Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
7/17.9IFLSB-A.L1.S1
Nº Convencional: 5.ª SECÇÃO
Relator: EDUARDO LOUREIRO
Descritores: RECURSO PENAL
BUSCA EM ESCRITÓRIO DE ADVOGADO
SEGREDO PROFISSIONAL
RECLAMAÇÃO
DESPACHO
PRESIDENTE
TRIBUNAL DA RELAÇÃO
INDEFERIMENTO
RECURSO PARA O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
Data do Acordão: 07/15/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: ACLARAÇÃO INDEFERIDA
Sumário :

I- A reclamação prevista no art. 77.º, do EOA, não se destina a reagir contra o despacho do juiz de instrução criminal que, tendo ordenado a busca com base nos indícios recolhidos no processo e que, avaliados no despacho que julgou viável a diligência, justificou a quebra do sigilo profissional.
II- Exorbita, assim, o âmbito da reclamação a sindicação da existência de indícios do advogado visado para a sua constituição como arguido ou uma eventual quebra do sigilo profissional (v. TEDH, no "Affaire Sérvulo & Associados – Sociedade de Advogados, RL e Autres v. Portugal", de 03-09-2015).
III- Perante o disposto os art. 46.º da LOSJ e 400.º, n.º 1, 432.º, n.º 1 e 433.º, do CPP, não é recorrível para o STJ o despacho de indeferimento da reclamação movida ao abrigo do citado art. 77.º, do EOA.
IV- A interpretação das normas mencionadas no sentido da irrecorribilidade não viola as normas e os princípios insertos nos art. 2.º, 18.º, n.os 2 e 3, 20.º, n.os 1 e 4, 26.º, n.º 1, 29.º, n.os 1 e 4, 32.º, n.os 1 e 8 e 34.º, n.º 4, todos da CRP, nem ofende o art. 6.º da CEDH.
Decisão Texto Integral:


Autos de Recurso Penal
Proc. n.º 7/17.9IFLSB-A-L1.S1
5ª Secção

acórdão
(Reclamação – art.º 417º n.º 8 do Código de Processo Penal)


Acordam, precedendo conferência os juízes da 5ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça:

I. relatório.
1. AA, id. a nos autos – doravante Recorrente –, recorre para este Supremo Tribunal de Justiça do despacho de 15.5.2020 da Senhora Desembargadora Presidente do Tribunal da Relação de ... – doravante, Despacho Recorrido – que indeferiu a reclamação que deduziu ao abrigo do art.º 77º do Estatuto da Ordem dos Advogados (EOA), aprovado pela Lei n.º 145/2015, de 9.9, contra a apreensão de documentação vária, comum e electrónica, efectuada no decurso de busca no seu posto de trabalho e arquivo no escritório onde exerce a sua profissão de advogado, bem como na casa da sua residência, tudo no contexto do Inq. n.º 7/17.... do Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP).
Inquérito esse em que o Recorrente figura como arguido e em que se averiguam crimes de fraude fiscal qualificada, p. e p. pelos art.os 103° n.os 1 al.ª b) e 2 e 194° n.os 2 al.ª 3 do RGIT e de branqueamento de capitais, p. e p. pelo art.º 368°-A n.os 1 e 2 do Código Penal (CP), por suspeita de produção de documentação contabilística fictícia, com relevância a nível fiscal no âmbito de actuação de clubes de futebol, sociedades anónimas desportivas ou sociedades desportivas unipessoais por quotas e de profissionais ligados às actividade desportiva, tais como jogadores, intermediários e outras entidades envolvidas na celebração de contratos de trabalho desportivo, contratos de direitos de imagem, contratos relativos a direitos económicos de jogadores de futebol profissional, contratos referentes a pagamentos de comissões pela contratação de jogadores ou renovação do contrato.

2. O Despacho Recorrido é do seguinte teor:
«Na sequência da emissão dos respectivos mandados, foram efectuadas no dia 4.03.2020 buscas no posto de trabalho e arquivo do Sr. Dr. AA, advogado, sito na Av. da ..., n.º ... – ..., ..., ... ..., bem como na sua residência, sita na Rua ..., n.º ..., ... ....
No decurso da busca ao posto de trabalho o Sr. Dr. AA foi constituído arguido.
O arguido apresentou reclamação, nos termos do disposto no art. 77.º do Estatuto da Ordem dos Advogados, tendo sido sobrestadas as diligências e selados os elementos apreendidos de que reclamou, pedindo que seja deferida a reclamação e declarada a invalidade das diligências de busca, bem como das apreensões, por serem ilegais e inválidas, declarando-se que todos os elementos apreendidos, bem como quaisquer cópias que possam existir, sejam desentranhadas dos autos e lhe sejam entregues, nos termos que constam de fls. 2 a 38, cujo teor aqui se dá como integralmente reproduzido.
O Ministério Público respondeu a esta fundamentação nos termos que constam de fls. 62 a 67 verso, que aqui se dão como reproduzidos, concluindo pelo indeferimento da reclamação.
O Mmº. Juiz de Instrução Criminal ordenou a subida dos autos a esta Relação.
Conhecendo.
Para tal efeito, iremos socorrer-nos do que foi já consagrado por esta Presidência em anterior reclamação da mesma natureza, mais concretamente na reclamação n.º 5432/15.7TDLSB.L1, onde se refere:
Dispõe o art. 76.º, n.º 1, do EOA, sob a epígrafe “Apreensão de documentos” que “Não pode ser apreendida a correspondência, seja qual for o suporte utilizado, que respeite ao exercício da profissão”, sendo este princípio (de proibição) alargado pelos n.ºs 2 e 3 deste mesmo preceito e reduzido pelo seu n.º 4 no “…caso de a correspondência respeitar a facto criminoso relativamente ao qual o advogado tenha sido constituído arguido”.
O segredo profissional do advogado, abrangendo os documentos que se relacionem com os fatos sujeitos a sigilo, encontra-se definido e delimitado no art. 92.º do EOA e como resulta dessa mesma definição o seu escopo situa-se, primordialmente, na defesa das condições de exercício das funções de advogado e da relação cidadão-advogado, só de forma indireta se podendo considerar um “direito” de cada um dos profissionais dessa área.
O segredo profissional do advogado, como claramente resulta das expressões utilizadas pelo legislador na sua configuração legal, a saber, “o advogado é obrigado a guardar segredo profissional”, “A obrigação do segredo profissional existe”, “Os atos praticados pelo advogado com violação de segredo profissional”, “O dever de guardar sigilo”, tem a natureza jurídica de um dever no exercício da profissão.
Em conexão com os preceitos citados dispõe o art. 180.º, n.º 2, do CPP que “…não é permitida, sob pena de nulidade, a apreensão de documentos abrangidos pelo segredo profissional, ou abrangidos por segredo profissional médico, salvo se eles mesmos constituírem objeto ou elemento de um crime”.
Como resulta do disposto no n.º 1, do art.º 92.º, do EOA, o sigilo profissional do advogado abrange, “...todos os factos cujo conhecimento lhe advenha do exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços...”, entre eles os expressamente aí identificados e como dispõe o n.º 3, do mesmo preceito, “O segredo profissional abrange ainda documentos ou outras coisas que se relacionem, direta ou indiretamente, com os factos sujeitos a sigilo”.
Atenta a ratio legis da consagração legal de tal segredo profissional e a necessidade de harmonizar a sua prossecução com os valores inerentes ao exercício da ação penal, depois de criar o valor segredo, na vertente de proibição de apreensão de documentos, a lei processual penal estabelece duas exceções a essa proibição, sendo uma de natureza genérica, referente à relação advogado/cliente e a segunda relativa à conduta do advogado, em si mesma.
Pela primeira, consagrada no art.º 180.º, n.º 2, do C. P. Penal, é permitida a apreensão de documentos que “...constituírem objeto ou elemento de um crime” e pela segunda, consagrada no art.º 76.º, n.º 4 do EOA e art.º 17.º da Lei n.º 109/2009, de 15 de setembro, é permitida a apreensão de correspondência comum e eletrónica quando a mesma “...respeitar a facto criminoso relativamente ao qual o advogado tenha sido constituído arguido”.
Esta segunda exceção apresenta um pressuposto específico, de natureza processual, qual seja, a constituição do advogado como arguido, sendo que o elemento comum às duas exceções é constituído, grosso modo, pela sua conexão a fato que constitua crime, imputável ao cliente ou ao advogado.”
Ora, no presente caso, o reclamante foi constituído arguido, pelo que, o pressuposto processual da segunda excepção consagrada no art. 76.º, n.º 4, do EOA e art. 17.º, da Lei n.º 109/2009, de 15/9, encontra-se preenchido.
Incumbe, assim, ao Sr. Juiz de Instrução Criminal, também ele sujeito ao segredo profissional, analisar os documentos apreendidos, a fim de aferir do seu interesse para a investigação, ou, se pelo contrário, deverão ser devolvidos ao reclamante.
A este propósito refere-se no Ac. da RE de 18/5/2006, proferido no âmbito do Proc. 54/2006-9, disponível in www.dgsi.pt, com o qual se concorda em absoluto, que:
É legalmente reconhecido “o interesse comunitário de confiança na discrição e reserva de determinados grupos profissionais, como condição do seu desempenho eficaz”, que a doutrina germânica maioritária considera como sendo o bem jurídico pelo tipo legal de crime de violação de segredo (Costa Andrade, Coment Conimb. art. 195º).
Mas, continua aquele Comentador, na base daquele tipo legal de crime, está o dever de confidencialidade, em que se pretende proteger para lá do simples interesse comunitário da confiança na discrição e reserva, a privacidade em sentido material, a privacidade no seu círculo mais extenso, abrangendo não só a esfera da intimidade como a esfera da privacidade stricto sensu. A privacidade é aqui protegida na medida em que seja mediatizada por um segredo.
O art. 135º do CPP concede um direito ao silêncio de todas as pessoas a quem a lei impuser ou permitir que guardem segredo sobre certas informações. A quebra do sigilo só pode ocorrer quando “se mostre justificada face às normas e princípios aplicáveis da lei penal, nomeadamente face ao princípio da prevalência do interesse preponderante” (nº3). O que significa que, ainda segundo Costa Andrade, “a realização da justiça penal, só por si e sem mais (despido do peso específico dos crimes a perseguir) não figura como interesse legítimo bastante para justificar a imposição da quebra do segredo”.
Acrescentaríamos ainda que a tutela legal do segredo, que rodeia a prova pessoal (por depoimento ou por declaração), deve cobrir igualmente a produção da prova real (coisas em sentido lato: documentos, suportes informáticos, correspondência…), sob pena de se conseguir por uma via, aquilo que a lei proíbe pela outra.
E estas questões poder-se-ão colocar – e ir-se-ão colocar, certamente, com maior ou menor acuidade, consoante os casos e as situações – no momento da revelação dos documentos e demais coisas apreendidos.
Mas esse momento processual, não é ainda este.
Por outras palavras, a aquisição da prova para o processo, e sua respectiva incorporação, pressupõe dois momentos distintos:
– o momento da apreensão da prova (real, porque é desta de que in casu se trata);
– o momento da revelação da prova.
A apreensão precede a revelação dos conteúdos. E é só neste segundo momento, que ainda não ocorreu processualmente, que a questão dos segredos se poderá colocar.
É que para o juiz de instrução não existe “segredo”, na medida em que ele também está coberto pelo segredo.
Assim, em resumo, e voltando ao início das questões suscitadas no recurso, compete ao M.P. decidir, num primeiro momento – o do inquérito –, segundo a sua perspectiva (de titular do inquérito), o que pode/deve ser apreendido, o que se revela com interesse para a prova; compete, por seu turno, ao juiz de instrução, controlar/garantir a regularidade das apreensões.”
A reclamação prevista no n.º 2, do art. 77.º, do EOA, visando garantir a preservação do segredo profissional, não pode corresponder a uma substituição da função do JIC, a quem caberá fazer a seleção dos documentos susceptíveis de servirem a prova dos crimes sob investigação, dado que quanto a ele, como supra referido, não há “segredo”.
Tal reclamação apenas poderá obstar a que seja colocado em perigo de forma flagrante e injustificada o segredo profissional.
Situação que não se vislumbra no presente caso.
Acresce que, as questões suscitadas pelo reclamante da invalidade das buscas e apreensões não são susceptíveis de ser conhecidas no âmbito desta reclamação, devendo as mesmas terem sido objecto de arguição pela via processual adequada e perante a 1.ª instância.
Pelo exposto, indefere-se a reclamação.
Custas do incidente pelo reclamante.
Notifique-se.
[…]».

E está complementado por despacho da mesma Senhora Presidente de 30.9.2020 que indeferiu arguição de nulidades de falta de fundamentação e de omissão de pronúncia deduzidas pelo Recorrente, nos seguintes termos:
«Notificado da decisão de fls. 94 a 96, veio o reclamante arguir a nulidade da mesma, por falta de fundamentação e omissão de pronúncia, nos termos constantes de fls. 142 a 154, que aqui se dão como reproduzidos.
Vejamos.
No que respeita à alegada falta de fundamentação da decisão de indeferimento há que referir que a mesma encontra-se suficientemente fundamentada, o reclamante é que com a mesma não concorda porque em seu entender o Presidente do Tribunal da Relação de ... deverá controlar, com suporte nas provas constantes do inquérito, se os indícios reunidos pelo Ministério Público quanto à sua actuação, enquanto advogado, justificam ou não aquilo a que apelida de “violenta restrição do sigilo profissional”.
Ora, na altura em que foi efectuada a busca em causa o ora reclamante limitou-se a apresentar reclamação da apreensão da correspondência e documentação electrónicas, com vista à preservação do segredo profissional, não tendo arguido qualquer nulidade ou irregularidade quanto à sua constituição como arguido ou relativamente à busca propriamente dita, o que a ocorrer sempre deveria ser arguida e conhecida junto da 1.ª instância e posteriormente, sendo caso disso, poderia a decisão ser objecto de recurso para esta Relação, não de “Reclamação para o Presidente da Relação”.
Conforme tivemos oportunidade de referir na nossa decisão de fls. 94 a 96, a reclamação prevista no n.º 2, do art. 77.º, do EOA, visando garantir a preservação do segredo profissional, não pode corresponder a uma substituição da função do JIC, a quem caberá fazer a seleção dos documentos susceptíveis de servirem a prova dos crimes sob investigação, dado que quanto a ele não há “segredo”.
Tal reclamação apenas poderá obstar a que seja colocado em perigo de forma flagrante e injustificada o segredo profissional, o que não ocorreu no presente caso, dado que foram observadas todas as formalidades previstas no art. 75.º do EOA para a busca em causa, sendo certo que o reclamante foi constituído arguido nestes autos em que se investigam factos relacionados com a prática dos crimes de fraude fiscal qualificada e de branqueamento de capitais.
Mais alega o reclamante que a decisão sob escrutínio padece do vício de omissão de pronúncia porquanto não conheceu das questões que suscitou da nulidade das buscas e apreensões, sendo certo que o art. 77.º n.º 1, do EOA, prevê que o advogado possa apresentar qualquer reclamação, desde que a mesma se destine a preservar o segredo profissional.
Entendemos, contudo, que a expressão utilizada “qualquer reclamação” terá de ser conjugada com o disposto nos artigos antecedentes, 75.º e 76.º, do mesmo Estatuto, designadamente com a falta de observação das formalidades previstas no primeiro ou dos requisitos previstos no segundo dos preceitos.
Caso contrário a Reclamação para o Presidente da Relação, objecto de uma decisão singular, viria distorcer por completo o regime legal dos recursos e coarctar de forma desproporcional a reapreciação das decisões tomadas acerca de nulidades/irregularidades e demais vícios processuais.
Alega, ainda, o reclamante que a norma do art. 379.º, n.º 1, al. c), do CPP, interpretada e aplicada, isoladamente ou em conjugação com outras normas legais, noutro qualquer sentido, que não aquele que propugna, é materialmente inconstitucional por violação dos arts. 3.º, 20.º, n.ºs 1 e 4, 32.º, n.º 1, 202.º, n.ºs 1 e 2, 204.º e 205.º, n.º 1, todos da CRP.
Acontece que o art. 379.º, do CPP, diz respeito às nulidades da sentença, não tendo aplicação ao presente caso, dado estarmos perante um acto decisório ao qual é aplicável tão somente o art. 97.º, n.º 5, do mesmo Código.
Termos em que, por não se verificarem os invocados vícios de falta de fundamentação e de omissão de pronúncia da decisão de fls. 94 a 96, se indefere o requerido a fls. 142 a 154.
[…].».

3. O Recorrente rematou a motivação de recurso com as seguintes conclusões e pedido:
«1.ª A decisão em análise, proferida pela Presidente da Relação de ..., na sequência da reclamação apresentada pelo Recorrente nos termos do disposto no artigo 77.º do EOA, é recorrível, na medida em que: (i) a mesma foi proferida no âmbito de um processo-crime; (ii) o CPP consagra o princípio fundamental da recorribilidade de todas as decisões judiciais; (iii) não está expressamente prevista a irrecorribilidade da decisão em causa; e (iv)  por força do princípio da legalidade, está vedado o recurso à analogia, na medida em que a mesma redundaria num enfraquecimento da posição processual do arguido, suprimindo o direito ao recurso legalmente conferido.
2.ª Ainda que não estivesse expressamente plasmado no CPP o princípio da recorribilidade, sempre teria in casu o Recorrente direito ao recurso, por imposição constitucional.
3.ª A consagração constitucional do direito ao recurso do arguido, como garantia de defesa, confere, indubitavelmente, ao Recorrente, o poder de impugnar, por meio de recurso, a decisão sob escrutínio, uma vez que (i) nenhum grau de recurso foi ainda assegurado ao Arguido – pois a decisão em causa foi proferida pela Presidente da Relação de ... em 1.ª instância – e (ii) a decisão em causa contende com os direitos fundamento do Arguido, em concreto, com o direito de defesa do arguido, previsto no artigo 32.º da CRP e, através do princípio ao processo justo e equitativo, no artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos – pois redunda na admissão de provas que foram obtidas através de meios de obtenção de prova proibidos –, mas também com os direitos fundamentais tutelados pelas proibições de prova que lhes dão causa.
4.ª É juridicamente insustentável a corrente jurisprudencial que procura vedar o direito ao recurso através da circunscrição do âmbito de aplicação do artigo 432.º, n.º 1, alínea a), do CPP às decisões em que a Relação funciona como tribunal de 1.ª instância exercendo uma competência que por regra é cometida aos tribunais de comarca e excepcionalmente, tendo em conta a qualidade do arguido, se atribui à Relação (alínea a) do n.º 3 do artigo 12.º do CPP)
5.ª Primeiramente, importa notar que o artigo 432.º, n.º 1, alínea a), do CPP, não faz qualquer distinção entre os processos que, por lei, devem ser instaurados nas Relações desde o seu início e aí devam ser decididos e as demais causas que são decididas pelas Relações como 1.º grau de jurisdição: ubi lex non distinguit nec nos distinguere debemus.
6.ª A distinção operada pela referida corrente jurisprudencial levar-nos-ia a uma solução completamente contraditória, pois que se, por um lado, o legislador, considerando a relevância dos interesses subjacentes, subtraía a competência para a decisão da questão à 1.ª instância, por outro lado, tornava-a numa decisão blindada, de um só julgador, insusceptível de qualquer tipo de reapreciação.
7.ª O que é tanto mais grave quando em causa esteja, como está, uma decisão singular, pois, como elucida PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE ( ), a unipessoalidade do órgão decisor torna mais provável a possibilidade de erro; sendo que essa maior probabilidade de erro do juízo unipessoal conjugada com a irreversibilidade desse juízo encurta de forma inadmissível as garantias de defesa e o direito ao recurso do Arguido (cf. 32.º, n.º 1, da Constituição);
8.ª Tal orientação jurisprudencial ignora também por completo o princípio fundamental da recorribilidade. A este propósito importa clarificar – pois parece ser esse o equívoco em que assenta a referida orientação jurisprudencial – que o artigo 432.º do CPP não rege a matéria da admissibilidade de recurso, matéria essa que se encontra regulada nos artigos 399.º e 400.º, bem como noutras disposições análogas dispersas pelo CPP. O 432.º limita-se a repartir a competência, em sede de recursos, entre as Relações e o Supremo Tribunal de Justiça.
9.ª A operação de delimitação do conteúdo do direito ao recurso do arguido não poderá ignorar a sua conformação enquanto garantia de defesa, tendo sido a essa luz que mereceu expressa consagração constitucional, no aludido artigo 32.º, n.º 1, da CRP. Pelo contrário, o enquadramento do direito ao recurso como garantia de defesa deverá ser o ponto de partida para a fixação da latitude – e dos limites – do seu conteúdo.
10.ª O que é o mesmo que dizer que, in casu, atenta a natureza garantística do direito ao recurso, decorrendo da lei a recorribilidade da decisão em causa, está o julgador impedido de acolher qualquer interpretação normativa que vede o direito ao recurso do arguido, conclusão a que também se chega por força da aplicação do princípio da legalidade criminal, como vimos.
11.ª E que, de resto, vai ao encontro daquela que tem sido a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (vide BRITO FERRINHO BEXIGA VILLA-NOVA c. PORTUGAL, Queixa n.o 69436/10).
12.ª Assim, as normas constantes dos artigos 77.º do EOA, 399.º, 400.º. 432.º, n.º 1, alínea a), todos do CPP, interpretadas e aplicadas no sentido de que a decisão proferida pelo presidente do tribunal da relação, nos termos do artigo 77.º do EOA, é irrecorrível, são nessa interpretação e aplicação materialmente inconstitucionais por violação dos artigos 18.º, n.ºs 2 e 3, 20.º, n.ºs 1 e 4, 29.º, n.ºs 1 e 4, e 32.º, n.º 1, da Constituição, violando igualmente o artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos.
13.ª Tomando em consideração tudo quanto ficou dito, deve o presente recurso ser admitido.
14.ª O Tribunal a quo interpretou erradamente o artigo 77.º do EOA.
15.ª A Relação de ... considerou que a reclamação prevista no artigo 77.º do EOA apenas deverá ter procedência quando esteja em causa um perigo flagrante e injustificado para o segredo profissional.
16.ª Esta interpretação não tem respaldo legal ou, sequer, jurisprudencial.
17.ª Não há qualquer norma que atribua ao incidente em causa um caráter meramente indiciário ou que admita violações não flagrantes do segredo profissional.
18.ª O meio de impugnação previsto no artigo 77.º do EOA visa garantir o segredo profissional, podendo ser invocado para o efeito qualquer erro na decisão ou execução da busca e apreensão.
19.ª O critério de decisão para dar provimento ou não a uma reclamação do artigo 77.º do EOA é o do princípio da prevalência do interesse preponderante.
20.ª Na adjudicação da reclamação, o Presidente do Tribunal da Relação deve proceder a um controlo formal, que incide sobre a verificação dos pressupostos das diligências de prova, e a um controlo material, que afere da imprescindibilidade das diligências para a descoberta da verdade, da gravidade dos crimes e da necessidade de proteção de bens jurídicos.
21.ª Nesta decisão, a Relação de ... contraria a sua própria jurisprudência sobre a presente questão, invertendo o sentido decisório que seguiu num caso análogo em 2016.
22.ª Da interpretação conjuga dos artigos 179.º, n.º 1, 180.º, n.º 2, do CPP, 76.º n.ºs 1 e 4 do EOA, e  17.º da Lei do Cibercrime, resulta que: (i) não podem ser apreendidos documentos abrangidos pelo segredo profissional que não constituam objeto ou elemento de um crime; (ii) se tais documentos consistirem em correspondência só poderão ser apreendidos se o advogado tiver sido constituído arguido.
23.ª No âmbito das buscas que ocorreram no domicílio e arquivo do Dr. AA foi apreendida, entre o mais, correspondência respeitante ao exercício da profissão.
24.ª Sucede, porém, que a constituição de arguido do Recorrente foi ilegal, pelo que ilegal foi também a apreensão dessa correspondência.
25.ª Apesar de o Ministério Público ser o dominus do inquérito, o poder-dever de constituição de arguido é um ato vinculado cujos pressupostos estão taxativamente definidos na lei.
26.ª E assim é para se prevenir qualquer tipo de funcionalização do ato de constituição de arguido a conveniências e interesses alheios àqueles que devem presidir tal ato, atentos os onerosos efeitos que, tanto dentro como fora do processo, se ligam à atribuição da posição processual de arguido.
27.ª A constituição de Arguido, pressupõe sempre e antes de tudo o mais, nomeadamente antes das formalidades e procedimentos previstos na lei, que se verifique uma das situações fundamento taxativamente elencadas na Lei, em concreto nos artigos 57.º, n.º1, 58.º, n.º 1, alíneas a) a de) e 59.º, n.ºs 1 e 2, do CPP.
28.ª Acontece que in casu nenhuma destas situações que fundamentam a constituição de arguido estava verificada no momento da constituição de arguido do Recorrente.
29.ª Não existia, e continua a não existir, fundamento para constituir o Recorrente como arguido.
30.ª Importa denunciar a inexistência do necessário interrogatório do Recorrente.
31.ª Nos termos do artigo 58.º, n.º 1, alínea a), do CPP, para que se possa proceder à constituição de arguido torna-se necessário (i) que o inquérito corra contra pessoa determinada relativamente à qual exista fundada suspeita e (ii) que essa pessoa preste declarações perante autoridade judiciária ou órgão de polícia criminal.
32.ª Acontece que o Recorrente não prestou, até ao momento, quaisquer declarações, nem solicitou a sua constituição como arguido, nos termos do disposto no artigo 59.º, n.º 2, do CPP, pelo que não se compreende com que fundamento legal se procedeu à sua constituição de arguido.
33.ª O Recorrente só foi constituído arguido para que as autoridades judiciárias pudessem apreender a sua correspondência, protegida pelo segredo profissional.
34.ª Mas para que tal constituição como arguido fosse autorizada pela lei, as autoridades judiciárias teriam de ter procedido de imediato ao primeiro interrogatório do arguido, com a inerente efetivação do direito de informação concretizada sobre os factos e provas contra si existentes (cfr. artigo 141.º, n.º 4, alíneas d) e e), ex vi artigo 144.º, n.º 1, ambos do CPP).
35.ª Interpretação contrária, ainda que favorável aos interesses e conveniências da investigação viola a letra da lei e ratio do regime da constituição de arguido.
36.ª Mais do que objeto do processo e meio de prova, o arguido é hoje o sujeito principal do processo, tendo direito a participar ativamente na discussão do objeto do processo.
37.ª A obrigatoriedade de constituir a pessoa determinada contra quem corra inquérito arguida, assim que contra ela surja fundada suspeita da prática do crime, visa assegurar que tal pessoa é, logo nesse momento, chamada a participar ativamente no diálogo processual, nomeadamente, exercendo o seu direito de defesa através do respetivo interrogatório.
38.ª À luz do que ficou exposto, sempre se terá de concluir que a constituição de arguido do Recorrente foi ilegal, por não ter sido imediatamente seguida do seu interrogatório, com a inerente efetivação do seu direito à informação, tornando-se insofismável que o desiderato para a constituição do Recorrente como arguido foi única e exclusivamente: a presumida utilidade da sua correspondência com os seus constituintes e colegas para a investigação.
39.ª O que é o mesmo que dizer que o Recorrente só foi constituído arguido por ser advogado, ou seja, in casu, ao invés de a constituição como arguido conferir ao sujeito visado um conjunto de garantias e direitos processuais, este ato operou como uma ablação das suas mais importantes imunidades processuais, coartando a confiança que todos os cidadãos depositam no sigilo. Não podendo, por isso e sob pena de defraudar a lei, ser reconhecida a legalidade desse ato.
40.ª Pelo que, a consequência de tal ilegalidade é que a busca e a apreensão da correspondência do Recorrente – isto é, a ingerência nas suas comunicações – não foram realizadas ao abrigo de uma norma legal.
41.ª Isto porque, tanto a ordem do Mm.º Juiz de Instrução, como a constituição de arguido, não são aptas a preencher a previsão da norma que permite às autoridades apreenderem a correspondência profissional de um Advogado.
42.ª Logo, não sendo possível enquadrar validamente as diligências sub judice no regime de excepção à regra da inapreensibilidade da correspondência de Advogado, verificou-se uma ingerência ilegal nas comunicações do Recorrente, cominada como uma proibição de prova, por força do artigo 126.º, n.º 3, do CPP e 32.º, n.º 8, da CRP.
43.ª Por conseguinte, as apreensões de correspondência são nulas, devendo os ficheiros com as comunicações apreendidas ser desentranhados dos autos e restituídos ao Recorrente.
44.ª Assim, as normas constantes dos artigos 58.º, n.º 1, alínea a), e 272.º, do CPP interpretadas e aplicadas no sentido de que, correndo inquérito contra pessoa determinada, em relação à qual haja suspeita fundada da prática de crime, esta pode ser constituída arguida sem que tenha prestado declarações perante qualquer autoridade judiciária ou órgão de polícia criminal, são nessa interpretação e aplicação materialmente inconstitucionais por violação dos artigos 18.º, n.ºs 2 e 3 e 32.º, n.º 1, da Constituição, violando igualmente o artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos.
45.ª E, também assim, as normas constantes dos artigos 58.º, n.º 1, alínea a), e 272.º, do CPP interpretadas e aplicadas no sentido de que o interrogatório de arguido não tem de ser realizado imediatamente após a constituição de arguido, são nessa interpretação e aplicação materialmente inconstitucionais por violação dos artigos 18.º, n.ºs 2 e 3 e 32.º, n.º 1, da Constituição, violando igualmente o artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos.
46.ª O Tribunal da Relação, determinado pelo seu erro na interpretação do artigo 77.º do EOA, não aplicou o regime resultante artigo 15.º, n.º 1, e 17.º da Lei do Cibercrime, 126.º, n.º 3, do CPP, e 32.º, n.º 8, da CRP.
47.ª O artigo 15.º, n.º 1, da Lei do Cibercrime estabelece que as pesquisas informáticas devem visar obter dados específicos e determinados.
48.ª O grau de especificidade e determinação dos dados pesquisados deve ser tanto maior, quanto maior for a sensibilidade dos dados contidos no sistema informático visado, que, no caso concreto, era elevada, por se tratar de correspondência profissional protegida por segredo.
49.ª Ao utilizar como descritor nas pesquisas informáticas o termo “transferência”, atendendo à atividade profissional do Recorrente – Advogado cuja prática se centra na área do mercado de capitais, onde o termo “transferência” é ubíquo –, a pesquisa levada a cabo é, em abstrato e em concreto, demasiado vaga para cumprir com as exigências de especificidade e determinação do artigo 15.º, n.º 1, da Lei do Cibercrime, porquanto equivale, materialmente, a uma pesquisa a toda a sua documentação profissional.
50.ª As autoridades tinham ao seu dispor meios menos lesivos dos direitos do Recorrente para executar as pesquisas, nomeadamente, conjugando o termo “transferência” com outros termos relevantes para a investigação em curso, pelo que a pesquisa foi, por demais, desnecessária e, por isso, desproporcional.
51.ª As pesquisas realizadas aos sistemas informáticos do recorrente foram, por isso, realizadas fora do escopo da permissão legal para a execução de pesquisas informáticas, consubstanciando, por isso, uma ingerência ilícita na correspondência e nas comunicações eletrónicas do Recorrente, correspondendo a um método proibido de prova, por força do artigo 126.º, n.º 3, do CPP e 32.º, n.º 8, da CRP.
52.ª A norma constante dos artigos 15.º, n.º 1, e 17.º da Lei do Cibercrime, interpretados e aplicados no sentido de permitir a realização de pesquisas de dados informáticos abrangidos por segredo profissional através de termos vagos e indeterminados, que não permitam manter uma conexão entre os dados informáticos pesquisados e as infracções investigadas, é, nessa interpretação e aplicação, materialmente inconstitucional, por violação do princípio da proporcionalidade, consagrado no artigo 18.º, n.os 2 e 3, da CRP, da garantia contra a obtenção de prova proibida, prevista no artigo 32.º, n.º 8, da CRP, do direito fundamental ao sigilo das comunicações, estatuído no artigo 34.º, n.º 4, da CRP, e das imunidades inerentes ao patrocínio forense, garantidas pelo artigo 208.º da CRP, inconstitucionalidade que ora se invoca para todos os devidos efeitos legais.
53.ª O Tribunal a quo errou na sua interpretação do artigo 77.º do EOA, ao não reconhecer a preponderância do interesse na preservação do segredo profissional do Advogado sobre os interesses da investigação.
54.ª O princípio do interesse preponderante é o crivo que determina a possibilidade de apreender documentos e correspondência sujeitos a segredo profissional e exige que a prova recolhida seja apta a demonstrar a realidade dos factos sob investigação, que não existam meios alternativos menos lesivos para apurar a verdade e que existam uma necessidade social premente, devidamente justificada pelas autoridades.
55.ª O Advogado é um colaborador na realização do Direito e a quebra do segredo profissional é suscetível de gerar um efeito dissuasor na sinceridade e plenitude da comunicação entre o constituinte e o seu mandatário.
56.ª No caso concreto não foi demonstrada uma necessidade social premente que justificasse a interferência no segredo profissional do Advogado, pois não existe no despacho que autorizou as diligências de prova qualquer facto passível de fundar uma suspeita sobre o Recorrente, pois o mesmo nunca foi nomeado na factualidade descrita no despacho, nem lhe foi imputada qualquer atuação, nem foi descrita qualquer ligação do mesmo com os factos sob investigação.
57.ª Foi ainda excedido o escopo da autorização judicial de apreensão, na medida em que foram apreendidos documentos, ficheiros informáticos e mensagens de correio eletrónico sem qualquer conexão razoável com os crimes sub judice, reconduzíveis, grosso modo, às seguintes categorias: (i) artigos doutrinários, jurisprudência, legislação e outros materiais jurídicos; (ii) documentos e mensagens relacionados com clientes do Recorrente que não estão sob investigação – mesmo que esses documentos e mensagens possam, pontualmente, referir alguma sociedade ou pessoa singular que se encontra sob investigação nestes autos, eles foram elaborados ou executados para outros clientes e exclusivamente a propósito de assuntos destes últimos; (iii) documentos e mensagens abrangendo sociedades sob investigação, mas relativos a jogadores e treinadores não abrangidos pelo presente inquérito; (iv) documentos e mensagens fora do âmbito temporal, de 2010 a 2016, definido no despacho que autorizou as diligências; e (v) documentos de cariz pessoal, respeitantes ao Recorrente ou à sua família, que não se vê como possam ter relevância para a presente investigação.
58.ª Logo, por não existir uma necessidade social premente que justifique a apreensão dos documentos e correspondência sujeitos a segredo profissional, essa apreensão deve ser considerar inadmissível.

Nestes termos, e nos mais de Direito, deve o presente recurso ser admitido, e em consequência devem V. Ex.as substituir a decisão recorrida por uma outra que dê provimento à reclamação original, ordenando o imediato desentranhamento dos autos e a entrega ao Recorrente de todos os elementos apreendidos, bem como de quaisquer cópias que possam existir.».

E requereu, ao abrigo do art.º 411º n.º 5 do Código de Processo Penal (CPP) [1], o julgamento do recurso em audiência.

4. O recurso foi admitido por douto despacho de 14.10.2020 da Senhora Presidente do Tribunal da Relação de ..., do seguinte teor:
«Embora com dúvidas quanto à sua admissibilidade, face ao disposto nos arts. 432.º, n.º 1, al. a) e 433.º, ambos do CPP, admite-se o recurso interposto a fls. 163 a 195 verso, o qual sobe imediatamente ao Supremo Tribunal de Justiça, nos próprios autos, com efeito suspensivo.
[…]».
 
5. A Senhora Procuradora-Geral Adjunta no Tribunal da Relação de ... respondeu doutamente ao recurso, finalizando a peça pela seguinte forma:
«[…].
Pelo que se CONCLUI:
1- Ser admissível o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça da decisão do Presidente da Relação sobre reclamação apresentada, nos termos do art.° 77° da Lei n.° 145/15, de 9/9, que aprovou o Estatuto da Ordem dos Advogados, por esta, ser uma decisão em 1ª instância;
2- Os documentos que dizem respeito à atividade profissional do advogado estão protegidos pelo segredo profissional, que está definido e delimitado no art.° 92° da Lei n.° 145/15, de 9/9;
3- Tal segredo, pode, contudo, pode ser derrogado em duas circunstâncias: A prevista no art.° 180°, n.° 2 do CPP, que prevê a apreensão de documentos abrangidos pelo segredo profissional se constituírem objeto ou elemento de um crime e a prevista nos art.°s 76°, n.°4 da Lei n.° 145/15, de 9/9 e 17° da Lei n.°109/09, de 15/9 referente à apreensão de correspondência comum e eletrónica quando disser respeito a facto criminoso relativamente ao qual o advogado tiver sido constituído arguido;
4- O recorrente foi constituído arguido por no inquérito ter sido considerado existirem fortes indícios da prática, em coautoria, de um crime de Fraude Fiscal qualificada, p. e p. pelos art.°s 103°, n.° 1, al. b) e n.° 2 e 104°, n.° 2, al. b) e n.° 3 do R.G.I.T.;
5- Os documentos apreendidos e selados têm relação/conexão com o crime em investigação e imputável ao Sr. Advogado, constituído arguido.
6- Ainda que assim não fosse, o interesse preponderante neste caso é o interesse público;
7 -Cabe ao Senhor Juiz de Instrução Criminal fazer a triagem dos elementos probatórios recolhidos, manter a apreensão referente aos relevantes para a investigação e devolver os restantes;
8 - a decisão que recaiu sobre a reclamação apresentada, nos termos do art.° 77° do EOA foi fundamentada e não padece de qualquer vício de que cumpra conhecer.
Não dando provimento ao recurso e mantendo o decidido, nos seus precisos termos, farão V. Excelências, aliás como sempre,
JUSTIÇA!»

6. No momento previsto no art.º 416º n.º 1, a Senhora Procuradora-Geral Adjunta neste Supremo Tribunal de Justiça emitiu proficiente parecer em que sustenta a inadmissibilidade legal do recurso e a sua rejeição nos seguintes termos:
«[…].
Coloca-se a questão prévia de saber se é admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça de uma decisão proferida pela Sra. Presidente do Tribunal da Relação de ..., no âmbito de uma reclamação apresentada nos termos do art.° 77° do EOA, que considerou não estar em perigo de forma flagrante e injustificada o segredo profissional, que as buscas e as apreensões não são suscetíveis de ser conhecidas no âmbito de uma reclamação, mas sim mediante a arguição pela via processual adequada e perante a 1ª instância, e que manteve esta sua decisão após ter sido arguida a sua nulidade, por falta de fundamentação, e por omissão de pronúncia.
O recorrente AA defende a admissibilidade do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça alegando que quaisquer decisões que tenham por objeto proibições de prova são decisões recorríveis, por contenderem com o direito de defesa do arguido, e com os direitos fundamentais tutelados pelas proibições de prova que lhes dão causa, estar-se no âmbito de aplicação do art. 432°, n° 1, al. a), do Cod. Proc. Penal, uma vez que a decisão foi proferida pelo Tribunal da Relação, que aqui funciona como Tribunal de 1ª Instância, que a sua constituição como arguido foi ilegal, bem como a apreensão de toda a documentação, sendo que o despacho que autorizou as buscas não refere qualquer facto ou indício que seja passível de fundar uma suspeita sobre si, não existindo uma conexão razoável entre cada um dos documentos, ficheiros e correspondência identificados com os crimes em investigação, concluindo não existir uma necessidade social premente que justifique a apreensão de documentos e de correspondência realizada, que está sujeita a segredo profissional, devendo tal apreensão ser considerada inadmissível e ser deferida a reclamação que apresentou.
A Ilustre Magistrada do Ministério Público junto do Tribunal da Relação de ... também considera ser admissível o presente recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, por se estar perante uma decisão proferida pelo Tribunal da Relação, que constitui para este efeito uma decisão proferida em 1ª Instância, uma vez que só aí foi conhecida a reclamação apresentada, nos termos do art. 77° do EOA.
E, para sustentar este seu entendimento invoca o Ac. STJ, de 11/12/19, do Proc. n°107/15.0GAMTL.El.S2, e o Ac. STJ, de 18/12/19, do Proc. n.° 241/18.4PDCSC-A.S1- 3, onde foram apreciados recursos interpostos de acórdãos proferidos pelo Tribunal da Relação, que decidiram sobre incidentes processuais instaurados junto da 1ª Instância, sobre a quebra do segredo profissional, e sobre a verificação da legitimidade da recusa, uma vez que cabe ao tribunal imediatamente superior a decisão da quebra deste segredo – cfr. art. 135º, nº 2, e nº 3, e art. 182º, nº 2, ambos do Cod. Proc. Penal.
Contudo, no caso dos autos, estamos perante uma decisão proferida pela Sra. Presidente do Tribunal da Relação de ..., na sequência de uma reclamação apresentada pelo recorrente AA, nos termos do art.° 77° do EOA, aquando da realização da busca no seu escritório e na sua residência, reclamando da apreensão da correspondência e da documentação aí efectuadas, com vista a garantir a preservação do seu segredo profissional enquanto advogado.
Ora, esta reclamação, que está prevista no citado art.° 77° do EOA, constitui uma forma de reação à eventual desconformidade legal de procedimentos adoptados no decurso de buscas e apreensões ou de outras diligências previstas nos arts. 75° e 76° do EOA, sendo que os documentos que dizem respeito à atividade profissional do advogado estão protegidos pelo segredo profissional, que está definido e delimitado no art. 92° do EOA, e que visa defender o exercício destas funções, mas que pode ser derrogado em determinadas circunstâncias.
Assim, a lei estabelece duas excepções a este princípio: uma enunciada no art. 180°, n° 2, do Cod. Proc. Penal, que prevê a apreensão de documentos abrangidos pelo segredo profissional se constituírem objeto ou elemento de um crime, e a outra enunciada no art. 76°, n°4 da EOA, e no art. 17° da Lei n° 109/09, de 15/9, que prevê a apreensão de correspondência comum e eletrónica quando disser respeito a facto criminoso relativamente ao qual o advogado tiver sido constituído arguido.
E, dispõe o art. 180° do Cod. Proc. Penal que:
"1- À apreensão operada em escritório de advogado ou em consultório médico é correspondentemente aplicável o disposto no art. 177º nºs 3 e 4.
2- Nos casos referidos no número anterior não é permitida, sob pena de nulidade, a apreensão de documentos abrangidos pelo segredo profissional, ou abrangidos pelo segredo profissional médico, salvo se eles mesmo constituírem objecto ou elemento do crime”.
Por seu lado, o art. 71° do EOA veda a apreensão de correspondência, que respeite ao exercício da profissão (n° 1), salvo se respeitar a facto criminoso relativamente ao qual o advogado tenha sido constituído arguido (nº 4).
E, dispõe o art. 77º do EOA que:
“1 - No decurso das diligências previstas nos artigos anteriores, pode o advogado interessado ou, na sua falta, qualquer dos seus familiares ou trabalhadores presentes, bem como o representante da Ordem dos Advogados, apresentar qualquer reclamação.
2 - Destinando-se a apresentação de reclamação a garantir a preservação do segredo profissional, o juiz deve logo sobrestar na diligência relativamente aos documentos ou objetos que forem postos em causa, fazendo-os acondicionar, sem os ler ou examinar, em volume selado no mesmo momento.
3 - A fundamentação das reclamações é feita no prazo de cinco dias e entregue no tribunal onde corre o processo, devendo o juiz remetê-las, em igual prazo, ao presidente da Relação com o seu parecer e, sendo caso disso, com o volume a que se refere o número anterior.
4 - O presidente da Relação pode, com reserva de segredo, proceder à desselagem do mesmo volume, devolvendo-o novamente selado com a sua decisão”.
No caso, a decisão recorrida consubstancia uma decisão de indeferimento, proferida pela Sra. Presidente do Tribunal da Relação de ..., relativamente à reclamação apresentada pelo recorrente AA nos termos do citado art.° 77° do EOA, e à arguição de nulidade por falta de fundamentação e por omissão de pronúncia desta decisão que o mesmo também apresentou.
A decisão foi proferida na sequência de uma reclamação, suscitada no âmbito de um incidente processual decorrente da realização de uma diligência de obtenção de um meio de prova num processo de inquérito, nos termos do art. 180º do Cod. Proc. Penal, sendo que esta reclamação teve como propósito imediato garantir a preservação do segredo profissional do recorrente AA, enquanto advogado.
Desta forma, não estamos perante a prolação de uma decisão do Tribunal da Relação num processo que tenha corrido seus termos por este Tribunal, e que o mesmo tenha funcionado como Tribunal de 1ª Instância.
Com efeito, a decisão recorrida limitou-se a apreciar uma reclamação, que consubstancia um acto da exclusiva competência do Presidente do Tribunal da Relação, e que não é passível de recurso para este Supremo Tribunal.
Estamos perante duas fases processuais distintas: a primeira fase prende-se com a realização de buscas no escritório e na residência do recorrente AA, nos termos do art. 180º do Cod. Proc. Penal, no âmbito do Tribunal da 1ª Instância; a segunda fase prende-se com a decisão da Sra. Presidente do Tribunal da Relação, na sequência do incidente processual de reclamação apresentado pelo recorrente nos termos do art. 77º do EOA, com o propósito imediato de garantir a preservação do seu segredo profissional, enquanto advogado.
Ora, para além de se entender que, no caso, o Tribunal da Relação não agiu como um Tribunal de 1ª Instância, já que a decisão recorrida diz respeito a uma reclamação suscitada num processo que corre em 1ª Instância, não se verificando a situação do art. 432.º, nº 1, al. a), do Cod. Proc. Penal, entende-se também que a esta decisão apenas serão aplicáveis, com as necessárias adaptações, as als. a) a d), f), g) e h), do nº 1, do art. 62º da Lei nº 62/2013 (Lei da Organização do Sistema Judiciário), por ter sido proferida pela Sra. Presidente do Tribunal da Relação, no âmbito de uma reclamação.
Assim, relativamente à competência do Presidente do Tribunal da Relação, o art. 76º da Lei nº 62/2013, de 26 de Agosto (Lei da Organização do Sistema Judiciário) refere que:
“1 - À competência do presidente do tribunal da Relação é aplicável, com as necessárias adaptações, o disposto nas alíneas a) a d), f), g) e h) do n.º 1 do artigo 62.º
2 - O presidente do tribunal da Relação é competente para conhecer dos conflitos de competência entre tribunais de comarca da área de competência do respetivo tribunal ou entre algum deles e um tribunal de competência territorial alargada sediado nessa área, podendo delegar essa competência no vice-presidente. (…)
4 - É aplicável o disposto no n.º 2 do artigo 62.º às decisões proferidas em idênticas matérias pelo presidente do tribunal da Relação”. (sublinhado nosso).
E, relativamente à competência do Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, o art. 62º da Lei nº 62/2013, refere que:
“a) Presidir ao plenário do tribunal, ao pleno das secções especializadas e, quando a elas assista, às conferências;
b) Homologar as tabelas das sessões ordinárias e convocar as sessões extraordinárias;
c) Apurar o vencido nas conferências;
d) Votar sempre que a lei o determine, assinando, neste caso, o acórdão;
e) Dar posse aos vice-presidentes, aos juízes, ao secretário do tribunal e aos presidentes dos tribunais da Relação;
f) Dirigir o tribunal, superintender nos seus serviços e assegurar o seu funcionamento normal, emitindo as ordens de serviço que tenha por necessárias;
g) Exercer ação disciplinar sobre os oficiais de justiça em serviço no tribunal, relativamente a pena de gravidade inferior à de multa;
h) Exercer as demais funções conferidas por lei.
2 - Das decisões proferidas nos termos da alínea f) do número anterior cabe recurso direto para a Secção do Contencioso do Supremo Tribunal de Justiça e, nos termos da alínea g), para o plenário do Conselho Superior da Magistratura” (…)” (sublinhado nosso).
Por outro lado, o indeferimento desta reclamação não prejudicará o recurso para o Tribunal da Relação, nos termos do art. 399º do Cod. Proc. Penal, podendo sempre o recorrente AA insurgir-se pela via do recurso ordinário contra eventuais actos do Juiz de Instrução com os quais o mesmo não concorde no âmbito do processo de inquérito, designadamente, a decisão de considerar ser do interesse para a investigação a junção ao processo de inquérito dos documentos apreendidos, não os devolvendo ao recorrente.
Posto isto, entende-se que a decisão recorrida não admite recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, sendo que, em abono deste nosso entendimento, no sentido da não verificação da situação enunciada no art. 432.º, nº 1, al. a), do Cod. Proc. Penal, invocamos os acórdãos do STJ de 06/12/2007, Proc. nº 07P3215 (Souto de Moura), de 25/07/2014, Proc. nº 4910/08.9TDLSB-E.L1.S1 (Sousa Fonte), de 24/04/2019, Proc. nº 5837/16.6T9LSB-A.L1.S1 (Francisco Caetano) e de 31/10/2019, Proc. nº 7078/18.9T9LSB-A.L1.S1 (Nuno Gomes da Silva), bem como a decisão sumária de 16/10/2014, Proc. nº 1233/13.5YRLSB.S1 (Souto de Moura), e de 11/12/2019, Proc. nº 1331/19.1T9LSB-A.L1.S1 (José Luís Lopes da Mota) e os acórdãos de 02/05/2019, Revista nº 2236/16.3T8AVR-A.P1.S1 (Bernardo Domingos) e de 10/09/2019, Revista nº 17359/17.3T8PRT-A.P1-A.S1 (Henrique Araújo), todos em www.dgsi.pt.
Concluindo, entende-se que a decisão proferida pela Sra. Presidente do Tribunal da Relação de ..., na sequência de reclamação apresentada pelo recorrente AA ao abrigo do art. 77º do EOA não constitui uma decisão proferida em 1ª Instância, passível de recurso nos termos do art. 432º, nº 1, al. a), do Cod. Proc. Penal, e que a esta decisão apenas serão aplicáveis, com as necessárias adaptações, as als. a) a d), f), g) e h), do nº 1, do art. 62º da Lei nº 62/2013.
Face ao exposto somos de parecer que:
– A decisão recorrida proferida pela Sra. Presidente do Tribunal da Relação de ..., na sequência de reclamação apresentada ao abrigo do art. 77º do EOA não cabe no âmbito do disposto no art. 432.º, nº 1, al. a), do Cod. Proc. Penal, concluindo-se pela procedência da questão prévia sobre a inadmissibilidade legal do recurso, rejeitando-o, nos termos do art. 420º, nº 1, al. b), e do art. 414º, nº 2, e nº 3, do Cod. Proc. Penal, sendo que a sua prévia admissibilidade não vincula o tribunal superior.
[…].».

7. Em resposta ao parecer – art.º 417º n.º 2 – o Recorrente reiterou o entendimento pela admissibilidade do recurso, convocando o argumentário que segue transcrito:
«[…].
4. […] [O] parecer do Ministério Público junto do Supremo Tribunal de Justiça incorre em dois erros cardinais: (i) não reconhece que a Presidente do Tribunal a quo tomou efetivamente uma decisão em primeira instância; e (ii) invoca, em abono da sua opinião, jurisprudência que contraria a Convenção Europeia dos Direitos Humanos ("CEDH"), bem como a mais recente linha interpretativa desta secção do Supremo Tribunal de Justiça.

Vejamos:

5. No seu Parecer, o Ministério Público junto do Supremo Tribunal de Justiça alega que "no caso, o Tribunal da Relação não agiu como um Tribunal de 1ª Instância, já que a decisão recorrida diz respeito a uma reclamação suscitada num processo que corre em primeira instância" […].

 6. Esta afirmação não procede, pois, conforme o Ministério Público junto do Tribunal da Relação bem referiu "a 1ª instância não conheceu da reclamação apresentada, nos termos do disposto no artigo 77° [do EOA], pelo que a decisão proferida neste Tribunal da Relação constitui, para esse efeito, uma decisão em 1ª instância" […].

Com efeito,

7. O Tribunal Central de Instrução Criminal nunca teve oportunidade de conhecer e decidir sobre a reclamação apresentada pelo Recorrente.

8. De acordo com o disposto no n.º 2 do artigo 77º do EOA, no seguimento da apresentação de uma reclamação, "o juiz deve logo sobres/ar na diligência relativamente aos documentos ou objetos que forem postos em causa, fazendo-os acondicionar, sem os ler ou examinar, em volume selado no mesmo momento".

9. Já o n.º 4 do mesmo preceito prevê que "[o] presidente da Relação pode, com reserva de segredo, proceder à desselagem do mesmo volume, devolvendo-o novamente selado com a sua decisão".

10. Ou seja, o juiz junto do qual a reclamação é apresentada não pode ler ou examinar os meios de prova apreendidos, logo, não pode tomar qualquer decisão sobre a reclamação que visa a salvaguarda dos mesmos.

11. Apenas o Presidente do Tribunal da Relação, ao desselar o volume e tomar contacto com os documentos ou objetos apreendidos, é que pode decidir sobre o interesse dos mesmos para a investigação e sobre a proporcionalidade da diligência.

12. Afirmar que o Tribunal Central de Instrução Criminal aluou como primeira instância é admitir que foi tomada uma decisão sobre o mérito da reclamação sem que os elementos de prova tivessem sido lidos ou examinados.

13. O que evidentemente não pode ser aceite, pois seria admitir que os juízes podem tomar cegamente decisões restritivas de direitos fundamentais, sem conhecimento de causa.

Por outro lado,

14. O Ministério Público junto do Supremo Tribunal de Justiça considera que a jurisprudência invocada pelo Ministério Público junto do Tribunal da Relação de ... para admitir o presente recurso não tem aplicação ao caso por dizer respeito ao incidente de quebra de segredo profissional, enquanto no caso vertente aquilo que está em causa é a apreensão de documentos e objetos sujeitos a segredo profissional.

15. Poder-se-ia argumentar que esta ideia brota de uma distinção arbitrária e que não tem sustentação, na medida em que o incidente de quebra de segredo profissional e a apreensão de documentos e objetos sujeitos a segredo profissional são simplesmente duas vias para alcançar o mesmo objetivo e que, no fim de contas, implicam a mesma ponderação de interesses contraditórios,

16. Porém, tal não se revela necessário, pois o Ministério Público junto do Supremo Tribunal de Justiça encarrega-se de refutar a sua própria alegação, pois, adiante no mesmo parecer, este Ministério Público, para sustentar a irrecorribilidade da decisão que ora se submete ao escrutínio desta Cúria, invoca 8 acórdãos sobre ... o incidente de quebra de segredo profissional.

17. Esta flagrante contradição não pode deixar de ser sintomática do desacerto argumentativo do Ministério Público junto do Supremo Tribunal de Justiça.

Ademais,

18. Importa ainda salientar que todos os arestos invocados pelo Ministério Público junto do Supremo Tribunal de Justiça, por sinal, são anteriores aos acórdãos de dezembro de 2019 invocados pelo Ministério Público junto do Tribunal da Relação de ....

19. Ao que acresce que, num dos arestos invocados pelo Ministério Público junto do Tribunal da Relação de ..., é citado o acórdão do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos ("TEDH") Brito Ferrinho Bexiga Villa-Nova c. Portugal (Queixa n.º 69436/10) – note-se, também invocado na motivação do presente recurso –, e, após essa citação, esta 3.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça observou o seguinte:

"Constata-se, com alguma surpresa, que esta decisão do TEDH – diretamente respeitante ao regime jurídico português da quebra do segredo profissional –, não aparece refletida na jurisprudência dos nossos tribunais.

Este Supremo Tribunal não pode deixar de ponderar as implicações que dela devem extrair-se para a interpretação e aplicação do direito interno quando em causa estejam situações idênticas, designadamente nos incidentes de quebra de segredo profissional que, contendendo diretamente com a prova nuclear da verificação dos pressupostos do crime, podem afetar gravemente a defesa do arguido e, os mecanismos processuais de controlo das decisões que possam impedir, em concreto, um exercício pleno e eficaz da produção da prova de factos com que se propõe demonstrar a justificação ou a desculpa da sua conduta.

Assim e de conformidade com a fundamentação explanada (máxime: o direito ao recurso como garantia de defesa, a regra geral da recorribilidade e a inexistência de restrição legal expressa), entende este Supremo Tribunal que é recorrível pelo arguido, o acórdão da Relação proferido no incidente de quebra de segredo profissional" […].

20. Ou seja, a tendência mais recente do Supremo Tribunal de Justiça, suportada por jurisprudência do TEDH que versou sobre o Direito português, admite a recorribilidade de decisões relativas à quebra de segredo profissional, com base na regra geral da recorribilidade e na inexistência de restrição legal expressa.

Não obstante,

21. Aquilo que cumpre reter é que quaisquer atos ablativos do segredo profissional do advogado, sejam "quebras" ou "apreensões", devem poder ser sujeitos a um «controlo eficaz», sob pena de violação do artigo 8º da CEDH.

22. Sendo que, para densificar o que se deve entender como o limiar mínimo desse «controlo eficaz», cabe atender às palavras do TEDH [no acórdão do processo Brito Ferrinho Bexiga Villa-Nova c. Portugal citado]:

"[N]o que diz respeito ao «controlo eficaz» para contestar a medida impugnada, o Tribunal observa que o recurso que a recorrente interpôs no Supremo Tribunal de Justiça para contestar a decisão do tribunal da relação não foi objecto de um exame de mérito, tendo o tribunal superior considerado que a requerente não tinha a possibilidade de recorrer da sentença do Tribunal da Relação de ... de 12 de Junho de 2010 em aplicação dos artigos 432º e 400º n.º 1, alínea c) do CPP.
O Governo apoiou esta interpretação e remeteu para outro acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, confirmando-a. O Tribunal reitera que não é a sua tarefa substituir os tribunais nacionais, porque cabe principalmente às autoridades nacionais, em particular aos tribunais, a interpretação da legislação nacional [...]. Tal não impede o Tribunal de considerar que o simples facto de o recurso da requerente ter sido declarado inadmissível pelo Supremo Tribunal de Justiça não satisfaz a exigência de «controlo eficaz» estabelecida no artigo 8º da Convenção, não tendo a requerente, portanto, meios para contestar a medida em causa" […].

Assim e em suma:

23. O Ministério Público junto do Supremo Tribunal de Justiça não consegue identificar qual a norma que determina a irrecorribilidade da decisão recorrida.

24. E não o consegue por um simples motivo: tal norma não vigora no Direito português.

25. Nem tampouco poderia tal norma vigorar, pois implicaria que o segredo profissional do advogado poderia ser irremediavelmente violado, através de uma decisão singular, sem possibilidade de se exercer um controlo eficaz sobre a mesma.

26. Logo, é forçoso concluir, a par do Ministério Público junto do Tribunal da Relação de ..., que a decisão cuja sindicância se requereu a este Supremo Tribunal de Justiça é recorrível, por força do princípio geral da recorribilidade das decisões judiciais, previsto no artigo 399º do CPP.

Nestes termos, e nos mais de Direito, deve o presente recurso ser admitido.». 

E juntou cópia do AcSTJ de 18.12.2019 - Proc. n.º 305/14.3T9LRA-A.C1.S1, a que pertence o trecho que transcreveu no n.º 19.

8. Efectuado o exame preliminar, nos termos do disposto nos art.º 420º n.º 1 al.ª b), 414º n.º 2 e 417º n.º 6 al.ª b), foi proferida decisão sumária, em 21.4.2021 – doravante, Decisão Sumária –, a rejeitar o recurso interposto, por inadmissibilidade, nos termos das disposições conjugadas dos art.os 399º, 432º, 433º, 420º n.º 1 al.ª b) e 414º n.os 1 al.ª  b) e 2.

9. Notificado da decisão sumária vem, ora, o Recorrente reclamar dela para a Conferência, ao abrigo dos art.os 417º n.os 6 e 8 e 419º n.º 3 al.ª a), nos termos e com os fundamentos que seguem:

«[…].

I.

INTRODUÇÃO

1.       O Arguido e ora Reclamante interpôs recurso para este Supremo Tribunal de Justiça da decisão da Presidente do Tribunal da Relação de ... que indeferiu a reclamação para a salvaguarda do segredo profissional do Advogado, apresentada ao abrigo do artigo 77.° do Estatuto da Ordem dos Advogados ("EOA").

2.       Após a apresentação do referido recurso, o Ministério Público junto do Tribunal da Relação de ..., na sua resposta, concluiu pela admissibilidade do mesmo.

3.       No mesmo sentido concluiu também a Presidente do Tribunal da Relação de ..., que veio a admitir o recurso interposto pelo Reclamante, por despacho datado de 14 de Outubro de 2020.

4.       No entanto, o referido recurso acabou por ser rejeitado através da Decisão Sumária ora em crise, com base na pretensa irrecorribilidade da decisão da Presidente do Tribunal da Relação de ... proferida ao abrigo do disposto no artigo 77.° do EOA.

5.       Como se demonstrará na presente Reclamação, o fundamento invocado para a rejeição do recurso apresentado pelo Arguido ora Reclamante não colhe, desde logo porque a irrecorribilidade invocada não encontra qualquer respaldo na letra da Lei.

6.       Com efeito, a solução normativa vertida no despacho recorrido tem por base uma orientação jurisprudencial marcadamente contra legem, com a agravante de que tal solução consubstancia uma restrição inconstitucional, e por isso intolerável, dos direitos de defesa e de recurso do Arguido ora Reclamante.

7.       É essa a razão de ser e são esses os fundamentos da presente reclamação.

Vejamos então, em detalhe:

II.

OS FUNDAMENTOS DA DECISÃO SUMÁRIA E A SUA IMPROCEDÊNCIA

8.       No entendimento propugnado na Decisão Sumária ora em crise, sintetizado no seu

ponto 20), a decisão proferida pela Presidente do Tribunal da Relação de ...,

nos termos do disposto no artigo 77.° do EOA não admite recurso, pela seguinte

ordem de razões:

"– O Despacho Recorrido é uma decisão incidental, eventual, espoletada a pedido do visado no decurso de uma diligência para obtenção de prova, proferida no âmbito de uma competência própria do Presidente de Tribunal da Relação conferida pelo art. ° 77, ° EOA, e que constitui uma garantia acrescida da tutela do segredo profissional.

– O âmbito-objecto dessa competência não se sobrepõe, nem se confunde, com o das decisões relativas à verificação dos pressupostos de autorização de uma busca e da sindicação da sua validade e da das apreensões efectuadas no respectivo contexto, tudo isso incumbência do juiz de instrução e tudo isso passível de controlo por via de recurso ordinário.

– Inexiste norma especial que preveja a admissibilidade de recurso de tal despacho, por isso que havendo a sua recorribilidade de ser aferida à luz das regras gerais sobre recursos previstas no Código de Processo Penal.

– A essa luz, é de descartar, no imediato, a recorribilidade com apoio nas normas das al.as  b) e c) do art. ° 432°n. ° 1 - que tratam, exclusivamente de decisões colegiais, quanto é certo que o despacho em causa é um acto decisório singular e da al.ª d) que cuida, o que não é o caso, de recurso interlocutório que deva subir com recurso de decisão final.

– E é, igualmente, de afastar a recorribilidade conferida pela al.ª a) do preceito, por a decisão também não poder ser qualificada como proferida pela Relação em 1ª instância que, sobre não ter conhecido do mérito da causa ou, pelo menos, não ter posto termo ao processo, não se inseriu nem em procedimento previsto no art. ° 12° n.os 3 al.ª a) e 6 e no art. ° 73° al.as c) e g) da LOSJ – processo criminal em que figure como arguido magistrado de 1ª instância – nem no art.º 12° n° 3 al.as c) e d) e art. ° 73 ° al.as d) e e) da LOSJ – procedimento, respectivamente, de cooperação judiciária ou de revisão e confirmação de sentença estrangeira.

– De resto, a solução da irrecorribilidade tem sido maioritariamente sustentada na jurisprudência deste STJ em relação ao incidente de quebra do segredo profissional, que revela alguns traços de similitude com o incidente do art.° 77° do EOA, aliás, com o beneplácito do Tribunal Constitucional.

– E a, específica, irrecorribilidade da decisão proferida no incidente do art.º 77º sempre referido também não é contrária à CEDH – concretamente, ao seu art. 8º –, como decidido no "Acórdão Sérvulo & Associados - Sociedade de Advogados, RL e outros c. Portugal", de 3.9.2015".

Pois bem:

9. A Decisão Sumária incorre em inúmeros erros que importa evidenciar e clarificar.

10. O primeiro, e porventura, aquele que enviesa todo o pensamento aí explanado reside no facto de a Decisão Sumária lançar mão dos artigos 432.° e 433.° do CPP para aferir da recorribilidade da decisão recorrida.

11. Com efeito, escreve-se na Decisão Sumária que "não existe norma que especificamente preveja o recurso da decisão do presidente do Tribunal da Relação proferida no incidente previsto no art. ° 77° do EOA que vá ao encontro da exigência do art.º 433°. Pelo que a sua (ir)recorribilidade haverá de ser aferida perante o regime geral de recursos constante do Código de Processo Penal" (cf ponto 13) da Decisão Sumária).

12. Concluindo-se, depois, que "a decisão incidental aqui em causa só será recorrível para o STJ se puder ser qualificada como 'proferida em 1ª instância', caindo, por essa via, na previsão do seu n° 1 al.ª a) [do artigo 432.° do CPP]" (cf ponto 13) da Decisão Sumária).

13. Acontece que, tal como o Arguido já teve oportunidade de salientar no recurso que interpôs, os artigos 432.° e 433.° do CPP não regem a matéria da admissibilidade de recurso, matéria essa que se encontra regulada nos artigos 399.° e 400.°, bem como noutras disposições análogas dispersas pelo CPP (e.g. artigo 310.° do CPP).

14. Ou seja, aos artigos 432.° e 433.° do CPP (bem como ao artigo 427.° do CPP) não é atribuída a tarefa de definir se há ou não recurso de uma certa decisão, reservando o legislador tal tarefa para os artigos 399.° e 400.° do CPP (bem como para outras normas dispersas pelo CPP).

15. A aplicação dos artigos 432.° e 433.° do CPP (bem como do artigo 427.° do CPP) pressupõe que, em momento prévio, foi já estabelecida a recorribilidade da decisão, de acordo com o disposto nos artigos 399.° e 400.° desse mesmo Código.

16. Aos artigos 432.° e 433.° do CPP (bem como ao artigo 427.° do CPP) cabe apenas a missão de repartir a competência para o conhecimento de tal recurso entre as Relações e o Supremo Tribunal de Justiça.

17. Como, aliás, bem demonstra a alínea b) do n.° 1 do artigo 432° do CPP, quando estabelece que se recorre para o Supremo Tribunal de Justiça "de decisões que não sejam irrecorríveis proferidas pelas relações, em recurso".

18. Se ao artigo 432.° do CPP coubesse a tarefa de estabelecer a irrecorribilidade das decisões não se compreenderia a referência às "decisões que não sejam irrecorríveis" ínsita neste artigo.

19. A mesma conclusão se chega atentando na alínea d) do n.° 1 do referido preceito legal, que, tal como expressamente se reconhece na Decisão Sumária, "só escolhe o tribunal ad quem, supondo previamente decidida a questão da recorribilidade em geral (cf. ponto 13) da Decisão Sumária).

20. Aliás, tal conclusão (com a qual se concorda) só evidencia a incoerência do pensamento subjacente à Decisão Sumária, pois que, se bem se compreende, atribui diferentes funções às várias alíneas do n.° 1 do artigo 432.° do CPP: as alíneas a), b), e c), serviriam para aferir da recorribilidade, ao passo que alínea d) serviria apenas para escolher o tribunal ad quem supondo previamente decidida a questão da recorribilidade em geral".

21. Como facilmente se conclui, não é nem pode evidentemente ser assim, sob pena de total incongruência sistemática.

22. Em suma, acompanhamos FIGUEIREDO DIAS e NUNO BRANDÃO quando, ainda que a propósito de outra (errada) corrente que se havia firmado jurisprudencialmente, afirmam que o "art. 432° nada tem a ver, directa ou indirectamente, com a matéria da recorribilidade".

23. Os artigos 432.° e 433.° limitam-se a regular a competência para o conhecimento dos recursos (admissíveis), não se pronunciando quanto à admissibilidade dos mesmos.

24. Tal como, de resto, também o faz o artigo 427.° do CPP. Com efeito, ao estabelecer que "exceptuados os casos em que há recurso directo para o Supremo Tribunal de Justiça, o recurso da decisão proferida por tribunal de 1ª instância interpõe-se para a relação", o artigo 427.° do CPP não estabelece qualquer regra de recorribilidade.

25. Se o fizesse, então forçoso seria concluir que todas as decisões proferidas pelo tribunal de 1ª instância seriam recorríveis.

26. O que se acredita, ninguém defenderá, nem mesmo os defensores da tese acolhida na Decisão Sumária ora em crise.

27. Pelo que não se compreende que os artigos 432.° e 433.° do CPP, aos quais o legislador atribuiu, tal como ao artigo 427.° do CPP, tão somente a função de repartir a competência entre os vários tribunais de recurso, sejam convocados na Decisão Sumária para justificar a irrecorribilidade de uma decisão proferida no âmbito de um processo-crime.

Mas note-se mais:

28. De acordo com a orientação sufragada na Decisão Sumária, para uma decisão ser

recorrível (para o Supremo Tribunal de Justiça), das duas uma: ou cai no âmbito de alguma das alíneas do n.º 1 do artigo 432.° do CPP, ou então, por força do disposto no artigo 433.° do CPP, a recorribilidade da decisão terá de resultar expressa na letra da lei.

29. Ora, como é bom de ver, tal entendimento, inverte, por completo, aquele que é o princípio consagrado na lei em matéria de recursos penais: o princípio da recorribilidade (cf. artigo 399.° do CPP).

30. Quer isto dizer que, por força de tal princípio consagrado expressamente na letra da lei, as decisões judiciais proferidas no âmbito de um processo-crime serão sempre recorríveis, a menos que a sua irrecorribilidade esteja expressamente prevista na lei.

31. Atente-se que o que está consagrado no artigo 399.° do CPP não é uma mera regra geral, mas sim um autêntico princípio como, aliás, o legislador expressamente o qualificou na epígrafe do artigo em causa – e um princípio verdadeiramente fundamental no âmbito do processo penal.

32. Com efeito, sendo o direito penal (quer substantivo, quer adjectivo) o ramo do Direito que, por natureza, tem uma maior potencialidade de afectar os direitos fundamentais dos cidadãos, não poderia o legislador deixar de consagrar o princípio da recorribilidade das decisões judiciais, enquanto remédio destinado à correcção de tais erros.

33. Partindo do pressuposto empírico e pragmaticamente inultrapassável de que os erros judiciários são possíveis ou até prováveis, o que se afigura como fundamental num Estado de Direito é a consagração do direito à correcção desses mesmos erros, de modo a evitar que se prolongue no tempo a produção dos efeitos nocivos que estes acarretam.

34. O recurso é, precisamente, um dos mecanismos processuais de impugnação de decisões judiciais colocado à disposição dos vários sujeitos processuais, através do qual lhes é dada a possibilidade de sujeitar a decisão a um novo juízo de apreciação por um tribunal distinto, em ordem à sua correcção ou revisão, para que, a final, seja proferida "uma decisão conforme às expectativas do sujeito processual afectado" (2).

35. Deste modo, atenta a vigência do princípio fundamental da recorribilidade, não se compreende como se pode sustentar, na Decisão Sumária, entendimento que redunde na necessidade de a recorribilidade da Decisão proferida ao abrigo do disposto no artigo 77.° do EOA resultar de norma que especificamente a preveja.

36. Tal entendimento contraria toda a sistemática do regime dos recursos, tendo por efeito a inversão do princípio que o sustenta, o que, naturalmente, não pode ser aceite.

37. No exacto sentido do que se vem dizendo concorre o artigo 45.°, n.° 6, do CPP, ao estabelecer expressamente a irrecorribilidade da decisão proferida pelo tribunal superior relativamente ao requerimento de recusa e ao pedido de escusa.

38. Note-se que também aí se trata de uma questão processual interlocutória e incidental decidida em 1ª instância pelo Tribunal Superior, à semelhança daquela sobre a qual se debruçam os presentes autos.

39. No entanto, nesse caso, o legislador optou expressamente por consagrar no n.º 6 do artigo 45.° do CPP a irrecorribilidade de tal decisão.

40. Ora, tal norma só se justifica, precisamente, porque o princípio é o da recorribilidade. Não fosse esse o princípio (como parece defender-se na Decisão Sumária, ao sustentar-se que a recorribilidade tem de resultar de norma específica), e tal norma seria totalmente redundante.

41. Importa também fazer notar que, à semelhança do que hoje sucede quanto à questão sob escrutínio, também a recorribilidade da decisão relativa ao requerimento de recusa e ao pedido de escusa dividiu a jurisprudência dos tribunais superiores, existindo duas correntes opostas.

42. Foi justamente em face de tal querela jurisprudencial, e das dúvidas existentes quanto ao regime aplicável, que o Legislador, em 2007, veio tomar posição expressa, e, em face da vigência do princípio fundamental da recorribilidade, consagrou na letra da lei a irrecorribilidade da mesma.

43. Aqui chegados, e tendo presente tudo quanto se deixou dito, não pode restar qualquer dúvida de que, perante a inexistência de norma paralela para a decisão proferida ao abrigo do disposto no artigo 77.° do EOA, sempre se terá de concluir pela recorribilidade da mesma.

Assim,

44. Em jeito de conclusão preliminar:

a. Os artigos 432.° e 433.° do CPP (bem como o artigo 427.° do CPP) regem apenas a matéria da repartição de competência para conhecimento dos recursos penais;

b. A admissibilidade desses recursos encontra-se regulada, entre outras normas dispersas pelo CPP, nos artigos 399.° e 400.° do CPP;

c. O artigo 399.° consagra o princípio fundamental da recorribilidade;

d. Não se encontrando expressamente consagrada na letra da lei a irrecorribilidade da decisão proferida nos termos do disposto no artigo 77.° do EOA, ter-se-á de concluir pela sua recorribilidade, independentemente de a mesma ser ou não subsumível a alguma das alíneas do artigo 432.° do CPP;

45. Mas mesmo que assim não fosse, i.e., ainda que se admitisse que o artigo 432.° regula a matéria da recorribilidade - o que não se admite, e apenas por mero dever de patrocínio se equaciona sem conceder -, jamais se poderia concluir no sentido da Decisão Sumária.

46. Entende a Decisão Sumária, que a decisão proferida pela Presidente do Tribunal da Relação de ..., ao abrigo do disposto no artigo 77.° do EOA, não pode ser qualificada como uma decisão de 1ª instância, motivo pelo qual será irrecorrível.

47. Segundo o que aí se defende "são portanto, proferidas em 1ª instância as decisões da Relação que, apreciando o mérito da causa ou, pelo menos, pondo termo definitivo à relação processual, se inserem nos procedimentos previstos no art. ° 12° n.os 3 al.ª a) e 6 e no art. ° 73° aias c) e g) da LOSJ, isto é, nos procedimentos criminais em que figurem como arguidos juízes e procuradores que sirvam em tribunal de 1ª instância e que a lei, com atenção exactamente a essa qualidade e à necessária preservação das 'exigências próprias e inerentes ao prestígio e resguardo da função' judiciária, defere em primeira mão àquele tribunal superior" (cf. ponto 14) da Decisão Sumária).

48. Erra, uma vez mais, a Decisão Sumária, nomeadamente ao pretender ler no artigo 432.°, n.°1,alínea a),do CPP, o que aí não se escreve.

49. Com efeito, nessa norma legal estabelece-se apenas que se recorre para o Supremo Tribunal de Justiça de ''decisões das relações proferidas em 1.ª instância", e não, como pretende o Supremo Tribunal de Justiça, "de decisões das relações nas quais actuaram na veste de um órgão jurisdicional de 1ª instância".

50. O artigo 432.°, n.° 1, alínea a), do CPP, não faz qualquer distinção entre os processos que, por lei, devem ser instaurados nas Relações desde o seu início e aí devam ser decididos e as demais causas que são decididas pelas Relações como 1.° grau de jurisdição: ubi lex non distinguit nec nos distinguere debemus.

51. A norma limita-se a referir as "decisões das relações proferidas em 1ª instância".

52. Ora, não podem restar quaisquer dúvidas de que o Presidente do Tribunal da Relação decide sobre a preservação (ou quebra) do segredo profissional em 1.ª instância, pois que nenhuma outra instância inferior apreciou ou decidiu tal questão previamente.

53. Quem decide sobre o incidente plasmado no artigo 77.° do EOA, pela primeira vez, é o Presidente do Tribunal da Relação.

54. Pelo que o Presidente da Relação toma uma decisão em 1ª instância.

55. Como é bom de ver, é o Presidente do Tribunal da Relação quem primeiro se pronuncia sobre a preservação (ou quebra) do segredo profissional respeitante aos documentos e/ou objectos apreendidos num escritório de advogados.

56. Repare-se que, perante a apresentação de reclamação por parte do Arguido, o Juiz de Instrução Criminal não toma qualquer decisão sobre a preservação (ou quebra) do segredo profissional, limitando-se a sobrestar na diligência relativamente aos documentos ou objectos que forem postos em causa, fazendo-os acondicionar, sem os ler ou examinar, em volume selado no mesmo momento, que remete posteriormente (juntamente com o seu parecer), ao presidente da Relação.

57. Ou seja, o legislador atribuiu directamente ao Presidente da Relação a competência para a tomada de decisão sobre a preservação (ou quebra) do segredo profissional respeitante aos documentos e/ou objectos apreendidos num escritório de advogados.

58. A semelhança e em total coerência com o que está também expressamente previsto no artigo 135.° do CPP, onde o legislador também reservou a competência para decidir em 1ª instância o incidente de quebra de segredo profissional aos tribunais superiores.

59. Com efeito, também o artigo 135.° do CPP, que regula o incidente de quebra de segredo profissional, atribui a competência para o conhecimento do mesmo ao tribunal superior, que será, tipicamente, o Tribunal da Relação territorialmente competente.

60. Tal opção legislativa de atribuição da competência aos tribunais superiores para conhecer de todas as decisões sobre quebra do segredo profissional é, por si só, reveladora da dignidade que o legislador atribui à matéria do segredo profissional, atendendo aos interesses que o alicerçam.

61. Compreende-se, sem grande dificuldade, que através de tal opção o legislador visou justamente que questões que convocam e conflituam interesses de tão elevada dignidade pudessem ser ab initio conhecidas por um tribunal superior e que, posteriormente, e quando tal se revelasse necessário, pudessem vir a ser reavaliadas pelo Supremo Tribunal de Justiça.

62. Ou seja, e como tantas vezes tem vindo a ser reconhecido pela jurisprudência, (inclusivamente por aquela que não admite o recurso desta decisão), por força dos interesses em causa, o legislador pretendeu consagrar "um mecanismo de garantia judiciária reforçada".

63. Entendimento diferente levar-nos-ia a uma solução completamente contraditória, pois que se, por um lado, o legislador, considerando a relevância dos interesses subjacentes, subtraía a competência para a decisão da questão à 1ª instância, por outro lado, tornava-a numa decisão blindada, insusceptível de qualquer tipo de reapreciação. Tal entendimento, tornava-a, em rectas contas, numa decisão de um só julgador.

64. O que é tanto mais grave quando em causa esteja, como está, uma decisão singular, para a qual nem sequer está legalmente consagrada a possibilidade de reclamação.

65. Como elucida PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE (3), a unipessoalidade do órgão decisor torna mais provável a possibilidade de erro; sendo que essa maior probabilidade de erro do juízo unipessoal conjugada com a irreversibilidade desse juízo encurta de forma inadmissível as garantias de defesa e o direito ao recurso do Arguido – cf. 32.°, n.° 1, da Constituição da República Portuguesa ("CRP");

66. E note-se que não tem qualquer sentido afirmar-se, como se afirma na Decisão Sumária, que se a decisão recorrida fosse colegial "cairia na previsão do art° 400 al.ª c)" (cf. ponto 13) da Decisão Sumária).

67. Não é verdade e o argumento é completamente desleal.

68. Como decerto o subscritor da Decisão Sumária não desconhecerá, é pressuposto de aplicação de tal norma, que veda o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, que a decisão (colegial) do Tribunal da Relação seja proferida em recurso, o que não sucede, como se viu, nestes autos.

69. Note-se, para que nenhuma dúvida reste quanto à falta de paralelismo das situações, que nos casos que caiem no âmbito de aplicação da alínea c) do n.° 1 do artigo 400.° do CPP se verifica necessariamente o duplo grau de jurisdição.

70. E é justamente essa garantia acrescida do duplo grau de jurisdição que permite a limitação do direito ao recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, o que, como se referiu, e aqui se reitera atenta a sua relevância, não sucedeu nos presentes autos.

Ademais,

71. Importa ainda recordar que, tal como se deixou abundantemente demonstrado no recurso interposto pelo Arguido e a benefício de exposição aqui se recupera, a tese acolhida na Decisão Sumária em análise, não só viola flagrantemente o princípio da legalidade criminal, como redunda na supressão do direito ao recurso do Arguido.

Vejamos que assim é:

72. A extensão, ao processo penal, do princípio da legalidade em matéria criminal, previsto no artigo 29.°, n.os 1 e 3, da CRP, tem vindo a ser sucessivamente afirmada pela doutrina e jurisprudência constitucional, sendo hoje comummente aceite.

73. Neste exacto sentido, ensina FIGUEIREDO DIAS que, constituindo o princípio da legalidade "a mais sólida garantia das pessoas contra possíveis arbítrios do Estado, não se vê porque não haja ele de estender-se, na medida imposta pelo seu conteúdo de sentido, ao processo penal, cuja regulamentação pode a todo o momento pôr em grave risco a liberdade das pessoas" (4).

74. Assim, e tal como se afirmou no Acórdão do Tribunal Constitucional n.° 183/2008, o princípio da legalidade deverá impor-se "sempre que ele funcione como garantia do arguido, ou seja, sempre que a ultrapassagem do sentido semântico da norma criminal funcione contra o arguido" (realce e sublinhado nossos),

75. Deste modo, e conforme tem também sido acentuado pela doutrina e jurisprudência, o princípio da legalidade criminal proíbe o recurso à analogia sempre que a mesma redunde num enfraquecimento da posição processual do Arguido ou numa diminuição dos seus direitos de defesa (5),

76. O que acontecerá, inevitavelmente, sempre que por efeito de um qualquer raciocínio analógico se estabeleçam limitações ao direito a recorrer do Arguido que não estejam previstas na lei.

77. O mesmo é dizer: sempre que se vede, por via de um raciocínio analógico, o direito ao recurso legalmente conferido.

78. Feito este percurso, e tomando em consideração que: (i) a decisão recorrida foi proferida no âmbito de um processo-crime; (ii) o CPP consagra o princípio fundamental da recorribilidade de todas as decisões judiciais; (iii) não está expressamente prevista a irrecorribilidade da decisão em causa;

79. Não poderá deixar de concluir-se pela desconformidade constitucional da interpretação normativa acolhida na Decisão Sumária, na medida em que a mesma, através do recurso a um raciocínio analógico, implica um enfraquecimento da posição processual do Arguido, suprimindo o direito ao recurso legalmente conferido.

80. Mas mesmo que não estivesse expressamente plasmado no CPP o princípio da recorribilidade, sempre teria in casu o Reclamante direito ao recurso. Assim o impõe a CRP.

81. Com efeito, o artigo 32.°, n.° 1, da CRP estabelece actualmente, de forma expressa e, por isso, inequívoca, que o direito ao recurso integra o âmbito das garantias de defesa asseguradas ao Arguido no âmbito do processo-crime.

82. Deste modo, a consagração constitucional em processo penal do direito de recorrer (que sempre decorreria do direito à tutela jurisdicional efectiva, consagrado no artigo 20.°, n.° 1, da CRP), como garantia de defesa, confere, indubitavelmente, ao Arguido, o poder de impugnar, por meio de recurso, as decisões cujos efeitos se repercutam negativamente na sua esfera jurídica.

83. Porém, damos por certo que a CRP não assegura, e muito menos impõe, um sistema de recursos ad eternum. E mais por certo temos que não concede ao Arguido um direito a recorrer de toda e qualquer decisão judicial que lhe seja desfavorável.

84. Na verdade, não se ignora que o Tribunal Constitucional tem vindo continuamente a sufragar o entendimento de que só está constitucionalmente garantido ao Arguido um grau de recurso, sendo que mesmo esse grau de recurso só é constitucionalmente assegurado relativamente às decisões condenatórias e a decisões penais que afectem a liberdade ou outros direitos fundamentais do Arguido.

85. Acontece que o caso sub judice se enquadra precisamente nesta jurisprudência constitucional, uma vez que (i) nenhum grau de recurso foi ainda assegurado ao Arguido e (ii) a decisão em causa contende com os direitos fundamentais do Arguido e princípios constitucionais.

Vejamos então em detalhe:

86. Que nenhum grau de recurso foi ainda assegurado ao Arguido ficou já abundantemente demonstrado, na medida em que a decisão em causa foi a primeira decisão.

87. Deste modo, e ainda que se acolhesse a já afastada tese jurisprudencial que fazia equivaler o direito ao recurso consagrado no artigo 32.°, n.° 1, da Constituição da República Portuguesa, à garantia do segundo grau de jurisdição, mesmo nessa (errada) visão do direito ao recurso, tal direito não teria ainda sido assegurado ao Arguido, pois que só uma única instância apreciou a questão.

Avançando:

88. Parece-nos também evidente que a decisão em causa contende com direitos fundamentais, em concreto, com o direito de defesa do Arguido, previsto no artigo 32.° da Constituição e, através do princípio ao processo justo e equitativo, no artigo 6.° da Convenção Europeia dos Direitos Humanos.

89. Como evidenciou o Tribunal Constitucional no Acórdão n.° 31/87, a Constituição tolera que a '"faculdade de recorrer seja restringida ou limitada em certas fases do processo e que, relativamente a certos actos do juiz, possa mesmo não existir, desde que, dessa forma, se não atinja o conteúdo essencial dessa mesma faculdade, ou seja, o direito de defesa do arguido".

90. Pois bem: a putativa irrecorribilidade da decisão sob escrutínio atingiria o conteúdo essencial das garantias de defesa do Arguido, na medida em que redunda na admissão de provas que foram obtidas através de meios de obtenção de prova proibidos.

91. A possibilidade de invocar a nulidade de provas que foram obtidas através de métodos de obtenção de prova proibidos (in casu por violação do segredo profissional e inadmissível intromissão na vida privada, no domicílio e na correspondência) é, naturalmente, uma das vertentes essenciais deste direito, na medida em que os meios de prova são os elementos de que o julgador se poderá servir para formar a sua convicção acerca dos factos imputados ao Arguido.

92. E tanto assim é que para além de tal possibilidade estar concretizada em vários preceitos do CPP (vide, a título exemplificativo, artigos 126.° e 310.°, n.° 2), sendo inclusivamente fundamento do recurso extraordinário de revisão, nos termos do disposto no artigo 449.°, n.° 1, alínea e), do CPP, mereceu também ela protecção

constitucional no artigo 32.°, n.° 8, da CRP.

93. Com efeito, como bem salienta GERMANO MARQUES DA SILVA, "a eficácia da justiça é também um valor que deve ser perseguido, mas, porque numa sociedade livre os fins nunca justificam os meios, só é aceitável quando alcançada lealmente, pelo engenho e arte, nunca pela força bruta, pelo artificio ou pela mentira, que degradam quem os sofre, mas também quem os usa. Por isso que a lei repudia em absoluto a obtenção de provas mediante tortura, coacção e ofensa da integridade física ou moral da pessoa, cuja inviolabilidade é primeiramente garantida nos artigos 24.° e 25.º da Constituição e limita aos casos expressamente previstos na lei em conformidade com a Constituição (artigos 26° e 34.°) a sua obtenção mediante a intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações".

94. Ao exposto acresce que, visando as proibições de prova a tutela de direitos fundamentais, assim se obviando a excessivas, desproporcionais e desnecessárias intrusões na privacidade do visado, parece inegável que as mesmas constituem um limite à irrecorribilidade das decisões.

95. Assim, quaisquer decisões que tenham por objecto proibições de prova são decisões recorríveis, não só por contenderem com o direito de Defesa do Arguido,  mas  também  por  contenderem  com   os  direitos  fundamentais tutelados pelas proibições de prova que lhes dão causa.

96. E para obviar ao que se vem dizendo não pode ensaiar-se, como se ensaia na Decisão Sumário em análise, uma tese segunda a qual a decisão recorrida não se reporta ao mérito, cuidando apenas de "aferir as formalidades da apreensão na perspectiva da sua ostensiva desconformidade legal, ou se, pela sua amplitude, afecta desmesuradamente o segredo profissional" (cf. ponto 18) da Decisão Sumária).

97. E não pode, desde logo, porque tal tese não tem qualquer cobertura legal.

98. Com efeito, não se vislumbra na lei qualquer disposição que determine que o Presidente do Tribunal da Relação, ao apreciar uma reclamação para a defesa do segredo profissional, se deva limitar a despistar casos de flagrante perigo.

99. Não estamos perante uma providência cautelar, em que se admita o mero fummus boni iuris ou uma sumaria cognitio do caso.

100. Nem há qualquer norma que atribua ao incidente sub judice um carácter meramente indiciário.

101. Enfim. não há qualquer norma que admita violações não flagrantes do segredo profissional.

102. Bem pelo contrário: este meio de impugnação visa permitir ao Tribunal da Relação proceder não só a um controlo de legalidade formal, mediante a verificação dos pressupostos formais da busca e apreensão – como a constituição do Advogado visado como Arguido –, mas também a um controlo de legalidade material, mediante a aferição da proporcionalidade da medida.

Com efeito,

103. A reclamação prevista no artigo 77.° do EOA visa garantir a preservação do segredo profissional, podendo ter como fundamento qualquer erro na decisão ou execução da busca e apreensão:

"[O] mecanismo de reclamação deve ser sempre accionando nos casos em que a diligência extravasa os limites objectivamente impostos, por se pretender analisar objectos ou documentos cobertos pelo segredo profissional; ou por não terem qualquer relação com o fim da busca ou da apreensão; ou por se estar perante correspondência" (6).

104. Sendo que, uma vez accionado este mecanismo:

"[C]ompete ao Presidente do Tribunal da Relação dirimir e decidir sobre qual seja o interesse preponderante entre os interesses em colisão, ou seja, o da investigação, que pretenda a apreensão e devassa do documento, e o da reclamação no sentido da preservação do sigilo profissional" (7).

105. Em suma, o Presidente do Tribunal da Relação deve apreciar se o segredo profissional deve ou não ceder perante as exigências da investigação, o princípio da prevalência do interesse preponderante, e decidir em conformidade; a lei não prescreve nem mais, nem menos que isso.

106. Tal indagação pressupõe tanto um controlo formal, como um controlo material da
decisão reclamada.

107.  Um controlo formal, pois os interesses da investigação não podem prevalecer quando uma busca ou apreensão foi ordenada ou autorizada fora dos pressupostos legais, sob pena de estarmos perante uma restrição de interesses constitucionalmente protegidos sem fundamento legal bastante, à revelia do exigido pelo artigo 18.°, n.os 2 e 3, da CRP.

108. E um controlo material, pois, à semelhança do que sucede no regime da quebra do segredo profissional – que, rectas contas, é o que está realmente em causa –, a decisão de apreensão só será legítima se tiver em conta (i) a imprescindibilidade dos elementos apreendidos para a descoberta da verdade, (ii) a gravidade do crime e (iii) a necessidade de protecção de bens jurídicos.

109. De outra forma, estar-se-ia a subtrair os documentos e a correspondência obtidos no contexto de buscas a escritórios de Advogados ao regime dos artigos 135.°, n.° 3, e 182.°, n.° 1, ambos do CPP, o que não se pode consentir,

110. Além disso, se não fosse suposto o Presidente do Tribunal da Relação proceder a um controlo material, deixaria de ter sentido a prescrição do artigo 77.c, n.° 4, do EOA, que admite que o Desembargador proceda à desselagem do volume com os documentos e objetos cuja apreensão é contestada.

Por fim:

111. Se alguma dúvida se suscitar ao julgador quanto à recorribilidade de decisão em causa, o que atento tudo quanto se deixou dito não se concede e apenas por cautela de patrocínio se equaciona, não deverá o julgador perder de vista o seguinte:

112. A operação de delimitação do conteúdo do direito ao recurso do Arguido não poderá ignorar a sua conformação enquanto garantia de defesa, tendo sido a essa luz que mereceu expressa consagração constitucional, no aludido artigo 32.°, n.° 1, da CRP. Pelo contrário, o enquadramento do direito ao recurso como garantia de defesa deverá ser o ponto de partida nara a fixação da latitude – e dos limites – do seu conteúdo.

113. E certo que o direito ao recurso, mesmo o do Arguido, não é um direito absoluto e que é conferida ao legislador ordinário liberdade para o restringir quando não estejam em causa decisões condenatórias ou que restrinjam direitos fundamentais, e desde que tal restrição não atinja o núcleo essencial das garantias de defesa do Arguido nem redunde numa solução desrazoável, arbitrária ou desproporcionada.

114. Com efeito, o direito ao recurso, em conjugação com outros princípios constitucionais, nomeadamente o princípio do Estado de Direito e o princípio da proporcionalidade, além do já referido princípio do processo justo e equitativo, pressupõe que o "legislador não adopte soluções arbitrárias e desproporcionadas, limitativas das possibilidades de recorrer - mesmo quando se trate de recursos apenas legalmente previstos e não constitucionalmente obrigatórios" (8).

115. Se tal obrigação de não adopção de soluções arbitrárias e desproporcionadas no âmbito do direito ao recurso em processo penal se impõe ao legislador, por maioria de razão se imporá também ao julgador, no momento de aplicar o direito. O julgador, tal como o legislador, deve obediência aos princípios e valores constitucionais que enformam o processo penal, o que o impede de interpretar e aplicar as normas legais em sentido contrário aos mesmos.

116. Assim, e apesar da margem de conformação conferida ao legislador, acreditamos que nos casos em que o direito ao recurso esteja legalmente consagrado, não será o julgador livre de adoptar interpretações de tal modo restritivas que suprimam esse direito.

117. O que é o mesmo que dizer que, in casu, atenta a natureza garantística do direito ao recurso, decorrendo da lei a recorribilidade da decisão em causa, está o julgador impedido de acolher qualquer interpretação normativa que vede o direito ao recurso do Arguido, conclusão a que também se chega por força da aplicação do princípio da legalidade criminal, como vimos.

118. E que, de resto, vai ao encontro daquela que tem sido a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem.

Com efeito,

119. Não se ignora que a Decisão Sumária sob escrutínio se integra numa corrente jurisprudencial preconizada pelo Supremo Tribunal de Justiça.

120. No entanto, importa clarificar, por um lado, que tal corrente jurisprudencial não é uniforme, nem mesmo maioritária. Existem diversos arestos que pugnam pela admissibilidade do recurso, tal como foi evidenciado pelo Ministério Público junto do Tribunal da Relação de ..., ainda que com lapso na citação.

121. Veja-se, designadamente, para além do recente acórdão proferido em 18 de Dezembro de 2019, no âmbito do processo-crime n.° 305/14.3T9LRA-A.C1.S1, citado no recurso do Arguido, os acórdãos proferidos em 21 de Abril de 2005, no âmbito do recurso n.° 1134/05 (in Colectânea de Jurisprudência, n.° 184, Ano XIII. Tomo 11/2005, p. 186 e ss), em 9 de Fevereiro de 2011, no âmbito do processo n.c 12153/09.8TDPRT-A.P1.S1 e em 23 de Março de 2011, no âmbito do processo n.° 106/04.7TALMG (in www.dasi.pO.

122. E, por outro lado, importa também clarificar que tal corrente jurisprudencial colide com a jurisprudência do TEDH que versou sobre o Direito português e que admite a recorribilidade de decisões relativas à quebra de segredo profissional, com base na regra geral da recorribilidade e na inexistência de restrição legal expressa.

123. Com efeito, o Supremo Tribunal de Justiça, no processo que correu termos com o n.° 1987/09.3TAFAR-A.E1.S1, proferiu acórdão no sentido de ser irrecorrível a decisão do Tribunal da Relação de Évora respeitante ao incidente de quebra do segredo profissional que autorizou a dispensa do segredo profissional e bancário. Nesse processo, era arguida uma advogada, investigada pela prática de um crime de fraude fiscal, que recusou o acesso às suas contas bancárias pessoais, invocando para o efeito o segredo profissional e bancário.

124. Perante a decisão do Supremo Tribunal de Justiça que considerou irrecorrível a decisão proferida ao abrigo do incidente de quebra de segredo profissional, a advogada arguida apresentou queixa junto do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, a qual veio a ser admitida.

125. Com relevo para estes autos, recorda o Tribunal de Estrasburgo, no Acórdão que veio a ser proferido na sequência de tal queixa, que "a noção de 'vida privada' pode incluir actividades profissionais ou comerciais (Niemietz c. Alemanha, 16 de Dezembro de 1992, § 29, série A n°251-B). Além disso, "atribui um peso particular ao risco de violação do segredo profissional de advogados, porque é a base da relação de confiança entre o advogado e o seu cliente (André e outros c. França, n.° 18603/03, § 41, 24 de Julho de 2008 e Xavier da Silveira c. França, n.° 43757/05, § 36, 21 de Janeiro de 2010) e pode ter repercussões na boa administração da justiça» (Wieser e Bicos Beteiligungen GmbH c. Áustria, n.° 74336/01, §§ 65-66, CEDH2007-IV; Niemietz, supracitado §37, e André e outro, supracitado § 41)"(9) (realce nosso).

126. Nesse Acórdão realça ainda o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem que "se deve considerar a existência de garantias adequadas e suficientes contra abusos (Xavier da Silveira, acima citado, § 34), incluindo um 'controlo eficaz' para contestar a medida impugnada (ver, entre muitos outros, Miailhe c. França (n° I), 25 de Fevereiro de 1993, §37, série A n. ° 256-Q Funke c. França, 25 de Fevereiro de 1993, §56, série A n° 256-A, Crémieux c. França, 25 de Fevereiro de 1993, § 39, série Ano 256-B, bem como, mutatis mutandis, Klass e outros c. Alemanha, 6 de Setembro de 1978, §§ 50, 54 e 55, série A n.° 28t Lambert c. França, 24 de Agosto de 1998, § 31, Colectânea dos acórdãos e das decisões 1998-Ve Matheron c. França, n.° 57752/00, § 35, 29 de Março de 2005). O Tribunal recorda também que a protecção do segredo profissional ligada à correspondência trocada entre um advogado e o seu cliente é, em particular, o corolário do direito deste último não contribuir para a sua própria incriminação (André e outro, acima citado, § 41) e que, portanto, essas trocas beneficiam de maior protecção (Michaud c. França, n.º 12323/11, §§ 117-118, CEDH2012, com as referências citadas) " (10) (realce nosso).

127. Acabando por concluir que "no que diz respeito ao 'controlo eficaz' para contestar a medida impugnada, o Tribunal observa que o recurso que a recorrente interpôs no Supremo Tribunal de Justiça para contestar a decisão do tribunal da relação não foi objecto de um exame de mérito, tendo o tribunal superior considerado que a requerente não tinha a possibilidade de recorrer da sentença do Tribunal da Relação de ... de 12 de Junho de 2010 em aplicação dos artigos 432. ° e 400. ° n. ° 1, alínea c) do CPP. O Governo apoiou esta interpretação e remeteu para outro acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, confirmando-a. O Tribunal reitera que não éasua tarefa substituir os tribunais nacionais, porque cabe principalmente às autoridades nacionais, em particular aos tribunais, a interpretação da legislação nacional (Waite e Kennedy c. Alemanha [GCJ, n° 26083/94, § 54, CEDH 1999-1). Tal não impede o Tribunal de considerar que o simples facto de o recurso da requerente ter sido declarado inadmissível pelo Supremo Tribunal de Justiça não satisfaz a exigência de 'controlo eficaz' estabelecida no artigo 8.º da Convenção, não tendo a requerente, portanto, meios para contestar a medida em causa"

Face à ausência de garantias processuais e de um controlo judicial eficaz da medida impugnada, o Tribunal considera que as autoridades portuguesas não encontraram, no caso em apreço, um equilíbrio justo entre os imperativos de interesse geral e os requisitos para proteger o direito da requerente ao respeito da sua vida privada. Houve, portanto, uma violação do artigo 8. .ºda Convenção" (11) (realce nosso).

128. Acompanha-se, pois, a surpresa expressa pelo Supremo Tribunal de Justiça, no recente acórdão proferido em 18 de Dezembro de 2019, no âmbito do processo-crime n.° 305/14.3T9LRA-A.C1.S1, na constatação de que "esta decisão do TEDH – directamente respeitante ao regime português da quebra do segredo profissional – não aparece reflectida na jurisprudência dos nossos tribunais".

129. Pois, como bem reconheceu o Supremo Tribunal de Justiça nesse mesmo aresto o "Supremo Tribunal não pode deixar de ponderar as implicações que dela devem extrair-se para a interpretação e aplicação do direito interno quando em causa estejam situações idênticas, designadamente nos incidentes de quebra de segredo profissional que, contendendo directamente com a prova nuclear da verificação dos pressupostos do crime, podem afectar gravemente a defesa do arguido e, os mecanismos processuais de controlo das decisões que possam impedir, em concreto, um exercício pleno e eficaz da produção da prova de factos ou dados com que propõe demonstrar a justificação ou a desculpa da sua conduta"

130. Acabando por concluir que:

"[E]m conformidade com a fundamentação explanada (máxime: o direito ao recurso como garantia de defesa, a regra geral da recorribilidade e a inexistência de restrição legal expressa), entende este Supremo Tribunal que é recorrível pelo arguido, o acórdão da Relação proferido no incidente de quebra do segredo profissional, nas situações em que a recusa em prestar depoimento foi considerada legítima, e da decisão de indeferimento do incidente possam resultar gravames para as garantias de defesa, impossibilitando-a ou tornando-lhe muito mais oneroso contestar factos essenciais à infirmação da acusação ou da pronúncia ou demonstrar causas de justificação ou de desculpa, como se apresenta – na versão da contestação do arguido e também da testemunha –, o caso dos autos."

Assim,

131. Aquilo que cumpre reter da mais recente e actualizada jurisprudência do TEDH é que quaisquer actos ablativos do segredo profissional do advogado, sejam "quebras" ou "apreensões", devem poder ser sujeitos a um "controlo eficaz", sob pena de violação do artigo 8.º da CEDH.

132.  Assim, as normas constantes dos artigos 77.° do EOA, 399.°, 400.°, n.° 1, 432.º e 433.° todos do CPP, interpretadas e aplicadas no sentido de que a decisão proferida pelo presidente do tribunal da relação, nos termos do artigo 77." do EOA, não admite recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, são nessa interpretação e aplicação materialmente inconstitucionais por violação dos artigos 2.°, 18.°, n.°s 2 e 3, 20.°, n.°s 1 e 4, 26.°, n.° 1, 29.°, n.°s 1 e 4, e 32.°, n.° 1 e 8, 34.°, n° 4, da Constituição, violando igualmente o artigo 6.° da Convenção Europeia dos Direitos Humanos.

Termos em que deve a presente reclamação ser considerada procedente e, em consequência, deve o recurso interposto ser julgado (procedente) em conferência, nos termos do disposto no artigo 419.°, n.° 3, alínea a), do CPP.

[…].

__________________

(1) JORGE FIGUEIREDO DIAS, NUNO BRANDÃO, "Irrecorribilidade para o STJ: Redução Teleológica Permitida ou Analogia Proibida?" in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 20, n.º 4, 2010.

(2) (2) Damião da Cunha, "A estrutura dos recursos na proposta de revisão do CPP – algumas considerações", in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 8, 1998. p. 259.

(3) Cf Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 4ª Edição, Lisboa, Universidade Católica Portuguesa, 2011, p. 118.

(4) FIGUEIREDO DIAS, Direito Processual Penal, Coimbra: Universidade de Coimbra, pp. 96 e ss., realce nosso.

(5) Neste sentido, pronuncia-se FIGUEIREDO DIAS (1974), p. 97, afirmando que a aplicação do princípio da legalidade criminal ao processo penal não significa que o recurso à analogia fique completamente vedado. Clarifica o autor que só será proibido o recurso à analogia "na medida imposta pelo conteúdo de sentido do princípio da legalidade e, portanto, sempre que o recurso venha a traduzir-se num enfraquecimento da posição ou numa diminuição dos direitos 'processuais' do arguido (desfavorecimento do arguido, analogia 'in malam partem')".

(6) DIANA SILVA PEREIRA, Buscas e apreensões de documentação nos escritórios  e Advogados e sua relação        com      o        segredo        profissional,        p. 15, disponível em: https://carlospintodeabreu.com//public/files/segredo_profissional_buscas_ apreensoes.pdf, realce nosso.

(7) FERNANDO SOUSA MAGALHÃES, Estatuto da Ordem dos Advogados, 12.ª ed., Coimbra, Almedina, 2017, p. 107, realce nosso.

(8) Acórdão   do Tribunal   Constitucional   n.°   64/2006   (MARIA   DOS   PRAZERES   BELEZA),   in www.tribunalconstitucional.pt.

(9) Cf. Acórdão proferido no processo BRITO FERRiNHO BEXIGA VILLA-NOVA c. PORTUGAL (Queixa n.º 69436/10).

(10) Cf. Acórdão proferido no processo BRITO FERRiNHO BEXIGA VILLA-NOVA c. PORTUGAL (Queixa n.º 69436/10).

(11) Cf. Acórdão proferido no processo BRITO FERRiNHO BEXIGA VILLA-NOVA c. PORTUGAL (Queixa n.º 69436/10).».


10. Efectuado o exame preliminar forma os autos à conferência.

Cumpre apreciar e decidir.

II. Fundamentação.

A. A decisão sumária reclamada.
11. Na Decisão Sumária, proferida pelo relator, indicou-se a factualidade relevante e entendeu-se, e decidiu-se, que o recurso interposto não era admissível.
Nos seguintes termos:

«A. Questão prévia: da admissibilidade do recurso.

a. Factualidade relevante.

9. Como se retira dos elementos constantes dos autos e da nota descritiva constante dos n.º 1. a 3., os momentos facto-procedimentais mais relevantes para a decisão sobre a questão prévia são os seguintes:
Em 4.3.2020, no âmbito de um inquérito pendente no DCIAP para averiguação de crimes de fraude fiscal qualificada, p. e p. pelos art.os 103° n.os 1 al.ª b) e 2 e 194° n.os 2 al.ª 3 do RGIT e de branqueamento de capitais, p. e p. pelo art.° 368°-A n.os 1 e 2 do CP, procedeu-se a busca, autorizada e presidida por juiz de instrução, no posto de trabalho e arquivo do Recorrente, advogado e ali arguido, bem como na sua casa da residência.
No decurso da busca, apreendeu-se documentação vária, física e electrónica.
O Recorrente apresentou, no acto, reclamação ao abrigo do art.º 77º do EOA, pedindo a declaração de invalidade da busca e das apreensões e o desentranhamento e restituição de todos os elementos apreendidos e cópias deles que pudessem existir.
Perante a reclamação, sobrestou-se nas diligências da busca e selaram-se os elementos apreendidos, que foram remetidos, com o petitório, à Senhora Presidente do Tribunal da Relação de ....
Em 15.5.2020, pelo Despacho Recorrido, complementado pelo de 30.9.2020, a Senhora Presidente do TR.. indeferiu a reclamação, nos termos e pelos fundamentos reproduzidos em 2. supra, que aqui se recordam.
O Recorrente interpôs recurso desse despacho para este STJ, pedindo a revogação do Despacho Recorrido, o deferimento da reclamação e o desentranhamento e restituição do apreendido e cópias eventualmente existentes.
Por despacho de 14.10.2020, recurso foi admitido, para subir imediatamente, nos autos e com efeito suspensivo.  

b. Admissibilidade do recurso.

9. Os art.os 75º, 76 e 77º do Estatuto da Ordem dos Advogados, aprovado pela Lei n.º 145/2015, de 9.9   2, sob as epígrafes, respectivamente, de "Imposição de selos, arrolamentos e buscas em escritórios ou sociedades de advogados", "Apreensão de documentos" e "Reclamação", dispõem, com interesse para o  que se discute, como segue:
Art.º 75º:
"1 - A imposição de selos, o arrolamento, as buscas e diligências equivalentes no escritório ou sociedade de advogados ou em qualquer outro local onde faça arquivo, assim como a interceção e a gravação de conversações ou comunicações, através de telefone ou endereço eletrónico, utilizados pelo advogado no exercício da profissão, constantes do registo da Ordem dos Advogados, só podem ser decretados e presididos pelo juiz competente.

2 - Com a necessária antecedência, o juiz deve convocar para assistir à imposição de selos, ao arrolamento, às buscas e diligências equivalentes, o advogado a ela sujeito, bem como o presidente do conselho regional, o presidente da delegação ou delegado da Ordem dos Advogados, conforme os casos, os quais podem delegar em outro membro do conselho regional ou da delegação.

3 - […].

4 - […].

5 - […].

6 - […].".
Art.º 76º:
"1 - Não pode ser apreendida a correspondência, seja qual for o suporte utilizado, que respeite ao exercício da profissão.

2 - A proibição estende-se à correspondência trocada entre o advogado e aquele que lhe tenha cometido ou pretendido cometer mandato e lhe haja solicitado parecer, embora ainda não dado ou já recusado.

3 - Compreendem-se na correspondência as instruções e informações escritas sobre o assunto da nomeação ou mandato ou do parecer solicitado.

4 - Excetua-se o caso de a correspondência respeitar a facto criminoso relativamente ao qual o advogado tenha sido constituído arguido.".

Art.º 77º:

"1 - No decurso das diligências previstas nos artigos anteriores, pode o advogado interessado ou, na sua falta, qualquer dos seus familiares ou trabalhadores presentes, bem como o representante da Ordem dos Advogados, apresentar qualquer reclamação.

2 - Destinando-se a apresentação de reclamação a garantir a preservação do segredo profissional, o juiz deve logo sobrestar na diligência relativamente aos documentos ou objetos que forem postos em causa, fazendo-os acondicionar, sem os ler ou examinar, em volume selado no mesmo momento.

3 - A fundamentação das reclamações é feita no prazo de cinco dias e entregue no tribunal onde corre o processo, devendo o juiz remetê-las, em igual prazo, ao presidente da Relação com o seu parecer e, sendo caso disso, com o volume a que se refere o número anterior.

4 - O presidente da Relação pode, com reserva de segredo, proceder à desselagem do mesmo volume, devolvendo-o novamente selado com a sua decisão.".

Trata-se de um regime específico, ainda disciplinado pelos normas dos art.os 177º n.º 5 – que estabelece que "Tratando-se de busca em escritório de advogado ou em consultório médico, ela é, sob pena de nulidade, presidida pessoalmente pelo juiz, o qual avisa previamente o presidente do conselho local da Ordem dos Advogados ou da Ordem dos Médicos, para que o mesmo, ou um seu delegado, possa estar presente" – e 180º – que, no seu n.º 1, manda aplicar à apreensão em escritório de advogado o disposto naquele art.º 177º n.º 5; que, no n.º 2, proíbe "sob pena de nulidade, a apreensão de documentos abrangidos pelo segredo profissional, […], salvo se eles mesmos constituírem objecto ou elemento de um crime"; e que, no seu n.º 3, por remissão para o n.º 3 do art.º 176º, determina que "O juiz que tiver autorizado ou ordenado a diligência é a primeira pessoa a tomar conhecimento do conteúdo da correspondência apreendida. Se a considerar relevante para a prova, fá-la juntar ao processo; caso contrário, restitui-a a quem de direito, não podendo ela ser utilizada como meio de prova, e fica ligado por dever de segredo relativamente àquilo de que tiver tomado conhecimento e não tiver interesse para a prova.".

E tudo assim, já se vê, em protecção do segredo profissional do advogado, se não mesmo do "seu bom nome diante do público em geral e seus clientes e a administração da justiça". 3

11. Muito recentemente, este STJ pronunciou-se sobre a questão da (ir)recorribilidade do despacho do presidente do Tribunal da Relação que conhece da reclamação prevista no art.º 77º do EOA, o que aconteceu no Acórdão de 4.11.2020 - Proc. n.º 1/18.2IFLSB-A.L1-A.S1 - 3ª Secção 4.

E concluiu pela inadmissibilidade do recurso, como documentado no respectivo sumário que se transcreve:
"I - A reclamação estatuída no art. 77.º, do EOA, não se destina a reagir contra o despacho do JIC que tendo ordenado a busca, com base nos indícios discorridos no processo e que, avaliados no despacho que julgou viável a diligência, justificou a quebra do sigilo profissional.

II - Exorbita, assim, o âmbito da predita reclamação, o alanceamento contra a existência de indícios do advogado visado para a sua constituição como arguido ou uma eventual quebra do sigilo profissional (v. TEDH, no “Affaire Sérvulo & Associados – Sociedade de Advogados, RL e Autres v. Portugal”, escrito em 3 de setembro de 2015).

III - Não é recorrível para o STJ o despacho de indeferimento da reclamação impulsionada ao amparo do citado art. 77.º, do EOA.

IV- Desautoriza a sua cognoscibilidade a competência orgânico-estatutária elevada para o STJ pelo estatuído nos arts. 46.º, da LOSJ, e arts. 400.º, nº. 1 e 432.º, n.º 1, do CPP.".

Ora, o signatário – di-lo já! – vai, também aqui, concluir pela inadmissibilidade do recurso.

Mais do que isso: concordando no plano da dogmática com os entendimentos dos preclaros Juízes Conselheiros que subscreveram aquele aresto, nem concebe como pudesse divergir deles no momento da decisão, que o presente recurso se inscreve num cenário praticamente decalcado do daquele outro:
A diligência da busca é, em ambos os casos, (precisamente) a mesma, a efectuada no escritório e residência do (mesmo) Recorrente Dr. AA em 4.3.2020.
O recurso é tirado, em ambos os casos, em incidente de reclamação fundada no art.º 77º do EOA, deduzido pelo mesmo reclamante.
O argumentário desenvolvido e só fundamentos invocados nas reclamações são, em ambos os casos, praticamente os mesmos.
Os despachos impugnados foram, em ambos os casos, proferidos pela mesma Senhora Presidente do Tribunal da Relação de ..., ali, em 24.4.2020, aqui, em 15.5.2020;
A fundamentação dos despachos é, em ambos os caos, praticamente coincidente.
O sentido da decisão é, em ambos os casos, o (mesmo) do indeferimento;
As motivações dos recursos interpostos pelo Recorrente são, praticamente, sobreponíveis. 

Com efeito e em abono, então, da ideia da inadmissibilidade, e rejeição, do recurso:

12. O Despacho Recorrido é uma decisão proferida no âmbito de uma competência própria que o art.º 77.º do EOA defere ao Presidente do Tribunal da Relação, enquanto instrumento adicional de tutela do segredo de advogado.

Trata-se de um acto incidental, eventual e espoletado por requerimento do interessado no decurso de uma diligência para obtenção de prova.

O âmbito desta competência decisória não se sobrepõe à, nem confunde com a, relativa à aferição dos pressupostos de autorização desse meio de obtenção de prova – de uma busca, no caso – ou à sindicação da sua validade ou das apreensões efectuadas. Nem, tampouco, à da quebra do segredo profissional.

Tal aferição e sindicação competem, isso sim, ao juiz de instrução, a quem cabe ponderar a compressão dos diversos interesses que são afectados por via do acto com atenção ao disposto nos art.º 75º do EOA e 174º e 177º n.º 5, bem como a possibilidade de acesso e recolha de documentos que colidam com o segredo profissional, com atenção às normas dos art.os 76º do EOA e180.º n.º 1 e 179.º n.º 3.

Sendo que, naturalmente, as correspondentes decisões são passíveis de controlo, ordinário, por um Tribunal Superior. E que os vícios relativos a uma compressão intolerável do segredo profissional podem relevar de proibição de prova nos termos do art.º 126º n.º 3.

Insiste-se:

O âmbito de protecção do segredo profissional de advogado conferido pela sindicação especificamente prevista no Código de Processo Penal é distinto do conferido pela decisão incidental prevista no art.º 77º do EOA , que não visa esta fiscalizar a legalidade da busca, mas, apenas, de forma circunscrita, aferir se as apreensões se contêm nos limites aceitáveis: como esclarecidamente se diz no acórdão da 3ª Secção citado, o incidente de reclamação não tem por fito "questionar o sigilo profissional – este terá cabimento em sede de recurso do acto que a ordenou – mas tão só de aquilatar se o acto executório desbordou, por excesso, os parâmetros e lindes contidos no mandado que incorporou a ordem de quebra do sigilo (profissional)".

13. Sendo este o seu escopo, cumpre sublinhar que não existe norma que especificamente preveja o recurso da decisão do presidente do Tribunal da Relação proferida no incidente previsto no art.º 77º do EOA que vá ao encontro da exigência do art.º 433º.

Pelo que a sua (ir)recorribilidade haverá de ser aferida perante o regime geral de recursos constante do Código de Processo Penal.

Assim e nessa demanda:

Para todos os recursos ordinários, vale a norma do art.º 399º, que estabelece que "É permitido recorrer dos acórdãos, das sentenças e dos despachos cuja irrecorribilidade não estiver prevista na lei.".

Aos recursos endereçáveis ao STJ interessam as normas dos art.os  432.º e 400º.

O primeiro dispõe que:
"1 - Recorre-se para o Supremo Tribunal de Justiça:

a) De decisões das relações proferidas em 1.ª instância;

b) De decisões que não sejam irrecorríveis proferidas pelas relações, em recurso, nos termos do artigo 400.º;

c) De acórdãos finais proferidos pelo tribunal do júri ou pelo tribunal colectivo que apliquem pena de prisão superior a 5 anos, visando exclusivamente o reexame de matéria de direito;

d) De decisões interlocutórias que devam subir com os recursos referidos nas alíneas anteriores.

2 - Nos casos da alínea c) do número anterior não é admissível recurso prévio para a relação, sem prejuízo do disposto no n.º 8 do artigo 414.º.".

Por sua vez, o segundo prescreve que:
"1 - Não é admissível recurso:

a) De despachos de mero expediente;

b) De decisões que ordenam actos dependentes da livre resolução do tribunal;

c) De acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações que não conheçam, a final, do objecto do processo;

d) De acórdãos absolutórios proferidos, em recurso, pelas relações, exceto no caso de decisão condenatória em 1.ª instância em pena de prisão superior a 5 anos;

e) De acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações que apliquem pena não privativa de liberdade ou pena de prisão não superior a 5 anos;

f) De acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1.ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos;

g) Nos demais casos previstos na lei.

2 - Sem prejuízo do disposto nos artigos 427.º e 432.º, o recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil só é admissível desde que o valor do pedido seja superior à alçada do tribunal recorrido e a decisão impugnada seja desfavorável para o recorrente em valor superior a metade desta alçada.

3 - Mesmo que não seja admissível recurso quanto à matéria penal, pode ser interposto recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil.".

Vista a norma do art.º 432º, fácil será de concluir que a decisão incidental aqui em causa só será recorrível para o STJ se puder ser qualificada como "proferida em 1ª instância", caindo, por essa via, na previsão do seu n.º 1 al.ª a). Como aliás o Recorrente e a Senhora Procuradora-Geral Adjunta no TR.. sustentam.

E desse modo por, tratando-se de uma decisão singular, só aí encontrar assento, que as estatuições das al.as b) e c) apenas valem para decisões colegiais de 2ª e 1ª instância – como o são, necessariamente, a decisão da Relação que julga em recurso e a decisão condenatória do tribunal colectivo ou do júri – e que a da al.ª d) – aliás, só referenciada, como é entendimento firme neste Supremo Tribunal, aos recursos interlocutórios que devam subir com os dos actos previstos nas alíneas a) e c) 5 –, nada resolve no ponto, que só escolhe o tribunal ad quem, supondo previamente decidida a questão da recorribilidade em geral.

Conclusão que é corroborada pelo art.º 400º n.º 1 que, lido a contrario, é perfeitamente inequívoco no sentido de só ser admitido recurso (principal) para o STJ de decisões colegiais e não de singulares.

E conclusão que, resto, se quadra com o sistema de recursos no seu conjunto, que relativamente às decisões singulares de tribunal superior proferidas pelo relator, apenas prevê a reclamação para a conferência – art.º 417º n.º 8 –, estando o recurso reservado, isso sim, para o acórdão/decisão colegial que a vier a julgar.

Seja, no entanto, como for, a verdade é que, como se começou por afirmar, a recorribilidade do Despacho Recorrido para o STJ acaba por, apenas, estar dependente de, sim ou não, poder ser qualificado como decisão do Tribunal da Relação funcionando como tribunal de 1ª instância, que nem que se tratasse de decisão colegial admitiria tal impugnação.

É que, nesse caso, cairia na previsão do art.º 400º al.ª c) que, como já visto, interdita o recurso para o STJ das decisões tiradas em recurso pela Relação que não conhecem a final do objecto do processo.

Sendo, porém, inequívoco que o Despacho Recorrido, suposto que fosse um acórdão, não conheceu a final do objecto do processo, não julgou o mérito da causa, antes se limitou a tratar de questão, intercalar, relativa à regularidade e validade de um meio de obtenção de prova.

E por isso que, em qualquer circunstância, sempre sendo irrecorrível para o Supremo Tribunal, conforme, aliás, entendimento jurisprudencial pacífico 6.

De resto, numa perspectiva de coerência do sistema de recursos, nem faria sentido que o acórdão do Tribunal da Relação que decide, enquanto instância de recurso, sobre a legalidade de uma busca autorizada em escritório de advogado e da compressão do respectivo segredo profissional, não fosse recorrível para o STJ – como, a todas as luzes, o não é, por obstáculo dos art.os  432.º n.º 1 al. b) e 400.º n.º 1 al. c) – e a decisão no incidente de reclamação previsto no art.º 77 do EOA proferida pelo presidente do Tribunal da Relação, que visa apenas aferir se as apreensões se contêm nos limites da razoabilidade, o fosse!

O que, igualmente e de novo, conduz à ideia sempre afirmada de que, só havendo-o como decisão da Relação proferida como tribunal de 1ª instância, admitirá o Despacho Recorrido o recurso que o Recorrente aqui move.  

14. Sucede, todavia, que, contrariamente ao sustentado pelo Recorrente e pela Senhora Procuradora-Geral Adjunta  no TRL, entende-se que, ao proferir o Despacho Recorrido, a Senhora Presidente do TR.. não actuou na veste de um órgão jurisdicional de 1ª instância.

Com efeito:

Antes do mais, importa salientar que nos acórdãos do STJ que a Senhora Procuradora-Geral Adjunta convoca em apoio da admissibilidade do recurso – o de 11.12.2019 - Proc. n.º 107/15.0GAMTL.E1.S2, in www-dgsi.pt, e o de 18.12.2019 - Proc. n.º 241/18.4PDCSC-A.S1 in SASTJ –, não esteve em causa, diferentemente do que afirma, "a obtenção de prova sobre factos e documentos abrangidos pelo segredo profissional", que, no primeiro, discutiu-se  a questão do elenco dos beneficiários do direito à indemnização previsto no art.º 496º n.os 2 e 4 do Cód. Civil, e, no segundo – um recurso extraordinário de revisão de sentença –, o conceito de factos e meios de prova novos enquanto fundamento de revisão nos termos do art.º 449º n.º 1 al.ª d).

Havendo, decerto, lapso na identificação dos arestos, facto é que, nos indicados e salvo o muito devido respeito, não se vê a medida em que possam interessar à análise que aqui se desenvolve, mesmo aceitando-se, como se aceita, que na regulação do incidente da quebra do segredo profissional previsto nos art.os 135º e 182º se possam colher subsídios úteis para a discussão.

Depois:

A propósito do que seja decisão da relação proferida em 1ª instância no contexto do art.º 432.º n.º 1 al. a), disse-se o seguinte no AcSTJ de 31.10.2029 - Proc. n.º 7078/18.9T9LSB-A.L1.S1 7, em que se apreciava acórdão de Tribunal da Relação que determinara a quebra de  sigilo profissional relativamente à CMVM para fins de investigação criminal:
"[…].

Decorre da orientação do legislador, designadamente a partir da reforma operada pela Lei nº 59/98, de 25 de Agosto, que a intervenção do STJ está reservada para situações de considerável gravidade estabelecendo-se, por isso, limitações por razões de razoabilidade e celeridade processual na selecção/restrição das causas susceptíveis de reapreciação pelo STJ.

[…].

Ora, a ideia que atravessa todo o sistema processual penal na parte atinente aos recursos é a de que o STJ é um tribunal de "fim de linha" – passe a expressão em benefício da clarificação da ideia – cuja competência no tocante aos recursos ordinários está reservada para situações respeitantes à apreciação do mérito, à justiça da condenação – e mesmo assim com constrições várias – ou em que, porventura, o acto decisório ponha termo definitivo ao processo, o mesmo é dizer que encerre a relação jurídica entre os sujeitos processuais, seja por razões de natureza adjectiva, seja por razões de natureza substantiva. Por isso se lhe atribui a função de tribunal de revista, como inequivocamente ressalta do art. 434º.

É nesta perspectiva, crê-se, que tem de ser interpretada a alínea a) do nº 1 do art. 432º ao dispor que há recurso para o STJ das decisões das relações proferidas em 1ª instância. Havendo ainda que fazer intervir um outro tópico de interpretação como decorrência do que fica dito: as decisões da relação proferidas em 1ª instância e logo recorríveis são as que respeitem ao julgamento, isto é, em que a relação, nesse acto decisório, faça uma primeira apreciação do mérito da causa com extensão, naturalmente, às pertinentes questões interlocutórias que um tal julgamento suscite; ou quando esse primeiro acto decisório encerre em definitivo o processo por ser, designadamente, um despacho de não pronúncia, de arquivamento decorrente do conhecimento de uma qualquer questão prévia ou da apreciação de uma causa de extinção da relação jurídica como a prescrição.

[…].".

Na mesma linha de raciocínio e sob o mesmo propósito, colhe-se o seguinte no AcSTJ de 24.4.2019 - Proc. n.º 5837/16.6T9LSB-A.L1.S1 8, que, igualmente, julgou recurso de acórdão de Tribunal da Relação que determinara a quebra de sigilo profissional da CMVM para fins de investigação criminal:
"[…].

As decisões que as relações proferem em 1.ª instância não são as decisões apreciadas pela primeira vez, em primeira mão ou em primeiro grau, cuja competência o legislador lhe conferiu em antecipação a possível recurso, dado não estar em causa uma decisão sobre o objecto do processo, mas uma questão incidental por natureza, até, célere.

As decisões da relação proferidas em 1.ª instância são as proferidas em processos que por lei devam ser instaurados nas relações desde o seu início e aí devam ser decididas e a que se reporta a alín. a) do n.º 3 do art.º 12.º do CPP, excepcionalidade que encontra razão de ser na qualidade dos arguidos aí indicados.

[…].".

No entendimento, assim, dos mencionados arestos, que se subscreve, são portanto, proferidas em 1ª instância as decisões da Relação que, apreciando o mérito da causa ou, pelo menos, pondo termo definitivo à relação processual, se inserem nos procedimentos previstos no art.º 12º n.os  3 al.ª a) e 6 e no art.º 73º al.as c) e g) da LOSJ, isto é, nos procedimentos criminais em que figurem como arguidos juízes e procuradores que sirvam em tribunal de 1ª instância e que a lei, com atenção exactamente a essa qualidade e à necessária  preservação das "exigências próprias e inerentes ao prestígio e resguardo da função" judiciária, defere em primeira mão àquele tribunal superior.

E, além dessas, sê-lo-ão, igualmente, as proferidas em procedimentos de cooperação judiciária internacional em matéria penal e de revisão e confirmação de sentença estrangeira a que se referem as al.as c) e d) do art.º 12º citado o art.º 73º al.as d) e e) da LOSJ. 

15. Presente, então, esta acepção, fácil será de ver que ao, decidir a reclamação prevista no art.º 77º do EOA que o Recorrente deduziu, a Senhora Presidente do Tribunal da Relação não actuou na veste de tribunal de 1ª instância, que nem interveio no contexto de procedimento penal em que estivesse sob investigação, instrução ou julgamento crime protagonizado por juiz-de-direito ou por procurador da República, que nem conheceu do mérito da causa ou pôs termo ao processo – a decisão da reclamação é, sempre, um acto interlocutório do procedimento penal – e muito menos interveio em procedimento de cooperação judiciária ou de revisão e confirmação de sentença estrangeira.

Actuou, isso sim, enquanto entidade hierarquicamente supraordenada ao órgão de 1ª instância juiz de instrução que determinou a busca e que presidiu à sua execução, e tudo assim enquanto instrumento de controlo, imediato e complementar, do alcance e limites do mandado de busca, que é a finalidade que art.º 77º do EOA assina à reclamação sempre referida.

Como, de resto, o próprio Tribunal Europeu dos Direitos Humanos reconheceu no acórdão de 3.9.2015, proferido no "Affaire Sérvulo & Associados – Sociedade de Advogados, RL e Autres v. Portugal", ao dizer que "a reclamação perante o Presidente do Tribunal da Relação constitui um recurso adequado e eficaz complementar ao controlo exercido pelo juiz de instrução para compensar o alcance do mandado de busca, evitando assim a apreensão de dados abrangidos pelo sigilo profissional.".

E tudo assim – já se vê – com a consequência, anunciada, de, não enquadrável o Despacho Recorrido no conceito de decisão proferida em 1ª instância e não autorizando nenhuma (outra) disposição legal o recurso dele para este STJ, ser, afinal, o recurso interposto pelo Recorrente inadmissível.

16. De resto, esta mesma solução da irrecorribilidade tem sido maioritariamente sustentada  na jurisprudência deste STJ relativamente ao incidente de quebra do segredo profissional que, na sua proximidade ao incidente do art.º 77.º do EOA, autoriza que nela se colham subsídios para a solução do caso. Mesmo se a decisão naquele é da competência de uma secção do Tribunal da Relação ou do STJ – e, portanto, sempre uma decisão colegial – e a neste, do presidente do Tribunal da Relação – e, portanto, sempre uma decisão singular.

Irrecorribilidade, aliás, afirmada tanto nas secções criminais como nas secções cíveis, como, v. g., documentado nos acórdãos de 21.8.2020 - Proc. n.º 422/14.0T9TMR-A.E1.S1 (recurso penal) e de 27.2.2020 - Proc. n.º18391/17.2T8LSB-A.L1.S1 (revista cível) 9, cujos sumários seguem (parcialmente), transcritos:
Recurso penal:
"I - A obtenção de prova sobre factos ou documentos abrangidos por segredo profissional, invocado como escusa a depor ou como recusa de apresentação, é susceptível de gerar um incidente processual com vista a obter a quebra do segredo mediante a intervenção do tribunal da 1.ª instância, destinada a verificar a legitimidade da recusa, e a intervenção do tribunal da Relação, destinada a decidir a quebra do segredo. Concluindo o tribunal da 1.ª instância que a escusa ou a recusa são legítimas, por estarem legalmente protegidas por segredo, cabe ao "tribunal imediatamente superior" decidir da quebra do segredo.

II - A decisão de quebra do segredo forma-se, assim, através da participação de tribunais de dois diferentes níveis de hierarquia no procedimento a ela destinado – o da 1.ª instância, onde corre o processo, que é, em regra, o tribunal de comarca – art. 80.º, da Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto –, e o da 2.ª instância, que é, em regra, o tribunal da Relação – art. 67.º, n.º 1, do mesmo diploma. Trata-se de uma competência que é conferida ao tribunal da Relação pelo art. 12.º, n.º 2, alínea e), do CPP: "exercer as demais atribuições conferidas por lei"; e, pelo art. 73.º, alínea h), da Lei n.º 62/2013, a de "exercer as demais competências conferidas por lei". Sendo, na hierarquia dos tribunais, o tribunal imediatamente superior àquele em que o incidente foi suscitado – arts. 31.º a 33.º da Lei n.º 62/2013 e 67.º a 69.º, do CPC – é este, tribunal da Relação, o competente para o efeito.

III - A intervenção destes dois tribunais na decisão do incidente corresponde a duas fases processuais distintas. Numa primeira fase, a que se refere o n.º 2, do art. 135.º do CPP, em que intervém o tribunal da 1.ª instância, perante o qual corre o processo, trata-se de saber se a escusa ou a recusa são legítimas, isto é, se a pessoa se pode escusar a depor, ou se pode recusar fornecer documentos por estar vinculada a um dever de segredo profissional ou de funcionário. Esta questão – legitimidade da escusa ou recusa – deverá ser decidida após a realização das diligências necessárias. No caso de o tribunal de 1.ª instância concluir pela ilegitimidade da escusa ou da recusa, ordena a prestação do depoimento ou a apresentação dos documentos. A intervenção do tribunal da Relação surge, apenas, naquelas situações em que, reconhecida a legitimidade da escusa ou da recusa, a pessoa visada (in casu, uma testemunha arrolada pelo arguido) não está obrigada a depor ou a apresentar documento por força da decisão do tribunal da 1.ª instância, e enquanto "tribunal superior àquele onde o incidente tiver sido suscitado", nos termos do disposto no art. 135.º, n.º 3, do CPP. Não se trata agora de discutir a legitimidade da escusa ou da recusa. O que, nesta fase, há que apreciar e decidir é se, perante o conflito entre o dever de testemunhar – art. 131.º, n.º 1, do CPP – e o dever de guardar segredo, se justifica a quebra do segredo segundo o princípio da prevalência do interesse preponderante, nomeadamente, tendo em conta a imprescindibilidade do depoimento ou dos documentos para a descoberta da verdade, a gravidade do crime e a necessidade de protecção de bens jurídicos.

IV - Pelo que o tribunal da Relação não age, deste modo, enquanto tribunal de 1.ª instância, ou seja, enquanto tribunal ao qual compete, em regra, preparar e julgar processos, uma vez que tal competência se limita aos casos previstos nas alíneas a), c) e d), do art. 12.º, do CPP. Aliás, no caso da alínea a) deste preceito, aqui sim, trata-se de processo que correndo na Relação, em primeira instância, a competência para a decisão de quebra caberia ao STJ, por, nesse caso, ser o tribunal imediatamente superior, nos termos do art. 135.º, n.º 3, do CPP.

V - A decisão do tribunal da Relação, embora diga respeito a um processo que corre em primeira instância, não corresponde a uma decisão proferida no exercício de uma competência de tribunal de 1.ª instância, mas sim, a uma decisão da competência de "tribunal imediatamente superior" a este (1.ª Instância), dentro da hierarquia dos tribunais. Pelo que, não correndo e não devendo o processo ser julgado no tribunal da Relação e tendo a decisão recorrida sido proferida por este tribunal por, nos termos do n.º 3, do art. 135.º, do CPP, ser o imediatamente superior ao tribunal onde foi suscitado o incidente, não pode esta decisão ser considerada como uma “decisão da relação proferida em 1.ª instância”, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 432.º, n.º 1, al. a), do CPP, segundo o qual se recorre para o STJ “de decisões das relações proferidas em 1.ª instância”.

[…].

XIV - A apreciação do pedido de quebra de sigilo tem lugar no âmbito de um incidente com uma estrutura especial. É inequívoco, portanto, que esse incidente nada tem a ver com as referidas fases típicas do processo penal, mas isso não autoriza que se classifique como de mérito a decisão que o encerra e que, note-se bem, nem sequer tem de ser um acórdão do tribunal superior.

[…].

XVI - É justamente por causa daquela natureza de garantia de um direito fundamental e, por isso, por causa da relevância dos interesses em causa, que o legislador, reforçando a garantia de acesso ao tribunal, entendeu dever fazer intervir na decisão de quebra do segredo profissional o tribunal hierarquicamente superior àquele onde corre o processo. Concluímos, deste modo, que a imposição constitucional do duplo grau de jurisdição não abrange a decisão recorrida.

XVII - Pelo que se concluiu que a norma extraída da interpretação da alínea a) do n.º 1 do art. 432.º do CPP, segundo a qual o acórdão do tribunal da Relação proferido ao abrigo do n.º 3 do art. 135.º do CPP não constitui uma decisão proferida em 1.ª instância, não se encontra ferida de inconstitucionalidade por violação dos arts. 6.º, n.ºs 1 e 4, e 32.º, n.º 1, da CRP.

XVIII - O acórdão da Relação de que foi interposto o presente recurso é, pelo exposto, irrecorrível, pelo que não devia ter sido admitido – art. 414.º, n.º 2 do CPP.".
Recurso cível:
"I - As decisões que a Relação profere em primeira instância são as decisões em que a Relação funciona como tribunal de primeira instância, ou seja, quando exerce uma competência que por regra é cometida à primeira instância e, excecionalmente, designadamente em atenção à qualidade do arguido ou de uma parte, se atribui à Relação.

II - O incidente de quebra do sigilo bancário é um incidente de estrutura especial, que não segue as regras normais de competência jurisdicional, por atribuir competência para a sua decisão ao tribunal que seria, segundo a regra geral, competente para a apreciação do recurso sobre ela.

III - Assim, resulta da estrutura do incidente em causa que a Relação decide em definitivo o respetivo objeto, ou seja, da decisão por ela proferida não é admissível recurso para o STJ.".

17. Claro que não se ignora o entendimento pela recorribilidade da decisão do incidente de quebra de sigilo sustentado no  AcSTJ de 18.12.2019 - Proc. n.º 305/14.3T9LRA-A.C.S1, para que o Recorrente chama a atenção, aliás, inspirado no acórdão do TEDH de 1.12.2015 – "Affaire Brito Ferrinho Bexiga Villa-Nova c. Portugal" (Pedido n.º 69436/10), e que os Colendos Conselheiros da 3ª Secção sintetizaram pela seguinte forma 10:
"I - Estando os factos relativamente aos quais se pretende que a testemunha preste depoimento, cobertos pelo respetivo segredo profissional, e sendo a escusa legítima, só o tribunal imediatamente superior àquele em que o incidente foi suscitada, pode decidir da prestação de testemunho com quebra do segredo profissional.

II - Um dos interesses preponderantes a considerar na legitimidade da escusa é o segredo profissional, reconhecido como um bem jurídico autónomo, tão digno de proteção que o legislador criminaliza a sua revelação não consentida. E conferiu estatuto (e proteção) especial ao portador de segredo, permitindo-lhe invocar escusa para depor num procedimento penal (ou de outra natureza), quando a prestação de depoimento possa implicar a revelação de factos abrangidos pelo segredo profissional.

III - Outro interesse preponderante é o da realização da justiça assente na descoberta e conhecimento, pelo tribunal, de todos os factos objetivos e subjetivos e das circunstâncias que o comandaram ou que rodeiam o acontecimento da vida que o tribunal está a apreciar e tem de julgar num determinado processo penal.

IV - Entre os interesses preponderantes envolvidos está também a garantia fundamental do efetivo direito de defesa do arguido, constitucionalmente consagrada.

V - Da reforçada matriz do direito do arguido a ver reexaminadas, por tribunal superior, decisões proferidas no seu processo penal que contendam opressivamente com as garantias da defesa, resulta que em situações como a do vertente incidente, tenha o direito de recorrer da decisão desfavorável, e já não assista igual direito a outros interessados.

VI - É recorrível, pelo arguido, acórdão da Relação proferido no incidente de quebra do segredo profissional.

VII - Quando o depoimento do profissional onerado com o dever de segredo se apresenta absolutamente indispensável e insubstituível para a infirmação de elementos de facto, objetivos ou subjetivos, constitutivos do crime imputado ao arguido ou para a prova, que a defesa se propõe fazer, de causas de justificação ou causas de desculpa, a quebra do segredo só deve denegar-se quando seja de muita maior entidade o interesse comunitário da confiança na descrição e reserva dos profissionais daquele oficio, ou, sobretudo, quando o depoimento implique a revelação de dados atinentes à privacidade de outra ou outras pessoas.".

Entendimento de que, porém e como referido, diverge a jurisprudência, pelo menos, dominante neste Supremo Tribunal. 

E entendimento, de resto, nem sequer directamente acomodável na hipótese em discussão, que o que aqui está em causa é uma decisão proferida pelo Presidente da Relação relativamente a uma reclamação em execução de busca em escritório de advogados em que o próprio advogado é arguido, enquanto o que ali estava em jogo era o levantamento do segredo profissional para prestação de depoimento de advogado na qualidade de testemunha.

E importando, ainda, sublinhar, como assinala António Gama, in "Comentário Judiciário do Código de Processo Penal", Tomo II, 2.ª edição, p. 160, que ao advogado arguido não é aplicável, numa primeira análise, o incidente do art.º 135.º, isso pois que este beneficia do direito ao silêncio relativamente a todos os factos que lhe são imputados e se for sua vontade prestar declarações em que seja necessário relatar factos cobertos pelo segredo profissional, deve accionar o procedimento adequado junto da OA.

E, igualmente, relevar que, a questão da prestação de declarações de arguido advogado que envolvam a revelação de factos sujeitos a segredo profissional, é distinto tanto da da entrega de documentação – em que, também, o âmbito subjectivo do direito de recusa previsto no art.º 182.º está vocacionado para a testemunha e não para o arguido, mesmo se deve, igualmente, ser compatibilizado com o princípio do nemo tenetur se ipsum accusare 11 –, como da da apreensão de documentos em escritório de advogado, nos termos do art.º 180.º – aplicável, este, à pesquisa que, por princípio, apenas pode abranger documentos não abrangidos pelo segredo profissional, salvo se os mesmos constituírem objecto ou elemento do crime (n.º 3 do art. 180.º), mas que não impede o acesso e apreensão de elementos cobertos pelo segredo profissional que relevem para a investigação, desde que observado o rito e os condicionalismos previstos nos art.os 182.º, 76.º n.º 4 do EOA e 17.º da Lei n.º 109/2009, de 15.9.

Acresce que:

18. A irrecorribilidade do Despacho Recorrido que assim se sustenta também não afronta a Constituição da República Portuguesa.

Na verdade:

O que resulta da numerosa jurisprudência constitucional sobre a temática do direito ao recurso em processo criminal enquanto emanação do princípio da plenitude das garantias de defesa em processo criminal consagrado no art.º 32º n.º 1 da CRP, é que tal direito não significa que o arguido possa sindicar toda e qualquer decisão judicial.

Exceptuando as decisões condenatórias que afectem a liberdade ou contendam inusitadamente com outros direitos fundamentais, existe um espaço de liberdade conformatória do legislador na procura da compatibilização prática de interesses como, v. g., os da celeridade processual e da efectivação da pretensão punitiva estadual com as garantias de defesa, que pode ditar exclusões ou restrições ao direito de recurso do arguido.

Ou seja e como se sintetiza no AcTC n.º 265/94, de 23.2 12, "é admissível que o legislador determine a irrecorribilidade de outros actos judiciais desde que não atinja o conteúdo essencial das garantias de defesa (…) e a limitação seja justificada por outros valores relevantes no processo penal", que nem o art.º 20.º n.º 1 da CRP – e o seu direito de acesso à justiça e à protecção jurisdicional efectiva, em geral – nem o art.º 32.º n.º 1 da CRP – e o seu direito ao recurso do arguido em processo criminal – estabelecem uma garantia ilimitada ao recurso para toda e qualquer decisão.

E como se assinala no AcTC n.º 31/87, de 28.1 13, é de admitir que a "faculdade de recorrer seja restringida ou limitada em certas fases do processo e que, relativamente a certos actos do juiz, possa mesmo não existir, desde que, dessa forma, se não atinja o conteúdo essencial dessa mesma faculdade, ou seja, o direito de defesa do arguido".

Paradigma, aliás, do correcto balanceamento constitucional das soluções da lei que excluem ou que condicionam o âmbito do direito ao recurso do arguido, revela-o o AcTC n.º 7/2014, de 7.1 14.

Assinala-se aí que, no compromisso entre os interesses da celeridade processual e da responsabilização criminal de quem atentou contra bens jurídicos-penais, a limitação de acesso ao recurso apenas é constitucionalmente aceitável se e na medida em que não afecte "relevantemente os direitos do arguido, impedindo ou condicionando de forma desnecessária ou desproporcional o exercício do direito que lhe assiste em nuclearmente se defender da imputação de que praticou um crime.". E – precisa-se – o "ponto ideal de conciliação deve ser encontrado, no caso, em aplicação dos princípios imperantes em matéria de restrição dos direitos fundamentais (artigo 18.º da CRP), pela ponderação da necessidade, adequação e proporcionalidade da solução que, no contexto do processo penal e das diversas garantias de defesa que ele oferece, veda ao arguido, em relação a determinados atos judiciais, a possibilidade de recurso.".

E – como igualmente salienta o mesmo acórdão – "inexiste qualquer exigência constitucional de que as decisões em matéria penal sejam proferidas por um tribunal coletivo ou de que, sendo proferidas por um juiz singular, assista ao arguido, apenas em razão disso, o direito de as ver reapreciadas por um tribunal superior. O que releva, para este efeito, não é tanto quem decide sem possibilidade de recurso mas a matéria sobre que recai a decisão (singular) irrecorrível, pois que é em função dela que se afere da suscetibilidade de afetação dos direitos do arguido e, atenta a sua maior ou menor virtualidade ofensiva, da exigência constitucional de que sobre ela recaia o direito de recurso.".

Ora, transpondo para o caso as considerações que se acabam de destacar, fácil será de ver que a irrecorribilidade de um despacho que,  como o recorrido, decide a reclamação prevista no art.º 77.º EOA, não afronta as garantias constitucionais do acesso ao direito e à justiça do art.º 20º n.º 1 e de defesa do arguido do art.º 32º.

Com efeito:
Trata-se de decisão que não se reporta ao mérito – nomeadamente, à validade da busca – e não incide sobre a relevância da documentação ou a pertinência da sua junção aos autos, questões estas que podem ser colocadas perante o juiz de instrução competente e ser objecto de recurso.
A decisão apenas cuida de aferir as formalidades da apreensão na perspectiva da sua ostensiva desconformidade legal, ou se, pela sua amplitude, afecta desmesuradamente o segredo profissional.
As garantias conferidas pelos art.os 20º n.º 1 e 32º n.º 1 da CRP citadas, defrontam-se, na circunstância, com outros interesses também constitucionalmente protegidos e com os quais têm que se compatibilizar, v. g., o da celeridade processual e o da, efectiva, perseguição e punição das infracções criminais por parte do Estado.
Ainda que irrecorrível a decisão, as garantias de defesa conferidas, no seu conjunto, pelo bloco legal convocável são suficientes, adequadas e efectivas, não comprometendo minimamente o conteúdo essencial do direito de defesa, que (i) se exige a intervenção de um juiz para autorizar a busca e decidir sobre a legalidade e pertinência de junção aos autos de documentos abrangidos por segredo profissional; que (ii) a busca é presidida por um juiz e decorre na presença do representante da Ordem dos Advogados e do(s) visado(s); que (iii) assiste aos interessados a possibilidade de suscitar invalidades perante o juiz de instrução e de  sindicar os seus despachos através de recurso e, em fases mais avançadas do processo a possibilidade, em caso de acusação, de fiscalização conferida pela fase de instrução, e, em sede de julgamento, a possibilidade de discutir a validade da prova; e que (iv) a reclamação prevista no art.º 77º do EOA é, ela própria, deduzida perante uma autoridade judicial de instância superior, distinta e independente, permitindo – como refere o AcTC n.º 740/2020, de 10.12, tirado em incidente de quebra de segredo em processo civil mas acomodável, por identidade de razões, ao caso dos autos –, "tutelar os interesses e direitos fundamentais em conflito, em termos equivalentes aos que seriam assegurados pela previsão de um recurso.".  

19. E, a mais de tudo, ainda acontece que essa ideia da irrecorribilidade se quadra  com a Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH) – mormente, com o seu art.º 8º, que dispõe que "Qualquer pessoa tem direito ao respeito da sua vida privada e familiar, do seu domicílio e da sua correspondência" (n.º 1) e que "Não pode haver ingerência da autoridade pública no exercício deste direito senão quando esta ingerência estiver prevista na lei e constituir uma providência que, numa sociedade democrática, seja necessária para a segurança nacional, para a segurança pública, para o bem estar económico do país, a defesa da ordem e a prevenção das infracções penais, a protecção da saúde ou da moral, ou a protecção dos direitos e das liberdades de terceiros" (n.º 2) –, disso constituindo testemunho o acórdão do TEDH de 3.9.2015 no "Affaire Sérvulo & Associados – Sociedade de Advogados, RL e Autres v. Portugal", que, precisamente, tratou de decisão de incidente de reclamação em busca a escritório de advogados fundada no, mesmo, art.º 77º do EOA e de que o AcSTJ de 4.11.2020 - Proc. n.º 1/18.2IFLSB-A.L1-A.S1 acima referido transcreveu alargados passos.

[…]

20. Em suma e para rematar, o entendimento que aqui se segue de que o Despacho Recorrido não admite recurso para este Supremo Tribunal assenta nas seguintes razões:
O Despacho Recorrido é uma decisão incidental, eventual, espoletada a pedido do visado no decurso de uma diligência para obtenção de prova, proferida no âmbito de uma competência própria do Presidente de Tribunal da Relação conferida pelo art.º 77.º EOA, e que constitui uma garantia acrescida da tutela do segredo profissional.
O âmbito-objecto dessa competência não se sobrepõe, nem se confunde, com o das decisões relativas à verificação dos pressupostos de autorização de uma busca e da sindicação da sua validade e da das apreensões efectuadas no respectivo contexto, tudo isso incumbência do juiz de instrução e tudo isso passível de controlo por via de recurso ordinário.
Inexiste norma especial que preveja a admissibilidade de recurso de tal despacho, por isso que havendo a sua recorribilidade de ser aferida à luz das regras gerais sobre recursos previstas no Código de Processo Penal.
A essa luz, é de descartar, no imediato, a recorribilidade com apoio nas normas das al.as b) e c) do art.º 432º n.º 1 –, que tratam, exclusivamente de decisões colegiais, quanto é certo que o despacho em causa é um acto decisório singular – e da al.ª d) – que cuida, o que não é o caso, de recurso interlocutório que deva subir com recurso de decisão final.
E é, igualmente, de afastar a recorribilidade conferida pela al.ª a) do preceito, por a decisão também não poder ser qualificada como proferida pela Relação em 1ª instância que, sobre não ter conhecido do mérito da causa ou, pelo menos, não ter posto termo ao processo, não se inseriu nem em procedimento previsto no art.º 12º n.os  3 al.ª a) e 6 e no art.º 73º al.as c) e g) da LOSJ – processo criminal em que figure como arguido magistrado de 1ª instância – nem no art.º 12º n.º 3 al.as c) e d) e art.º 73º al.as d) e e) da LOSJ – procedimento, respectivamente, de cooperação judiciária ou de revisão e confirmação de sentença estrangeira.
De resto, a solução da irrecorribilidade tem sido maioritariamente sustentada na jurisprudência deste STJ em relação ao incidente de quebra do segredo profissional, que revela alguns traços de similitude com o incidente do art.º 77.º do EOA, aliás, com o beneplácito do Tribunal Constitucional.
E a, específica, irrecorribilidade da decisão proferida no incidente do art.º 77º sempre referido também não é contrária à CEDH – concretamente, ao seu art.º 8º –, como decidido no "Acórdão Sérvulo & Associados – Sociedade de Advogados, RL e outros c. Portugal", de 3.9.2015.

c. Conclusão.

21. Vale, então, tudo o que precede por dizer que, perante o disposto nos art.os 399º, 400º n.º 1, 432º e 433º, não é admissível recurso do Despacho Recorrido para este Supremo Tribunal de Justiça.

Daí que o recurso interposto pelo arguido Dr. AA haja de ser rejeitado, em decisão sumária, nos termos do previsto nos art.os 420º n.º 1 al.ª b) e 414º n.º 2 e 417º n.º 6 al.ª b).

Rejeição a que não obsta a circunstância de ter sido admitido na instância recorrida, que se trata de decisão que não vincula este tribunal – art.º 414º n.º 3.

III. DECISÃO.

22. Termos em que se decide:
Rejeitar o recurso, por inadmissibilidade, nos termos das disposições conjugadas dos art.os 399º, 432º, 433º, 420º n.º 1 al.ª b) e 414º n.os 1 al.ª b) e 2 do CPP;
Condenar o Recorrente na soma de 5 UC's, nos termos do art.º 420º n.º 3 do CPP.  
*

[…].

_______________

1 Diploma a que pertencerão todas as disposições que doravante se citarem sem menção de origem.

2 Doravante, EOA.

3 Pinto de Albuquerque, "Comentário do Código de Processo Penal", 4ª ed., p. 496.

4 Sumariado em SASTJ.

5 Neste sentido, v. g., AcSTJ de 19.10.2016 - Proc. 108/13.2P6PRT.G1.S1, in www.dgsi.pt

6 Neste sentido, cfr., v. g.,  Ac'sSTJ de 13.1.2021 - Proc. n.º 17/12.2TDEVR.E1-A – "I - Não é admissível recurso de acórdãos proferidos, em recurso pelas relações, que não conheçam a final do objeto do processo”. Alude este normativo apenas a “acórdãos”. A fortiori, assim será quando se tratar de um mero despacho. II -    Nem todas as decisões são objeto de recurso, e em particular para o STJ. É o caso de decisões interlocutórias" –, de 14.10.2020 - Proc. n.º 387/18.9GGSNT-D.L1.S1 – "I -  O despacho que indefere a arguição de nulidade de uma diligência probatória – prova por reconhecimento presencial (art. 147.º do CPP – reconduz-se a um despacho interlocutório. II - Não é admissível recurso para o STJ da decisão do tribunal de segunda instância que indefere (ou nega provimento ao recurso) o pedido de arguição de nulidade referida no item antecedente (art. 432.º, n.º 1, al. b), ex vi do n.º1, al. c) do art. 400.º, ambos do CPP" – e de 30-09-2020 - Proc. n.º 195/18.7GDMTJ.L1.S1 – "VII - As decisões interlocutórias caem sobre a alçada do art. 400.º, n.º 1, al. c), do CPP, e, como tal, não podem sustentar um recurso para o STJ (cfr. art. 432.º, n.º 1, al. b), do CPP). E sem qualquer situação em que possa considerar-se haver inconstitucionalidade, já que foi assegurada a reapreciação da questão pelo Tribunal da Relação (art. 32.º, n.º 1 CRP), não garantindo a CRP um duplo grau de recurso ou terceiro grau de jurisdição (conferindo um certo grau de discricionariedade ao legislador na determinação dessas matérias). De decisão de índole interlocutória, não é admissível o recurso. É, pois, irrecorrível o recurso das questões colocadas quanto à questão da nulidade da busca (e, consequentemente, quanto à nulidade da apreensão e da perícia informática que se “fundam” na precedente nulidade da busca), bem como as relativas à perícia informática e vicissitudes apontadas nos recursos, a este propósito.".

7 In www.dgsi.pt.

8 In www.dgsi.pt.

9 Ambos consultáveis in www.dgsi.pt.

10 Sumário disponível em SASTJ.

1[1] Neste sentido, Conde Correia, in "Comentário" citado, p. 678.

12 Acessível em www.tribunalconstitucional.pt.

[1]3 Acessível em www.tribunalconstitucional.pt.

[1]4 Acessível em www.tribunalconstitucional.pt.
[…]».

B. Apreciação.
12. Nos termos do art.º 417º n.º 8, da decisão sumária do relator cabe reclamação para a conferência.
«A decisão sumária não é um mero despacho do relator. É a decisão que julga o recurso quando este esteja, de modo mais patente, condenado ao insucesso […].» [2].
Introduzida no Código de Processo Penal pela reforma da Lei n. º 48/2007, de 29.8, serve o objectivo «de racionalizar e simplificar o funcionamento dos tribunais superiores, criando um mecanismo mais expedito e simplificado de decisão do recurso» que se encontre naquelas condições [3].
Salvaguardando-se, todavia, a garantia da colegialidade, precisamente, através,  da reclamação.

A reclamação é, assim, apenas um pedido para que o objecto do recurso rejeitado seja reapreciado pela conferência [4].
Não dando início a uma nova fase recursória, dessa feita incidente sobre a decisão singular, o «âmbito do recurso» mantém-se «circunscrito às conclusões formuladas na motivação».
Sendo «os argumentos ali utilizados e resumidos nas conclusões que fundamentalmente devem ser tema de análise pela conferência sem embargo de o conteúdo da reclamação poder apontar ou sugerir outras vias de abordagem do problema em debate» [5].

A conferência «apenas chancelará – ou não – a decisão individual com a garantia do tribunal colectivo» [6].
Sendo que, concordando com os fundamentos e sentido da decisão sumária, pode limitar-se «a reafirmar as razões explicitadas na decisão sumária que fundamentaram a rejeição do recurso», e «corroborando-as e dando-as por reproduzidas, por via delas», decidir «confirmar a decisão sumária do relator de rejeição do recurso» e, «consequentemente, indeferir a reclamação[7].

13. No caso, nada obsta ao conhecimento da reclamação, que vem movida a decisão reclamável, em tempo e por quem tem legitimidade e interesse.

Assim e tomando posição sobre a reclamação:

14. A peça de reclamação reitera a argumentação que já constava do motivação do recurso e da resposta ao parecer do Ministério Público no Supremo Tribunal de Justiça, visando convencer, ora, este colectivo de juízes do bom fundamento da tese da admissibilidade do recurso e, desse modo, reverter o sentido da decisão sumária.

A fundamentação da Decisão Sumária abarca todas as questões que o Recorrente ora suscita na reclamação, pelo que se mostra desnecessário voltar a enunciá-las.
E acontece que – diz-se já – a Conferência concorda, adere e dá por reproduzida a fundamentação da Decisão Sumária, recordando o que dela transcreveu em 11. supra, em especial o trecho do n.º 20. daquela, que ensaia a síntese das razões em que se apoiou para determinara a rejeição do recurso.
Ainda assim, não se deixará de abordar aqui alguns pontos a que o Recorrente parece emprestar maior ênfase na Reclamação.

Desse modo:

a. O erro de interpretação do bloco normativo dos art.os  399º, 400º, 432º e 433º.
15. Diz o Recorrente que a decisão sumária interpretou incorrectamente as normas dos art.os  399º, 400º, 432º e 433º, ao considerar que os dois últimos definem a (ir)recorribilidade de uma decisão para o STJ e ao ter desconsiderado o princípio-regra da recorribilidade das decisões previsto naquele art.º 399º.

16. Sucede, todavia, que, ao contrário do afirmado, na Decisão Sumária não se considerou que os art.os 432º e 433º definem a recorribilidade ou irrecorribilidade para o STJ. E também se teve presente que o princípio-regra é o da recorribilidade consagrado no art.º 399º do CPP.
O que não se ignorou, isso sim, foi que o princípio não vale irrestritamente, aferindo-se a recorribilidade para o STJ através de uma leitura conjugada dos art.os 400º, 432º e 433º: é o que – pensa-se – resulta do trecho em que se diz que, como «não existe norma que especificamente preveja o recurso da decisão do Presidente do TR.. proferida no incidente previsto no art.º 77.º do EOA, […] a sua (ir)recorribilidade haverá que ser aferida perante o regime geral de recursos constante do CPP», e em que se convocam, logo depois, as disposições dos art.º 399º, 400º e 432º.
De resto, retira-se claramente da economia da Decisão Sumária que é o art.º 400.º que identifica as decisões não admitem recurso e que o art.º 432.º delimita a competência do STJ, indicando de que actos para ele se pode recorrer.

17. Quanto ao art.º 399º – que consagra o princípio de que, salvo norma expressa em contrário, todas as decisões judicias são recorríveis –, há que referir, em primeiro lugar, que, mesmo no enfoque de arguido – onde, nos termos do art.º 32º n.º 1 da CRP, o direito ao recurso assume a natureza de garantia constitucional –,«não há um direito irrestrito ao recurso de todos os despachos e sentenças do tribunal que afectem os direitos e interesses dos sujeitos e participantes processuais, ou, nas palavras do acórdão do TC n.º 31/87, admite-se que faculdade de recorrer possa "ser restringida ou limitada em certas fases do processo e que, relativamente a certos actos do juiz, possa mesmo não existir"» [8].
E depois, e como se referiu, a interpretação do preceito não pode ignorar as limitações impostas pelos art.os 400º e 432º, sendo que para se indagar se uma decisão é recorrível para o Supremo Tribunal de Justiça não se pode  deixar de, também, chamar a terreiro estas outas normas.
E, como consta na Decisão Sumária, da leitura conjugada dos art.os 400º n.º 1 e 432.º n.º 1 al.as b), e c), resulta que apenas é admissível recurso para o STJ de decisões colegiais, razão pela qual, sendo o despacho proferido pela Senhora Presidente do TR.. no incidente previsto no art.º 77º do EOA uma decisão singular, somente a luz do art.º 432º n.º 1 al.ª a) – isto é, enquanto decisão de relação proferida em 1ª instância – seria equacionável a sua recorribilidade para este STJ.
Hipótese, no entanto arredada in casu, que não foi enquanto órgão jurisdicional 1ª instância que a Senhora Magistrada interveio, o que só poderia ter acontecido – mas não aconteceu! – se – como ali também se diz – a decisão proferida se tivesse inserido ou em procedimento previsto nos art.º 12º n.os 3 al. a) e 6 e 73º al.as  c) e g) da LOSJ – e aí conhecendo o mérito da causa ou, pelos menos pondo termo definitivo à relação processual –, ou em  procedimentos de cooperação judiciária internacional em matéria penal ou de revisão e confirmação de sentença estrangeira a que se referem as al.as c) e d) do art.º 12.º citado e o art.º 73.º al.as d) e e) da LOSJ.

b. A recorribilidade do Despacho Recorrido enquanto decisão proferida pelo Tribunal da Relação em 1ª instância.
18. Reitera, no entanto, o Recorrente que estamos perante uma questão interlocutória e incidental decidida em 1.ª instância por Tribunal Superior, por isso que recorrível para o STJ ao abrigo, precisamente, do art.º 432º n.º 1 al.ª a).

Salvo o devido respeito, não se pode acompanhar tal entendimento.
Como se afirma na decisão sumária e aqui se subscreve, a Senhora Presidente do TR.. «[a]ctuou, isso sim, enquanto entidade hierarquicamente supraordenada ao órgão de 1.ª instância “juiz de instrução” que determinou a busca e que presidiu à sua execução e tudo assim enquanto instrumento de controlo, imediato e complementar, do alcance e limites do mandado de busca, que é a finalidade que o art. 77.º do EOA assina à reclamação sempre referida».
E, adicionalmente, chama-se, ora, a atenção para o recentíssimo AcTConst n.º 163/2021, de 19.2 – que «Não julgou inconstitucional a interpretação normativa do art. 432.º, n.º 1, al. a) do CPP no sentido de que não é recorrível para o STJ o acórdão da Relação que decide o incidente de levantamento do sigilo profissional previsto no art. 135.º, n.º 3, do CPP» – [9], que, tirado em caso de incidente da dispensa do sigilo profissional, incluiu entre os seus fundamentos o de que o acórdão da Relação que decide aquele não é [10] de «"facto, […] uma simples decisão em primeira instância do Tribunal da Relação. O recorte legislativo do sistema de levantamento do sigilo bancário é, como se deu conta, de mais fino e complexo desenho, em especial, configurando a intervenção – meramente incidental – daquele tribunal como a de um elemento imparcial, porque alheio à resolução do processo principal».

Insiste-se:
A Senhora Presidente do TR.., interveio no caso enquanto entidade imparcial, alheia à resolução do processo principal, sindicando e efectuando um controlo, imediato e complementar, do alcance e limites de um mandado de busca, determinado por um Juiz  – de 1.ª instância e que presidiu à sua execução –, não actuando nem proferindo uma decisão nas vestes de órgão de 1.ª instância subsumível no art.º 432º n.º 1 al.ª a).

c. A recorribilidade por argumento a contrario extraível do art.º 45º n.º 6.
19. Em abono, ainda, da admissibilidade do recurso, chama, ora, o Recorrente à colação o art.º 45º, n.º 6, que estabelece a irrecorribilidade da decisão que julga o incidente da recusa e da escusa, sustentando que suscita questão idêntica à que aqui se escrutina por também se tratar acto interlocutória e incidental proferido em 1.ª instância por Tribunal Superior.
E argumenta que tal norma só se justifica porque o princípio é o da recorribilidade das decisões, que de outro modo, seria redundante.
Daí – remata –, a recorribilidade da decisão do caso, que não lhe cominou expressamente o legislador a irrecorribilidade. 

20. Em contrário, porém, do quer assim sustenta, cumpre salientar que, além do que decorre do regime geral dos recursos ordinários constante dos art.os 399º a 436º, o Código de Processo Penal contém várias disposições avulsas a especificar tanto casos de irrecorribilidade – o art.º 45º n.º 6 referido e, v. g., os  art.os 42º n.º 1 [11], 100º n.º 3, parte final [12], 141º n.º 6 [13], 153º n.º 3 [14], 310º n.º 1 [15], 313º n.º 3 [16], 391º, a contrario [17], 397º n.º 2 [18] ou 430º n.º 2 [19] –, como de recorribilidade  – v. g., art.os 219º [20], 240º [21] ou 310º n.º 3 por referência art.º 309º [22].
Nem sempre perceptível o critério que dita cada umas das soluções, trata-se, em boa parte dos casos, de questão de simples técnica legislativa, por isso que podendo ser, pelo menos, precipitados juízos que se queiram fundar para casos paralelos, de mais a mais se com base em raciocínios a contrario.
Na ausência de disposição específica, a (ir)recorribilidade afere-se perante as normas dos art.os 399º e 400º e, estando em causa recurso para o STJ, do art.º 432º.
E, como entendeu a Decisão Sumária, e como aqui (também) se entende, o despacho da Senhora Presidente do TR.. não é recorrível para este Tribunal.

d. Violação do princípio constitucional da legalidade em matéria criminal – art.º 29º n.os 1 e 3 da CRP – e das garantias de na perspectiva do direito ao recurso – art.os 32º n.º 1 e 20º n.º 1 da CRP – através do princípio do processo justo e equitativo – art.º 6º da CEDH; violação do princípio da inadmissibilidade de provas proibidas – art.º 32º n.º 8 da CRP. 
21. Diz o Recorrente que o entendimento pela inadmissibilidade do recurso é inconstitucional, nomeadamente, por violadora do principio da legalidade em matéria criminal previsto do art.º 29º n.os 1 e 3 da CRP e das garantias de defesa do arguido previstas no art.º 32º n.º 1 da CRP – se não pelo art.º 20º n.º 1 da CRP – através do princípio do processo justo e equitativo – art.º 6º CEDH –, isso na medida em que – (i) – nenhum grau de recurso lhe foi ainda assegurado e – (ii) – a decisão em causa contende com os direitos fundamentais dele e com princípios constitucionais como o do art.º 32º n.º 8 da CRP da inadmissibilidade de provas obtidas através de métodos proibidos.
No entanto:

22. A Decisão Sumária pronunciou-se expressamente sobre a constitucionalidade do entendimento que acolheu, nos termos que já a seguir (de novo) se recordam e que, refutando a acusação que o Recorrente reedita, este Colectivo de juízes subscreve:
«A irrecorribilidade do Despacho Recorrido que assim se sustenta também não afronta a Constituição da República Portuguesa.
Na verdade:
O que resulta da numerosa jurisprudência constitucional sobre a temática do direito ao recurso em processo criminal enquanto emanação do princípio da plenitude das garantias de defesa em processo criminal consagrado no art.º 32º n.º 1 da CRP, é que tal direito não significa que o arguido possa sindicar toda e qualquer decisão judicial.
Exceptuando as decisões condenatórias que afectem a liberdade ou contendam inusitadamente com outros direitos fundamentais, existe um espaço de liberdade conformatória do legislador na procura da compatibilização prática de interesses como, v. g., os da celeridade processual e da efectivação da pretensão punitiva estadual com as garantias de defesa, que pode ditar exclusões ou restrições ao direito de recurso do arguido.
Ou seja e como se sintetiza no AcTC n.º 265/94, de 23.2 […], "é admissível que o legislador determine a irrecorribilidade de outros actos judiciais desde que não atinja o conteúdo essencial das garantias de defesa […] e a limitação seja justificada por outros valores relevantes no processo penal", que nem o art.º 20.º n.º 1 da CRP – e o seu direito de acesso à justiça e à protecção jurisdicional efectiva, em geral – nem o art.º 32.º n.º 1 da CRP – e o seu direito ao recurso do arguido em processo criminal – estabelecem uma garantia ilimitada ao recurso para toda e qualquer decisão.
E como se assinala no AcTC n.º 31/87, de 28.1 […], é de admitir que a "faculdade de recorrer seja restringida ou limitada em certas fases do processo e que, relativamente a certos actos do juiz, possa mesmo não existir, desde que, dessa forma, se não atinja o conteúdo essencial dessa mesma faculdade, ou seja, o direito de defesa do arguido".
Paradigma, aliás, do correcto balanceamento constitucional das soluções da lei que excluem ou que condicionam o âmbito do direito ao recurso do arguido, revela-o o AcTC n.º 7/2014, de 7.1 […].
Assinala-se aí que, no compromisso entre os interesses da celeridade processual e da responsabilização criminal de quem atentou contra bens jurídicos-penais, a limitação de acesso ao recurso apenas é constitucionalmente aceitável se e na medida em que não afecte "relevantemente os direitos do arguido, impedindo ou condicionando de forma desnecessária ou desproporcional o exercício do direito que lhe assiste em nuclearmente se defender da imputação de que praticou um crime.". E – precisa-se – o "ponto ideal de conciliação deve ser encontrado, no caso, em aplicação dos princípios imperantes em matéria de restrição dos direitos fundamentais (artigo 18.º da CRP), pela ponderação da necessidade, adequação e proporcionalidade da solução que, no contexto do processo penal e das diversas garantias de defesa que ele oferece, veda ao arguido, em relação a determinados atos judiciais, a possibilidade de recurso.".
E – como igualmente salienta o mesmo acórdão – "inexiste qualquer exigência constitucional de que as decisões em matéria penal sejam proferidas por um tribunal coletivo ou de que, sendo proferidas por um juiz singular, assista ao arguido, apenas em razão disso, o direito de as ver reapreciadas por um tribunal superior. O que releva, para este efeito, não é tanto quem decide sem possibilidade de recurso mas a matéria sobre que recai a decisão (singular) irrecorrível, pois que é em função dela que se afere da suscetibilidade de afetação dos direitos do arguido e, atenta a sua maior ou menor virtualidade ofensiva, da exigência constitucional de que sobre ela recaia o direito de recurso.".
Ora, transpondo para o caso as considerações que se acabam de destacar, fácil será de ver que a irrecorribilidade de um despacho que,  como o recorrido, decide a reclamação prevista no art.º 77.º EOA, não afronta as garantias constitucionais do acesso ao direito e à justiça do art.º 20º n.º 1 e de defesa do arguido do art.º 32º.».

23. Quanto à alegação de que «nenhum grau de recurso foi assegurado ao arguido», entende-se, tal como na decisão sumária, que «a reclamação prevista no art.º 77º do EOA é, ela própria, deduzida perante uma autoridade judicial de instância superior, distinta e independente, permitindo – como refere o AcTC n.º 740/2020, de 10.12, tirado em incidente de quebra de segredo em processo civil mas acomodável, por identidade de razões, ao caso dos autos –, "tutelar os interesses e direitos fundamentais em conflito, em termos equivalentes aos que seriam assegurados pela previsão de um recurso."».
Aliás nesse mesmo sentido vai o AcTConst n.º 163/2021 já referido – tirado, recorda-se de novo, em incidente de levantamento de sigilo profissional, mas com lição acomodável no incidente do art.º 77º do EOA –, ao dizer que [23] «"há que ter em consideração que não nos encontramos, de facto, perante uma simples decisão em primeira instância do Tribunal da Relação"»; que «"O recorte legislativo do sistema de levantamento do sigilo bancário é, […] de mais fino e complexo desenho, em especial, configurando a intervenção – meramente incidental – daquele tribunal como a de um elemento imparcial, porque alheio à resolução do processo principal"»; e que «Face a esta ideia de proteção equivalente à conferida por um recurso, […], é lícito afirmar que a solução que resulta da norma questionada, no sentido de que não é recorrível para o STJ o acórdão da Relação que decide o incidente de levantamento do sigilo profissional previsto no artigo 135.º, n.º 3, do CPP, permite ainda tutelar adequadamente os interesses e direitos fundamentais em conflito, designadamente o direito à produção de prova, enquanto garantia do arguido em processo penal, à luz do artigo 32.º, n.º 1, da CRP».
Por tudo o que, tal como os Senhores Conselheiros do Tribunal Constitucional, se conclui aqui que, «[…] não parece que haja qualquer ofensa aos direitos constitucionais postulados pelo aqui recorrente.».  

24. Sustenta, ainda, o Recorrente que o Despacho Recorrido é susceptível de recurso, porque contende com os direitos fundamentais dele, que, designadamente – art.º 32º n.º 8 da CRP – está em causa a admissão de provas obtidas através de meios de obtenção proibidos, por com violação do segredo profissional e inadmissível intromissão na vida privada, no domicílio e na correspondência.

Salvo, como sempre, o muito devido respeito, não partilha o Tribunal desse entendimento, mais um vez fazendo suas as considerações lavradas a propósito na Decisão Sumária, no trecho que segue:
«Trata-se de decisão que não se reporta ao mérito – nomeadamente, à validade da busca – e não incide sobre a relevância da documentação ou a pertinência da sua junção aos autos, questões estas que podem ser colocadas perante o juiz de instrução competente e ser objecto de recurso. A decisão apenas cuida de aferir as formalidades da apreensão na perspectiva da sua ostensiva desconformidade legal, ou se, pela sua amplitude, afecta desmesuradamente o segredo profissional. As garantias conferidas pelos art.os 20º n.º 1 e 32º n.º 1 da CRP citadas, defrontam-se, na circunstância, com outros interesses também constitucionalmente protegidos e com os quais têm que se compatibilizar, v. g., o da celeridade processual e o da, efectiva, perseguição e punição das infracções criminais por parte do Estado. Ainda que irrecorrível a decisão, as garantias de defesa conferidas, no seu conjunto, pelo bloco legal convocável são suficientes, adequadas e efectivas, não comprometendo minimamente o conteúdo essencial do direito de defesa, que (i) se exige a intervenção de um juiz para autorizar a busca e decidir sobre a legalidade e pertinência de junção aos autos de documentos abrangidos por segredo profissional; que (ii) a busca é presidida por um juiz e decorre na presença do representante da Ordem dos Advogados e do(s) visado(s); que (iii) assiste aos interessados a possibilidade de suscitar invalidades perante o juiz de instrução e de  sindicar os seus despachos através de recurso e, em fases mais avançadas do processo a possibilidade, em caso de acusação, de fiscalização conferida pela fase de instrução, e, em sede de julgamento, a possibilidade de discutir a validade da prova; […]».

25. E, não obstante a divergência do Recorrente, ainda aqui se subscreve que o Despacho Recorrido é uma decisão incidental que «apenas cuida de aferir as formalidades da apreensão na perspectiva da sua ostensiva desconformidade legal, ou se, pela sua amplitude, afecta desmesuradamente o segredo profissional»; que a decisão que autorizou as buscas e que decide sobre a relevância e pertinência da junção da documentação apreendida nos autos, é passível de recurso; e que a validade da prova obtida é sindicável à luz das regras, constitucionais – art.º 32º n.º 8 da CRP – e legais –  art.º 126.º, n.º 3 – das proibições de prova.
E, presente a necessária ponderação dos interesses in casu conflituantes – segredo profissional e reserva da vida privada, de um lado, e realização da justiça e celeridade processual, do outro –, não se afigura que o entendimento pela irrecorribilidade fira as ideias, constitucionais, da proporcionalidade, adequação e necessidade de que fala o art.º 18º n.º 2 da CRP.

e. A violação do art.º 8º da CEDH.
26. Por último, volta o Recorrente a convocar o acórdão do TEDH Brito Ferrinho Bexiga Villa-Nova c. Portugal, em apoio da tese da violação do art.º 8º da CEDH.

27. A questão foi expressamente abordada na Decisão Sumária, em termos que aqui inteiramente se subscrevem:
«Claro que não se ignora o entendimento pela recorribilidade da decisão do incidente de quebra de sigilo sustentado no  AcSTJ de 18.12.2019 - Proc. n.º 305/14.3T9LRA-A.C.S1, para que o Recorrente chama a atenção, aliás, inspirado no acórdão do TEDH de 01.12.2015 – "Affaire Brito Ferrinho Bexiga Villa-Nova c. Portugal" (Pedido n.º 69436/10), e que os Colendos Conselheiros da 3ª Secção sintetizaram pela seguinte forma [24]:
"I - Estando os factos relativamente aos quais se pretende que a testemunha preste depoimento, cobertos pelo respetivo segredo profissional, e sendo a escusa legítima, só o tribunal imediatamente superior àquele em que o incidente foi suscitada, pode decidir da prestação de testemunho com quebra do segredo profissional.
II - Um dos interesses preponderantes a considerar na legitimidade da escusa é o segredo profissional, reconhecido como um bem jurídico autónomo, tão digno de proteção que o legislador criminaliza a sua revelação não consentida. E conferiu estatuto (e proteção) especial ao portador de segredo, permitindo-lhe invocar escusa para depor num procedimento penal (ou de outra natureza), quando a prestação de depoimento possa implicar a revelação de factos abrangidos pelo segredo profissional.
III - Outro interesse preponderante é o da realização da justiça assente na descoberta e conhecimento, pelo tribunal, de todos os factos objetivos e subjetivos e das circunstâncias que o comandaram ou que rodeiam o acontecimento da vida que o tribunal está a apreciar e tem de julgar num determinado processo penal.
IV - Entre os interesses preponderantes envolvidos está também a garantia fundamental do efetivo direito de defesa do arguido, constitucionalmente consagrada.
V - Da reforçada matriz do direito do arguido a ver reexaminadas, por tribunal superior, decisões proferidas no seu processo penal que contendam opressivamente com as garantias da defesa, resulta que em situações como a do vertente incidente, tenha o direito de recorrer da decisão desfavorável, e já não assista igual direito a outros interessados.
VI - É recorrível, pelo arguido, acórdão da Relação proferido no incidente de quebra do segredo profissional.
VII - Quando o depoimento do profissional onerado com o dever de segredo se apresenta absolutamente indispensável e insubstituível para a infirmação de elementos de facto, objetivos ou subjetivos, constitutivos do crime imputado ao arguido ou para a prova, que a defesa se propõe fazer, de causas de justificação ou causas de desculpa, a quebra do segredo só deve denegar-se quando seja de muita maior entidade o interesse comunitário da confiança na descrição e reserva dos profissionais daquele oficio, ou, sobretudo, quando o depoimento implique a revelação de dados atinentes à privacidade de outra ou outras pessoas.".
Entendimento de que, porém e como referido, diverge a jurisprudência, pelo menos, dominante neste Supremo Tribunal.
E entendimento, de resto, nem sequer directamente acomodável na hipótese em discussão, que o que aqui está em causa é uma decisão proferida pelo Presidente da Relação relativamente a uma reclamação em execução de busca em escritório de advogados em que o próprio advogado é arguido, enquanto o que ali estava em jogo era o levantamento do segredo profissional para prestação de depoimento de advogado na qualidade de testemunha.»

28. E, como ali, também aqui se assume que o entendimento pela irrecorribilidade de decisão proferida no incidente previsto no art.º 77º do EOA, não é contrária à CEDH – concretamente, ao seu art.º 8º – como decidido no "Acórdão Sérvulo & Associados – Sociedade de Advogados, RL e outros c. Portugal", de 3.9.2015, cujos fundamentos se acolhem.

C. Conclusão.
29. Como acaba de se ver, nenhuma das objecções e fundamentos reclamatórios que o Recorrente mobiliza contra a Decisão Sumária procede.
Concretamente, não se vê que a interpretação e aplicação que se fez das normas «dos artigos 77.° do EOA, 399.°, 400.°, n.° 1, 432.º e 433.° todos do CPP, […] no sentido de que a decisão proferida pelo presidente do tribunal da relação, nos termos do artigo 77." do EOA, não admite recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, s[ejam] nessa interpretação e aplicação materialmente inconstitucionais por violação dos artigos 2.°, 18.°, n.°s 2 e 3, 20.°, n.°s 1 e 4, 26.°, n.° 1, 29.°, n.°s 1 e 4, e 32.°, n.° 1 e 8, 34.°, n° 4, da Constituição, violando igualmente o artigo 6.° da Convenção Europeia dos Direitos Humanos.».
Resta, assim, indeferir a Reclamação e confirmar tal decisão.
É o que, de imediato, segue.

III. decisão.
30. Termos em que se decide:
Indeferir a Reclamação movida pelo Recorrente Dr. AA à Decisão Sumária de 21.4.2021.
Manter, confirmando-a, tal Decisão, e, por via dela, rejeitar o recurso interposto pelo Recorrente, por inadmissibilidade, nos termos das disposições conjugadas dos art.os 399º, 432º, 433º, 420º n.º 1 al.ª b) e 414º n.os 1 al.ª b) e 2 do CPP;
Manter a condenação do Recorrente na soma de 5 UC's, nos termos do art.º 420º n.º 3 do CPP;
Condená-lo nas custas da Reclamação, fixando-se a taxa de justiça de 3 UC´s.    

*

Digitado e revisto pelo signatário (art.º 94º n.º 2 do CPP).

 *

Supremo Tribunal de Justiça, em 15.7.2021.




Eduardo Almeida Loureiro (Relator)

António Gama

João Guerra






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[1] Diploma a que pertencerão os preceitos que se vierem citar sem menção de origem.
[2] AcSTJ de 9.3.2017 - Proc. n.º 2148/13.2JAPRT.P2, in SASTJ.
[3] AcSTJ de 5.1.2020 - Proc. n.º 14514/16.7T9PRT.P1.S1, in www.dgsi.pt.
[4] Neste sentido e entre muitos outros, acórdãos referidos nas notas que precedem.
[5] AcSTJ de 9.3.2017 - Proc. n.º 2148/13.2JAPRT.P2, in SASTJ.
[6] AcSTJ de 20.4.2017 - Proc. n.º 799/15.0JABRG.G1.S1, in SASTJ.
[7] AcSTJ de 3.11.2011 - Proc. n.º 2/00.7TBSJM.P2.S1, in www.dgsi.pt.
[8] Pinto de Albuquerque, "Comentário do Código de Processo Penal", 4ª ed., p. 1035.
[9] Acessível no sítio  do Tribunal Constitucional.
[10] Aliás, citando o AcTConst n.º 740/2020, de 10.12, acessível no sítio  do Tribunal Constitucional.
[11] Despacho do juiz que se declara impedido.
[12] Decisão que sustenta ou modifica a redacção de auto.
[13] Decisão que indefere requerimento do Ministério Público ou do defensor de perguntas arguido em interrogatório judicial.
[14] decisão de substituição do perito.
[15] Decisão instrutória que pronuncia prelos factos constantes da acusação.
[16] Despacho que designa dia para a audiência.
[17] Despacho ou sentença que, me processo sumário, não põe termos ao processo.
[18] Decisões proferidas em processo sumaríssimo.
[19] Decisão que admita ou recuse a renovação da prova na Relação.
[20] Decisões que apliquem, substituam ou mantenham medidas de coacção.
[21] Decisão sobre a revisão e confirmação da sentença penal estrangeira
[22] Decisão instrutória que pronuncia por factos que envolvem alteração substancial dos factos constante da acusação ou do requerimento de abertura de instrução.
[23] E repete-se, em parte, citação já anteriormente efectuada.
[24] Sumário disponível em SASTJ.