Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
05S3823
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: SOUSA PEIXOTO
Descritores: RECURSO
IMPUGNAÇÃO
MATÉRIA DE FACTO
INDICAÇÃO DE PROVA
Nº do Documento: SJ200603080038234
Data do Acordão: 03/08/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA.
Sumário : 1. A especificação dos concretos pontos de facto que o recorrente pretende ver alterados deve constar das conclusões da alegação.
2. Todavia, já não é obrigatório indicar nas conclusões os concretos meios probatórios invocados pelo recorrente para fundamentar a pretendida alteração da matéria de facto.

3. Na verdade, sendo o objecto do recurso delimitado pelas respectivas conclusões e sendo o erro de julgamento da matéria de facto um dos fundamentos invocados no recurso de apelação, compreende-se que os concretos pontos de facto sobre que recaiu o alegado erro de julgamento tenham de ser devidamente especificados nas conclusões do recurso.

4. Porém, tal exigência deixa de ter razão de ser no que diz respeito à indicação dos meios prova, uma vez que estes mais não são do que os argumentos invocados pelo recorrente para que a questão da impugnação da matéria de facto seja resolvida no sentido por ele pretendido.

Decisão Texto Integral: Acordam na secção social do Supremo Tribunal de Justiça:

1. "AA" propôs no Tribunal do Trabalho de Lisboa a presente acção contra a Empresa-A, pedindo que fosse declarada a ilicitude do seu despedimento por inexistência de justa causa e de processo disciplinar e que a ré fosse condenada:
a) a pagar-lhe a importância de 9.158,79 euros a título de retribuições e subsídios que devidamente descriminou (1) , acrescida de 433,60 euros de juros de mora já vencidos;
b) a pagar-lhe a importância correspondente às retribuições que teria auferido desde o 30.º dia anterior à data em que a acção foi proposta até ao trânsito em julgado da decisão;
c) a reintegrá-lo ao serviço ou a pagar-lhe a quantia de 11.566,32 euros a título de indemnização por antiguidade, se ele por esta vier a optar;
d) e a pagar-lhe os juros de mora vincendos desde a citação.

Em resumo, o autor alegou que foi admitido ao serviço da ré em 7 de Janeiro de 2002, para exercer as funções inerentes à actividade de jornalista profissional com a categoria de jornalista estagiário em regime de subordinação jurídica, tendo sido por ela ilicitamente despedido em 7 de Janeiro de 2003, por inexistência de justa causa e por falta de processo disciplinar.

A ré contestou, alegando que o contrato celebrado com o autor não era de trabalho subordinado, mas sim um contrato de formação/estágio profissional.

Realizado o julgamento, com gravação da prova, a acção foi julgada totalmente improcedente, com o fundamento de que o contrato celebrado entre as partes não era de trabalho subordinado, mas de formação profissional.
O autor recorreu da sentença, impugnando a decisão proferida sobre a matéria de facto e sustentando a natureza laboral da relação estabelecida com a ré e a consequente ilicitude da sua cessação.

A Relação rejeitou o recurso no que toca à impugnação da matéria de facto, com o fundamento de que o autor não tinha indicado nas conclusões do recurso os concretos meios de prova em que fundamentava aquela impugnação e, no que diz respeito à natureza do contrato, julgou improcedente o recurso, com o fundamento de que o contrato celebrado entre as partes não tinha natureza laboral

Mantendo o seu inconformismo, o autor interpôs o presente recurso de revista, suscitando as questões que adiante serão referidas.

A ré contra-alegou defendendo a improcedência do recurso e, neste tribunal, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no mesmo sentido, a que o autor respondeu.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

2. Os factos
Na 1.ª instância foram dados como provados os seguintes factos que a Relação não alterou:
1. Em 26.3.2001, o Departamento de Recursos Humanos da ré deu início a um processo de recrutamento de estagiários em Jornalismo para a Direcção de Informação da RTP, nos termos do Despacho Normativo interno constante a fls. 90 a 93 destes autos (doc. n.º 1 junto com a contestação).
2. O processo de recrutamento iniciou-se com a análise das candidaturas apresentadas na sequência da emissão de um anúncio nos jornais Expresso, Diário de Notícias e Público.
3. Nos termos desse anúncio, de que se encontra uma reprodução a fls. 34 destes autos (doc. 15 junto com a petição inicial), a RTP, que se apresentava como uma "empresa de comunicação social / televisão", declarava que "admite estagiários em jornalismo" e ainda que "pretende seleccionar estagiários".
4. O A. respondeu ao aludido anúncio, tendo entregue à RTP o seu curriculum vitae, constante a fls. 222 dos autos.
5. O A. efectuou estágio de acesso obrigatório à profissão de jornalista no Canal de Notícias de Lisboa, em 1999/2000, e tornou-se titular da carteira profissional de jornalista, com o n.º 6629, em 9.8.2000.
6. O A., após ter realizado provas escritas de conhecimentos em línguas e de cultura geral, provas práticas de capacidade oral e de improvisação, provas de avaliação psicológica e uma entrevista final, foi aprovado, juntamente com mais 33 candidatos, para efectuar um Curso de Formação.
7. Assim, em 17.9.2001 o A. e a R. subscreveram o "Acordo para frequência de curso de formação" constante a fls. 100 a 103 destes autos, o qual contém quinze cláusulas, cujo teor aqui se dá por reproduzido, e de entre as quais se destacam as seguintes:
1ª: "A RTP faculta ao segundo outorgante, em Lisboa e no seu Centro de Desenvolvimento e Formação, a frequência de um Curso de Formação Inicial em Jornalismo Televisivo, o qual faz parte integrante do próprio processo de selecção";
2ª: "O curso de formação, com início em 17.09.01, terá a duração de 10 semanas, prorrogáveis por períodos sucessivos de uma semana, no caso do Júri o considerar necessário, e será seguido de um período de estágio remunerado de nove meses";
4ª: "Durante o funcionamento do curso de formação e do estágio, o segundo outorgante obriga-se a frequentar as aulas respectivas e a cumprir os horários de estágio, de acordo com o calendário e programa estabelecidos";
6ª: "O bom aproveitamento final do curso de formação por parte do segundo outorgante não obriga a RTP a proceder à sua admissão, pois esta dependerá, sempre e exclusivamente, da necessidade e interesse da empresa e de expressa comunicação ao segundo outorgante após a conclusão do estágio";
7ª: "Findo o estágio, o segundo outorgante compromete-se a celebrar com a RTP, um contrato de trabalho a termo certo, se a RTP, no prazo de 60 dias após a conclusão do estágio, para tanto e por carta registada com aviso de recepção, a enviar para a morada constante do processo de selecção, o vier a solicitar".
8. Na sequência da aprovação do A. e da celebração do acordo de formação, o A. e as restantes pessoas seleccionadas frequentaram, de 17.9.2001 a 23.11.2001, um Curso de Formação no Centro de Desenvolvimento e Formação da RTP, no decurso do qual receberam aulas de cariz teórico e de cariz prático, quer no Centro de Desenvolvimento e Formação da R., quer noutras instalações da empresa, quer mesmo no exterior.
9. No final do curso de formação, o A. foi considerado apto.
10. Em 07.1.2002, o A. e a R. subscreveram o "acordo para a frequência de estágio de formação" constante a fls. 28 a 31 (doc. n.º 13 junto com a p.i.), o qual contém onze cláusulas, de entre as quais se destacam as seguintes:
1.ª: "A RTP faculta ao segundo outorgante a frequência de um Estágio em Jornalismo, em Lisboa, o qual será efectivado através da Direcção de Recursos Humanos e ocorrerá na Direcção Geral de Antena."
2.ª: "Este estágio profissional terá a duração de 9 meses, com início em 07.01.02 e termo em 04.10.02. A RTP reserva-se a faculdade de, unilateralmente e em qualquer altura, suspender ou cancelar o funcionamento do estágio ou de excluir o segundo outorgante da sua frequência";
3.ª:
"1. No pressuposto da verificação do estágio pelo período integral, será atribuída pela RTP ao segundo outorgante uma bolsa de estágio no valor total de € 6015,50.
2. A bolsa será paga através de nove prestações mensais no valor de € 668,39. A RTP pagará ainda um subsídio de alimentação e um subsídio de transporte nos mesmos moldes em que o são os seus empregados."
4.ª: "O estágio será realizado em função da competência do segundo outorgante, o qual será objecto de avaliação selectiva no final do mesmo."
5.ª: "O segundo outorgante obriga-se a frequentar as aulas do estágio, bem como a cumprir os respectivos horários, de acordo com o calendário e programa estabelecidos."
6.ª: "Pelo presente Acordo não se estabelece qualquer vínculo jurídico laboral, nem tão pouco o bom aproveitamento final do estágio por parte do segundo outorgante lhe confere quaisquer direitos a ser admitido como trabalhador da RTP."
7.ª: "Findo o estágio, e se a RTP assim o pretender, o segundo outorgante compromete-se a celebrar com a RTP ou com a empresa que esta venha a indicar um contrato de trabalho a termo certo, por um período mínimo de 6 meses, para o exercício da categoria de Jornalista-Estagiário".
8.ª
1. "Em caso de incumprimento dos compromissos constantes da cláusula anterior, o segundo outorgante obriga-se a indemnizar a RTP pelo valor de todos os encargos do estágio, incluindo a bolsa que lhe foi atribuída durante o mesmo, na parte proporcional ao incumprimento verificado".
11. No período de 7.1.2002 a 31.7.2002, o A. exerceu funções no programa designado "Regiões", sob a coordenação do Dr. BB.
12. Nesse âmbito, o A. efectuou reportagens sobre vários temas de interesse local e nacional, com deslocações ao terreno, onde fazia pesquisa e recolha de dados, dados esses que depois eram supervisionados pelo seu coordenador.
13. O A. realizou ainda, nesse período, reportagens em directo para o programa "Regiões".
14. Durante o período referido em 11., o A. prestou a sua actividade de segunda a sexta-feira, oito horas por dia, com descanso ao sábado e no domingo.
15. Durante o mês de Agosto de 2002, o programa "Regiões" não foi emitido, tendo o Dr. BB dito ao A. para ir de "férias" durante esse período.
16. O A. esteve inactivo durante os primeiros 15 dias de Agosto.
17. Durante a segunda quinzena de Agosto de 2002 e até 1.10.2002, por determinação do Dr. CC, então sub-director de informação da RTP e "orientador de estágio", o A. passou para a "Empresa-B ", onde, sob a orientação e coordenação da Dr.ª DD, efectuou trabalho de pesquisa, recolha de dados e reportagem, para serem divulgados pelo "Telejornal", "Jornal 2" e "24 horas".
18. Durante o período referido em 17., o A. prestou a sua actividade de segunda a domingo, com folgas na segunda e terça-feira seguintes e depois de quarta a sexta, com descanso no sábado e domingo.
19. Em 2.10.2002, o A. e a R. subscreveram o "aditamento a acordo para a frequência de estágio de formação" constante a fls. 32 e 33 dos autos (doc. 14 junto com a p.i.), nos termos do qual declararam que era prorrogada "a duração do estágio profissional a decorrer ao abrigo do acordo celebrado em 07.01.2002, o qual terá o seu termo em 04.01.2003".
20. Na ocasião do referido aditamento, a R. invocou como motivo para a prorrogação do "estágio" o facto de os "estágios" se terem desenvolvido pelos meses em que mais se concentra o período de férias (Julho, Agosto e Setembro), o que não teria possibilitado o acompanhamento mais adequado dos "estagiários".
21. De 2.10.2002 a 1.11.2002, o A. efectuou trabalho de reportagem, através de pesquisa, recolha de notícias, opiniões para a chamada "Editoria de Economia", que era coordenada pela Dr.ª EE, tendo muitos dos seus trabalhos passado no serviço informativo, "Telejornal", "Jornal 2" e "24 horas".
22. De 2.11.2002 a 4.1.2003, o A. integrou a "equipa de economia" do programa "Bom Dia Portugal", sob a coordenação e orientação do Dr. FF.
23. O A. prestou a sua actividade para a R. ainda no seguinte horário:
Em 3.6.2002, das 18h à 01h, e em 20.7.2002, das 19h às 04h, para o programa "Regiões";
De 2.9.2002 a 8.9.2002, de 16.9.2002 a 22.9.2002 e de 21.10.2002 a 27.10.2002, das 17h às 02h, no programa "Jornal 2", sob a orientação do Dr. GG.
24. Durante o período de duração do "estágio", a R. pagou ao A., mensalmente, as seguintes quantias:
2002
Janeiro - € 633,23
Fevereiro - € 900,84
Março - € 818,48
Abril - € 837,10
Maio - € 868,98
Junho - € 825,35
Julho - € 847,86
Agosto - € 818,48
Setembro - € 824,35
Outubro - € 836,10
Novembro - € 818,48
Dezembro - € 794,97
2003
Janeiro - € 128,68.
25. Os pagamentos dessas quantias foram titulados através da emissão, pela R., dos recibos constantes a fls. 16 e seguintes dos autos (documentos 1 a 12 juntos com a p.i.), referentes a "Estágio Jornalista", sendo os abonos descritos como "Estag./Form.", sem discriminação de verbas, sobre as quais a R. fez incidir, na totalidade, descontos para o I.R.S., na modalidade de "trabalho dependente".
26. Aquando da celebração do acordo referido em 10., foi dito ao A. e aos outros "estagiários" que durante o "estágio" seriam objecto de avaliação contínua.
27. Durante o "estágio", o A. foi avaliado pelos supra referidos DD, BB, GG, EE, FF e CC, todos jornalistas, de acordo com critérios previamente definidos, nomeadamente, quanto à sua capacidade de apreensão das instruções editoriais, a sua iniciativa e motivação, o conhecimento das funções, a qualidade e quantidade do trabalho útil, a assiduidade e pontualidade, o relacionamento, a auto-avaliação, a telegenia e a capacidade de improviso - tendo elaborado os relatórios de avaliação constantes a fls. 117 a 129 dos autos (documento n.º 8 junto com a contestação).
28. A actividade do A. durante o "estágio" foi realizada com recurso aos equipamentos e demais meios pertencentes à R.
29. O A. apresentava-se diariamente nas instalações onde a R. tem a sua sede, na Av. 5 de Outubro, n.º 197, em Lisboa.
30. A R. não pagou ao A. qualquer quantia a título de "subsídio de férias" ou de "Natal", "subsídio de horário irregular" nem de "compensação pela prestação de trabalho nocturno".
31. Em 4.1.2003, numa reunião em que estavam presentes o A. e os outros "estagiários", além de, nomeadamente, o "orientador de estágio" CC, foi dito àqueles que o "estágio" não se prolongaria, e que estavam dispensados de comparecer na R.
32. Em 15.1.2003, o júri do "concurso externo para jornalistas-estagiários" classificou o A. e mais 22 "estagiários", considerando-o "apto" e graduando-o em 16.º lugar, com a classificação final de 3,9493 (numa escala de 1 a 5), nos termos da "acta final" constante a fls. 96 a 99 dos autos (parte do documento n.º 2, junto com a contestação).
33. A R. não comunicou ao A. os relatórios de avaliação referidos em 27 nem a classificação final referida em 32.
34. Durante o período de 7.1.2002 a 4.1.2003, o A. teve como actividade principal e permanente a que prestou na R., nos termos supra expostos.
35. Nos meses de Janeiro de 2002 a Janeiro de 2003, a R. pagou, àqueles que considerava seus trabalhadores, subsídio de refeição no valor de € 5,88 por dia de prestação de trabalho e subsídio de transporte de valor mensal equivalente ao passe social L12.
36. Em 2003, o A. não gozou férias nem lhe foi paga qualquer quantia a título de retribuição de férias.
37. No cálculo das quantias referidas em 24., a R. levou em consideração o valor do subsídio de transporte e do subsídio de refeição que pagava àqueles que considerava seus trabalhadores.
38. No período de Janeiro de 2002 a Janeiro de 2003, a remuneração base paga pela R. àqueles que considerava seus trabalhadores, enquadrados no nível 9, era de € 1.133,95.

3. O direito
São três as questões colocadas pelo recorrente:
- saber se a Relação tinha fundamento legal para rejeitar o recurso de apelação no que diz respeito à impugnação da decisão proferida na 1.ª instância sobre a matéria de facto;
- saber se a Relação, antes de rejeitar o recurso, devia ter convidado o recorrente a corrigir as conclusões;
- saber se os factos provados são suficientes para concluir que a relação jurídica que existiu entre as partes era de trabalho subordinado.

E começando por apreciar a 1.ª questão, adiantaremos, desde já, que a decisão da Relação não merece o nosso apoio no que concerne à impugnação da matéria de facto. Vejamos porquê.

Como consta do art. 690.º-A do CPC, a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto obedece a determinados requisitos. Assim e no que ao recorrente diz respeito, este deve obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição do recurso, quais os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados e quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que, na sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida (vide n.º 1 do art.º 690.º-A).

Além disso, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ainda ao recorrente, sob pena de rejeição do recurso, indicar os depoimentos em que se funda, por referência ao assinalado na acta, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 522.º-C (vide n.º 2 do art.º 690.º-A).

Não basta, pois, que o recorrente se limite a fazer uma impugnação genérica. Ele tem de concretizar um a um quais os pontos de factos que considera mal julgados, seja por terem sido dados como provados, seja por não terem sido considerados como tal.

Mas também não é suficiente que ele especifique os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados. É preciso que ele indique, em relação a cada um dos pontos que considera mal julgados, quais os meios de prova que, em sua opinião, levariam a uma decisão diferente e quando esses meios de prova tenham sido gravados, o recorrente terá de indicar ainda quais os depoimentos em que fundamenta a sua impugnação, por referência ao indicado na acta da audiência de discussão e julgamento, nos termos do disposto no n.º 2 do art.º 522.º-C do CPC, ou seja, terá de indicar o número da cassete em que o depoimento se encontra gravado e o local onde começa e acaba a gravação de cada um dos depoimentos por ele invocados.

No caso em apreço, o recorrente cumpriu escrupulosamente no corpo da sua alegação todos aqueles requisitos, quer directamente quer por remissão para o "Anexo" que, contendo a transcrição da prova testemunhal, acompanhou àquela peça processual.

Na verdade, o recorrente não se limitou a especificar os concretos pontos de facto que considerou mal julgados e a indicar os meios de prova (os documentos e os depoimentos) que, relativamente a cada um daqueles pontos, justificavam, na sua opinião, uma decisão diferente daquela que foi proferida pelo M.mo Juiz. No corpo da sua alegação, o recorrente transcreveu, relativamente a cada um dos concretos pontos de facto objecto da impugnação, as partes dos depoimentos que considerava relevantes para a sua pretensão e no referido "Anexo" juntou a transcrição da prova testemunhal, com a indicação do número da cassete em que cada um dos depoimentos se encontrava gravado. E no referido "Anexo" indicou ainda a localização do início e do termo de cada uma das testemunhas, excepto daquelas em que a acta de audiência e julgamento era omissa a tal respeito (2).

Porém, nas conclusões da sua alegação e no que a impugnação da matéria de facto diz respeito, o recorrente limitou-se a especificar os concretos pontos da matéria de facto que considera incorrectamente julgados. Não concretizou os meios probatórios em que fundamentou a impugnação e foi com base nessa omissão que a Relação rejeitou o recurso nessa parte, louvando-se num acórdão deste tribunal de 5.2.2004,que diz vir publicado na base de dados da dgsi, mas que não identifica convenientemente (3).

Como já referimos, não estamos de acordo com tal decisão. Na verdade, como resulta do disposto no art.º 690.º, n.º 1, do CPC, o recorrente deve terminar a sua alegação, concluindo, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão.

As conclusões traduzem-se, pois, como diz A. Reis (4) , "pela enunciação abreviada dos fundamentos do recurso".

Ora, se um dos fundamentos do recurso é o erro de julgamento da matéria de facto, compreende-se que os concretos pontos de facto sobre que recaiu o alegado erro de julgamento tenham de ser devidamente especificados nas conclusões do recurso. Na verdade, sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente, importa que os pontos de facto que ele considera incorrectamente julgados sejam devidamente concretizados nas conclusões, pois se aí não forem indicados o tribunal de recurso não poderá tomar conhecimento deles.

O mesmo não acontece, porém, com a obrigatoriedade de indicar os meios probatórios em que a impugnação da matéria de facto se fundamenta, uma vez que esses meios de prova não constituem um verdadeiro fundamento do recurso. Não são uma verdadeira questão. Mais não são do que os argumentos invocados pelo recorrente para que a questão da impugnação da matéria de facto seja resolvida no sentido por ele pretendido.

Como se diz no acórdão de 24.5.2005, deste tribunal, proferido no processo n.º 1334/05, da 6.ª Secção (5), "[a] especificação dos concretos meios probatórios não integra uma autêntica questão, mas simples indicação dos elementos susceptíveis de conduzir à procedência da impugnação da matéria de facto, pelo que não tem de constar das conclusões das alegações do apelante, bastando que conste do corpo das mesmas alegações".

Concluímos, deste modo, que a Relação não devia ter rejeitado o recurso na parte referente à impugnação da matéria de facto. E sendo assim, impõe-se que os autos regressem à 2.ª instância para que aí se proceda à apreciação da referida impugnação, ficando, consequentemente, prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas na revista.

4. Decisão
Nos termos expostos, decide-se conceder a revista, revogar o acórdão recorrido e ordenar a remessa dos autos ao Tribunal da Relação de Lisboa, para que aí seja apreciada a impugnação da matéria de facto e lavrada nova decisão de mérito.
Custas pela recorrida.

Lisboa, 8 de Março de 2006
Sousa Peixoto
Sousa Grandão
Pinto Hespanhol
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(1) - Sendo 1.792,60 euros a título de diferenças na retribuição mensal, 414.00 euros de subsídio de transporte, 1.464,12 euros de subsídio de alimentação, 135,68 euros de subsídio de horário irregular, 787,50 euros de trabalho nocturno, 667,20 euros de parte das férias (15 dias) vencidas em 1.1.2002, 963,86 euros de subsídio de férias de 2002, 963,86 euros de subsídio de Natal referente ao ano de 2002, 1.927,72 euros de férias e subsídio das férias vencidas em 1.1.2003 e 42.25 euros de proporcionais.
(2) - De facto, como se constata das actas da audiência de discussão e julgamento, só em relação às testemunhas II (do autor) e JJ (da ré), ouvidas na segunda sessão de julgamento é que é indicado na acta a localização do início e do termo dos seus depoimentos. Em relação às outras, apenas ficou a constar da acta o n.º e lado (A ou B) da cassete onde o depoimento respectivo se encontra gravado.
(3) - Tratar-se-á, segundo cremos, do acórdão proferido no proc. n.º 4145/03.
(4) - CPC anotado, (reimpressão), vol. V, pag. 359.
(5) - De que foi relator o Ex.mo Conselheiro Silva Salazar, com texto integral em www.dgsi.pt.