Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
123/11.0JAAVR.S1
Nº Convencional: 5ª SECÇÃO
Relator: RODRIGUES DA COSTA
Descritores: AGRAVANTE
ARMA BRANCA
ARMA PROIBIDA
ESPECIAL CENSURABILIDADE
ESPECIAL PERVERSIDADE
HOMICÍDIO
HOMICÍDIO QUALIFICADO
MEDIDA CONCRETA DA PENA
MEIO PARTICULARMENTE PERIGOSO
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
TENTATIVA
Data do Acordão: 02/23/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE
Área Temática: DIREITO PENAL - CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DO FACTO /
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA DE PRISÃO / ESCOLHA E
MEDIDA DA PENA - CRIMES CONTRA AS PESSOAS / CRIMES
CONTRA A VIDA.
Doutrina: - Figueiredo Dias, Direito Penal Português - As Consequências
Jurídicas do Crime, Editorial de Notícias, págs. 197, 227 e ss., 231.
Legislação Nacional: CÓDIGO PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGO 4.º.
CÓDIGO PENAL (CP): - ARTIGOS 22.º, 23.º, 40.º, N.º 1, 50.º, N.º 1,
71.º, N.º 1 E 2, 73.º, N.º 1, ALS. A) E B), 131.º, 132.º, N.º 1 E 2.
LEI N.º 5/2006, DE 3-02: - ARTIGOS 2.º, N.º 1, AL. M), 3.º, N.º 1, AL.
F), 86.º, N.º 1 E N.º 3, AL D).
Jurisprudência Nacional: ACORDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
- PROC. N.º 472/06, DA 5ª SECÇÃO, REL. CONS. SIMAS SANTOS.
- DE 5/09/2007, PROC. N.º 2430/07, DA 3ª SECÇÃO, REL. CONS.
OLIVEIRA MENDES.
Sumário :

I - O tipo qualificado do crime de homicídio previsto no art. 132.º do CP traduz um especial tipo de culpa, exigindo ao mesmo tempo a concorrência de, pelo menos, uma das circunstâncias identificadas com os exemplos-padrão constantes das várias alíneas do n.º 2, ou de uma circunstância estruturalmente análoga, e a comprovação de que dessa ou dessas circunstâncias resulta uma maior censurabilidade ou perversidade do agente.
II - O exemplo-padrão consistente na utilização de meio particularmente perigoso implica o uso de um instrumento que, pelas suas características, traduz um perigo acentuado, qualitativamente superior ao perigo inerente a qualquer meio usado para causar a morte de outrem, sendo considerado como tal, pela jurisprudência, aquele meio que acarreta dificuldades acrescidas para a defesa da vítima e que, além disso, constitui perigo para outros bens jurídicos pessoais (cf. Acs. do STJ de 02-03-2006, Proc. n.º 472/06 - 5.ª, e de 05-09-2007, Proc. n.º 2430/07 - 3.ª).
III - O instrumento usado pelo arguido ─ uma machada com o comprimento total de 30 cm, com o cabo em madeira com cerca de 18 cm e com uma lâmina cortante com cerca de 10 cm de comprimento ─ não pode ser qualificado, pelas suas características, como meio particularmente perigoso, pelo que os factos dados como provados ─ com a machada o arguido efectuou vários golpes no peito, nas costas e na perna esquerda do ofendido ─ apenas se subsumem ao tipo legal de crime de homicídio simples, na forma tentada.
IV - Considerando a ilicitude (esta traduziu-se na ofensa do bem jurídico mais relevante ─ o valor “vida” ─ mas que veio a ter consequências de pouca monta, dela resultando apenas 12 dias de doença, que não foram contabilizados do ponto de vista de incapacidade para o trabalho, por o ofendido se encontrar na situação de invalidez), o modo de actuação do arguido (desferiu vários golpes no corpo do ofendido, nomeadamente no tórax e na região torácica anterior, que lhe provocaram feridas perfurantes, só tendo parado depois deste ter caído e ficado aparentemente inanimado), o dolo (que é a forma mais grave de culpa), as circunstâncias pessoais (o arguido é oriundo de uma família rural, é pessoa de cultura muito rudimentar, desenvolvia actividade como jornaleiro, possui hábitos alcoólicos desde jovem e contraiu casamento com uma mulher, também alcoólica, que morreu sem deixar filhos), a ausência de antecedentes criminais e a adopção de um comportamento conforme às regras do EP, acha-se como pena adequada a de 3 anos de prisão.
V - Na pena aplicada não se leva em conta a agravação específica do art. 86.º, n.º 3, da Lei 5/2006, de 23-02, já que a arma usada pelo arguido, sendo embora, pelas suas características, uma arma branca, nos termos do art. 2.º, n.º 1, al. m), não é de classificar como arma branca proibida da classe A, por se ter provado estar afecta ao trabalho agrícola ─ arma de aplicação definida (art. 3.º, n.º 1, al. f) ).
VI - Não se substitui a pena aplicada nos termos do art. 50.º do CP, não obstante se verificar o pressuposto formal da sua aplicação ─ a pena ser igual ou inferior a 5 anos de prisão (n.º 1). A suspensão da execução da pena não satisfaria, no caso, as exigências de prevenção geral, primacial finalidade da aplicação das pena, ou seja, não ocorre o pressuposto material contemplado na 2.ª parte do n.º 1 do art. 50.º do CP.


Decisão Texto Integral:


I. RELATÓRIO

1. No Juízo de Instância Criminal da comarca do Baixo Vouga, no âmbito do processo comum colectivo n.º 123/11.0JAAVR, foi julgado o arguido AA, identificado nos autos, acusado pela prática, em autoria, de um crime de homicídio, na forma tentada, previsto e punido pelos arts. 22.°, 23.°, 131.° e 132°, n°s 1 e 2, al. h) do Código Penal (CP), e de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelos arts. 2.°, n.° 1, al. m), 3.°, n.° 2, al. f), 86.°, n.° 1, al. d) da Lei n.° 5/2006, com a redacção dada pela Lei n.° 17/2009 de 6 de Maio, e condenado apenas pela prática do crime de homicídio tentado na pena de 6 anos de prisão, tendo sido absolvido da prática do crime de detenção de arma proibida.

O arguido foi ainda condenado a pagar ao demandante Centro Hospitalar de Entre-o- Douro-e-Vouga, EPE, o montante de € 108,00 (cento e oito euros), a que acrescem juros de mora legais, devidos desde a notificação do pedido, até efectivo e integral pagamento.

2. Inconformado, o arguido interpôs recurso directo para o Supremo Tribunal de Justiça, pondo em causa a medida da pena e postulando a sua  substituição depois de atenuada, isto sobretudo em atenção à culpa e às necessidades de prevenção especial, uma e outra apontando no sentido de uma redução da pena, que deveria ser fixada não tão próximo do limite máximo, «pois, desde logo, se deixa pouco espaço para integrar outras situações onde a culpa seja mais grave, como sejam a premeditação, o registo de lesões permanentes ou que diminuam as condições e a qualidade de vida do ofendido», devendo ser atribuída prevalência às exigências de prevenção especial (proveniência rural, ensino até à 3.ª classe, condições laborais na agricultura e na construção civil, ausência de antecedentes criminais, comportamento pacífico antes de preso e, depois de preso, comportamento institucional isento de reparos, consciência crítica dos factos e manifestação de arrependimento), que assumem menor intensidade do que as exigências de prevenção geral. Se estas, por um lado, reclamam o cumprimento efectivo da pena, por outro não ficarão defraudadas com a aplicação de uma pena suspensa na sua execução.

 
3. Respondeu o Ministério Público junto do tribunal “a quo”, concluindo da seguinte forma:

1.º - O crime de homicídio qualificado na forma tentada praticado pelo arguido é punido com uma pena de prisão situada entre 2 anos, 4 meses e 24 dias e 16 anos e 8 meses – atenta a moldura penal de 12 a 25 anos de prisão, atenuada especialmente nos termos do art.º 73.º do Código Penal.

2.º - Por isso, e contrariamente à tese do recorrente, a pena concreta de seis anos de prisão em que este foi condenado aproxima-se bastante mais do limite mínimo  do que do limite máximo daquela moldura penal.

3.º - Por outro lado, e como também consta do Acórdão recorrido,  o valor das circunstâncias agravantes que ficaram provadas supera o valor das circunstâncias atenuantes,

4.º -  Sendo de pouca relevância, quer  “algum arrependimento” do arguido – face à gravidade do crime e às necessidades de prevenção geral que importa acautelar – quer a confissão do arguido, para a descoberta da verdade - face aos abundantes elementos de prova recolhidos nos autos.

5.º - Por isso, mostra-se justa e adequada à culpa do arguido a pena de seis anos de prisão em que foi condenado.

(…)

            7.º - Mas ainda que a pena fosse reduzida para cinco anos de prisão – e sem prescindir – entendemos que também não se verificam os pressupostos materiais da suspensão da execução da penal, enunciados na 2.ª parte daquele preceito. 

            8.º - De facto, para além daquele pressuposto formal ( prisão não superior a cinco anos) a suspensão só será decretada se o tribunal, atendendo à personalidade do arguido, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da pena são suficientes para afastar o agente da criminalidade  e satisfazer as necessidades pa punição.

            (…)
            10.º - No caso sub judice, atenta a gravidade do crime de homicídio qualificado (ainda que tentado), as circunstâncias em que o arguido o praticou e o elevado número de crimes com uso de violência contra as pessoas que continuam a ser diariamente praticados neste País – muitos deles noticiados pelos meios de comunicação social - a própria comunidade não compreenderia  a suspensão da execução da pena num caso como este, e tal suspensão poria em causa as fortíssimas necessidades de reprovação e de prevenção deste tipo de crime.
            (…)

4. No Supremo Tribunal de Justiça, o Ministério Público emitiu parecer em que sustentou a desqualificação do crime, por não se verificarem os pressupostos da alínea h) do n.º 2 do art. 132.º do CP (utilização de instrumento particularmente perigoso), devendo, em consequência, a pena ser reduzida e quedar-se por um limite próximo dos 3 anos de prisão; mesmo que se não desqualifique o crime, a pena aplicada deveria baixar para um limite inferior a 5 anos de prisão, mas a pena só deveria ser suspensa se a suspensão ficasse subordinada ao cumprimento de deveres e regras de conduta.

5. Cumprido o disposto no art. 417.º, n.º 2 do CPP, o arguido nada mais veio acrescentar.

6. Colhidos os vistos em simultâneo, o processo foi presente à conferência para decisão, não tendo sido requerida a audiência de julgamento.

II. FUNDAMENTAÇÃO

7. Matéria de facto apurada

7.1.Factos dados como provados:
8. De acordo com a prova produzida, resultaram provados os seguintes factos: Da acusação:
9. 1)   No dia 17 de Abril de 2011, cerca das I9h30, o arguido AA encontrava-se na sua residência sita na Rua ...;
10. 2)   A certa altura, o ofendido BB dirigiu-se à residência do arguido, seu conhecido;
11. 3)   Após uma conversa entre ambos, o arguido conduziu o ofendido para um barracão anexo à sua residência, escuro e sem qualquer iluminação, onde ambos entraram;
12. 4)   Seguidamente, por motivo não concretamente apurado, o arguido saiu sozinho do barracão e deslocou-se para a cozinha da sua residência onde pegou numa machada com cabo de madeira, com comprimento total de 30 cm, com cabo em madeira, torneado, com cerca de 18 cm e na face lateral uma lâmina de superfície cortante com cerca de 10 cm de comprimento;
13. 5)   Acto contínuo, munido da aludida machada, o arguido dirigiu-se para o barracão onde se encontrava o BB e, sem que nada o previsse, desferiu com a machada um número não concretamente apurado de golpes na zona do peito, das costas e da perna esquerda daquele, ao mesmo tempo que o ofendido BB procurava defender-se colocando as mãos à frente do seu corpo;
14. 6)   O arguido só parou com a agressão quando o ofendido deixou de oferecer resistência, ficando caído inanimado no chão, ocasião em julgou estar o mesmo morto;
15. 7)   Em consequência necessária e directa da conduta do arguido, sofreu o ofendido/dores físicas e lesões, nomeadamente, várias feridas perfurantes no tórax, membros superiores e inferiores e duas feridas perfurantes na região torácica anterior;
16. 8)   Estas lesões determinaram o período de 12 dias de doença, sem incapacidade para o trabalho apenas porque o ofendido se encontra na situação de invalidez;
17. 9)   Tais lesões causaram, em concreto, perigo de vida para o ofendido que apenas não morreu devido à rápida intervenção de terceiros que o transportaram para o Hospital de Santa Maria da Feira;
18. 10) O arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, revelando especial perversidade e censurabilidade, querendo atingir o ofendido BB, desferindo inúmeras machadadas na zona do tórax, bem sabendo que nesta zona se alojam órgãos essenciais à vida e que a machada usada é um instrumento perigoso, podendo, perfurar órgãos vitais;
19. 11) O arguido sabia e quis agir do modo supra descrito, com o propósito de tirar a vida ao BB, sem que, contudo, haja logrado os seus intentos por razões estranhas à sua vontade, designadamente por o ofendido se ter defendido com as mãos, impedindo que a machada perfurasse órgão vitais, e bem assim por o arguido se ter convencido que o ofendido se encontrava já morto, em consequência das machadadas que anteriormente lhe havia desferido;
20. 12) Estava igualmente ciente das características da machada que usou para ferir o ofendido;
21. 13) Sabia, ainda, o arguido que a sua conduta era punida e proibida por lei.
22.
23. Do pedido de indemnização civil:
24. 14) No dia 18/04/2011, deu entrada no serviço de Urgência do Centro Hospitalar de Entre o Douro e Vouga EPE, BB, tendo-lhe sido prestada a assistência devida, atendendo às lesões apresentadas, consequência das agressões referidas em 5);
25. 15) Os encargos com a assistência prestada a BB importaram na quantia de € 108,00;
26.
27. Da contestação:
28. 16) O arguido encontrava-se nas circunstâncias referidas em 1) na companhia de CC, que ali pernoitava, quando ouviu alguém chamar à porta, pelo que ali se dirigiu a fim de verificar de quem se tratava, tratando-se do ofendido;
29. 17) O arguido utilizava habitualmente a machada referida em 4) para rachar lenha para queimar;
30. 18) No barracão não havia iluminação;
31. 19) Após o referido em 6), o arguido dirigiu-se ao interior da residência, acordando CC e pedindo-lhe que fosse chamar os bombeiros;
32. 20) Como não existia na residência qualquer meio de comunicação, designadamente telefone ou telemóvel, CC foi a casa de uma vizinha a fim de pedir ajuda;
33. 21) O ofendido BB saiu do local onde caíra pelo seu próprio pé; Das condições pessoais do arguido:
34. 22) O arguido nasceu numa família rural, de condição modesta em termos socio-económicos e culturais;
35. 23) O arguido tem uma irmã, que vive na anterior morada dos pais, em Pardilhó, Estarreja, a cerca de 5 kms de casa do arguido, não contactando com ela há muito tempo;
36. 24) Após a 3.ª classe, o arguido iniciou actividade laboral na agricultura, depois n construção civil, e depois ainda como empregado fabril, sendo a sua última actividade como jornaleiro para vizinhos;
37. 25) Desde jovem que consumia em excesso bebidas alcoólicas, nunca assumindo esses hábitos;
38. 26) Contraiu casamento na região de Válega-Ovar, vindo a esposa, também alcoólica, a falecer pouco depois, nunca tendo filhos;
39. 27) Os pais do arguido faleceram há muito anos;
40. 28) Ultimamente, o arguido vivia com um amigo na casa do senhorio, a quem prestava trabalhos em troca da renda a pagar mensalmente, vivendo anteriormente em casas abandonadas;
41. 29) O amigo do arguido referido em 30) era isolado social e familiarmente, sendo beneficiário de uma habitação cedida pela Junta de Freguesia;
42. 30) No Estabelecimento Prisional, o arguido mantém um comportamento institucional isento de reparos em termos disciplinares, estando activo na secção de cozinha do EPR. de Aveiro, interagindo pouco com os demais reclusos ou com a administração prisional;
43. 31) O arguido não beneficia de apoio nem de visitas;
44. 32) O arguido revela consciência crítica sobre os factos, mostrando-se arrependido;
45. 33) O arguido não tem antecedentes criminais.

7.2. Factos dados como não provados:

Não se apurou a factualidade seguinte:

a) Que o referido em 1) ocorresse cerca das 22 horas, encontrando-se o arguido já deitado e pronto a dormir;

b) Que o ofendido insistisse para entrar aquando do referido em 16);

c) Que o arguido dissesse ao ofendido BB que não tinha condições para que este ali pernoitasse, pois dispunha apenas de um quarto e já ali se encontrava o CC;

d) Que o ofendido insistisse e que o arguido informasse aquele que o barracão não tinha luz uma vez que o contrato de fornecimento de electricidade fora cancelado por falta de pagamento pelo arguido;

e) Que após a conversa referida em 3), o ofendido BB solicitasse ao arguido para ali pernoitar, ao que o arguido anuiu, quanto ao barracão onde dispunha de uma cama;

f) Que o arguido fosse buscar lençóis e cobertores, tratando de ir instalar o ofendido no barracão, preparando a cama;

g) Que aquando do referido em £), o ofendido agarrasse o arguido e atirasse o mesmo contra a parede, tendo-lhe, de imediato, agarrado o pescoço;

h) Que o arguido estivesse perturbado quando abandonou o barracão;

i) Que quando o arguido se dirigiu novamente ao barracão tivesse o fim de convencer o ofendido a abandonar o local, tendo levado consigo a machada a fim de se defender de novas investidas por parte do ofendido;

j) Que assim que o arguido entrasse novamente no barracão, o ofendido voltasse a agarrá-lo, respondendo o arguido, tentando defender-se com a machada;

k) Que o arguido desconhecesse o estado em que se encontrava o ofendido BB;

l) Que o referido em 21) visasse socorrer o ofendido BB;

m) Que após o referido em 22), o arguido fosse na companhia do CC ao barracão a fim de socorrer o ofendido BB;

n) Que a ausência de electricidade não permitisse o arguido ver se estava a atingir o ofendido.

8. Convicção da motivação constante da decisão recorrida:

Para a prova dos factos, o Tribunal levou em conta:

A factualidade dada como provada assentou no conjunto da prova produzida e examinada em julgamento, nos seguintes termos:

Antes de mais, atenderam-se as declarações do arguido, embora não totalmente como se explanará, que admitiu, no geral os factos constantes da acusação, admitindo a autoria das agressões. Disse que o ofendido chegou cerca das 21h, tendo chamado à porta da casa, pelo que foi ver o que se passava. Estiveram a conversar, reconhecendo que o ofendido até levou duas garrafas de vinho, mas que disse não terem chegado a beber. Depois, o ofendido teria pedido para dormir em sua casa já que alegava não estar em condições de ir embora, dizendo o arguido que negou tal dormida, mas como o ofendido insistia, acabou por lhe oferecer a cama no barracão. Foi então que, enquanto fazia a cama que o ofendido lhe teria dado dois empurrões contra a parede e agarrado o pescoço. Tendo "sacudido" o ofendido, na sua expressão, com os nervos, foi à cozinha buscar a machada e deu-lhe com ela assim que o avistou novamente à entrada do barracão. Embora dissesse que era de noite e que não tinha luz, justificando tal para dizer que não sabia onde lhe tinha acertado, soube referir que o ofendido estava à porta do barracão e que não teve qualquer reacção quando ele se aproximou assim. Mais explicou que tinha batido com o fio da machada no ofendido, de cima para baixo, no peito, fazendo o gesto. Mais disse que o ofendido caiu e que pensou que o tivesse matado, indo chamar o António à cama para chamar os bombeiros, indo aquele até casa de uma vizinha, já que a casa do arguido não dispõe de telefone nem telemóvel, mas o António disse que a vizinha não o tinha atendido. Referiu ainda o arguido que voltou ao barracão mas já não estava lá o ofendido, pensando que alguém o tivesse socorrido. Assim, voltou para a cama e foi dormir, quando foi surpreendido pela PJ. Reconheceu que se dava bem com o ofendido. Negou estar embriagado e disse que, embora o ofendido dissesse estar alcoolizado, "não estava a cair", na sua expressão. Explicou ainda que no barracão havia achas de madeira.

A hora indicada pelo arguido afigura-se tardia em relação ao ocorrido e mais consentânea com o tempo de conversa antes da ida para o barracão e a hora indicada para socorro à vítima a indicada na acusação, atento o boletim hospitalar de fls. 62, ali constando as 22hl6m como hora de admissão no Hospital e o boletim do INEM de fls. 140, constando como hora de alerta as 21h17m.

  A testemunha DD, inspectora da PJ, foi ao local no próprio dia, confirmando que havia vestígios e que o arguido entregou a machada, colaborando e assumindo os factos.

A testemunha EE, inspector da PJ, efectuou a reportagem fotográfica dos autos.

A testemunha BB, ofendido dos autos, disse que foi a casa do arguido, sendo convidado a entrar, levando umas garrafas para ofertar, mais sabendo que foi agredido, dizendo que tinha sido puxado para o barracão, tentando defender-se levantando os braços, fazendo também o gesto, mais dizendo que fugiu para a estrada, caindo ao chão e ficando sem sentidos. Explicou os golpes sofridos em consonância com os exames dos autos. Negava ter pedido ao arguido para ali dormir já que tal nunca sucedera.

A testemunha FF, vizinho do arguido, explicou de forma credível que socorreu o ofendido BB. Estava no exterior da sua casa quando surgiu um vulto, constatando depois que se tratava do ofendido que escorria abundantemente sangue e repetia "Ele vai-me matar, ele vai-me matar". Vinha em pânico, tendo a testemunha chamado a ambulância e ficado junto do ofendido até chegada da mesma. Disse que o ofendido não chegou a cair, mas fê-lo sentar-se enquanto aguardavam.

A testemunha GG, vizinha do arguido, sabia apenas referir que, na noite dos factos, o CC dirigiu-se a sua casa, a falar do "Manei" e dizendo outras frases que a testemunha não compreendeu, julgando estar bêbedo pelo que o mandou embora. Apenas no dia seguinte foi tentar saber o que se passava, vendo sangue nos paralelos no caminho para casa do arguido.

Atendeu-se à documentação de fls. 20-29, 30-31. 44-51, 52, 62, 64, 107-109, 127-129, 140, 203, perícias de fls. 131-133, 260-262, relatório social de fls. 270-272.

O CRC mais recente junto aos autos a fls. 255 foi atendido para a prova da inexistência de antecedentes criminais.

Assim, do relatado pelas testemunhas e dos elementos constantes dos autos pôde concluir-se que os factos decorreram de forma aproximada ao constante da peça acusatória, já que o próprio arguido admite ter efectuado as agressões. Embora o arguido sustentasse que o conflito resultou de uma agressão do ofendido, este negou tal de forma definitiva e segura mais não sendo tal compatível com as regras da experiência comum: por um lado, o ofendido estava nitidamente alcoolizado apesar de o arguido negar que o estado fosse assim tao forte (veja-se que o exame pericial refere uma TAS de 2,6 g/l); por outro lado, não faz sentido que, a ser como o arguido dizia, quando preparava a cama para acolher o ofendido, este o atacasse, já que deveria estar grato pela oferta. O próprio arguido refere que sempre se deram bem. Além do mais, o arguido demonstrou não ter qualquer receio do ofendido (o que contraria a tese da agressão prévia do ofendido), tanto mais que não só volta ao barracão munido da machada, podendo ter solicitado ajuda ao amigo que pernoitava em sua casa, por exemplo, ou a vizinhos, fugindo, mas ainda, que mesmo depois da agressão, volta ao local, sozinho, como ele mesmo referiu, para verificar a posição do ofendido. Por outro lado, a tese de que vai buscar a machada para se defender soçobrou completamente quando o próprio arguido refere que a foi buscar, com os "nervos" e que, embora o ofendido estivesse à porta do barracão, sem reacção, levantou a machada, dando inúmeras pancadas no ofendido até que ele caiu, julgando-o morto. E, apesar de inicialmente, o arguido referir que estava muito escuro e desconhecia até onde atingira o ofendido e o seu estado, ao ser solicitado que exemplificasse como procedeu, fez o gesto de levantar a machada alto, e a mover para baixo, dizendo que se dirigiu ao peito. Assim, a tese de que teria solicitado ajuda ao António para socorrer o ofendido também não colhe, já que o próprio arguido reconheceu julgar o ofendido morto, tendo ido deitar-se quando não encontrou o ofendido no local. Tal demonstra bem que o arguido não temia o ofendido e que se desinteressou do destino daquele já que alguém que ficasse preocupado com as lesões que teria causado no ofendido, certamente não teria tal atitude.

A intenção de matar retira-se inequivocamente de todo o modo de actuação apurado do arguido conjugado com as regras da experiência comum. Assim, foram inequivocamente desferidas várias pancadas no ofendido com objecto altamente lesivo, alargando pois a área e os resultados da agressão. Por outro lado, o arguido desfere as pancadas no tórax e costas, necessariamente zonas vitais e onde existem órgãos de grande importância, acabando o ofendido por cair, ficando numa posição que o tornou mais vulnerável. Mais ainda, o arguido, tendo ao seu dispor no barracão vários objectos com que poderia desferir pancadas no ofendido, menos lesivos, como achas de madeira, optou por ir à cozinha, buscar a machada, objecto esse que sabia ser extremamente perigoso se utilizado do lado cortante, como fez.

Quanto à posse da machada, as declarações do arguido foram credíveis a tal propósito, referindo que a tinha para rachar lenha, sendo visíveis nas fotografias do local que efectivamente o arguido tinha lenha nos barracões e anexos, tanto mais que não dispunha de luz eléctrica.

Importa ainda realçar que o tribunal levou em conta a conjugação de todos estes meios de prova e factos entre si e com a apreensão directa pelo tribunal das atitudes dos intervenientes e depoentes e com as regras da experiência comum.

9. Questões a decidir:

- A qualificação dos factos;

- A medida da pena e a possibilidade da sua substituição.

9.1. A Sra. Procuradora-Geral Adjunta junto deste Tribunal levantou no seu parecer a questão da qualificação do crime, entendendo que o instrumento usado pelo arguido não deve ser tido como meio particularmente perigoso e, portanto, preencher o exemplo-padrão da alínea h) do n.º 2  do art. 132.º do CP. Consequentemente, o crime imputado ao arguido deveria ser desagravado.

Muito sinteticamente, até porque a questão tem sido muito tratada por este Tribunal, diremos que o tipo qualificado do crime de homicídio previsto no art. 132.º do CP, se traduz num especial tipo de culpa exigindo ao mesmo tempo a concorrência de, pelo menos, uma das circunstância identificadas com os exemplos-padrão constantes das várias alíneas do n.º 2, ou de uma circunstância estruturalmente análoga  a essas, e  a comprovação de que dessa ou dessas circunstâncias resulta, em última análise, uma maior censurabilidade ou perversidade do agente. Ou seja e invertendo a ordem, é necessário que se verifique uma confluência ou mútua imbricação de uma cláusula geral relativa à culpa (n.º 1 daquele art. 132.º) e de, pelo menos, uma das referidas circunstâncias específicas (critério especializador do n.º 2) que a traduza e por ela (cláusula geral relativa à culpa) seja aferida.

 No caso, o arguido usou uma machada com comprimento total de 30 cm, com cabo em madeira, torneado, com cerca de 18 cm e na face lateral uma lâmina de superfície cortante com cerca de 10 cm de comprimento, com a parte metálica da qual efectuou vários golpes no peito, nas costas e na perna esquerda do ofendido, produzindo-lhe lesões que determinaram 12 dias de doença.

Ora, este Tribunal, por diversas vezes, se tem debruçado sobre o exemplo-padrão consistente na utilização de meio particularmente perigoso, tendo vindo a afirmar, de acordo, aliás, com a doutrina, que essa circunstância se há-de traduzir no uso de um instrumento que, pelas suas características, se traduza num perigo acentuado, qualitativamente superior ao perigo inerente a qualquer meio usado para causar a morte de outrem. Qualquer instrumento que seja idóneo para matar é perigoso: uma faca, um sacho ou uma sachola usados com a parte cortante, uma arma de fogo, etc. Para a qualificar o crime a lei exige, todavia, que esse instrumento seja invulgarmente perigoso, sendo havido como tal, pela jurisprudência, aquele meio que acarreta dificuldades acrescidas para a defesa da vítima e que, além disso, constitui perigo para outros bens jurídicos pessoais.

Segundo o acórdão referido pela Sra. Procuradora-Geral Adjunta, meio particularmente perigoso é aquele instrumento, método ou processo que, para além de dificultar de modo exponencial a defesa da vítima, é susceptível de criar perigo para outros bens jurídicos importantes; tem que ser um meio que revele uma perigosidade muito superior ao normal, marcadamente diverso e excepcional em relação aos meios mais comuns que, por terem aptidão para provocar danos físicos, são já de si perigosos ou muito perigosos, sendo que na natureza do meio utilizado se tem de revelar já especial censurabilidade do agente. Da qualificação estão, assim, afastados os meios, métodos ou instrumentos mais comuns de agressão que, embora perigosos ou mesmo muito perigosos (facas, pistolas, instrumentos contundentes) não cabem na estrutura valorativa, fortemente exigente, do exemplo-padrão (Acórdão de 02/03/2006, Proc. n.º 472/06, da 5.ª Secção, relatado pelo Conselheiro Simas Santos e de que o relator deste processo foi adjunto).

No mesmo sentido, entre outros, veja-se o Acórdão de 5/09/2007, Proc. n.º 2430/07, da 3.ª Secção, relatado pelo Conselheiro Oliveira Mendes.

Ora, o instrumento usado pelo arguido no caso destes autos não obedece a estas características, pelo que não pode ser qualificado como meio particularmente perigoso, apesar de tal pretensa perigosidade, bem como a especial censurabilidade e perversidade com que o arguido terá agido constarem indevidamente da matéria de facto. Constituindo matéria de direito e dado o seu carácter conclusivo, a sua inclusão na matéria de facto provada tem-se por não escrita (art. 646.º n.º 4 do CPC, aplicável por força do art. 4.º do CPP).

Consequentemente, os factos dados como provados apenas se podem subsumir ao tipo legal de crime de homicídio simples, do art. 131.º do CP.

9.2. A pena correspondente ao crime de homicídio simples tentado tem o limite mínimo de 1 ano, 7 meses e 6 dias e máximo de 10 anos e 8 meses de prisão. É dentro destes limites que se tem de determinar a pena concreta a aplicar.

A determinação da pena concreta, como se sabe, obedece a parâmetros rigorosos, que têm como elementos nucleares de referência a prevenção e a culpa, tudo nos termos dos números 1 e 2 do art. 71.º do CP.

            Ao elemento prevenção, no sentido de prevenção geral positiva ou de integração, vai-se buscar o objectivo de tutela dos bens jurídicos, erigido como finalidade primeira da aplicação de qualquer pena, na esteira de opções hoje prevalecentes a nível de política criminal e plasmadas na lei,  mas sem esquecer também a vertente da prevenção especial  ou de socialização, ou, segundo os termos legais: a reintegração do agente na sociedade  (art. 40.º n.º 1 do CP).

            Ao elemento culpa, enquanto traduzindo a vertente pessoal do crime, a marca, documentada no facto, da singular personalidade do agente (com a sua autonomia volitiva e a sua radical liberdade de fazer opções e de escolher determinados caminhos) pede-se que imponha um limite às exigências, porventura expansivas em demasia, de prevenção geral, sob pena de o condenado servir de instrumento a tais exigências.

            Neste sentido é que se diz que a medida da tutela dos bens jurídicos, como finalidade primeira da aplicação da pena, é referenciada por um ponto óptimo, consentido pela culpa, e por um ponto mínimo que ainda seja suportável pela necessidade comunitária de afirmar a validade da norma ou a valência dos bens jurídicos violados com a prática do crime. Entre esses limites devem satisfazer-se, quanto possível, as necessidades de prevenção especial positiva ou de socialização (Cf. FIGUEIREDO DIAS, Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas Do Crime, Editorial de Notícias pp. 227 e ss.).
Quer isto dizer que as exigências de prevenção traçam, entre aqueles limites óptimo e mínimo, uma submoldura que se inscreve na moldura abstracta correspondente ao tipo legal de crime e que é definida a partir das circunstâncias relevantes para tal efeito e encontrando na culpa uma função limitadora do máximo de pena. Entre tais limites é que vão actuar, justamente, as necessidades de prevenção especial positiva ou de socialização, cabendo a esta determinar em último termo a medida da pena, evitando, em toda a extensão possível (...) a quebra da inserção social do agente e dando azo à sua reintegração na sociedade (FIGUEIREDO DIAS, ob. cit., p. 231).
Ora, os factores a que a lei manda atender para a determinação concreta da pena são os que vêm indicados no referido n.º 2 do art. 71.º do CP e (visto que tal enumeração não é exaustiva) outros que sejam relevantes do ponto de vista da prevenção e da culpa, mas que não façam parte do tipo legal de crime, sob pena de infracção do princípio da proibição da dupla valoração.

Os poderes cognitivos do STJ, como se sabe, abrangem, no  tocante a esta matéria, entre outras, a avaliação dos factores que devam  considerar-se relevantes para a determinação da pena: a questão do limite ou da moldura da culpa,  a actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, e também o quantum da  pena, ao menos quando se mostrarem violadas regras da experiência ou  quando a quantificação operada se revelar de todo desproporcionada (Cf. FIGUEIREDO DIAS, Ob. Cit., p. 197).

Ora, é precisamente no referente ao quantum aplicado que o recorrente mostra a sua discordância.

No caso concreto, há a considerar a ilicitude, que, segundo a matéria de facto provada, se traduziu na ofensa do bem jurídico mais relevante da ordem jurídica – o valor “vida” – mas que veio a ter consequências de pouca monta, dela tendo resultado apenas 12 dias de doença, que não foram contabilizados do ponto de vista da incapacidade para o trabalho, por o ofendido se encontrar na situação de invalidez. As lesões provocadas criaram, todavia, perigo para a vida do ofendido.

Para além disso, relativamente ao modo de actuação, o arguido desferiu vários golpes no corpo do ofendido, nomeadamente no tórax e na região torácica anterior, que lhe provocaram feridas perfurantes, só tendo parado a agressão depois de o ofendido ter caído e ficado aparentemente inanimado, a ponto de o arguido ter pensado que aquele já estava morto. O ofendido, porém, veio a levantar-se mais tarde pelo seu próprio pé, quando o arguido se tinha afastado para pedir socorro, nomeadamente para chamarem os bombeiros.

Não foi possível apurar as razões do súbito procedimento do arguido em relação ao ofendido, sendo certo que eram conhecidos e que, nos termos da motivação da convicção, o ofendido levava umas garrafas de vinho para casa do arguido (ponto este em que ambos concordam) e ainda que o arguido tinha hábitos alcoólicos, este ponto constando já da matéria de facto (37.25 - Desde jovem que consumia em excesso bebidas alcoólicas, nunca assumindo esses hábitos). Certo é que não se apurou qualquer motivação para o procedimento agressivo.

O arguido agiu com dolo, que é a forma mais grave de culpa.

Relativamente às circunstâncias pessoais, o arguido é oriundo de uma família rural, filho de pais que faleceram há muitos anos, pessoa de cultura muito rudimentar, possuindo apenas a 3.ª classe, desde cedo se dedicando à actividade agrícola, passando pela construção civil, depois por um emprego fabril e, finalmente, desenvolvendo actividade como jornaleiro para vizinhos, possuidor de hábitos alcoólicos desde jovem, tendo contraído casamento com uma mulher, também alcoólica, que morreu passado pouco tempo sem deixar filhos, não tem pessoas que o visitem no estabelecimento prisional (nem sequer a irmã, com a qual não fala há vários anos).

Não tem, contudo, antecedentes criminais e tem um comportamento conforme às regras no estabelecimento prisional, trabalhando na cozinha e interagindo pouco com os demais reclusos e com a administração prisional.

Revela consciência crítica dos factos e mostra-se arrependido.

  Do ponto de vista das exigências de prevenção geral, procurando estas estabilizar, através da reacção criminal, as expectativas comunitárias na validade da norma jurídica violada, deve dizer-se que o sentimento social relativamente a este tipo de crimes é de grande rejeição, pelo que se exige uma certa intensidade na resposta daquela reacção (dita contrafáctica, no seguimento do penalista alemão Jacobs). Todavia, há que ver os exactos contornos que os factos revestiram, as suas reais consequências e as circunstâncias em que foram praticados (não apuradas), tudo conforme melhor se definiu acima.

Por outro lado, há também que atender às circunstâncias pessoais do arguido, de onde decorre grande carência sob todos os pontos de vista, por força da sua origem e inserção social, económica e cultural. Saliente-se que o arguido tem pautado a sua conduta pelas regras da convivência pacífica, a avaliar pela ausência de antecedentes criminais, revelando espírito crítico em relação ao facto praticado e mostrando-se arrependido. Apresenta, todavia, hábitos alcoólicos e não tem nenhum anteparo familiar. É, no entanto, cumpridor das normas institucionais e mostra-se inserido de forma positiva (pese embora a sua pouca interacção) na comunidade prisional.

Tendo em conta todo este contexto, a pena a aplicar ao arguido não deve ficar muito distanciada do limite mínimo, mas também não deve ficar demasiado próximo. Assim, acha-se como pena adequada a de três anos de prisão.

9.3. Esta pena não se substitui nos termos do art. 50.º do CP, não obstante se verificar o pressuposto formal da sua aplicação – ser igual ou inferior a cinco anos de prisão (n.º 1). Porém, a suspensão da execução da pena não satisfaria, no caso, as exigências de prevenção geral – a primacial finalidade da aplicação das penas -, ainda que tal substituição seja fundamentalmente norteada por considerações de prevenção especial. Assim, não ocorre o pressuposto material da substituição da pena, contemplado na 2.ª parte do n.º 1 daquele art. 50.º

Com efeito, a gravidade do crime, apesar das suas consequências não terem sido muito pesadas, mas tendo criado perigo para a vida do ofendido e o arguido ter visado a sua morte, e o modo como foi executado, com pluralidade de golpes de uma machada em zonas letais, desaconselham de todo a substituição da pena de prisão, que ofenderia o referido sentimento comunitário. A tolerância da comunidade social, neste caso, esgota-se com a pouca duração da pena de prisão.

Acresce que o arguido já está em regime de prisão preventiva há algum tempo e, a manter-se o seu bom comportamento e considerando-se outras circunstâncias relevantes, como algumas das que foram já referidas, poderá aspirar, num horizonte relativamente breve, a outras formas que contemplem o seu regresso à liberdade.

III. DECISÃO

10. Nestes termos, acordam em conferência na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em conceder parcial provimento ao recurso interposto pelo arguido AA, embora por razões diferentes das alegadas, e alteram a decisão recorrida quanto à qualificação dos factos, condenando o arguido pelo crime de homicídio simples tentado, previsto e punido pelos artigos 131.º, 22.º, 23.º e 73.º, n.1, alíneas a) e b), todos do Código Penal, na pena de 3 anos de prisão – pena esta que se não suspende.

Sem custas.

Supremo Tribunal de Justiça, 23 de Fevereiro de 2012

                                                

Rodrigues da Costa (relator)
Arménio Sottomayor