Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JSTJ00035029 | ||
| Relator: | PINTO MONTEIRO | ||
| Descritores: | ARROLAMENTO BENS COMUNS DO CASAL RENDIMENTO LEVANTAMENTO DE DINHEIRO DEPOSITADO | ||
| Nº do Documento: | SJ199811250009111 | ||
| Data do Acordão: | 11/25/1998 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Referência de Publicação: | BMJ N481 ANO1998 PAG492 | ||
| Tribunal Recurso: | T REL PORTO | ||
| Processo no Tribunal Recurso: | 1249/96 | ||
| Data: | 05/04/1998 | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | AGRAVO. | ||
| Decisão: | PROVIDO PARCIAL. | ||
| Área Temática: | DIR PROC CIV - PROCED CAUT. DIR CIV - DIR FAM. | ||
| Legislação Nacional: | CPC95 ARTIGO 426 N3. CCIV66 ARTIGO 2046. | ||
| Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃO STJ DE 1981/07/23 IN BMJ N309 PAG310. | ||
| Sumário : | I - Decretado o divórcio, mas ainda não efectuada a partilha dos bens do casal, os ex-cônjuges podem dispôr dos rendimentos de um seu prédio urbano, objecto de arrolamento preliminar daquele, a fim de não os colocar, eventualmente, numa situação de carência económica. II - Tal arrolamento, tendo a natureza de providência cautelar, e com as características, assim, de provisoriedade e instrumentalidade em relação ao divórcio, mantém-se até que exista a descrição de bens no inventário, para a dita partilha, nos termos do artigo 426, n. 3, do CPC, e servindo o auto de arrolamento da referida descrição. III - Os bens a partilhar, após o divórcio, não constituem um património autónomo, como a herança jacente, do artigo 2046 do Código Civil. IV - Aos bens comuns de casal dissolvido por divórcio é de aplicar por analogia, o artigo 2092 do Código Civil, permitindo-se o levantamento dos rendimentos dos bens arrolados na proporção de 1/4 para cada ex-cônjuge. | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça: A requereu contra B procedimento cautelar de arrolamento, como preliminar de acção de divórcio. O arrolamento foi decretado, abrangendo os rendimentos de um prédio urbano. Posteriormente foi decretado o divórcio, tendo a sentença transitado em julgado. O requerido pediu então o levantamento do arrolamento e a entrega das rendas do prédio, entretanto depositadas, o que foi indeferido pela primeira instância e confirmado pelo Tribunal da Relação. Subiram os autos ao Supremo, tendo sido decidido que não tinha ocorrido a caducidade do arrolamento e ordenada a baixa dos autos à Relação afim de se proceder à reforma da decisão no que toca à pretensão do levantamento dos rendimentos do prédio. O Tribunal da Relação decidiu que enquanto se mantiver o arrolamento, não poderão os rendimentos ser levantados. Inconformado, recorre o requerido para este Tribunal. Formula as seguintes conclusões: - Tendo em atenção o decidido pelo Supremo Tribunal de Justiça e pelo Tribunal da Relação, e tendo o agravante requerido a cessação do depósito das rendas vincendas e sua respectiva entrega, na qualidade de cabeça de casal, o arrolamento decretado não poderá sustar os requeridos levantamentos; - Pois, quer por aplicação analógica do n. 2 do artigo 382 do Código de Processo Civil, ao abrigo do disposto no artigo 10 do Código Civil, já decorrem mais de 6 meses sem que tenha havido promoção do processo de inventário; quer, ao abrigo do disposto no artigo 291, a instância iniciada com o arrolamento está interrompida há mais de 5 anos, sem que a parte que a promoveu tivesse interposto o processo de inventário subsequente ao divórcio; - Os bens resultantes da dissolução do casamento constituem, tal como a herança, um património autónomo; a autonomia manifesta-se quer na actividade da defesa da herança, quer no exercício de direitos, quer na respectiva administração (artigo 2087 a 2091 do Código Civil); - Sendo que este património autónomo se constitui com a decisão que julgou o divórcio (artigo 2031 do Código Civil); - A administração deste património e o direito à disponibilidade dos rendimentos, desde que não afecte a respectiva administração, está consagrado no artigo 2092 do Código Civil, pelo que, também por este motivo, há lugar à distribuição dos rendimentos na parte que excede as despesas da administração; - O não reconhecer o direito à livre disponibilidade, ainda por cima quando os ex-cônjuges desertaram da instância ou se desinteressaram da sua partilha seria reconhecer à providência cautelar o mesmo efeito que se reconhece à decisão de uma acção definitiva; - O acórdão recorrido violou os acima citados preceitos legais. Contra-alegando, a recorrida defende a manutenção do decidido ou então o levantamento dos rendimentos por recorrente e recorrida em partes iguais. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. Vem dado como provado: A, requereu, como preliminar da acção de divórcio, arrolamento, oportunamente efectivado, veio a ser ordenado no dia 17 de Junho de 1991; Entre os bens arrolados figuram as rendas relativas ao prédio urbano inscrito na matriz predial da freguesia de Rio Tinto, Gondomar, sob o artigo..., que passaram a ser depositadas, pelos inquilinos, na Caixa Geral de Depósitos, à ordem do Tribunal; Em 16 de Setembro de 1991, A instaurou divórcio litigioso contra o seu marido B, divórcio que veio a ser decretado, com culpa exclusiva deste, por sentença de 12 de Novembro de 1993, transitada em julgado em 16 de Novembro de 1995; Nenhum dos interessados - agravante e agravada - requereu inventário subsequente ao divórcio, nem existe partilha extra-judicial do património do casal. Após vicissitudes várias (o arrolamento foi requerido em 1991) o processo chega novamente a este Tribunal com um âmbito delimitado. Por Acórdão do STJ de 14 de Outubro de 1997 foi decidido que não ocorreu a caducidade, mantendo-se por isso o arrolamento e foi ainda determinado que os autos baixassem à Relação para esta se pronunciar sobre a pretensão do requerente de proceder ao levantamento dos rendimentos do prédio arrolado. A Relação desatendeu a referida pretensão. Daí o presente recurso. A questão de fundo que se coloca é a de saber se, decretado o divórcio mas ainda não efectuada a partilha dos bens do casal, os ex-cônjuges podem dispor dos rendimentos de um seu prédio urbano arrolado. As providências cautelares visam obter uma composição provisória do litígio, quando ela se mostre necessária para assegurar a utilidade da decisão, a efectividade da tutela jurisdicional, o efeito útil da acção, a que se refere o artigo 2 n. 2 do CPC. São meios de tutela do direito que carecem de autonomia, dependendo de uma acção já intentada ou a intentar. Dessa justificação e finalidade decorre a caracterização das providências cautelares; a provisoriedade; a instrumentalidade; a "sumaria cognitio"; o carácter urgente, a estrutura simplificada. Assim sucede com o arrolamento que, como é o caso, seja preliminar de acção de divórcio e que tem por finalidade prevenir o perigo de extravio ou dissipação dos bens (artigos 1413 e 421 do Código de Processo Civil). Mas, as referidas provisoriedade e instrumentalidade prendem-se com a acção de que depende o arrolamento, ou seja, o divórcio. Decretado que se encontra o divórcio, a razão de ser que levou ao deferimento da providência mantém-se até que exista descrição de bens no inventário. De facto, o arrolamento incide sobre os bens que devam vir a ser partilhados e tem como finalidade essencial garantir que tais bens existam no momento em que se efectue a partilha. O auto de arrolamento servirá de descrição no inventário a que venha a proceder-se (artigo 426 n. 3 do Código de Processo Civil). Como escreve Lopes Cardoso - "Partilhas Judiciais" III, pág.360: "Daí que o arrolamento em causa subsista e firme a sua eficácia para além da decisão que julgou procedente a causa de que foi preliminar ou incidente. Dá-se, por assim dizer, como que uma "extensão" dos seus efeitos, na certeza de que a "partilha" é uma das consequências necessárias da causa em que foi decretada". É certo (como já está dito neste processo), que o arrolamento não deve necessariamente abranger também os rendimentos dos bens arrolados, colocando-se os cônjuges, eventualmente, numa situação de carência económica - Ac. STJ de 23 de Julho de 1981, BMJ n. 309, pág. 310. A verdade, porém, é que tal foi ordenado por sentença transitada em julgado. O arrolamento dos rendimentos deve, pois, em princípio, manter-se. Não há nos autos elementos bastantes sobre o inventário, que aparece referido nas alegações, mas não concretizado documentalmente. Certo é, porém, que sendo o aqui recorrente o cabeça de casal a ele compete fazer prosseguir o inventário. De um eventual e intencional desinteresse processual do cabeça de casal no inventário não poderá resultar o levantamento do arrolamento, sob pena de se cair numa situação de abuso de direito, de um "venire contra factum proprium" (artigo 334 do Código Civil). Não é assim aqui legítima a analogia com a situação do arresto, prevista no artigo 382 n. 2 do Código de Processo Civil. A questão, pensamos, tem que se colocar noutra sede. O cerne do problema é este: ficarão as partes indefinidamente impossibilitadas de dispor dos rendimentos depositados? Recorrente e recorrida têm, obviamente, forma de pôr fim ao arrolamento e situação de indisponibilidade que daí resulta. Mas não se vê que concretizem essa faculdade. Sustenta o recorrente que após o divórcio os bens deixaram de estar sob o regime de comunhão geral e passaram a constituir um património autónomo, de que o mesmo pode dispor. A autonomia patrimonial traduz-se na existência de uma massa de relações patrimoniais, pertencentes ao mesmo sujeito do património geral, com um tratamento jurídico particular. Poderá também utilizar-se a expressão património autónomo para os patrimónios transitoriamente sem sujeito, como é o caso da herança jacente (artigo 2046 do Código Civil), usando-se o conceito de património separado para a primeira das situações. Um dos critérios do reconhecimento da autonomia ou separação de patrimónios é o da responsabilidade por dívidas. Património autónomo será o que responde por dívidas próprias, ou seja, só responde e responde só ele por certas dívidas - Prof. Mota Pinto - "Teoria Geral do Direito Civil" - 3. edição, pág. 345/349. Se, claramente, a herança é um património autónomo, já o mesmo não se poderá concluir no que toca aos bens a partilhar após o divórcio. Mas, se é assim no campo dos conceitos, nada parece, porém, obstar a que se invoque a analogia com a herança, para recorrer ao artigo 2092 do Código Civil, dentro do contexto de integração das lacunas da lei (artigo 10 do Código Civil). Determina-se naquele artigo que qualquer dos herdeiros ou o cônjuge meeiro têm o direito de exigir que o cabeça de casal distribua por todos até metade dos rendimentos que lhe caibam, salvo se forem necessários, mesmo nessa parte, para satisfação de encargos da administração. Os rendimentos aí referidos dizem respeito aos bens da herança que o cabeça-de-casal administra e a distribuição dos rendimentos deverá ser feita na proporção das quotas dos interessados. Partindo do princípio de que é o cabeça de casal que retém todos os rendimentos, Lopes Cardoso - "Partilhas Judiciais" 2. edição, II, pág. 564/570, sustenta que a norma foi estabelecida contra o cabeça de casal, visando impedir que este, dilatando o inventário, colocasse os interessados na situação de não receberam coisa alguma enquanto não findasse o processo. Não é esta, claramente, a situação aqui em causa. Os rendimentos estão arrolados e têm sido depositados, estando o cabeça de casal e a ex-cônjuge impedidos de os utilizarem. Atente-se que o ora recorrente, em 19 de Abril de 1996, requereu o levantamento das rendas e a recorrida já em 15 de Abril de 1996 pretendia que as quantias depositadas a título de rendimentos fossem levantadas pelos dois em partes iguais (fls. 347 e 336). O requerimento do recorrente foi indeferido o que deu causa, em primeira linha, ao presente recurso e sobre o da recorrida não houve pronúncia expressa. Atente-se ainda às alegadas insuficiências económicas, à necessidade de conservar o bem arrolado, de pagar impostos e outras e aos anos que poderão ainda faltar para o inventário atingir o seu termo útil. Veja-se finalmente que as partes, não obstante esgrimirem argumentos diferentes e defenderem soluções opostas, estão de acordo quanto à necessidade de levantamento dos rendimentos. A existência de um direito recto, justo, passa, muitas vezes, pela razoabilidade das soluções encontradas. Por tudo isso se entende que é aqui aplicável o disposto no artigo 2092 do Código Civil, quer quanto ao recorrente quer quanto à recorrida, como únicos interessados que são do inventário. Poderá, assim, cada um deles, levantar 1/4 do total dos rendimentos já depositados e dos que venham a ser depositados, enquanto, por força do inventário, persistir o arrolamento. Assim, pelo exposto dá-se provimento parcial ao recurso, podendo recorrente e recorrida proceder ao levantamento das importâncias depositadas, pela forma descrita. Custas em partes iguais. Lisboa, 25 de Novembro de 1998. Pinto Monteiro, Lemos triunfante, Torres Paulo. |