Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
06A4002
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: SEBASTIÃO PÓVOAS
Descritores: INTERESSE CONTRATUAL NEGATIVO
LUCRO CESSANTE
PRESUNÇÃO JUDICIAL
ALEGAÇÕES
Nº do Documento: SJ200703270040021
Data do Acordão: 03/27/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Sumário :
1) No cômputo da indemnização pelo interesse contratual negativo (ou dano de confiança) cabem os lucros cessantes, consistentes no proveito que o contraente fiel teria se não tivesse celebrado o contrato.
2) O lucro cessante, deve determinar-se por critérios de probabilidade ou verosimilhança baseados em factos alegados e provados, com valimento “a se” ou como base de presunção judicial.
3) É exclusivamente de facto a ilação logicamente necessária por já compreendida nas premissas em termos de normalidade de vida, do conhecimento geral e do senso comum (presunção judicial), sendo da competência das instâncias e ficando a intervenção do STJ limitada à sua admissibilidade ou não face ao disposto no artigo 351º do CC.
4) O recurso para o Supremo Tribunal de Justiça – e salvo a situação do artigo 725º do Código de Processo Civil – destina-se a impugnar o Acórdão da Relação e a argumentar contra os seus fundamentos.
5) Se o recorrente usa a mesma argumentação, com reprodução “pari passu” das conclusões da alegação produzida na apelação, fica plenamente justificado o uso da faculdade remissiva do nº 5 do artigo 713º do CPC, ou, e no limite, uma fundamentação muito sucinta.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

“C... – Construções e Reparações, Limitada” intentou, na Comarca da Moita, acção, com processo ordinário, contra “F... Imobiliária, SA”, pedindo a sua condenação a pagar-lhe a quantia de 115.053158$00 acrescida de juros.

A ré deduziu pedido reconvencional para que a autora seja condenada a pagar-lhe 60.574,85 euros, pelo incumprimento do contrato.

A 1ª instância julgou a acção parcialmente procedente e condenou a ré a pagar á autora 92 104,69 euros, acrescidos de juros moratórios á taxa legal e improcedente o pedido reconvencional.

Apelaram a autora e a ré tendo a Relação de Lisboa confirmado o julgado.

Pedem, ambas, revista.

A autora assim conclui as suas alegações:

- Vem o presente recurso interposto da decisão recorrida que negou à ora recorrente a indemnização pelos lucros cessante decorrentes do incumprimento e resolução do contrato celebrado com a ré, recorrida, com o fundamento de estes danos estarem excluídas da indemnização pelo interesse contratual negativo.

- O objecto do direito de indemnização recorrente, salvo o devido respeito, não tem sido correctamente enquadrado, confundindo-se a classificação dos danos em positivos e negativos com a classificação dos danos em danos emergentes e lucros cessantes. Nada impede, pelo contrário, impõem-no os artigos 801º nº2 e 564º do CC, que a indemnização pelos danos negativos, que deve colocar o lesado na posição que estaria se o contrato não tivesse sido celebrado, há de abranger não só os danos emergentes como também os lucros cessantes.

- A recorrente não põe em causa que a orientação pelo interesse contratual negativo, atento o facto de ter havido resolução do contrato, seja “ a mais criteriosa”. Não se pode é conformar com este entendimento restritivo dos danos abrangidos na indemnização pelo interesse contratual negativo, no sentido de contemplar apenas os danos emergentes, afastando-se, sem qualquer ponderação, todo e qualquer lucro cessante.

- As citações que serviram ao tribunal recorrido para fundamentar a sua decisão determinariam que se decidisse de forma diferente. Desde logo, o Prof. Antunes Varela, afirma expressamente que: “Este interesse contratual negativo (tal como o contratual positivo) pode compreender tanto o dano emergente como o lucro cessante (o proveito que o credor teria obtido, se não fora o contrato que efectuou).

- Almeida Costa ensina que “o interesse contratual negativo, do mesmo modo que o interesse contratual positivo, abrange, em princípio, tanto os danos emergentes como os lucros cessantes.”

- Também Pedro Romano Martinez afirma “ (…) Além disso, a resolução não impede que sejam pedidos lucros cessantes.

- E ainda, entre outros, Menezes Leitão, expondo de forma sintética, clara e actual o que efectivamente está em causa na distinção entre as duas teorias em confronto nesta matéria, conclui que “parece seguro que a indemnização terá que ser limitada ao interesse contratual negativo, na medida em que não pode abranger os danos resultantes da frustração das utilidades proporcionadas pela própria prestação. Tal não significa, porém, que não possa ocorrer uma indemnização por lucros cessantes (…)”.

- Também a jurisprudência do STJ e da RL encontrada sobre esta matéria e supra citada também é no sentido da ressarcibilidade dos lucros cessantes em caso de resolução (incluindo um dos acórdãos citados e transcritos pelo tribunal recorrido).

- Afastar a ressarcibilidade dos lucros cessantes seria aplicar o regime previsto no artigo 1227º do CC, para o caso do contrato de empreitada terminar por causa não imputável a qualquer das partes, o que, perante os factos dados como provados, não aconteceu no caso sub judice.

Manter o sentido da decisão será, pois, premiar o prevaricador.

- Quanto á medida dos lucros cessantes, e aplicando o critério supra citado do Tribunal da Relação de Lisboa, “correspondem aos lucros que teria se idêntico contrato tivesse prosseguido até final”, e segundo critérios de verosimilhança ou de probabilidade” como refere o Prof. A. Varela.

- Tratando-se a autora, ora recorrente, de uma sociedade comercial cujo objecto é a construção civil, se não tivesse estado a executar a obra da ré, ora recorrida, durante aqueles meses, teria utilizado os seus meios para negociar e executar uma outra obra e, assim, realizar o seu objectivo último: lucro.

- A margem de lucro que a recorrente obteria em contrato idêntico seria, pelo menos, de montante igual ao que ficou provado nos presentes autos, entre 5 e 8% do valor total do contrato, ou seja, entre €55.592,53 e €88.948,05.

- Em conclusão, o Acórdão recorrido interpretou mal o artigo 801º nº2 do CC, devendo ser revogado na parte que julgou pela irressarcibilidade dos lucros cessantes e, consequentemente, deverá a ré recorrida, ser condenada no pagamento de, pelo menos, €55.592,53.

- O tribunal recorrido não conheceu nem se pronunciou acerca do pedido da recorrente de reapreciação da decisão do tribunal de primeira instância que, de forma incompreensível, determinou que os juros se devem contar desde a data da citação, relativamente a facturas e retenções, e desde a data do transito em julgado em relação aos danos emergentes.

- A não apreciação da questão determina a nulidade do acórdão prevista nos termos do artigo 668º nº1 d) do CPC, pelo que deve o pedido da recorrente ser apreciado e a sentença ser alterada, condenando a ré recorrida, no pagamento de juros de mora contados desde a data da citação, como impõe uma correcta aplicação do disposto nos artigos 805º nº1 e 806º do CC, porquanto nenhuma razão existe para que os juros de mora relativos às facturas e retenções não sejam contados desde a data da interpelação extrajudicial para pagamento, ou seja, 2 de Abril de 2001, e os juros de mora relativos à indemnização não o sejam desde a data da citação.

Por sua vez, a ré, assim conclui:

- Os Meritíssimos Juízes a quo, ao decidirem como decidiram, não decidiram bem, uma vez que os autos, no entender da F..., contem dados suficientes para absolver a F... da totalidade dos pedidos formulados pela C... e para condenar esta última do pedido reconvencional e como litigante de má fé, com as inerentes consequências.

- A alegada falta de conhecimento, por parte da C..., da inexistência de todas as licenças necessárias à execução das obras na Quinta da Fonte da Prata, à data da celebração do Contrato de Subempreitada, não corresponde à verdade.

- As obras da Quinta da Fonte da Prata, por não se encontrarem ainda formalmente licenciadas à data da celebração do Contrato de Subempreitada com a C..., não ostentavam qualquer aviso relativo ao respectivo alvará.

- A C... sempre soube da falta de licenciamento das obras em questão, nunca se tendo oposto a essa situação, assumindo os riscos inerentes a essa condição.

- A C... “aproveitou-se” da circunstância (que até então nunca fora posta em causa pela C...) de não existência do adequado licenciamento formal, para pôr fim ao Contrato de Subempreitada que havia celebrado com a F..., pretendendo, então, ser indemnizada por um facto do qual tinha perfeito conhecimento.

- Sabendo a C..., desde o inicio, acerca da falta de licenciamento formal por parte da CM da Moita das obras a serem executadas na Quinta da Fonte da Prata, não existiu, por este fundamento, qualquer alteração anormal nas circunstâncias em que a F... e/ou a C... fundaram as respectivas vontades em contratar, pelo que esta última não podia, nos termos e para o efeito do artigo 437º do CC, operar a resolução unilateral do Contrato do Subempreitada que havia celebrado com a F....

- A F... não pretendia “ocultar” da C... a falta de licenciamento da obra, falta essa que já era patente e notória antes da celebração do mencionado Contrato de Subempreitada, pelo simples facto de não se encontrar afixado qualquer aviso publicitando o número de alvará da obra em causa.

- Ainda que oficialmente não licenciadas, as obras da Quinta da Fonte da Prata estavam devidamente “autorizadas” pela CM da Moita, como aliás não poderia deixar de acontecer tendo em consideração a envergadura e a importância que a urbanização da Quinta da Fonte da Prata tem para o concelho da Moita.

- Os Meritíssimos Juízes a quo não decidiram bem ao considerar que, em virtude da falta de licenciamento formal por parte da CM da Moita das obras a serem executadas na Quinta da Fonte da Prata, falta essa que era do conhecimento da C..., a mesma podia proceder à resolução do contrato que havia celebrado com a F... por alteração das circunstâncias em que fundou a sua decisão de contratar, tendo violado, claramente, o disposto no artigo 437º CC.

- A C..., aquando da celebração do Contrato de Subempreitada com a F..., por um lado, possuía todas as condições necessárias para tomar conhecimento das reais condições do local da execução das obras e para calcular, evidentemente com alguma margem de risco, o valor das obras contratadas e o preço que cobraria pelo execução das mesmas à F... e, por outro lado, as condições em que fundou a sua vontade de contratar não se alteraram.

- A C..., por sua incúria, não calculou correctamente todos os encargos que iria ter com a execução das obras em questão, subvalorizando os seus custos, ao contrário do que fizeram os restantes subempreiteiros a trabalhar nas obras da Quinta da Fonte da Prata.

- O nível freático existente nos lotes 1 e 4 não influenciava o andamento das obras.

- A existência de água no solo da Quinta da Fonte da Prata não podia ser considerada como um facto de que a C... não tinha conhecimento à data da celebração do Contrato de Subempreitada com a F..., uma vez que o Rio Tejo se encontra a, apenas, cerca de 300 metros do local das obras e os terrenos são inconfundivelmente arenosos e, consequentemente, permeáveis às águas do rio.

- Em consequência, não se verificou qualquer alteração superveniente nas circunstâncias que levaram a C... a celebrar o contrato de subempreitada com a F... que pudesse conduzir à resolução do mesmo contrato com base nesse fundamento.

- A incorrecta previsão dos custos inerentes á execução das obras nos lotes 1 e 4 da Quinta da Fonte da Prata ficou-se, exclusivamente, a dever á incúria da C... que não tomou em consideração, como os restantes subempreiteiros das obras da Quinta da Fonte da Prata, as reais condições dos solos da mesma.

- Não existiu, consequentemente, qualquer alteração ou agravamento dos custos no decurso das obras, antes uma previsão errada por parte da C..., anterior á celebração do contrato de subempreitada, desses custos.

- O nível freático encontrado nos terrenos da Quinta da Fonte da Prata, mais concretamente, no lote 4, era normal, não se registando qualquer situação anómala.

- Se os cálculos elaborados pela C... para as obras da Quinta da Fonte da Prata se vieram a revelar desajustados, esta situação não pode ser imputada à F..., porquanto, em concreto, desde a celebração do contrato de subempreitada até á resolução do mesmo pela C..., não houve qualquer facto, superveniente à data da referida celebração, que alterasse anormalmente as circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar.

- A resolução do contrato de subempreitada operada pela C..., com base no argumento de falta de conhecimento das condições em que a obra se iria realizar e das características dos solos, foi totalmente infundada.

- Também quanto a esta matéria, os Meritíssimos Juízes a quo não decidiram bem ao considerar que existiu uma alteração anormal das circunstâncias que levaram a C... a celebrar um contrato de subempreitada com a F... em Agosto de 2000, e ao considerar que à mesma assistia, nos termos do nº1 do artigo 437º do CC, o direito a resolver o contrato em questão, tendo, também nesta situação, violado o disposto na indicada disposição legal.

- Considerando que a C... procedeu á resolução do contrato que havia celebrado com a F... sem fundamento para tal, esta última entende ter direito a ser indemnizada pela C... pelos prejuízos resultantes daquela resolução antecipada e sem fundamento do contrato de subempreitada celebrado entre ambas.

- Os Meritíssimos Juízes a quo deveriam ter condenado a C... a pagar á F... a quantia de €60.574,85, a titulo de prejuízos sofridos por esta última em virtude da resolução sem fundamento operada pela C... do contrato de subempreitada que havia celebrado com a F..., prejuízos esses provados nestes autos, pelo que, ao não fazê-lo, violaram o disposto, designadamente, no artigo 483º do CC.

- A C... deduziu uma pretensão a que claramente sabia não ter direito, fazendo afirmações que também sabia serem totalmente inveridicas.

- A C..., nos termos e para os efeitos do artigo 456º do CPC, deveria ter sido condenada como litigante de má-fé, em multa e numa indemnização á F....

- Assim, de todo o exposto e salvo melhor opinião, o acórdão recorrido violou, designadamente, os artigos 437º, 483º e 562º, do Código Civil, e o artigo 456º do CPC.

Contra alegou a recorrida.

As instâncias deram por assente a seguinte matéria de facto:

1- A autora é uma sociedade comercial por quotas que tem por objecto social a execução de empreitadas e fornecimentos de obras públicas, construção civil e reparações em geral, titular do Certificado de Classificação de Industrial de Construção Civil nº 19524 – ICC e do Certificado de Classificação de Empreiteiros de Obras Públicas nº 19543, emitidos pelo IMOPPI – Instituto de Mercados de Obras Públicas e Particulares e do Imobiliário.

2- A ré, é empreiteira de obras de urbanização e das obras de construção do empreendimento denominado “Quinta da Fonte da Prata”, localizado junto á Moita.

3- Em 22 de Agosto de 2000, a autora e ré celebraram o contrato cuja cópia se encontra a fls.50 a 56 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido, o qual denominaram de “contrato de empreitada”.

4- Nos termos da cláusula 1ª do referido contrato, a ré F..., adjudicou à autora a execução dos trabalhos das fundações e estrutura dos edifícios dos lotes 1 e 4 da Urbanização da Quinta da Fonte da Prata – Moita, bem como todos os trabalhos inerentes e complementares, em regime de empreitada por preços unitários e pelo preço total estimado de 222.906.048$00.

5- O pagamento do preço, nos termos da cláusula 3ª, era efectuado do seguinte modo: a autora elaborava mensalmente autos de medição do trabalho realizado, que enviava à ré e após daqueles autos pela ré, a autora emitia as correspondentes facturas, devendo a ré pagar 50% do respectivo montante de imediato e os restantes 50% por cheque com vencimento a 90 dias a contar do dia 5 do mês seguinte à aprovação do auto de medição.

6- O início da execução da empreitada estava previsto para 21 de Agosto de 2000 e a conclusão prevista para 15 de Junho de 2001, devendo os trabalhos ser realizados de acordo com os prazos estabelecidos na calendarização constantes do plano de obra anexo ao contrato.

7- Nos termos da cláusula 4ª do contrato, a ré reservava-se no direito de proceder à alteração das datas referidas no contrato, sempre que tal alteração fosse do interesse da boa execução das obras, sem que dessa alteração resultasse qualquer direito para a autora a ser indemnizada ou a resolver o contrato.

8- Nos termos da cláusula 4ª do contrato, qualquer alteração dos prazos e datas para a realização dos trabalhos devia ser notificada pela ré á autora com aviso prévio de 15 dias relativamente à nova data.

9- Nos termos da cláusula 9ª do contracto, as alterações aos projectos só poderiam ser efectuadas por mútuo acordo entre a ré e a autora, prévio à execução dos trabalhos respectivos e deveriam constar da adenda ao contrato.

10- Nos termos da cláusula 13ª a ré estava obrigada a fornecer à autora energia eléctrica, água, betão e ferro necessários á execução das obras objecto do contrato.

11- Nos termos da cláusula 5ª a ré poderia efectuar a retenção do valor correspondente a 5% sobre o montante de cada factura, devendo ser devolvida metade com a recepção provisória e a outra metade com a recepção definitiva.

12- Nos termos da referida cláusula 1ª, a realização dos referidos trabalhos dever-se-iam ajustar ás especificações do Projecto das Obras, Memoria Descritiva e Caderno de Condições, assim como do Plano da Obra, ali se consignando que a empreiteira (a ora autora) tinha conhecimento do teor dos mencionados documentos.

13- De acordo com o plano de trabalhos a obra do lote 4 teria inicio em Setembro de 2000 e a conclusão em Abril de 2001, devendo os trabalhos de execução da cota “0” estar concluídos em Outubro de 2000.

14- E o inicio da obra de construção do edifício do lote 1 estava previsto para o mês de Outubro de 2000 e a conclusão para Abril de 2001, devendo os trabalhos de execução da cota “0” estar concluídos em Novembro de 2000.

15- Em 11/8/00, a autora solicitou à ré via fax, a alteração de algumas cláusulas da minuta do contrato, nomeadamente das cláusulas 1º e 4º, alegando que a ré não lhe havia entregue ou dado a conhecer os projectos de obras dos edifícios dos lotes 1 e 4.

16- Em resposta e no mesmo dia, a ré recusou a alteração da cláusula 2ª, informando que os projectos e toda a documentação seriam entregues quando fizessem falta.

17- Em 14 de Agosto a autora chamou a atenção para a necessidade dos projectos e para o facto de a ré ainda não ter informado de quando faria a sua entrega.

18- No dia 18 de Agosto de 2000 a autora pediu com urgência á ré os projectos dos lotes 1 e 4 e restante documentação.

19- A ré enviou à autora apenas parte do projecto do lote 4 no final do mês de Agosto de 2000, onde vinham definidas a implantação da edificação e as cotas altimétricas.

20- À data em que os responsáveis da autora foram visitar o local da obra, em 22 de Agosto de 2000, não se constatou a existência de água no local de implantação dos lotes 1 e 4, encontrando-se em execução os trabalhos de escavação neste último.

21- A autora procedeu à montagem de uma grua que se destinava à obra do lote 4 e auxiliar a obra do lote 1, no início de Setembro de 2000.

22- A autora procedeu á montagem de uma grua que se destinava à obra do lote 1, no início do mês de Novembro de 2000.

23- A escavação do terreno para o início da execução das obras do lote 4 foi concluída pela ré no dia 25 de Agosto de 2000.

24- Em visita realizada no dia 28 de Agosto de 2000, os responsáveis da autora, juntamente com o técnico da Montgru, para verificar as condições da montagem da 1ª grua, verificou-se a existência de um lençol de água no local.

25- A autora iniciou a execução da obra do lote 4, no dia 4 de Setembro de 2000.

26- No dia 19 de Setembro de 2000 ficou concluída a montagem da 1ª grua e constatou-se que a corrente eléctrica era insuficiente.

27- No mesmo dia e porque a quantidade de água existente continuava a aumentar e dificultava a execução dos trabalhos, foi necessário à autora comprar uma bomba submersível, no que se despendeu 184.275$00.

28- A autora, por fax de 20 de Setembro de 2000 deu conhecimento dos problemas com a electricidade e com a água à ré, que respondeu assumindo a responsabilidade pela questão da energia eléctrica e negando qualquer obrigação quanto à bomba.

29- Uma vez que os problemas com o nível freático continuavam, não deixando de aparecer água e face ás insistências da autora, em 19/10/01 a ré concordou em suportar o custo de aquisição de uma segunda bomba submersível para retirar aquela água.

30- Por fax de 12/01/01 a autora chama a atenção da ré para os problemas derivados do nível freático e dos atrasos nas operações de betonagem.

31- No dia 24 de Janeiro de 2001, pelas 06.30 horas, os responsáveis pela ré comunicaram à autora que a obra estaria encerrada, invocando então que tal se devia ao falecimento de um responsável da ré.

32- Pelas 21.46 horas do dia 24/01/01 a ré enviou um fax à autora comunicando a suspensão da obra até nova ordem e marca uma reunião para as 10.00 horas do dia seguinte.

33- Na reunião efectuada no dia 25/01/01, os responsáveis da ré comunicaram que a suspensão foi imposta pela CM da Moita.

34- No dia 26 de Janeiro de 2001 a ré enviou um fax dizendo que as obras se iniciariam no dia 29.

35- A 29 de Janeiro de 2001, efectuou-se uma reunião entre a autora e S... D..., responsável da ré, na qual este informou que se mantinha a ordem da CM da Moita e que só seria possível efectuar trabalhos de descofragem e limpeza na cave.

36- Em 31 de Janeiro de 2001 a ré informou a autora, por fax, que a CM da Moita havia obrigado a parar a obra e que seria possível recomeçar os trabalhos no dia 5 de Fevereiro seguinte, mas apenas até á cota “0”.

37- No dia 2 de Fevereiro de 2001 a ré informou que já não seria possível começar no dia 5 por “razões burocráticas”.

38- No dia 6 de Fevereiro de 2001 reiniciaram-se os trabalhos com a betonagem da laje da cota “0” no bloco 2 que se encontrava pronta para betonar desde o dia 24 de Janeiro de 2001.

39- Em 6 de Fevereiro de 2001 o local do lote 1 já se encontrava inundado com água com cerca de 80 cm de altura.

40- Em 19/2/01 as medidas adoptadas pela ré para retirar a água do lote 1, como por exemplo a abertura de uma vala para o Rio Tejo, não produziram qualquer efeito, mantendo-se o local completamente inundado.

41- Por carta datada de 22/2/01 e recebida em mão a 23, a autora propôs à ré a alteração dos preços inicialmente fixados no contrato.

42- A autora enviou um fax à ré no dia 5/3/01, solicitando uma resposta à proposta de alteração dos preços e chamando a atenção para o problema da água no lote 1 e para o subaproveitamento da mão de obra e dos equipamentos.

43- No mesmo dia a ré respondeu, via fax, recusando a modificação dos preços, porque o contrato não contemplava tal possibilidade, não obstante reconhecer que a subida dos preços seria ajustada e ameaçando não pagar as facturas do mês de Fevereiro.

44- No dia 6 de Março de 2001 a autora e porque a ré não a informara dos motivos da suspensão, obteve a informação junto da CM da Moita que a suspensão se devia ao facto de as obras de construção dos lotes 1 e 4 ainda não terem sido licenciadas, nem emitido o alvará de licença de construção respectivo.

45- No dia 8 de Março de 2003 a autora enviou á ré uma carta na qual procedeu à resolução do contrato, pondo termo ao mesmo, invocando o disposto nas cláusulas 8ª e 4ª do contrato e como fundamento da resolução a alteração anormal das circunstâncias em que fundara a sua vontade negocial e a absoluta impossibilidade de cumprimento do contrato por causa que não lhe era imputável, conforme carta cuja cópia consta a fls. 258 a 260.

46- A autora manteve no local da obra uma equipa de pessoal até ao final do mês de Março de 2001 apenas para a conclusão dos trabalhos de descofragem e limpeza no lote 4.

47- Em 2 de Abril de 2001 a autora solicitou à ré a recepção das obras e pagamento das quantias retidas.

48- Por carta de 14 de Abril de 2001 a ré, declarando não haver fundamento para a resolução do contrato, declarou não aceitar a modificação do contrato, recusando a recepção das obras efectuadas pela autora, deferindo-as para aquando da conclusão por terceira entidade e fez depender o pagamento das facturas pendentes da declaração escrita da autora de nada mais ter a receber da ré “seja a que titulo for”, conforme carta cuja cópia se encontra a fls. 264 a 266.

49- Em 23/3/01 a autora emitiu: a factura nº 3922, no valor de 1.063.765$00; a factura nº 3923, no valor de 122.653$00; a nota de lançamento nº 472, no valor de 29.975$00; a nota de lançamento nº 473, no valor de 122.653$00, as quais não foram pagas.

50- A autora facturou à ré, pela realização das obras executadas entre 22 de Agosto de 2000 e 8 de Março de 2001, um total de 68.483.000$00.

51- A ré efectuou a retenção de 3.424.177$00, correspondente a 5% sobre o valor total do montante facturado.

Da base instrutória:

52- A autora desenvolve grande parte da sua actividade em Espanha e nos anos de 1999 e 2000, mais precisamente em Agosto de 2000, não tinha qualquer obra ou trabalho em curso em Portugal.

53- Pelo que não tinha pessoal contratado, nem materiais, equipamentos ou máquinas adquiridos ou alugados para a execução das obras de construção civil em Portugal.

54- Foi conferido à ré a edificação dos lotes da Urbanização da Quinta Fonte da Prata na cidade Moita.

55- A ré forneceu à autora documentação suficiente ao início da execução dos trabalhos para construção dos edifícios respeitantes aos lotes 1 e 4 da indicada urbanização.

56- A autora celebrou o acordo para execução das obras com base nos elementos documentais fornecidos pela ré.

57- A autora preparou a execução dos trabalhos a seu cargo e contratou pessoal, encomendou, adquiriu e alugou material, equipamentos e máquinas e celebrou contratos de seguros com base nos elementos fornecidos pela ré e exclusivamente para a obra objecto do contrato referido na alínea c) dos factos assentes.

58- A autora foi contratando pessoal conforme as necessidades da execução da obra.

59- Para esse pessoal celebrou contrato de seguro de acidentes de trabalho, tendo pago prémios entre Setembro de 2000 e Março de 2001 no valor total de 2.386.720$00.

60- Celebrou um contrato de seguro de responsabilidade civil pela execução das obras, com referência ao valor do contrato e ao prazo de duração da obra definido no contrato, tendo pago um prémio no valor de 316.100$00.

61- Celebrou também contratos de seguro por roubo e por incêndio do estaleiro, dormitórios e refeitório, tendo pago prémios no valor de 43.600$00 e 76.698$00 respectivamente.

62- A autora encomendou um Plano de Segurança e Saúde especifico para a execução das obras dos dois lotes referidos a uma empresa especializada, a “S... Ld.”, pelo qual pagou a quantia de 175.500$00.

63- Por contrato de aluguer, celebrado em 22 de Agosto de 2000 com a firma V..., a autora alugou os contentores e módulos para o dormitório, refeitório, cozinha, balneário, sanitários, armazém e escritório, necessários e suficientes para acomodar o pessoal contratado e apoiar a execução da obra desde 30 de Agosto de 2000 a 13/3/01, tendo despendido com as rendas e com as despesas de montagem e desmontagem dos mesmos o valor total de 4.889.430$00 (com IVA incluído).

64- Para o dormitório, refeitório e cozinha a autora comprou equipamentos, tais como mesas, loiça, frigorifico, congelador, camas, colchões e armários, no valor de 1.134.795$00.

65- De acordo com a dimensão da obra e com as indicações da ré, em 1 de Setembro de 2000, a autora contratou o aluguer das gruas referidas nas alíneas u) e v) da matéria de facto assente, pela renda mensal de 393.120$00 cada uma e com despesas de montagem e transporte de 550.000$00 (sem o IVA incluído), cada uma.

66- A autora adquiriu dois baldes para as referidas gruas e equipamento conexo no valor de 706.940$00.

67- A autora celebrou contratos de responsabilidade civil para as duas gruas, cujo prémio foi de 252.226$00 cada.

68- A autora comprou equipamentos de trabalho e segurança para os seus trabalhadores, tais como capacetes, botas, luvas, protectores auriculares, óculos e fatos oleados, tendo despendido 794.508$00.

69- A autora alugou em 28/8/00 um empilhador “M... MT9-28” por um período de 9 meses e pela renda mensal de 386.100$00.

70- Para os trabalhos de cofragem a autora celebrou contratos de aluguer de painéis de cofragem com três empresas com equipamento distinto, a Ferca, a Hunnebeck Portugal e a Sumda, no que despendeu 5.722.195$00.

71- Parte desse material poderia ser reaproveitado na construção do lote 1.

72- Para os trabalhos de escoramento a autora alugou à sociedade S.E – S... de E... Lda. o material e equipamento necessários, nomeadamente extensores.

73- A autora comprou vários equipamentos especialmente adaptados para a obra em questão e para a utilização exclusiva nela, tais como martelos demolidores e perfuradores, rebarbadores, serras de bancada, vibrador eléctrico, agulhas de vibrador e berbequins, no valor global de 1.540.490$00.

74- Também para a utilização exclusiva e necessária da obra em causa, a autora teve de adquirir painéis tricapa no valor de 2.705.625$00.

75- A autora comprou madeiras, também de propósito e em exclusivo para a execução das obras nos lotes 1 e 4, para aplicações diversas no valor de 1.928.965$00.

76- Os problemas com a energia eléctrica dificultaram o normal funcionamento das gruas, tendo sido solucionado pela ré, dias após a comunicação da autora de 20/9/00.

77- Durante a execução da obra de construção do lote 4 a autora teve conhecimento da alteração da cota altimétrica desse lote para menos 40 centímetros, o que suscitou alteração da cota de tosco da respectiva laje.

78- Este facto implicou uma alteração ao projecto, inclusive no pé direito da cave que passou a ter menos 40 cm.

79- Devido à alteração das cotas e dimensões dos pés-direitos, houve necessidade de proceder à revisão de todo aquele material e equipamento, em especial para a execução dos muros perimetrais e das caixas de ascensor e escoramento.

80- Ocorreram dificuldades nos trabalhos de betonagem, suscitando nessa operação, um gasto de horas superior ao previsto, sendo parte da laje betonada com auxílio de grua e balde.

81- Ocorreram dificuldades dos camiões transportadores de betão chegarem ao local de aplicação da betonagem, devido ao estado dos acessos, suscitando demora no desenvolvimento dessa operação.

82- A autora em 11/1/01, tinha no local da obra material e equipamento (comprado ou alugado), necessário para a execução das lajes superiores (lote 4), acima da cota “0”.

83- A autora em 6/2/01, decidiu reduzir o número de trabalhadores.

84- Com o pessoal contratado especialmente para a execução das obras dos dois lotes, a autora suportou o total de 30.913.426$00 que inclui remunerações no valor de 31.293.258$00, as prestações da Segurança Social no montante de 7.233.258$00 e o seguro de acidentes de trabalho com o prémio de 2.386.720$00.

85- Após a suspensão da obra, os extensores mantiveram-se aplicados durante 22 dias, de modo a permitirem a consolidação do betão, sendo o custo total do aluguer dos mesmos suportado pela autora.

86- Relativamente ao cálculo inicial efectuado pela autora, as dificuldades derivadas no nível freático, aquando o inicio da execução da obra, ocasionou um aumento dos custos (mão de obra e material), nos montantes respectivos de 301.320$00, 120.000$00, 1.180.640$00, 124.500$00 e 360.000$00.

87- A autora negociou com os seus credores planos de pagamento.

88- A ré não informou a autora da existência de problemas com o nível freático dos terrenos, nem solucionou tais problemas.

89- Em 26/12/00 a autora emitiu a factura nº 3882 (não assinada), no valor de 95.940$00.

90- A ré apenas era responsável pela execução das obras de urbanização respeitantes ao interior do condomínio, sendo as restantes obras de urbanização, nomeadamente arruamentos e acessos necessários à obra da responsabilidade da dona da obra – a sociedade U...– Promoções Imobiliárias Lda.

91- Quando a autora e a ré assinaram o contrato referido na alínea c) da matéria assente, já a ré tinha efectuado escavação dos solos e já tinham sido realizadas pela sociedade G... – Consultores Geotécnicos e Estruturais Lda., as sondagens nos terrenos relativos à Urbanização da Quinta da Fonte da Prata – Moita.

92- Sondagens essas que determinaram as condições em que se iria executar o Projecto das Obras.

93- A margem de lucro objectivamente esperada situava-se entre os cinco e os oito por cento do valor total do contrato.

94- A ré disse à autora que procederia ao pagamento das facturas referidas na alínea XI) da matéria de facto assente, com a assinatura por parte da autora de um recibo de quitação relativo ao recebimento por esta última das quantias em divida pela ré.

95- O que foi rejeitado pela autora.

96- Após a resolução do contrato referido na alínea c) da matéria assente, a ré foi obrigada a celebrar um novo contrato com a firma C...– Construção Civil Lda., para a execução das obras do lote 1 e conclusão das obras do lote 4.

97- O que importou o acréscimo de custo relativamente ao acordo celebrado com a autora no valor de 60.574,85 euros.

98- Os trabalhos de escavação e contenção periférica até à profundidade do piso de menor cota para o lote 4, foram autorizados pela CMM, por despacho de 14/3/01, não estando autorizada nesta data qualquer trabalho de escavação e contenção periférica para o lote 1.

99- Em 29/9/01 foi emitido o alvará de licença de construção nº 189 para o lote 4 e em 31/10/01 o alvará de licença de construção nº 78 para o lote 1.

100- Os equipamentos para os módulos alugados foram adquiridos exclusivamente para a obra.

Oportunamente, foi determinado que os Autos voltassem à Relação para que, nos termos conjugados dos artigos 668º nº4 e 744º do Código de Processo Civil, fosse emitida pronúncia na parte em que a Autora – recorrente arguiu a nulidade da alínea d) do nº1 do artigo 668º daquele diploma.
Em novo Acórdão, a Relação de Lisboa supriu a omissão decidindo:

“De harmonia com o exposto, nos termos das citadas disposições, acordam os Juízes desta Relação em declarar improcedente a apelação da Ré;
E em declarar parcialmente procedente a apelação da Autora no que toca ao termo inicial do prazo de vencimento dos juros de mora, consignando-se que
- As quantias referidas na douta sentença, de 6.679,13€, referentes a factura não pagas e de 17.079,72€ referentes ao valor das retenções contratuais, vencem juros de mora desde a data da interpelação, 2 de Abril 2001; e
- A quantia referida na douta sentença, de 68.345,84€ referente a indemnização do valor dos danos apurados vence juros de mora desde a citação.

Em tudo o mais se confirmando a douta sentença.
Custas pelos apelantes, na proporção.”

Este segmento não foi impugnado pelas partes.
Do âmbito do recurso fica, naturalmente, excluída a arguição de nulidade – por já suprida.

Foram colhidos os vistos.
Conhecendo,

I- Recurso da Autora
1- Interesse contratual negativo.
2- Lucros Cessantes.

II- Recurso da Ré
1- Alegações repetidas.

III- Conclusões.

I- Recurso da Autora.

Eliminado, que foi, o segmento das alegações referentes à arguição de nulidade do Acórdão recorrido – já que o vicio foi, oportunamente, sanado em aresto adicional – a única questão a apreciar está em saber se a indemnização pelo interesse contratual negativo inclui o ressarcimento dos lucros cessantes.

1- Interesse contratual negativo.

A resolução coloca as partes na situação que teriam se o contrato não tivesse sido celebrado, já que, em princípio, produz os mesmos efeitos da nulidade ou anulabilidade do negócio (artigo 433º CC).
Os desvios a este regime são apenas a retroactividade contrariar a vontade das partes (artigo 434º nº1 CC); o abranger somente o já prestado (Id. nº 2); não prejudicar, em princípio, direitos de terceiros (artigo 435º nº1 CC).
A colocação dos contraentes da situação anterior ao contrato gera a obrigação de restituir o prestado, sem prejuízo de indemnizar os danos que a parte culpada causou.
A classificação tradicional – “damnum emergens” e “lucrum cessans”, sendo este a frustração de um ganho e aquele a diminuição efectiva do património – depois completada por outras duas formas – gastos extraordinários e desaproveitamento das despesas – cf. Prof. Vaz Serra, in “Obrigação de indemnização”, BMJ, 84-12, Prof. Gomes da Silva, “Conceito e Estrutura da Obrigação”, 1943, I, 117 ss e Prof. Pereira Coelho, in “O problema da causa virtual na responsabilidade civil”, 1955, 91 e 240 – é, mas apenas para a responsabilidade contratual, dicotomizada entre prejuízos positivos (ou interesse contratual positivo) e prejuízos negativos (ou interesse contratual negativo).
Ali (dano “in contractu”) há que colocar o lesado na situação que teria se o contrato tivesse sido cumprido; no interesse contratual negativo (dano “in contraendo”) busca-se a situação que o lesado teria se o contrato não tivesse sido, sequer, celebrado. (cf. Prof. Pessoa Jorge – “Ensaio sobre os pressupostos da responsabilidade civil”, 1972, 380 e Prof. Almeida Costa, “Direito das Obrigações”, 6ª ed., 501).
O dano de confiança – interesse contratual negativo – pode, não obstante, incluir lucros cessantes e danos emergentes, uma vez feita a demonstração de que, por causa da realização do contrato deixaram de outorgar outro, ou imobilizaram capital que deixaram de aplicar noutra sede, daí resultando perdas de lucros ou vantagens.
Nesta linha, e v.g. o Prof. A. Varela (Das Obrigações em Geral, II, 3ª ed, 60) Prof. Almeida Costa (Direito das Obrigações, 9ª ed), Prof. Romano Martinez (Cumprimento defeituoso em especial na compra e venda e na empreitada, 1994, 350/351) Prof. Menezes Leitão (Direito das Obrigações, II, 3ª ed, 259) e Acórdãos do STJ de 22/06/2005 – 05B1993 – e de 16/03/99 – 99B136) e, desta conferencia, de 23 de Janeiro de 2007 – 06 A4486.

É que, e como nota o Prof. Almeida Costa, ao estudar a responsabilidade pré contratual, no interesse contratual negativo pondera-se “o prejuízo que o lesado evitaria se não houvesse, sem culpa sua, confiado em que, durante as negociações, o responsável cumpriria os específicos deveres a ela inerentes e derivados do imperativo da boa fé, maxime, convencendo-se que a manifestação de vontade deste entraria no mundo jurídico tal como esperava, que tinha entrado correcta e validamente.” (in “Responsabilidade Civil pela Ruptura das Negociações Preparatórias de um Contrato”, 1994, 74).
Todo o dano patrimonial compreende, em si, o dano emergente (“dannum emergens”) ou perda e o lucro cessante (“lucrum cessans”) ou frustração de ganho.
Aquele inclui o prejuízo causado nos bens, ou direitos existentes aquando da lesão, podendo consistir na diminuição do activo ou num aumento de passivo, enquanto o lucro cessante engloba a perda de benefícios que a lesão impediu de auferir e que ainda não tinham existência à data do evento.
Na protecção positiva são ressarcidas todas as frustrações de expectativa do credor quanto ao cumprimento, o qual deve ser indemnizado em tudo o que se situa entre a situação criada e a situação hipotética correspondente à “captura de bem-estar”.
A protecção negativa permite apenas que o credor recupere os custos por ter adoptado uma conduta que só faria sentido se o devedor cumprisse, visando nuclearmente reconstituir o “status quo” anterior ao contrato.
Aqui recai sobre o inadimplente o dever de cobrir as despesas que o credor suportou, e que, provavelmente, não teriam ocorrido, não fora a confiança depositada no cumprimento do contrato.
A “confiança é uma espécie de efeito dinâmico induzido pelo contrato, correspondendo a uma modificação da posição do credor que faz aumentar, para esse credor, o valor do cumprimento – visto que desencadeia nele uma reacção que o faz colaborar na produção dos efeitos do cumprimento, propiciando meios para amplificar esses efeitos (…) é nesse sentido que pode dizer-se que procedeu a um investimento de confiança.” (Prof. Fernando Araújo – apud “Da tutela Negativa da Confiança ao paradoxo da Indemnização”, in “Estudos em Memória do Prof. Doutor Marques dos Santos”, 2005, II, 483).
Ora, e como acima se disse, os lucros cessantes podem ser incluídos na tutela do interesse negativo.

A esta conclusão se chega através de uma aproximação cautelosa para que não se confunda as tutelas dos interesses negativo e positivo (cf. em sentido oposto, o Prof. Fernando Araújo, ob. cit. 565, a defender a exclusão dos lucros cessantes do interesse contratual negativo).
Os Profs. Pires de Lima e A. Varela referem, expressamente, que “a indemnização a que o credor tem direito quando opte pela resolução do contrato, refere-se obviamente ao dano de confiança, ou seja, ao interesse contratual negativo, nomeadamente ao lucro que o credor teria tido, se não fora a resolução do contrato resolvido” (in Código Civil Anotado”, II, 3ª ed., 60; cf. ainda o Prof. Romano Martinez, ob. pág. cit., que refere nada impedir que sejam reclamados lucros cessantes, ou sejam, “os benefícios que o credor deixou de obter pelo facto de ter celebrado aquele negócio”).
Conclui-se, assim, que a indemnização pelo interesse contratual negativo ou da confiança, pode incluir os lucros cessantes.

2- Lucros cessantes.

A recorrente alega que “se não fora a celebração do contrato em causa com a F..., a C... teria mobilizado os recursos materiais e humanos utilizados na execução do contrato resolvido e celebrado idêntico contrato, em que teria uma margem de lucro, pelo menos, de montante igual ao que ficou provado nos presentes autos, entre 5% e 8% do valor total do contrato (€1.111.850,68 ou 222.906.048$00), ou seja, entre €55.592,53 e €88.948,05.
É certo que se adere ao defendido pelos Profs. Pires de Lima e A. Varela (ob. cit. 580) ao referirem que “O lucro cessante, como compreende benefícios que o lesado não obteve, mas deveria ter obtido, tem de ser determinado segundo critérios de verosimilhança ou de probabilidade. São vantagens que, segundo o curso normal das coisas ou de harmonia com as circunstâncias especiais do caso, o lesado teria obtido, se não fora o acto lesivo.”
Só que, os critérios de probabilidade ou verosimilhança tem de assentar numa base factica realista que não em meras conjecturas.
Ora, não resulta do acervo de factos assentes, que a Autora tivesse, por força da celebração do contrato, sido impedida de celebrar contrato idêntico, com o mesmo, ou aproximado, valor.
Daí que o lucro cessante invocado traduz uma mera conjectura, sem suporte factual.

E mesmo que se admitisse ser muito normal – atentas as circunstâncias do mercado, todo o giro industrial, as condições de concorrência, e o numero de obras adjudicáveis, factos nem sequer alegados – que a Autora outorgasse tal contrato, não cumpre a este Supremo Tribunal, como mero juízo de revista, inferir tal facto.
Tal representaria fazer apelo a presunção judicial.
Tratar-se-ia do “id quod plerumque accidit”, consistente no extrair uma conclusão natural de um facto da experiência comum.
É a prova “prima facie” baseada no “simples raciocínio de quem julga” e “nas máximas da experiência, nos juízos correntes de probabilidade, nos princípios da lógica ou nos dados da intuição humana” (apud, Profs. Pires de Lima e A. Varela in “Código Civil Anotado”, I, 310).
E o uso destas presunções simples, geralmente admitido como conclusões logicamente necessárias por já compreendidas nas premissas em termos de normalidade de vida e do conhecimento geral e do senso comum, não pode ser feito por este Supremo Tribunal por se tratar de matéria de facto da exclusiva competência das instâncias.
É, portanto, da competência reservada das instâncias qualquer ilação decorrente da experiência comum e da própria intuição humana – v.g Acórdãos do STJ de 7/12/05 – 05B3853, de 6/01/06 – 05 A3517 e de 5/12/06 – 06 A3883, entre muitos outros.
Finalmente, e a assim não se entender, o que só academicamente se admite, a consagração da tese da autora recorrente conduziria (agora sim) à plena equiparação do interesse negativo ao interesse positivo já que o tipo de lucro cessante invocado, e a forma como o foi, implicaria, sem mais, a indemnização equivalente ao cumprimento do contrato.
Não se resiste, pois, a fazer nossas as palavras de Pietro Trimarchi (in “Interesse positivo e Interesse negativo nella Risoluzione del Contratto per Inadempiamento”, apud “Rivista di Diritto Civile”, XLVIII, nº 5, 2002, p. 644): “Naturalmente, é da escludersi che il risarcimento dell´interesse negativo possa cumularsi con quello dell´interesse positivo: nessuno puó pretenderei il profitto che sarebbe derivato dall´esecuzione del contratto e, in aggiunta, il profitto che si sarebbe potuto ottenere solo non stipulando il contratto stesso.”

Improcede, assim, o recurso da Autora.

II- Recurso da Ré.

Aqui chegados, cumpre conhecer o recurso interposto pela Ré.

1- Alegações Repetidas.

Verifica-se que o acervo conclusivo das alegações de revista mais não é do que a reprodução integral, e “pari passu”, das conclusões da apelação.
O Acórdão recorrido não é remissivo, antes abordando todas as questões que a recorrente suscitara perante a Relação.

Ora, sendo a revista destinada a impugnar o julgado pela Relação, a argumentação recursiva deve ser dirigida a este aresto, que não ao decidido na 1ª instância.

Isto é, deve atacar os pontos concretos da decisão recorrida sendo que, e como julgou o Acórdão do STJ de 21 de Dezembro de 2005 – 05B2188 – não o fazendo, “o recorrente não atendeu verdadeiramente ao conteúdo do Acórdão recorrido, antes na realidade reiterou a sua discordância relativamente à decisão apelada, sem verdadeira originalidade ou aditamento que tivesse em conta a fundamentação do Acórdão sob recurso.”

Nesta perspectiva – que se acolhe – ou se entende que a prática de reprodução alegatória equivale à deserção do recurso, por falta de alegações, porque, embora se possa dizer que, formalmente foi cumprido o ónus de formar conclusões, já em termos substanciais é legitimo inferir que terá faltado uma verdadeira e própria oposição conclusiva à decisão recorrida nomeadamente porque a repetição não atingiu apenas as conclusões, afectando também o corpo das alegações” (Acórdão do STJ de 11 de Maio de 1999 – Pº 257/99 – 1ª); ou, e numa óptica menos rígida, se aceita o recurso mas se considera plenamente justificado o uso da faculdade remissiva do nº5 do artigo 713º do CPC (cf. Acórdão citado de 21 de Dezembro de 2005).
Como julgou o Acórdão de 3 de Outubro de 2006 (Pº 2993/06) do mesmo Relator, “adere-se a este entendimento jurisprudencial, sempre enfatizando que a decisão recorrida é “o Acórdão da Relação e não a sentença da 1ª instancia – cf., v.g. os Acórdãos do STJ de 12 de Julho de 2005 – Pº 1860/05 – 2ª; de 17 de Março de 2005 – Pº 1304/04-2ª; de 22 de Setembro de 2005 – Pº 3727/03-2ª e Pº 2088/05-2ª – e na linha dos Acórdãos de 27 de Abril de 2006 – 06 A945 – e de 18 de Maio de 2006 – 06 A1134 – deste mesmo Relator, considera-se que nestes casos, se legitima plenamente o uso da faculdade remissiva ou, quando muito, uma fundamentação mais sucinta. (cf. ainda, o Acórdão de 22 de Setembro acima citado – 03B727).” E veja-se também o Acórdão de 31 de Outubro de 2006 – 06 A3431 desta mesma conferência.
Não sendo assim, o STJ estaria a apreciar detalhadamente não o mérito do Acórdão mas a sentença da 1ª instância, já que o recorrente só formalmente se insurge contra o Acórdão.
O Acórdão recorrido ponderou detalhadamente os argumentos do recorrente e este não trás perante este Supremo Tribunal razões que possam infirmar as conclusões ali tiradas.
Improcede, em consequência, o recurso da Ré, por acolhimento, nesta parte, dos fundamentos do Acórdão “a quo”, nos termos do nº 5 do artigo 713º do Código de Processo Civil, por nada mais se nos oferecer acrescentar, ainda que por forma breve.

III- Conclusões.

Pode concluir-se que:

a) No cômputo da indemnização pelo interesse contratual negativo (ou dano de confiança) cabem os lucros cessantes, consistentes no proveito que o contraente fiel teria se não tivesse celebrado o contrato.
b) O lucro cessante, deve determinar-se por critérios de probabilidade ou verosimilhança baseados em factos alegados e provados, com valimento “a se” ou como base de presunção judicial.
c) É exclusivamente de facto a ilação logicamente necessária por já compreendida nas premissas em termos de normalidade de vida, do conhecimento geral e do senso comum (presunção judicial), sendo da competência das instâncias e ficando a intervenção do STJ limitada à sua admissibilidade ou não face ao disposto no artigo 351º do CC.
d) O recurso para o Supremo Tribunal de Justiça – e salvo a situação do artigo 725º do Código de Processo Civil – destina-se a impugnar o Acórdão da Relação e a argumentar contra os seus fundamentos.
e) Se o recorrente usa a mesma argumentação, com reprodução “pari passu” das conclusões da alegação produzida na apelação, fica plenamente justificado o uso da faculdade remissiva do nº 5 do artigo 713º do CPC, ou, e no limite, uma fundamentação muito sucinta.

Nos termos expostos, acordam negar as revistas.

Custas pelos recorrentes, na proporção do vencido.


Supremo Tribunal de Justiça, 27 de Março de 2007

Sebastião Póvoas (relator)
Moreira Alves
Alves Velho