Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2279/07.8TBOVR.C1.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: OLIVEIRA VASCONCELOS
Descritores: CONTRATO DE EMPREITADA
PROPOSTA DE CONTRATO
ACEITAÇÃO DA PROPOSTA
ACEITAÇÃO TÁCITA
FORMA DO CONTRATO
Data do Acordão: 10/27/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Sumário : 1. Para haver um contrato e como decorre do disposto no artigo 232º do Código Civil é necessário, em primeiro lugar, um requisito relativo ao conteúdo – que haja um acordo entre as partes.

2. E em segundo lugar, um requisito de ordem formal – as declarações contratuais tem que ser emitidas com a forma adequada.

3. Os contratos formam-se pela aceitação de uma proposta.

4. Uma declaração pode ser qualificada como proposta contratual se reunir as seguintes características: se for completa e precisa, firme e formalmente adequada.

5. A proposta deve ser sida como aceite tacitamente se existirem factos que indiquem que o declaratário teve conhecimento dela e que depois de negociados os seus termos, a aceitou.

6. Quando um negócio está validamente celebrado, deve presumir-se que as partes apenas quiseram, com a forma escrita, consolidar o acto, facilitar a sua prova, tornar mais precisas as cláusulas ou qualquer outro efeito análogo, e não substitui-lo por outro.

7. Quando as partes num contrato de empreitada assumiram compromissos verbais sobre a realização da obra e o preço da mesma, dos quais resultou a conclusão de um contrato de empreitada, este não é afectado pelo facto de elas terem convencionado que ele deveria ser reduzido a escrito.

8. Do facto de o dono da obra não ter logrado contactar o empreiteiro, durante vários dias, por via telefónica e pessoalmente, não se podia desde logo concluir que este se recusava a realizar a sua prestação e tinha abandonado a obra.
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

Em 2007.12.06, no Tribunal Judicial da Comarca de Ovar, AA Lda. instaurou a presente acção declarativa, com forma de processo ordinária, contra os réus BB e mulher CC

alegando

em resumo, que

- em Abril de 2007, a Autora apresentou ao Réu marido, a solicitação deste, um orçamento para a construção de uma moradia unifamiliar, referente à execução de trabalhos de pedreiro, no valor de € 83.187,50, sendo o pagamento do preço faseado em três prestações;

- o Réu aceitou o orçamento e, em 5 de Junho de 2007, adjudicou a obra à Autora, entregando os seus elementos de identificação e todos os elementos técnicos com vista à execução dos trabalhos;

- na segunda semana de Julho iniciou a execução da obra, procedendo à demarcação e limpeza do terreno, construção de um muro, ficando o Réu de requerer junto das entidades competentes a instalação da electricidade e água e comunicação à Autora de tal facto, fixando um prazo de 3 meses para a conclusão após essa comunicação;

- no final do mês de Julho, o sócio gerente da Autora deslocou-se ao local e verificou que um outro empreiteiro efectuava trabalhos de fundação, o qual procedeu ao levantamento da licença de construção, que a Autora havia requerido;

- isto significava que os Réus desistiram da empreitada, ficando obrigados a ressarcir a Autora dos prejuízos sofrido, ou seja, pelos gastos, trabalho e proveito que retirara da obra.

pedindo

a condenação dos Réus a pagar-lhe a quantia de € 14.990,00, acrescidos de juros de mora, à taxa legal, desde a citação.

Contestando

e também em resumo, os réus alegaram que

- muito embora houvessem iniciado negociações com a Autora, jamais acordaram com ela a empreitada, sendo que esta nunca apresentou orçamento;

- a Autora disponibilizou o seu alvará para que os Réus pudessem levantar a licença de construção necessária ao abastecimento de água e instalação eléctrica, bem assim a proceder à demarcação da área de implantação, tendo erigido um muro;

- sem que nada o justificasse, a Autora abandonou as negociações não chegando a celebrar o contrato de empreitada, apesar das insistências dos Réus, e, por esse motivo, os Réus contrataram com outro empreiteiro;

- em consequência do abandono das negociações e dada a violação das expectativas criadas, os Réus sofreram danos não patrimoniais.

Concluíram pela improcedência da acção e em reconvenção pediram a condenação da Autora a pagar-lhes, a título de indemnização por danos não patrimoniais, a quantia de € 2.000,00, bem como a condenação da Autora como litigante de má fé, em multa e indemnização.

Proferido despacho saneador, fixada a matéria assente e elaborada a base instrutória, foi realizada audiência de discussão e julgamento.

Em 2010.04.09,  foi proferida sentença, nos seguintes termos:

a) - Julgar procedente a acção e condenar os Réus a pagarem à Autora a quantia de € 12.420,00, acrescida de juros de mora, à taxa de 4%, desde a citação e até integral pagamento, bem como no que se liquidar posteriormente quanto ao valor despendido pela Autora com a factualidade supra descrita em 28.

b) – Julgar improcedente a reconvenção e absolver a Autora reconvinda.

Os réus apelaram, com parcial êxito, tendo a Relação de Coimbra, por acórdão de 2011.02.15, proferido a seguinte decisão:

Condenar os Réus a pagarem à Autora:

 - a quantia de € 12.000,00 ( doze mil euros ), acrescida de juros de mora, à taxa de 4% ao ano, desde a citação;                                           

- a quantia a liquidar posteriormente correspondente aos danos provados nas respostas aos quesitos15º, 32º e 33º.

 Confirmar o demais decidido”.

Novamente inconformados, os réus deduziram a presente revista, apresentando as respectivas alegações e conclusões.

A recorrida não contra alegou.

Corridos os vistos legais, cumpre decidir.

As questões

Tendo em conta que

- o objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões neles insertas, salvo as questões de conhecimento oficioso - arts. 684º, nº3 e 690º do Código de Processo Civil;

- nos recursos se apreciam questões e não razões;

- os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido

são os seguintes os temas das questões propostas para resolução:

A) – Nulidades

B) – Responsabilidade contratual

C) – Responsabilidade pré-contratual

D) – Reconvenção.

Os factos

São os seguintes os factos que foram dados como provados nas instâncias:

 1 - A Autora e uma sociedade comercial por quotas que tem, por objecto social a execução de empreitadas, construção civil e reparações em geral, titular do Certificado de Classificação Industrial de Construção Civil nº …, emitido pelo INCI, IP  Instituto da Construção e do Imobiliário, IP (al. A) .

2 - A Autora, no dia 14 de Junho de 2007, promoveu as diligências destinadas à obtenção da respectiva licença de construção, apresentando junto da Câmara Municipal de Ovar os seus documentos de empreiteiro (al.B)

3 (eliminado)

4 - Os Réus acordaram a realização da obra de pedreiro com um outro empreiteiro, procedendo-se, necessariamente, à substituição do alvará que constava do processo de licenciamento da Câmara Municipal de Ovar (al. D).

5 (eliminado)

Das respostas à Base Instrutória

6 - Em finais do mês de Abril de 2007, o Réu solicitou à Autora um orçamento para a construção de uma moradia unifamiliar, a implantar na Rua …, lagoa de …, São João de Ovar (resposta ao 1º da BI).

7 - Concernente à execução de trabalhos de "pedreiro, 1ª fase: fundações e estrutura do edifício, bem como todos os trabalhos inerentes e complementares (resposta ao 2º BI ).

8 - E, ainda, muros de vedação, fossas e passeios, de acordo com as áreas demarcadas no projecto (resposta ao 3º da BI).

9 - Todos os demais trabalhos, designadamente, rasgos para pichelaria, electricista, gás, entre outros, foram excluídos do orçamento (resposta ao 4º BI ).

10 - O valor orçado e apresentado pela A. aos RR foi de, pelo menos, € 60.000,00, a que acrescida IVA à taxa legal (resposta ao 9º da 31).

11 - Aquando do pedido de orçamento à A., o R. entregou ao representante desta os seus elementos de identificação e elementos técnicos da moradia a construir, designadamente o levantamento topográfico, planta de implantação, projecto de arquitectura e planta de estabilidade (resposta ao 8º da BI).

12 - A Autora procedeu à demarcação e limpeza do terreno e erigiu um muro com cerca de 4/5 metros de comprimento por 1,5 m de altura, destinado a fixar as caixas de electricidade e água, ficando o Réu de requerer, junto das respectivas entidades, a instalação das mesmas, imprescindível ao inicio dos trabalhos (resposta ao 9º da BI ).

13 - O Réu assumiu o compromisso de avisar a Autora da existência de abastecimento de água e electricidade, a fim de esta iniciar a obra (resposta ao 10º da BI) .

14 - A A. não poderia executar a obra, para além do que fez, sem que estivessem instaladas no terreno água e electricidade, ficando o R. de comunicar tal facto (instalação) à A. ( resposta ao 11º BI ).

15 - Autora e Réu acordaram que os materiais e utensílios necessários seriam, fornecidos pela primeira (resposta ao 13º da BI ).

16 – Autora despendeu uma quantia global não apurada referente a materiais utilizados, designadamente cimento, blocos cimento 50x20x20-C, deslocação e trabalho de máquina BO3CAT para a obra que executou a movimentação de terras do local onde foi implantado o muro ( resposta ao 15º da BI ).

17 - A Autora estimava obter um lucro de cerca de vinte por cento do valor orçamentado (sem IVA) ( resposta ao 16º da BI).

18 - No primeiro semestre de 2007, e após a aprovação camarária do projecto de construção de uma moradia unifamiliar, os Réus encetaram contactos com vários construtores no sentido de saberem, numa primeira análise, em quanto lhes poderia ficar a obra de pedreiro (resposta ao 17º da BI).

19 – Um desses construtores foi a Autora, com a qual os Réus vieram a iniciar negociações, com vista à sua contratação para a referida obra de pedreiro ( resposta ao 18º BI ).

20 – Após a Autora, representada pelo seu legal representante ( DD ) e os Réus haverem acordado verbalmente o valor de € 60.000,00 (com IVA incluído) para a realização da obra de pedreiro, a A. sugeriu aos RR. que adiantassem a resolução de algumas questões burocráticas, disponibilizando o seu alvará para o licenciamento da obra por forma a que fosse obtida a licença de construção necessária ao abastecimento de água e de electricidade”. ( resposta ao 19º BI ).

21 - Mais se disponibilizou a Autora para, após a apresentação do alvará, proceder à demarcação da área de implantação no terreno (resposta ao 20º da BI).

22 - A demarcação referida 21 era necessária para aferição, pelos fiscais camarários, da conformidade entre o projecto aprovado e a área de implantação demarcada no local (resposta ao 21º da BI ).

23 - Entre as partes foi acordado que o negócio seria reduzido a escrito (resposta ao 23º da BI).

24 - Ao longo de vários dias, após obtida água e electricidade, os RR. tentaram agendar reunião com o representante da A. para o informarem disso e ser efectuado contrato escrito, mas não lograram, obter respostas aos telefonemas que dirigiram ou encontra-lo em sua casa quando aí o procuraram ( resposta ao 25º da BI).

25 - Não logrando contacto com o legal representante da A., os RR. procederam conforme referido em 4 ( resposta aos 26º BI ).

26 - A moradia que os Réus pretendiam construir é a sua primeira moradia, que a Ré, designer de profissão, ajudou a projectar ( resposta ao 28º da BI).

27. – As negociações com vista à celebração do contrato e consequente início da construção, com a obra de pedreiro, eram caracterizadas por maior expectativa e ansiedade pessoais dos Réus ( resposta ao 29º da BI).

28 - Para limpar o terreno de implantação da obra e erigir o muro foi necessário o trabalho de quatro homens, durante três dias (resposta aos 32º e 33º da BI ).

Os factos, o direito e o recurso

A) – Nulidades

Entendem os réus recorrentes que no acórdão recorrido foram cometidas nulidades que fundamentam no facto de erradamente se ter dado como provada a existência e o montante dos danos provenientes do lucro cessante referido na condenação e dos seu cálculo.

Trata-se, manifestamente da matéria que têm a ver com o mérito da acção, ou seja, com erros de julgamento e não com nulidades do acórdão.

Sendo que o montante da condenação não ultrapassou o valor do pedido.

A questão não pode, pois, em sede de nulidades, ser conhecida.

B) -  Responsabilidade contratual

Na sentença proferida na 1ª instância entendeu-se que tendo em conta que “entre Abril e Julho de 2007, os réus solicitaram à autora um orçamento para executar um conjunto de trabalhos precisos e definidos de construção civil, aceitaram o orçamento proposto por aquela, permitiram que junto de entidades administrativas a autora requisitasse o alvará de construção e até o início das obras de construção que esta levou a efeito enquanto podia, pois o restante dependia da existência de água e de energia eléctrica no local – e isto estava na dependência do ré, conforme o combinado” – se tinha que concluir que entre a autora e os réus se havia concretizado um contrato de empreitada.

Mas mesmo que se entendesse que este contrato ainda não havia sido concluído, haveria sempre uma responsabilidade pré-contratual por parte dos réus, pois teriam interrompido as negociações com a contratação de um novo construtor, quando autora aguardava da sua parte um aviso sobre a existência de abastecimento de água e electricidade para prosseguir a obra, tendo já procedido à demarcação e limpeza do terreno e à construção de um muro.

E assim quer do ponto de vista do “desvio ao programa contratual contratado”, quer sob o ponto de vista de culpa “in contrahendo”, sempre haveria que considerar que a conduta dos réus, ao contratar um novo empreiteiro, tinha sido ilícita e originado uma obrigação da indemnizar a autora pelo interesse contratual positivo – pelos lucros que lhe adviriam se o contrato tivesse sido celebrado – para além das despesas já tidas pela autora com os trabalhos que realizou no terreno”.

No acórdão recorrido entendeu-se, tal como na 1ª instância, que dos factos dados como provados se tinha que concluir que o negócio tinha sido concluído, na medida em que as “partes tinham acordado sobre os elementos essenciais, tanto assim que a autora chegou a iniciar a execução dos trabalhos, com a preparação do terreno (desaterro, demarcação, construção do muro” e que os réus, ao contratarem outro empreiteiro, tinham tacitamente desistido da empreitada, o que conferiu à autora, empreiteira inicial, o direito a uma indemnização pelos “gastos e trabalho”  ainda pelo “proveito que poderia tirar da obra”.

Mas mesmo que se considerasse que o contrato ainda não estava concluído e se estava ainda na fase negociatória ou preambular do contrato, mesmo assim, tendo em conta que já tinha havido acordo sobre as obras a executar e o valor do preço (elementos essenciais), mas faltando a convencionada redução a escrito (forma convencional), existiria sempre “acordo pré-contratual e uma “uma clara “situação objectiva de confiança”, cuja conduta dos Réus deve ser entendida como uma tomada de posição vinculante em relação a dada situação futura (a conclusão do contrato), um “investimento na confiança” e a boa fé da Autora.

O que obrigaria os réus a indemnizarem a autora nos termos acima assinalados para responsabilidade contratual.

Os recorrentes entendem que face aos factos dados como provados não se podia concluir ter sido celebrado qualquer contrato de empreitada entre as partes uma vez que a autora abandonou as negociações em curso, não tendo havido qualquer concretização da obra a realizar, do prazo para a sua conclusão, da redução do preço a escrito, da forma de pagamento do preço.

Mas mesmo que se considerasse ter havido a celebração do contrato, estaria elidida a presunção de culpa que sobre si impenderia como devedores, face aos factos dados como provados.

Entendem também os recorrentes que dos factos dados como provados não se pode concluir que da sua parte tenha havido violação culposa de deveres por que se pauta a fase das negociações, antes se tem concluir que foi a autora a assumir essa violação com a sua conduta ao rejeitar os contactos tentados pelos réus.

Cremos que não têm razão e na realidade, dos factos dados como provados se tem que concluir que as partes concluíram um contrato.

Para haver um contrato e como decorre do disposto no artigo 232º do Código Civil, é necessário, em primeiro lugar, um requisito relativo ao conteúdo – que haja um acordo entre as partes.

E em segundo lugar, um requisito de ordem formal – as declarações contratuais têm que ser emitidas com a forma adequada, isto é, “com nível de forma igual ou superior ao que, no caso, seja exigido por ele ou acordado pelas partes” – Carlos Ferreira da Almeida “in” Contratos, I, 2ª edição, página 82, obra que seguiremos de perto nos conceitos a seguir expostos.

Os contratos formam-se pela aceitação de uma proposta.

Conforme nos dá conta aquele autor na obra citada, a página 86, “uma declaração pode ser qualificada como proposta contratual se reunir as seguintes características: se for completa e precisa, firme e formalmente adequada.

Quando ao primeiro requisito - a completude -  uma declaração só pode ser qualificada como proposta contratual se reunir as seguintes características: se for completa e precisa, firme e formalmente adequada.

A verificação da completude como critério de existência de uma proposta tem de ser aferida caso a caso.

Deduz-se do disposto no citado artigo 232º do Código Civil que “só há proposta se ela própria se apresentar como iniciativa contratual completa, isto é, com o projecto acabado de contrato (ou contratos) que o proponente tenciona celebrar”.

“Mas esta observação tem que ser esclarecida à luz do artigo 236º, do qual decorre que, sendo a proposta uma declaração negocial, o juízo sobre a completude se afere pelos critérios aplicáveis à interpretação. Isto quer dizer que, salvo conhecimento efectivo pelo declaratário da perspectiva do declarante acerca da incompletude da sua iniciativa contactual, esta só releva se, como tal, for apreensível por um declaratário normal. Em geral, uma declaração para a formação de um ou mais contratos vale como proposta, no que respeita ao requisito da completude, se assim dever ser considerada de acordo com o sentido juridicamente relevante”.

Quanto ao segundo requisito, a proposta é precisa quando é “de tal modo que, uma vez aceite, não fiquem dúvidas acerca dos elementos componentes do contrato celebrado”

Mas o grau de precisão da proposta não tem que ultrapassar aquele mesmo que é exigível ao contrato a cuja formação se dirige.

Pelo que a precisão é compatível com ambiguidades, solúveis pela interpretação e com lacunas supríveis por integração.

A proposta deve ser também firme, isto é, reveladora de uma vontade séria e definitiva de contratar.

No entanto “a proposta convive com a ambiguidade da linguagem que pertence ao ambiente natural dos contratos. A proposta não exige nem um grau especial de clareza, nem um grau reforçado de seriedade, para além aduela que são necessários para ultrapassar o limiar mínimo da existência de qualquer declaração negocial”.

Finalmente, a proposta dever ser formalmente adequada, isto é, dotada de forma suficiente ao contrato a cuja formação se dirige.

Postos estes conceitos, vejamos se perante os factos dados como provados se pode concluir que entre a autora e o réu foi concluído o contrato invocado por aquela.

Terá a autora feito alguma declaração em termos de se poder qualificar de proposta contratual aos réus?

Cremos que sim.

Atentemos nos factos que se provaram, com interesse para a questão.

 Em Abril de 2007,o réu solicitou à autora um orçamento para execução de trabalhos de “pedreiro” na construção de uma moradia unifamiliar que pretendia implantar em Ovar.

A obra consistia na execução das fundações e estrutura do edifício, bem como todos os trabalhos inerentes e complementares e ainda muros de vedação, fossas e passeios, de acordo com a área demarcada no projecto.

O preço apresentado pela autora aos réus foi “pelo menos, 60.000,00 €, a que acrescia IVA, à taxa legal”.

As partes tencionavam celebrar um contrato de empreitada, que na noção que nos é dada pelo artigo 1207º do Código Civil “é o contrato pelo qual uma das partes se obriga em relação à outra a realizar certa obra, mediante um preço”.

Temos, pois, três elementos que na proposta contactual deviam constar: os sujeitos, a realização de uma obra e o preço.

Ora, todos esses elementos constavam da proposta contratual apresentada pela autora aos réus: a identificação das partes – a autora e os réus – a realização de um obra – execução das fundações e estrutura do edifício, bem como todos os trabalhos inerentes e complementares e ainda muros de vedação, fossas e passeios, de acordo com a área demarcada no projecto - e o preço proposto – pelo menos, 60.000,00 €, a que acrescia IVA, à taxa legal.

E esta proposta era facilmente apreensível por um declaratário normal.

Ou seja, um declaratário normal, perante aquela declaração da autora, passava a ter o conhecimento que esta se propunha realizar a obra referida pelo preço mencionado.

A proposta da autora tinha, assim, que ser considerada completa.

É certo que se pode conceber que alguns aspectos da obra poderiam carecer de concretização.

Mas esta situação não pode deixar de se considerar normal, porque não se pode prever todos os aspectos inerentes a uma obra, que em regra são objecto de uma concretização posterior pelas partes.

E mesmo se elas não chegassem a acordo sobre essa concretização, podia até o tribunal fazer essa determinação, nos termos do nº2 do artigo 400º do Código Civil.

Temos, pois, que não podemos deixar de considerar a declaração da autora como completa em termos de proposta contratual.

Mas terá sido essa declaração precisa nos termos acima assinalados?

Cremos que sim.

A obra e o preço estavam expressos de forma a não deixar dúvidas sobre o assunto.

Tanto mais que não existem quaisquer factos que nos permitam concluir que os réus ficaram com qualquer dúvida sobre a declaração da autora.

Os réus entenderam que a autora se propunha fazer a obra que lhe foi indicada por aqueles pelo preço acima mencionado.

A declaração era, pois, precisa.

E também firme.

Na verdade, a autora, com a sua declaração, revelou uma vontade séria e definitiva de contratar.

Não existem quaisquer factos que nos permitam concluir que a autora, ao apresentar o orçamento, não tivesse sido suficiente clara e séria na sua vontade de contratar.

Antes, os factos posteriores, de ter procedido à demarcação e limpeza do terreno onde a casa iria ser implantada e a construção do muro, evidenciam que a sua vontade era séria no sentido de fazer a obra.

Os réus estavam, portanto, perante uma proposta contratual e formalmente adequada, conforme adiante nos pronunciaremos.

A questão que se põe agora é se teriam aceite essa proposta.

Cremos que sim.

Face ao disposto no artigo 234º do Código Civil, “quando a proposta, a própria natureza ou circunstâncias do negócio , ou os usos tornem dispensáveis a declaração de aceitação, tem-se o contrato por concluído logo que a conduta da outra parte mostre a intenção de aceitar a proposta”.

Atentemos nos seguintes factos.

Os réus solicitaram à autora um orçamento para a realização de uma obra, que enunciaram.

Os réus acordaram verbalmente com a autora no preço para a sua realização – 60.000,00 €, com IVA incluído.

Acordaram com a mesma que os materiais e utensílios necessários para a sua realização seriam fornecidos pela autora.

Acordaram com a mesma autora que para esta iniciar a obra teriam que a avisar da existência de água e electricidade, que se comprometeram a requerer junto das respectivas entidades.

Ora, destes factos, não podemos deixar de concluir que os réus praticaram actos que indicaram a sua intenção do aceitar a proposta da autora.

Senão, como compreender o acerto no preço – antes não incluindo o IVA, depois com essa inclusão – o acordo sobre o fornecimento dos materiais, o acordo sobre o início da obra e a sua relação com a instalação da água e a electricidade?

Todos estes actos indicavam que os réus tiveram conhecimento da proposta da autora e que, depois de negociados os seus termos, a aceitaram.

Sendo assim, temos que concluir que os réus aceitaram tacitamente a proposta da autora, o “que se deduz de factos que, com toda a probabilidade, a revelam” – cfr. última parte do nº1 do artigo 217º do Código Civil.

Temos, pois, que concluir pela existência do contrato invocado pela autora.

Mas terá sido esse contrato formalmente válido?

O contrato foi verbal, sendo que as partes convencionaram que ele seria reduzido a escrito.

É sabido que o contrato em causa – um contrato de empreitada – salvo disposição especial em contrário, pode ser celebrado por mero consenso das partes - cfr. artigo 219º do Código Civil.

Sendo assim e em princípio, não tinha a proposta da autora de ser feita por escrito.

Mas está provado que “entre as partes foi acordado que o negócio seria reduzido a escrito” – resposta ao ponto 23º da base instrutória.

Ora sendo assim e face ao disposto no nº1 do artigo 223º do Código Civil, parece que a proposta teria que ser feita por escrito.

Mas, dispõe-se no nº2 do mesmo artigo que “se, porém, a forma só for convencionada depois de o negócio estar concluído ou no momento da sua conclusão, e houver fundamento para admitir que as partes se quiseram vincular desde logo, presume-se que a convenção teve em vista a consolidação do negócio, ou qualquer outro efeito, mas não a sua substituição”.

Dos factos dados como provados acima referidos, não podemos deixar de concluir que no momento da conclusão do negócio ou até depois, celebraram as partes uma convenção onde pactuaram para o referido contrato a forma escrita.

Ora e conforme refere Galvão Telles “in” Manual dos Contratos em Geral, 4ª edição, página 148, a aludida convenção sobre a forma “coeva da conclusão do negócio ou subsequente a tal conclusão, deixa de pé, intacto, o contrato realizado, ainda que este o tenha sido de forma diversa da determinada nessa convenção. Esta terá servido, não para infirmar o contrato, mas, ao invés, para o consolidar (…)”.

“O negócio está validamente celebrado. Deve, pois, presumir-se, neste caso, que as partes apenas quiseram, com a forma escrita, consolidar o acto, facilitar a sua prova, tornar mais precisas as cláusulas ou qualquer outro efeito análogo, e não substitui-lo por outro” – Pires de Lima e Antunes Varela "in" Código Civil Anotado, 2ª edição, em anotação ao citado artigo 223.

Como ressalta do que acima ficou dito, a autora e os réus assumiram compromissos verbais sobre a realização da obra e o preço da mesma, dos quais resultou a conclusão de um contrato de empreitada.

Logo, o acordo sobre a redução a escrito do contrato foi, como se disse, contemporâneo ou ulterior a essa conclusão.

Só o não seria se o acordo sobre a forma antecedesse a conclusão do contrato.

Não foi isso que se demonstrou.

Do exposto resulta, pois, que os efeitos do contrato se verificaram, apesar de ele não ter sido reduzido a escrito.

Atentemos agora na questão do incumprimento do contrato.

Como já se referiu, entendeu-se no acórdão recorrido que os réus, como donos da obra, tinham desistido da mesma, já que não se podia concluir dos factos dados como provados que a autora tinha abandonado a obra.

Os réus entendem que foi a autora, através da recusa de sucessivas tentativas de contacto promovidas pelos réus com vista a concluir o negócio, que impossibilitou a sua conclusão.

Cremos mais uma vez que decidiu bem.

Como resulta do acima exposto, quando os réus tentaram contactar a autora nos termos da resposta ao ponto 25º da base instrutória, o contrato já estava concluído.

Logo, a questão que se põe, é se face aos factos aí referidos, se podia concluir que a autora abandonou a obra, ou seja, se recusava a executar a sua prestação ou o que restava dela.

Não existem factos que nos possam levar a essa conclusão.

O que se sabe é apenas que os réus não lograram contactar o representante da autora, por via telefónica e pessoalmente.

Disto e tal como se decidiu no acórdão recorrido, não se podia desde logo concluir que a autora se recusava a realizar a sua prestação.

O que se pode concluir é que os réus tentaram contactar com a autora e não conseguiram.

Não se pode concluir que a autora recusou esse contacto, como aliás não ficou provado na resposta restritiva ao ponto 25º da base instrutória.

E assim, tal como se escreveu no acórdão recorrido

“a circunstância de os Réus não terem conseguido contactar, durante vários dias, o legal representante da Autora, não os legitimava a desvincularem-se do contrato sem primeiro interpelarem directamente e por escrito a Autora, ou recorrendo ao tribunal para fixação de prazo razoável.”

Os réus, não logrando o contacto com o legal representante da autora, acordaram a realização da obra de pedreiro com outro empreiteiro, procedendo à substituição do alvará da autora que constava do processo de licenciamento da CM de Ovar.

Desta conduta resulta necessariamente a conclusão que os rés desistiram da empreitada que haviam sido celebrada com a autora, possibilidade esta, aliás, que o disposto no artigo 1229º do Código Civil lhes concedia.

Mas desistindo e nos termos da última parte desse normativo, ficaram obrigados a indemnizar a autora empreiteira “dos seus gastos e trabalho e do proveito que poderia tirar da obra”.

Conforme foi decidido no acórdão recorrido.

C) - Responsabilidade pré-contratual

O tribunal não tem que conhecer de questões cuja decisão seja prejudicada por solução dada a outras – cfr. nº2 do artigo 660º do Código de Processo Civil, aplicável por força do disposto nos artigos 724º e nº3 do artigo 713º, ambos do mesmo diploma.

Aquando da apreciação da questão anterior, ficou decidido da existência de um contrato e da inerente responsabilidade contratual.

Logo, a apreciação da questão da responsabilidade pré-contratual ficou, obviamente prejudicada.

D) – Reconvenção

Como se disse, no acórdão recorrido decidiu-se absolver a autora do pedido reconvencional formulado pelos réus.

Estes entendem que “a autora violou, culposamente, os deveres porque se rege a própria preparação de um processo de formação de um contrato, frustrando, de forma abrupta e injustificada, as maiores expectativas, que, conscientemente, em período preliminar de negociações, criou nos réus, verificando-se os pressupostos da responsabilidade civil pré-contratual, sem que tenha a autora logrado elidir a presunção de culpa” – conclusões 19 a 26.

Não têm razão.

Nas verdade e conforme acima ficou explicitado, não existem factos dos quais se possa concluir que a autora se tenha recusado a executar a obra, abandonando-a.

Antes e pelo contrário, dos factos dados como provados se tem que concluir que foram os réus que desistiram da empreitada.

Daí, não se poder dizer que a autora, “tanto nos preliminares como na formação” do contrato, não tenha procedido “segundo as regras da boa fé”, ou seja, com a culpa da formação do contrato, nos termos do disposto no artigo 227º do Código Civil.

Pelo que bem se andou no acórdão recorrido em absolver a autora do pedido reconvencional.

A decisão

Nesta conformidade, acorda-se em negar a revista, confirmando-se o acórdão recorrido.

Custas pelos recorrentes.

Lisboa, 27 de Outubro de  2011

Oliveira Vasconcelos (Relator)

Serra Baptista

Álvaro Rodrigues