
Trata-se da teoria objectivista cujo “ objectivo da lei é, em tese geral, o de proteger o declaratário, conferindo à declaração o sentido que seria razoável presumir em face do comportamento do declarante, e não o sentido que este lhe quis efectivamente atribuir”- cfr. A. Varela e P. de Lima, em Cód. Civil, anotado, vol. I, pág. 152 da 1ª instância.
Esta teoria é vulgarmente denominada pela teoria da impressão do declaratário – cfr. Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, pág. 418.
Como também referem as instâncias, revestindo as condições gerais e especiais do contrato em causa, a natureza de cláusulas contratuais gerais, no sentido de que foram elaboradas antecipadamente pela seguradora proponente, sem prévia negociação individual, limitando-se a aderente segurada a subscrevê-las ou a aceitá-las, haverá que lhes aplicar as normas do Dec.-Lei nº 486/85 já mencionado, onde se procura defender o contratante habitualmente mais fraco, ou seja o aderente, que não teve oportunidade de intervir na discussão e redacção daquelas cláusulas e, por isso, nem sempre pode facilmente tomar conhecimento exacto e completo do seu conteúdo, regulamentação essa onde primam normas tendentes à observância das regras decorrentes da boa fé.
Desde logo se destaca o art. 10º deste Decreto-Lei que aponta para a interpretação das referidas cláusulas contratuais gerais, ao recurso às regras relativas à interpretação e integração dos negócios jurídicos, mas sempre dentro do contexto de cada contrato singular em que se incluam.
Além isso, o art. 7º deste decreto-lei ainda prevê que as cláusulas especificadamente acordadas – condições particulares – prevalecem sobre quaisquer cláusulas contratuais gerais, mesmo que constantes de formulários assinados pelas partes.
Por seu turno, o art. 11º, nº 1 do mesmo decreto-lei estipula que as cláusulas contratuais gerais ambíguas têm o sentido que lhes daria o contratante indeterminado normal que se limitasse a subscrevê-las ou a aceitá-las, quando colocado na posição de aderente real.
E o seu nº 2 acrescenta que na dúvida, prevalece o sentido mais favorável ao aderente.
Já o art. 12º do mesmo diploma legal estabelece a nulidade das cláusulas contratuais gerais proibidas nos termos do mesmo diploma.
E, ainda, o seu art. 16º comina com a nulidade as cláusulas deste tipo contrárias à boa fé.
As condições particulares constantes do contrato em causa referem:

“ Garantias: danos corporais e ou materiais; Capitais: 200.000.000$00; Franquias: 10,00% do sinistro.
R. civil de obras públicas com a cláusula de cabos e tubagens subterrâneas. Franquia mínima 100.000,00. Taxa ajustamento 0,95 por mil s. volume facturação. Correcção das condições da apólice conforme anexo.”

As demais cláusulas aqui em apreço e nomeadamente as cláusulas de exclusão de garantia, constam das condições gerais ou especiais que, como dissemos, têm natureza de cláusulas contratuais gerais, pelo que estas não poderão contrariar aquelas condições particulares do contrato.
A interpretação das referidas cláusulas particulares efectuada no acórdão em recurso foi objecto de impugnação da recorrente.
Segundo aquele acórdão, aplicando a referida teoria da impressão do declaratário, a referência nas condições particulares à “ cláusula de cabos e tubagens subterrâneas” tem o significado de estarem garantidos os danos da responsabilidade da segurada ocasionados na execução dos trabalhos de colocação de cabos e tubagens subterrâneas incluídas nas obras a cargo da segurada, em que se inclui os decorrentes da laboração de equipamentos auxiliares de tais trabalhos, como escavadoras. E esta conclusão retira-a o douto acórdão, além do mais, do conteúdo do art. 1º, nº 1 das condições especiais da mesma apólice, que sob a epígrafe de “Âmbito de Cobertura”, refere que “De harmonia com o disposto nas Condições Gerais da Apólice, o presente contrato tem por fim a cobertura da responsabilidade civil legal extracontratual imputável ao segurado pelos danos patrimoniais e não patrimoniais resultantes de lesões corporais ou materiais a terceiros durante o período de execução dos trabalhos inerentes às obras a cargo do segurado, incluindo os emergentes da actividade de estaleiros, laboração de equipamento auxiliar ( gruas, escavadoras (...).”
Daqui acrescenta o acórdão em apreço que a utilização de escavadoras e a abertura de valas subterrâneas implica a produção de vibrações, pelo que o declaratário normal colocado na posição da recorrida ao celebrar o contrato de seguro em causa sempre interpretaria a referida cláusula de cabos e tubagens subterrâneas como ficando abrangidos os danos provocados pelas referidas vibrações inerentes à utilização das escavadoras.
E continua o citado acórdão referindo que com base nesta interpretação da citada cláusula particular, se tem de aceitar que os danos aqui peticionados estão cobertos por força do previsto na cláusula 1º 2. 1. e 1º2. 2.
Esta cláusula especial da apólice em causa refere:
“ Quando expressamente declarado nas condições particulares da apólice e mediante o pagamento de sobreprémio, este contrato garantirá a responsabilidade civil legal do segurado, por danos de carácter acidental causados:
2.1 Em terrenos, cabos, canalizações, pontes, instalações subterrâneas e imóveis, bem como aos respectivos inquilinos e recheios, que se produzam por desmoronamentos ou abatimento do terreno ou no decurso de trabalhos de escavação, construção ou em seguida a extravasamento ou infiltração de qualquer líquido;
2.2 Pelo uso de bate estacas, martelas pneumáticos e aparelhos semelhantes.”
Com estas considerações, o citado acórdão avança para a não aplicação da cláusula de exclusão de cobertura prevista no art. 5º, nº 2 al. e) – que fala em danos resultantes de vibrações - das condições gerais, por contrária à referida cláusula particular que tem de lhe sobrepor, por força do art. 7º do mencionado Dec-Lei nº 486/85.
Também aquele acórdão refere que a cláusula de exclusão é contrária à boa fé e como tal nula por aplicação do art. 16º do mesmo decreto-lei.
Pensamos, à primeira vista, que este entendimento nos merece inteira aceitação e por isso é de confirmar.
Em termos conclusivos, diremos que a mencionada cláusula particular da apólice, interpretada com base na referida teoria da impressão do destinatário, socorrendo-nos do texto do art. 1º 1. das condições especiais da mesma apólice, tem o significado de abranger a cobertura de danos decorrentes da actividade de abertura de valas e uso de escavadoras que provocam necessariamente vibrações e podem fazer deslocar terrenos ou terras e afectar prédios ou terrenos vizinhos.
Desta interpretação se tem de entender abrangidos os danos referidos no art. 2º 2.1. e 2.2., por estarem incluídos na citada cláusula particular.
E dada a prevalência legal das cláusulas particulares sobre as gerais e as especiais – art. 7º do Dec.-Lei nº 486/85 -, tem de ser afastada a cláusula de exclusão incluída na condição geral no art. 5º, nº 2 a. e), por contrária à referida cláusula particular.
Resta-nos analisar os argumentos da recorrente em sentido contrário, a fim de aferir da sua bondade.
Esta aponta como principal argumento em defesa do seu ponto de vista de irresponsabilidade da mesma, o facto de a segurada ter contratado um seguro com determinado grau de cobertura, com o pagamento de um prémio, quando podia ter contratado um grau maior ou menor de cobertura com pagamento, respectivamente, de maior ou menor prémio.
Mais acrescenta que a condição particular ao referir-se a “cláusula de cabos e tubagens subterrâneas “ se refere não aos danos causados pela actividade de abrir valas para cabos ou tubagens subterrâneas levada a cabo pela segurada, mas para os danos causados pela actividade desta segurada a cabos ou tubagens subterrâneas alheias.
Ora não sabemos qual a real intenção da recorrente na emissão desta declaração constante da cláusula particular e pode mesmo admitir-se, academicamente, que tenha sido essa a sua intenção, mas não é essa a interpretação que a segurada, segundo a teoria da impressão do declaratário, fez dessa declaração.
É que, por um lado, a cobertura de danos causados pela laboração de escavadoras está prevista indiscutivelmente no art. 1º 1. das condições especiais.
Por outro lado, se tem de entender que ao uso de escavadoras está inerente a produção de vibrações.
Além disso, a cobertura de danos com laboração de escavadoras, está em consonância com a abertura de valas, como é indispensável para colocação de cabos e tubagens subterrâneas.
Daí que o declaratário normal colocado na posição da segurada, atento o contexto do contrato em causa – e em especial, do seu art. 1º1. das condições especiais -, interpretaria a cláusula particular como abrangendo como danos cobertos pelo seguro, os derivados de escavações com as consequentes vibrações e os riscos de deslizamentos de terras e subsequentes danos nos prédios vizinhos.
É de referir que a sentença de 1ª instância que, apesar de haver ilibado a recorrente da responsabilidade, também interpretou a referida cláusula particular nos termos que o acórdão recorrido e este Supremo adoptaram.
De qualquer modo, se dúvidas houvesse sobre a interpretação das cláusulas especiais referidas sempre seria de interpretá-las no sentido mais favorável ao segurado, que é a interpretação que adoptámos, em obediência ao disposto no nº 2 do art. 11º já mencionado.
Improcede, desta forma, este fundamento do recurso.

c) Resta apreciar a questão de saber se a acção devia ter sido improcedente por força da aplicação da cláusula 24º, n º 2 al. a) das condições gerais da apólice.
Esta questão fora colocada na contestação pela recorrente na sua contestação – cfr. seu art. 33 de fls. 78, vº.
E foi rejeitada de forma sintética na sentença de 1ª instância, tendo sido levantada, de novo e ao abrigo do disposto no art. 684º-A do Cód. de Proc. Civil, nas contra-alegações da apelação, tendo sido igualmente rejeitada no acórdão recorrido, de forma mais fundamentada e que nos não parece merecer qualquer censura.
Vejamos.
O art. 24.º/2-a) da condições gerais diz:
“O Segurado não poderá também, sob pena de responder por perdas e danos:
- abonar extrajudicialmente a indemnização reclamada sem autorização escrita da Seguradora, formular ofertas, tomar compromissos ou praticar algum acto tendente a reconhecer a responsabilidade da Seguradora, a fixar a natureza e valor da indemnização ou que, de qualquer forma, estabeleça ou signifique a sua responsabilidade;”

Tal como doutamente entendeu o acórdão em apreço, o significado desta cláusula restritiva não pode deixar de consistir em que a seguradora pretende salvaguardar a sua capacidade de negociação, não querendo ficar vinculada por qualquer atitude do segurado que advenha de uma má ponderação dos riscos, de uma má apreciação da respectiva responsabilidade ou, até, de efectuação de pagamentos de valores superiores aos que se podiam conseguir.
E acrescenta aquele acórdão que se aceita que a cláusula é inteiramente lógica. Se a seguradora é responsável, é ela que deve negociar a amplitude da sua responsabilidade.
Porém no caso em apreço, a seguradora recusou-se a cumprir e a recorrida, ante a gravidade dos danos, resolveu substituir-se-lhe, sempre com o propósito de, posteriormente, ser reembolsada pela recorrente, que considera responsável ao abrigo do contrato de seguro.
De qualquer modo, a cláusula em apreço, não tem o significado de que, se o segurado se substituir à seguradora, esta fica desonerada da sua obrigação. Apenas pode querer dizer que se o segurado pagou mal ou mais do que devia, a seguradora ou não é responsável ou reduz a sua responsabilidade ao que for razoável, isto é, ao devido.
É isso que se deduz claramente da expressão contratual “sob pena de responder por perdas e danos “, não tendo a recorrente alegado ou provado que a reparação feita pela recorrida contra o acordado, tenha trazido danos à recorrente, no sentido de que aquela tenha pago ou despendido mais do que o devido ou do que a recorrente teria sido obrigada a pagar directamente. Aliás, ciente de que o pagamento pela apelante a não exonera da sua responsabilidade, é a própria Ré quem afirma na sua contestação que “oportunamente se apurará se causou danos à Ré ao efectuar os pagamentos que diz ter efectuado” – art. 34.
E em remate, acrescentaremos que perante a recusa de reparação por parte da seguradora-recorrente e a natural urgência na reparação dos danos em causa, até para obstar ao avolumar destes, sempre a boa fé que deve orientar, além do mais, o cumprimento das obrigações e o exercício dos respectivos direitos – art. 762º, nº 2 do Cód. Civil –, sempre tornaria inexigível outro comportamento à recorrida.
Desta forma, sempre a existência da referida cláusula, no contexto do caso concreto, nunca poderia levar a exonerar a recorrente do pagamento dos danos aqui peticionados, mas, quando muito, apenas obrigaria a recorrida a responder pelos danos ali previstos que aqui não foram peticionados.
Soçobra, assim, mais este fundamento do recurso e com ele toda a revista.

Pelo exposto, nega-se a revista pedida.

Custas pela recorrente.

Lisboa, 10 de Julho de 2008.

João Camilo ( Relator )
Fonseca Ramos
Cardoso de Albuquerque.