Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
05B1190
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: NEVES RIBEIRO
Descritores: EXECUÇÃO
LEGITIMIDADE PASSIVA
EMBARGOS DE EXECUTADO
INTERVENÇÃO DE TERCEIROS
INTERVENÇÃO PROVOCADA
IMPUGNAÇÃO PAULIANA
PRINCÍPIO DA PRECLUSÃO
PRINCÍPIO DA ESTABILIDADE DA INSTÂNCIA
Nº do Documento: SJ200506290011907
Data do Acordão: 06/29/2005
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL PORTO
Processo no Tribunal Recurso: 5947/04
Data: 11/29/2004
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Sumário : 1. São partes legitimas passivas no processo executivo as pessoas que no título figurem na posição de devedores;

2. Se, verificado que o bem penhorado está em nome de terceiro, que não o devedor/executado, por este, depois da sentença condenatória da divida, o haver transmitido, para frustrar o sucesso da sua execução no seu património, como bem único, não é de excluir in limine, que o exequente, na contestação aos embargos do executado - que invoca tal excepção - possa provocar a intervenção das pessoas que, embora não constando no título como devedoras, beneficiaram da transmissão excepcionada, e que, ele, exequente, pretende impugnar, evitando-se-lhe a renovação do sacrifício dos custos e da morosidade de nova acção autónoma, em proveito do incumpridor que pretendeu com a transmissão, frustrar, ou retardar, o fim da execução e, consequentemente, o pagamento da divida.

3. Todavia, admitindo essa não exclusão liminar, e não tendo o credor/exequente provocado a intervenção dos chamandos na fase processual adequada, precludiu o direito processual de o fazer.
Decisão Texto Integral: ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

1. Por apenso à execução para pagamento de quantia certa que lhe move o exequente, "A", vieram, a executada "B", e duas filhas, deduzir embargos de executado, alegando, em síntese, que, apenas o património do devedor (executada) responde pela dívida exequenda.
A este propósito, referem que a executada não é dona de 1/2 indivisa do prédio urbano nomeado à penhora, e que identificam.
Na verdade, a executada nunca possuiu tal prédio urbano, pois o mesmo pertence às ditas filhas, C e D.
Estas últimas nada devem ao exequente, como se pode verificar, pela sentença judicial que serve de base à execução.
Concluem pela procedência dos embargos, com a restituição da posse do prédio urbano às comproprietárias.
A sentença decidiu assim:
a) Julgou os embargos manifestamente improcedentes, por falta de fundamento legal.
b) Não admitiu o pedido de impugnação pauliana deduzido pelo embargado;
c) Julgou improcedente o pedido deduzido pelo embargado de condenação da embargante, como litigante de má fé, absolvendo-a do mesmo.

2. A Relação do Porto confirmou (fls. 66).
O exequente pede revista, apresentando as seguintes conclusões:

1. - As recorridas vieram com embargos aos autos, fundamentando-se no facto do bem penhorado não se encontrar descrito na C.R.Predial, em nome da executada, mas sim em nome de suas filhas, as recorridas C e D;
2. - O recorrente contestou os embargos e, simultaneamente, formulou o pedido de impugnação pauliana;
3. - Na primeira instância, foi decidido não ser este o local próprio para formular este pedido, indeferindo o mesmo;
4. - O acórdão recorrido entende que é possível nesta fase processual invocar-se a impugnação pauliana, mas, como o recorrente não requereu a intervenção das donatárias, julgou improcedente o recurso, mantendo a decisão da primeira instância, «ainda que com fundamentação com ela não coincidente»;
5. - Mas elas intervieram nos autos, invocando serem as titulares do direito de propriedade do bem penhorado e requereram a restituição da sua posse;
6. - Daqui a legitimidade delas para poderem discutir a impugnação pauliana requerida pelo recorrente.
7. - Além do mais, foi decretada a penhora do bem registado em nome das recorridas, donatárias, por douto despacho que transitou em julgado;
8. - O douto acórdão recorrido não se pronunciou sobre este despacho, pelo que ele é nulo, nulidade esta que ora se invoca.
9. - O imóvel penhorado em nome das donatárias, não impede que o mesmo seja penhorado, devendo elas reagir formalmente contra essa penhora.
10. - Violou, assim, o douto acórdão recorrido o disposto nos artigos, 610, 611 e 612 do Código Civil, além do mesmo dever ser declarado nulo, por não ter apreciado o caso julgado, nulidade esta prevista na alínea d), do n.º 1, do artigo 668.º, do C.P.Civil, além de ser do conhecimento oficioso.
E conclui, dizendo que deve revogar-se o acórdão recorrido e, consequentemente:
a) -ordenar-se o prosseguimento dos autos mantendo-se a penhora ordenada, por despacho transitado em julgado;
b) - prosseguirem os mesmos, para apreciação da excepção pauliana;
Ou:
c) - Anular-se o acórdão recorrido, por não se ter pronunciado sobre o caso julgado que ordenou a penhora.

3. Ora bem. A situação é esta: Por sentença judicial transitada, a executada foi condenada a pagar ao exequente a quantia exequenda e juros.
Por despacho de 4 de Junho de 2003, foi ordenada a penhora de metade indivisa que a executada possui no imóvel nomeado à penhora.
Mas sucede que o imóvel foi, entretanto, registado em nome das filhas, C e D.
Este imóvel terá sido doado às filhas, sendo o único bem conhecido da executada.
O exequente impugnou nos embargos, a eficácia da doação em relação a ele, já que o seu crédito fica sem garantia no património da executada.
Mas não requereu a intervenção das filhas, titulares do registo.
É este o tema circunscrito - e ora se resume - do objecto da revista, tal como ficou enunciado nas conclusões do número que antecede.

4. Os embargos do executado constituem uma verdadeira acção declarativa, embora processada por apenso à execução, e destinada a impedir os efeitos executivos.
Nessa acção, são facultados ao executado os meios adequados á defesa do direito que invoca, para se opor á execução, consoante o título que serve de fundamento à execução, como dispõe o artigo 813º do Código de Processo Civil.
Ora, na contestação aos embargos do executado, o exequente invocou a excepção peremptória de impugnação pauliana, por alegadamente o imóvel penhorado, ter sido alienado, após a condenação da executada ao pagamento da dívida.(Conclusões: 2ª, 3ª, 4ª, 5ª e 9ª).
A impugnação afigura-se-nos liminarmente admissível no cenário donde emerge a execução e os embargos que se lhe opõem.
Admissível e bem, a nosso ver! - tese a benefício da qual também se pronuncia a Relação.
E porquê?
Porque se pretende evitar a quem se sente injustamente ludibriado pelo devedor, e pode demonstrar, em primeira linha, o ludibrio no processo de embargos, forçá-lo a lançar mão de nova acção declarativa autónoma de impugnação. E forçá-lo, note-se, depois de ter interposto e haver ganho, uma primeira acção declarativa, donde emergiu a sentença, ora a executar no património da embargante/executada, que entretanto o esvaziou, frustrando o sucesso da execução.
Para que este sucesso possa acontecer, é preciso retornar ao património executado, na medida indispensável, o que aí o exequente deve executar,
para satisfazer o seu crédito reconhecido pela sentença em execução.
Não vemos nenhuma razão de fundo - repita-se - que resista ao principio da admissibilidade da impugnação, em cenários como o configurado, impondo ao credor/prejudicado, o sacrifício de nova acção autónoma (1), ou obrigando-o a esperar pelo "recurso aos meios processuais comuns", na ocasião do cumprimento do artigo 119º- 4 do Código de Registo Predial.
Afinal, um prémio para o devedor habilidoso e um castigo para o credor que continua à espera de ser pago!

5. Só que, no caso, o problema nem sequer chega a pôr-se, ao contrário do que pretende o recorrente, nas conclusões transcritas.
Por uma lado, as alegadas donatárias (filhas da executada, titulares do registo predial), não figuram no título executivo como devedoras, como exige o artigo 55º-1 do Código de Processo Civil, para que o pedido executivo possa ter o efeito útil normal, na linguagem do artigo 28º-2, do mesmo Código.
Logo, são partes ilegítimas na acção executiva.
Por outro, e a admitir-se, como em princípio nos parece, a sua intervenção provocada no processo executivo, (como o recorrente também reclama nas conclusões), a verdade é que, ele, não pediu a intervenção das pessoas inscritas como titulares do registo do prédio penhorado, para lhes conferir, no processo executivo, o estatuto de partes, com vista a discutir com elas, a eficácia da alienação que as favoreceu, feita pela executada/embargante, sua mãe, para que, neste processo, consiga o retorno patrimonial que precisa para o sucesso da execução da divida de que é credor.
É certo, como ele observa «que elas intervieram nos autos, invocando serem as titulares do direito de propriedade do bem penhorado e requereram a restituição da sua posse;
Daqui a legitimidade delas para poderem discutir a impugnação pauliana requerida pelo recorrente». (Conclusões: 5ª e 6ª).
Isso é verdade, mas também não é menos verdade que, não ficaram colocadas na posição processual de partes, às quais a eficácia de caso julgado se possa estender.
Nem se pode dizer (conclusão 7ª) que «foi decretada a penhora do bem registado em nome das "recorridas, donatárias" por despacho que transitou em julgado».
O decretamento da penhora não envolve uma verdadeira decisão sobre um tema decidendo que importe tecnicamente a formação de caso julgado material ou formal, como muito recentemente este Tribunal teve ocasião de explicar, no acórdão proferido no recurso n.º438/05, desta secção, em 17 de Março de 2005, assinado pelos mesmos subscritores do presente acórdão.
Aliás, lembre-se, por fim, que, em qualquer altura, pode ser levantada, substituída ou reduzida a penhora.

6. As titulares do registo não fazem parte da execução. Não são partes processuais, não ingressaram, a solicitação do embargante ou do embargado, a admitir-se que o poderiam fazer, na altura própria, para garantia do contraditório, segundo dispõem os artigos 326 n. 1 e 342 n. 2, do Código de Processo Civil.
Bem ao contrário, e paradoxalmente, o recorrente até as pretendeu excluir da execução (artigos 4º e 5º da sua contestação, e termos conclusivos finais de fls.10).
Esgotado o momento processual adequado, não é agora altura de poder remediar a situação.
Nem se verificam os pressupostos de reconversão do processado, com a adequação formal, prevista pelo artigo 265º-A do Código de Processo Civil.
E ainda que fosse o caso, à reconversão se oporiam, a imperatividade do princípio da preclusão processual e da própria estabilização objectiva e subjectiva da instância!

7. Em resumo: as beneficiárias da alienação, não figuram no título dado à execução, como executadas; e se se admitir, como pretende o recorrente, que poderiam ter sido chamadas à execução, não o foram em tempo processualmente útil para que, com elas, pudesse discutir o pedido da impugnação que fez ao contestar os embargos da executada.
Entretanto, se admissível, teria ocorrido e esgotado já, a fase processual adequada.

8. Termos em que, pelas razões expostas, sem necessidade de maiores explanações, se nega provimento ao recurso, confirmando-se o resultado da decisão recorrida.
Custas pelo recorrente.

Lisboa, 29 de Junho de 2005.
Neves Ribeiro,
Araújo Barros,
Oliveira Barros.
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(1) Tanto a simulação, como a impugnação pauliana são excepções invocáveis pelo embargado na contestação- Acórdão da relação do Porto de 1 de Janeiro de 1980 in Col, Ano V,Tomo I, págs. 10. E ainda, acórdão deste tribunal de 1 de Março de 2001 in CJSTJ, Ano IX,TomoI, págs 136 a 139, que diz: « Não será de rejeitar in limine a possibilidade de, nos embargos do executado, dada a sua natureza e finalidade, ser pedida a intervenção principal de terceiros, desde que seja indispensável para conferir eficácia executiva à oposição neles deduzida contra a execução». (Este registo foi também feito pelo acórdão recorrido - fls. 65/65 verso).