Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
714/11.00TTPRT.P1.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: PINTO HESPANHOL
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO
RETRIBUIÇÃO
VEÍCULO AUTOMÓVEL
IRREDUTIBILIDADE DA RETRIBUIÇÃO
ÓNUS DA PROVA
Data do Acordão: 04/30/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / PROVAS.
DIREITO DO TRABALHO - CONTRATO DE TRABALHO / DIREITOS, DEVERES E GARANTIAS DAS PARTES / GARANTIAS DO TRABALHAFOR - RETRIBUIÇÃO E OUTRAS ATRIBUIÇÕES PATRIMONIAIS.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / SENTENÇA / RECURSOS.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL CC): - ARTIGOS 344.º, N.º 1, E 350.º, N.OS 1 E 2.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 608.º, N.º2, 663.º, N.º 2, 679.º.
CÓDIGO DO TRABALHO DE 2003: - ARTIGO 122.º, ALÍNEA D), 249.º
CÓDIGO DO TRABALHO DE 2009: - ARTIGO 129.º, ALÍNEA D), 258.º.
REGIME JURÍDICO DO CONTRATO INDIVIDUAL DE TRABALHO, ANEXO AO DECRETO-LEI N.º 49.408, DE 24 DE NOVEMBRO DE 1969 (LCT): - ARTIGOS 21.º, N.º1, ALÍNEA C), 82.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 5 DE MARÇO DE 1997, EM COLECTÂNEA DE JURISPRUDÊNCIA, ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA, ANO V, TOMO I, P. 290, E, AINDA, OS ACÓRDÃOS, DE 3 DE MAIO DE 2000, PROCESSO N.º 342/99, DE 24 DE OUTUBRO DE 2001, PROCESSO N.º 3917/2000, DE 20 DE FEVEREIRO DE 2002, PROCESSO N.º 1963/2001, DE 15 DE OUTUBRO DE 2003, PROCESSO N.º 281/2003, DE 19 DE OUTUBRO DE 2004, PROCESSO N.º 2601/2004, DE 21 DE ABRIL DE 2010, PROCESSO N.º 2951/04.4TTLSB.S1, E DE 27 DE MAIO DE 2010, PROCESSO N.º 684/07.9TTSTB.S1, TODOS DA 4.ª SECÇÃO.
Sumário :
1. Tendo-se provado que o empregador distribuiu ao trabalhador um veículo ligeiro de passageiros para seu uso exclusivo, ficando todos os encargos, manutenção, seguros, portagens e combustível a cargo daquela e que o trabalhador utilizava a viatura para uso exclusivo, nas deslocações da residência para o local de trabalho, nos fins-de-semana e férias, para efeitos pessoais, a mencionada atribuição de veículo automóvel assume natureza retributiva, estando o empregador vinculado a efectuar, com carácter de obrigatoriedade, essa prestação.

2. Tratando-se de uma prestação em espécie com carácter regular e periódico e um evidente valor patrimonial, que assume natureza de retribuição, beneficia, por isso, da garantia de irredutibilidade, prevista nos artigos 21.º, n.º 1, alínea c), da LCT, 122.º, alínea d), do Código do Trabalho de 2003 e 129.º, alínea d), do Código do Trabalho de 2009.

3. Presumindo-se constituir retribuição toda e qualquer prestação do empregador ao trabalhador, competia ao empregador provar que o uso de veículo automóvel atribuído ao trabalhador se tratava de mera liberalidade ou de um acto de mera tolerância, ónus que não se mostra cumprido.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

                                                      I

1. Em 6 de Maio de 2011, no Tribunal do Trabalho do Porto, Juízo Único, 3.ª Secção, o empregado bancário AA instaurou a presente acção declarativa, com processo comum, emergente de contrato de trabalho contra BB – BANCO BB, S. A., pedindo que se declarasse que o vínculo jurídico-laboral firmado entre as partes é constituído e integrado pelo contrato de trabalho, feito em Lisboa, em 3 de Abril de 2003, e pelo complemento ao contrato de trabalho contido na carta da ré, de 3 de Abril de 2003, remetida ao autor e por este recebida, integrando a sua retribuição todas as prestações regulares e periódicas realizadas pela ré, em dinheiro e em espécie, e que englobavam a retribuição de base correspondente à categoria de subdirector, enquadrado no Grupo I, Nível 13, do ACTV do Sector Bancário, a isenção de horário de trabalho correspondente a 60% da retribuição de base, as remunerações complementares de € 500 e € 375, a atribuição de crédito à habitação até ao limite e nas condições do ACTV e a distribuição de viatura até ao limite de € 22.500, para uso exclusivo, incluindo a utilização particular, suportando a ré todos os encargos, incluindo a manutenção, seguros, combustível e portagens.

A ré contestou, invocando que, atentas as funções do autor, foi-lhe atribuída, aquando da sua contratação, uma viatura de serviço em regime de afectação pessoal, segundo dispunham as normas internas então em vigor, sendo que a carta de 3 de Abril de 2003 não formalizou a relação de trabalho, tanto mais que não foi resultado de negociação entre as partes, consubstanciando o meio utilizado para informar o autor sobre os termos e condições em que o contrato se iria desenvolver, pelo que a distribuição de viatura em causa não se pode qualificar como remuneração, antes configura a atribuição de instrumento de trabalho a ser utilizado em funções, nunca tendo sido concedido ao autor o direito à utilização de veículo automóvel para fins não profissionais que, a ter ocorrido, se ficou a dever a mera tolerância da ré.

E mais alegou que, face aos elevados prejuízos que vem apresentando e que são públicos, a ré reduziu os custos da estrutura, tendo o Conselho de Administração redefinido a política de atribuição, distribuição e utilização de viaturas, aprovando a Instrução de Serviço n.º 11/04 de 21 de Janeiro de 2011, pelo que a atribuição de veículo automóvel ao autor deixou de ser exclusiva, dado que os índices de negócio, rentabilidade e volume da clientela da agência em que trabalhava não o justificavam e, por isso, foi determinada a entrega da viatura automóvel que lhe estava afecta.

Realizado julgamento, foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente, (i) declarando que o vínculo jurídico-laboral celebrado entre autor e ré é constituído e integrado pelo contrato de trabalho, feito em Lisboa, em 3 de Abril de 2003, (ii) integrando a retribuição do autor a retribuição de base correspondente à categoria de subdirector, enquadrado no Grupo I, Nível 13 do ACTV do Sector Bancário, a isenção de horário de trabalho correspondente a 60% da retribuição de base, as remunerações complementares de € 500 e de € 375, sendo estas contra a apresentação de despesas correspondentes, absolvendo a ré do mais peticionado.

2. Inconformado, o autor apelou para o Tribunal da Relação do Porto, o qual julgou o recurso de apelação parcialmente procedente e revogou a decisão recorrida, na parte em que absolveu a ré da declaração judicial de que o vínculo jurídico-laboral do autor é constituído e integrado pelo contrato de trabalho feito em Lisboa, em 3 de Abril de 2003, e pelo complemento ao contrato de trabalho plasmado na carta da ré de 3 de Abril de 2003, remetida ao autor e por este recebida, e na parte em que absolveu a ré da declaração judicial de que a distribuição de viatura até ao limite de € 22.500, para seu uso exclusivo, incluindo a sua utilização particular, suportando a ré todos os encargos, incluindo a manutenção, seguros, combustível e encargos integra a sua retribuição, substituindo-a, nesses segmentos, por deliberação que declarou que o vínculo jurídico-laboral do autor é constituído e integrado pelo contrato de trabalho feito em Lisboa em 3 de Abril de 2003 e pelo complemento ao contrato de trabalho plasmado na carta da ré de 3 de Abril de 2003, remetida ao autor e por este recebida, e que a distribuição de viatura até ao limite de € 22.500, para uso exclusivo do autor, incluindo a sua utilização particular, suportando a ré todos os encargos, incluindo a manutenção, seguros, combustível e encargos, integra a retribuição do autor.

É contra esta deliberação que a ré se insurge, mediante recurso de revista, no qual formulou as conclusões que se passam a transcrever:

                 «1.   Vem o presente recurso interposto da sentença [que] considerou que a viatura atribuída pelo Recorrente ao Recorrido constituía retribuição (necessariamente em espécie).
                   2.   A atribuição teria de corresponder a uma obrigação assumida pelo empregador, pois se a utilização do veículo para fins pessoais não corresponder a um verdadeiro direito do trabalhador, resultando apenas de um acto de mera tolerância da entidade empregadora, faltar-lhe-á a obrigatoriedade indispensável ao reconhecimento da natureza retributiva.
                   3.   Resulta dos factos provados que essa eventual vinculação tem suporte no entendimento do Recorrente sobre as funções que o Recorrido ia desempenhar, a sua categoria profissional seguindo regras previamente definidas, em instrução de serviço, no que respeita ao respectivo valor, limitando-se a carta endereçada ao Recorrido a reproduzir o que resultava de tais regras internas do Recorrente.
                   4.   Do mesmo modo era o Recorrente que determinava quando e como atribuía as viaturas de serviço ao Recorrido, sem que o mesmo tivesse qualquer intervenção a esse propósito, nada relevando os seus desejos ou interesses.
                   5.   Estando dado como provado que a atribuição das viaturas ao Recorrido seguiu os prazos constantes na Instrução de Serviço em vigor ao tempo da contratação, ou seja, 4 anos.
                   6.   Estando também previsto na mesma Instrução de Serviço que a utilização da viatura poderia cessar após o decurso do período de 4 anos e tendo a última viatura sido atribuída ao A. em 2007, em 2011 era legítimo ao [recorrente] fazer cessar tal utilização.
                   7.   Igualmente a assunção dos encargos com a viatura radica em instruções de serviço emanadas pelo Recorrente, não existindo qualquer vinculação especificamente atributiva ao Recorrido.
                   8.   Note-se, de resto, que a dita “carta” nada refere quanto à atribuição de qualquer volume ou valor de combustível ao Recorrido, sendo também inteiramente omissa quanto aos encargos com a viatura atribuída ao Recorrido.
                   9.   A viatura era da titularidade/posse do BB (cfr. os contratos de locação juntos aos autos) pelo que não pode relevar para a qualificação da mesma como retribuição do Recorrido que o Recorrente pagasse a respectiva manutenção, impostos e despesas associados.
                 10.   Trata-se (o combustível e a manutenção da viatura e encargos associados) de prestações conaturais à própria titularidade/posse do veículo pela entidade patronal e integrantes da sua natureza como instrumento de trabalho, pelo que se não compreende quais os indícios qualificativos como salário que dos mesmos se pretendem retirar.
                 11.   Caso contrário caberia a dúvida legítima se, tendo o Recorrido que suportar o referido encargo, não estaríamos na verdade perante um contrato de prestação de serviço, no qual os instrumentos de trabalho são da titularidade do trabalhador, correndo a respectiva manutenção por sua conta.
                 12.   Estamos, pois, perante regalias de atribuição eventual ou condicionada, o que desde logo inviabiliza a possibilidade de se lhes reconhecer os atributos da regularidade e periodicidade que a lei atribui à retribuição. 
                 13.   A relevância dos motivos determinantes da vontade negocial depende do conhecimento da essencialidade pela contraparte. Ora, nada se encontra demonstrado nos autos quanto ao conhecimento do Recorrente de tal essencialidade para o Recorrido. E ainda que a mesma essencialidade fosse conhecida, tal não teria como efeito a constituição dessa atribuição em retribuição, mas sim a possibilidade de anulação do contrato, nos termos do art. 252.º do Código Civil.
                         Por assim não ter entendido, a sentença recorrida violou o artigo 258.º do Código do Trabalho e o art. 252.º do Código Civil.»

O autor/recorrido apresentou contra-alegação, que não foi admitida, por ser intempestiva, tendo sido determinado o seu desentranhamento e posterior devolução.

Neste Supremo Tribunal, o Ex.mo Procurador-Geral-Adjunto emitiu parecer no sentido de que, «[f]ace à obrigação contratual assumida pelo réu, aquando da celebração do contrato de trabalho, de “atribuir” um veículo ao autor, como atribuiu; o facto de aquela atribuição haver sido condição essencial para que o recorrido aceitasse trabalhar para o réu; o facto de o autor fazer uso exclusivo da viatura referenciada e de se deslocar no mesmo diariamente do seu domicílio para a agência do réu e desta para aquele; a circunstância de o utilizar no período de férias, embora a título de tolerância do réu, conduz-nos a concluir, […] e, quer se atente na vertente profissional, quer nos detenhamos na vertente pessoal, a que o beneficio económico resultante do uso da viatura deveria ser tido como uma componente da retribuição, devendo ser relegado para execução [de] sentença, o apuramento do respectivo valor, visto o mesmo não se encontrar demonstrado com exactidão», pelo que o recurso devia improceder, parecer que, notificado às partes, não suscitou qualquer resposta.

3. No caso vertente, as questões suscitadas são as que se passam a enunciar, segundo a ordem lógica que entre as mesmas intercede:

              –   Se o direito à utilização de veículo automóvel conferido pela ré ao autor, no âmbito do contrato de trabalho celebrado, tem natureza retributiva [conclusões 1) a 13), na parte atinente, da alegação do recurso de revista];
              –   Se terá havido erro sobre os motivos determinantes da vontade negocial [conclusão 13), na parte atinente, da alegação do recurso de revista].

Preparada a deliberação, cumpre julgar o objecto dos recursos interpostos.

                                              II

1. O tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto, em cuja discriminação se mostra repetido o n.º 2, que passa a figurar como n.º 2-A:
1) O Autor iniciou a sua actividade no sector bancário em 17 de Janeiro de 1991, trabalhou no Banco BB, S. A., e no CC e foi contratado pelo Réu nos termos constantes do contrato de trabalho e do complemento ao contrato de trabalho datados de 3 de Abril de 2003, juntos a fls. 10 a 13 dos autos, a saber, com as seguintes cláusulas [redacção alterada pelo Tribunal da Relação, que, igualmente, aditou, oficiosamente, a transcrição subsequente]:
             «PRIMEIRA – O BB admite o Segundo Outorgante ao seu serviço, e este obriga-se à prestação dos seus serviços profissionais, sob a autoridade e direcção do BB;
SEGUNDA – O Segundo Outorgante desempenhará as suas funções em quaisquer instalações, estabelecimentos, agências ou sucursais do BB, no Distrito do Porto;
TERCEIRA – O Segundo Outorgante é admitido com a categoria de Subdirector, enquadrado no Grupo I, nível 13, do ACTV para o Sector Bancário;
QUARTA – A retribuição mensal do Segundo Outorgante será igual a que, em cada momento, estiver fixada no ACTV do Sector Bancário para os empregados do nível correspondente;
QUINTA – O Segundo Outorgante tem ainda direito aos subsídios referidos no ACTV que não revistam a natureza de remuneração e às diuturnidades estabelecidas no referido acordo;
SEXTA – O Segundo Outorgante tem direito ao período de férias estipulado no ACTV do Sector Bancário, incluindo no ano da admissão, se ainda as não tiver gozado no emprego anterior;
SÉTIMA – O Segundo Outorgante tem direito a subsídio de férias e a subsídio de Natal, sendo cada um igual a um mês de retribuição mensal efectiva;
OITAVA – A antiguidade e o tempo de serviço do Segundo Outorgante contam-se, para todos os efeitos, designadamente de diuturnidades e segurança social, desde 17 de Fevereiro de 1991, data em que iniciou a sua actividade no Sector Bancário;
NONA – O Segundo Outorgante será beneficiário do Serviço de Assistência Médico-Social do SAMS;
DÉCIMA – Ao Segundo Outorgante são igualmente garantidas indemnizações por acidente de trabalho ou doença profissional e um seguro de acidentes pessoais para as deslocações em serviço, nos termos do ACTV para o Sector Bancário;
DÉCIMA PRIMEIRA – Obriga-se o Segundo Outorgante, dado o carácter altamente confidencial do seu trabalho, a guardar rigoroso segredo quer durante o período de serviço, quer em qualquer outra altura, sobre toda a informação referente à Instituição e seus negócios, excepto se tiver recebido instruções da Administração ou seu representante autorizado no sentido de divulgar, perante tribunais, alguma informação;
DÉCIMA SEGUNDA – O presente contrato tem início no dia 14 de Abril de 2003 e durará por tempo indeterminado;
DÉCIMA TERCEIRA – Em tudo o omisso, este contrato reger-se-á pelo ACTV para o Sector Bancário, pelo disposto no Decreto-Lei 64-A/89, de 27/2, no Decreto-Lei nº 49.408, de 24 de Novembro de 1969 e legislação complementar.
Em sinal de que estão de acordo com este contrato e reciprocamente se obrigam a respeitá-lo, vão assinar a seguir à data.
Feito em Lisboa, em 3 de Abril de 2003, em dois exemplares devidamente assinados, ficando um para cada uma das partes»;
2) O Réu remeteu ao Autor a carta datada de 3 de Abril de 2003, junta a fls. 13, que, juntamente com o contrato mencionado no número anterior, formaliza o respectivo vínculo jurídico-laboral, salientando-se [redacção alterada pelo Tribunal da Relação, que, igualmente, aditou, oficiosamente, a transcrição subsequente]:
«Em complemento do contrato de trabalho, nesta data assinado, e nos termos previstos no ACTV, informo o seguinte:
a) Ser-lhe-á considerada isenção total de horário de trabalho;
b) Ser-lhe-á considerado uma remuneração complementar de € 500,00;
c) Ser-lhe-á considerado um montante mensal no valor de € 375,00 contra apresentação de despesas correspondentes;
d) Ser-lhe-á concedido Crédito à Habitação até ao limite, nas condições do ACTV Bancário;
e) Distribuição de Viatura até ao valor de € 22.500,00;
f) Caso lhe seja exigido pagamento de indemnização por falta de aviso prévio a mesma será suportada pelo BB, nos termos previstos do artigo 39.º do Decreto-Lei 64-A/89 de 27/2.
Com os melhores cumprimentos, subscrevemo-nos
Atenciosamente, […]»;
2-A) O Réu distribuiu ao Autor um veículo ligeiro de passageiros para seu uso exclusivo, ficando todos os encargos, manutenção, seguros, portagens e combustível a cargo daquele;
3) Concretamente, distribuiu ao Autor, em 2003, o veículo de marca P..., com a matrícula …-VC, o qual foi substituído, em 2007, pela viatura da marca V…, com a matrícula -ET-;
4) Aquando da admissão do Autor nos quadros do Réu estava em vigor a Instrução de Serviço, junta a fls. 14 a 18, cujo teor se dá por reproduzido, e do qual se salienta [o Tribunal da Relação aditou, oficiosamente, a transcrição subsequente]:
«3. Regras
As viaturas referidas nesta Instrução de Serviço são para uso do BB, podendo a sua utilização fazer-se segundo duas modalidades distintas:
. Atribuição
Entende-se por atribuição a afectação de uma viatura em exclusividade a um colaborador, com a faculdade de este a adquirir pelo respectivo valor residual findo o prazo fixado para a sua utilização.
. Distribuição
Entende-se por distribuição a afectação, para uso múltiplo, de uma viatura a uma Unidade Orgânica do BB (Direcção, Serviço, Departamento, Unidade, etc.).
3.1
. A atribuição de uma viatura deve ser entendida como um prémio que visa reconhecer e recompensar o exercício de funções de elevada responsabilidade e os desempenhos reveladores de inequívoco mérito profissional.
. As viaturas a atribuir devem enquadrar-se em escalões, limitados pelos seguintes valores.
Escalão A: Até 6.500 contos/ 32.500 Euros
Escalão B: Até 4.200 contos/ 21.000 Euros
Escalão C: Até 3.000 contos/ 15.000 Euros
[…]
. O escalão A. contempla os Responsáveis de Direcção ou de Órgão directamente dependentes do Conselho de Administração e, em princípio, a atribuição é inerente à nomeação para a função.
[…]
O regime de atribuição de viaturas estabelecido nesta Instrução de Serviço não é de aplicação automática.
[…]
3.3 Utilização de Viaturas
. No regime de atribuição de viaturas, o BB assume os seguintes custos de manutenção:
[…]
3.4 Cessação da Utilização de Viaturas
. No regime de atribuição de viaturas, a respectiva utilização finda pelos seguintes motivos:
- Por ter decorrido o prazo de 4 anos;
- Cessação do contrato de trabalho;
- Suspensão do colaborador das suas funções, por motivos disciplinares;
- Transferência do colaborador para funções que não justificam a utilização de viatura. […]»;
5) O Réu procedeu ao:
              –   Pagamento da retribuição mensal correspondente à categoria de subdirector do nível 13;
              –   Pagamento correspondente à isenção de horário de trabalho, fixada em 60% no complemento ao contrato de trabalho;
              –   Pagamento de uma remuneração complementar de € 500;
              –   Pagamento de um montante mensal de € 375;
              –   Distribuição de viatura até ao valor de € 22.500;
6) O Autor utilizava a viatura para seu uso exclusivo, utilizando-a nas deslocações da sua residência para o local de trabalho, nos fins-de-semana e férias, sendo este uso para efeitos pessoais [redacção alterada pelo Tribunal da Relação];
7) O Autor reside na Póvoa do Varzim e trabalha na Agência de Braga do Réu, da qual é gerente, deslocando-se diariamente da Póvoa do Varzim para Braga, onde tem de estar às 8:30 horas da manhã, que é a hora de abertura da Agência;
8) Em 21 de Janeiro de 2011, o Réu divulgou a versão reformulada da instrução n.º 11/04 relativa à atribuição de viaturas;
9) O Autor enviou ao Réu um mail, em 1 de Fevereiro de 2011, junto a fls. 44;
10) Em resposta, a DRH, alegando que não dispunha da necessária informação, não adiantou qualquer esclarecimento;
11) Por mail de 25 de Março de 2011, o superior hierárquico do Autor, Sr. Dr. DD, solicitou o cumprimento da orientação da DRH, decorrente da deliberação do Conselho de Administração do Réu, nos termos constantes de fls. 89/90 do apenso;
12) De acordo com essa deliberação, o Autor teria de entregar a viatura que lhe está atribuída com a matrícula -ET-, no dia 12 de Abril de 2011, na Manheim Porto – …, …, em ...;
13) Na sequência desta deliberação, o Director de Recursos Humanos do Réu remeteu carta ao Autor, confirmando a ordem de entrega da viatura;
14) A entrega da viatura significava para o Autor a perda do benefício de utilização da viatura que estava alugada e implicaria passar a suportar as despesas com combustível bem como suportar as despesas com as portagens ou a utilização de transportes públicos;
15) [Dá-se] por reproduzida a instrução de serviço n.º 11/05, de 21.01.2011, junta a fls. 12 a 16 do apenso;
16) [Dá-se] por reproduzida a instrução de serviço n.º 11/04, de 10.09.2010, junta a fls. 75 a 78 do apenso;
17) A atribuição da viatura nos termos referidos foi condição essencial para que o Autor revogasse o contrato de trabalho que mantinha com o Paribas e aceitasse passar a trabalhar para o Réu [facto aditado pelo Tribunal da Relação].

Os factos materiais fixados pelo tribunal recorrido não foram objecto de impugnação pelas partes, nem se vislumbra qualquer das situações referidas no n.º 3 do artigo 682.º do novo Código de Processo Civil, que é imediatamente aplicável, nos termos do n.º 1 do artigo 5.º da Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, pelo que será com base nesses factos que hão-de ser resolvidas as questões suscitadas no recurso.

2. A ré discorda que a atribuição de veículo automóvel ao autor possa ser qualificada como retribuição em espécie, argumentando que «[a] atribuição teria de corresponder a uma obrigação assumida pelo empregador, pois se a utilização do veículo para fins pessoais não corresponder a um verdadeiro direito do trabalhador, resultando apenas de um acto de mera tolerância da entidade empregadora, faltar-lhe-á a obrigatoriedade indispensável ao reconhecimento da natureza retributiva», sendo que «[r]esulta dos factos provados que essa eventual vinculação tem suporte no entendimento do Recorrente sobre as funções que o Recorrido ia desempenhar, a sua categoria profissional seguindo regras previamente definidas, em instrução de serviço, no que respeita ao respectivo valor, limitando-se a carta endereçada ao Recorrido a reproduzir o que resultava de tais regras internas do Recorrente» e que «era o Recorrente que determinava quando e como atribuía as viaturas de serviço ao Recorrido, sem que o mesmo tivesse qualquer intervenção a esse propósito, nada relevando os seus desejos ou interesses», tendo ficado «provado que a atribuição das viaturas ao Recorrido seguiu os prazos constantes na Instrução de Serviço em vigor ao tempo da contratação, ou seja, 4 anos», pelo que, «[e]stando também previsto na mesma Instrução de Serviço que a utilização da viatura poderia cessar após o decurso do período de 4 anos e tendo a última viatura sido atribuída ao A. em 2007, em 2011 era legítimo ao [recorrente] fazer cessar tal utilização».

E mais sustenta que «a assunção dos encargos com a viatura radica em instruções de serviço emanadas pelo Recorrente, não existindo qualquer vinculação especificamente atributiva ao Recorrido» e que «a dita “carta” nada refere quanto à atribuição de qualquer volume ou valor de combustível ao Recorrido, sendo também inteiramente omissa quanto aos encargos com a viatura atribuída ao Recorrido», pelo que, detendo o BB a titularidade/posse da viatura (cf. os contratos de locação juntos aos autos), «não pode relevar para a qualificação da mesma como retribuição do Recorrido que o Recorrente pagasse a respectiva manutenção, impostos e despesas associados», que tratando-se de prestações conaturais à própria titularidade/posse do veículo pela entidade empregadora e integrantes da sua natureza como instrumento de trabalho, não se «compreende quais os indícios qualificativos como salário que dos mesmos se pretendem retirar», donde são tais «regalias de atribuição eventual ou condicionada, o que desde logo inviabiliza a possibilidade de se lhes reconhecer os atributos da regularidade e periodicidade que a lei atribui à retribuição».

A sentença proferida no tribunal de 1.ª instância entendeu que resultava da factualidade provada que «o Autor não logrou provar que a atribuição de viatura foi feita a título de contrapartida da sua prestação laboral, ao serviço do Réu», na medida em que, «tendo ficado demonstrado que a utilização da viatura de serviço a título pessoal foi tolerada pelo Réu, a presunção legal foi afastada e, consequentemente, a determinação deste no sentido de a mesma lhe ser devolvida é legítima e legal».

Na verdade, constava da decisão do tribunal de 1.ª instância sobre a matéria de facto, no respectivo ponto n.º 6, que «[o] Autor utilizava a viatura para seu uso exclusivo, utilizando-a nas deslocações da sua residência para o local de trabalho, nos fins-de-semana e férias, sendo este uso, para efeitos pessoais, tolerado pelo Réu».

O certo é, porém, que, em sede de impugnação da decisão de facto proferida pelo tribunal de 1.ª instância, o tribunal recorrido deliberou alterar a redacção desse ponto da matéria de facto provada, aduzindo, para tanto, a fundamentação seguinte:
                  «Quanto à alteração pretendida ao n.º 6 “O Autor utilizava a viatura para seu uso exclusivo, utilizando-a nas deslocações da sua residência para o local de trabalho, nos fins-de-semana e férias, sendo este uso, para efeitos pessoais” ela apenas põe em causa que esta utilização, assim descrita, fosse meramente tolerada pelo Réu.
                      Já vimos que os termos formais da contratação consignaram formalmente uma “distribuição” mas em verdade uma atribuição. Indiferente se, organizando-se uma agenda de deslocações a clientes, o A., segundo a mesma, fica no seu gabinete em Braga e EE ou FF vão no carro dele ao cliente, tão indiferente quanto o A. vai da Póvoa todos os dias para Braga e volta a casa no dito carro, e ainda põe a filha CFF na escola e aproveita para tomar um café com a testemunha GG que ali encontra, e vai de férias com HH, levando o carro. O uso do veículo fora de deslocações em serviço foi afirmado como se disse pelas testemunhas HH, FF, EE, GG e DD, sem mácula ou reparo que se faça nesta parte aos depoimentos. Segundo a Instrução de Serviço em vigor, como também já referimos, a atribuição da viatura, aliás do 1.º escalão, era recompensa e prémio por mérito presumido, inerente à própria nomeação — neste caso, à contratação para as funções de subdirector. Portanto, era apenas porque não havia fiscalização das utilizações (e cumpre perguntar até que fronteira de que continente é que utilização em férias seria abusiva) e era apenas porque o Réu estava no desvario que levou ao que levou que era tolerado? Não, nesse caso não seria tolerância, seria simples desleixo e total ignorância — ora a tolerância supõe alguma consciência do que se tolera. Então como é que se afirma a tolerância? A partir das instruções de serviço posteriores à contratação, e das testemunhas que estão nos recursos humanos desde 2007 e desde meses antes (duas últimas inquiridas) e partir de instâncias às testemunhas sobre se era tolerado, a que elas não sabem responder e eventualmente admitem ou pelo contrário, mais lúcidas, afirmam que não têm que o dizer? Não houve depoimento testemunhal claro sobre o facto de, ao tempo da contratação, a utilização exclusiva ser por mera tolerância. Já as Instruções de Serviço posteriores podiam ajudar — precisamente porque previam a cessação da utilização por simples decisão unilateral do Banco, sem necessidade de fundamentação — mas não podem, para o caso concreto de se saber se o uso resultante da atribuição feita no contrato é por tolerância, precisamente porque são posteriores e precisamente porque a Instrução de Serviço em vigor à data da contratação não previa a cessação da utilização nesses termos, antes sempre imputando a mesma à cessação do contrato, à suspensão disciplinar do trabalhador ou à sua transferência para função que não exigisse (ou merecesse, tem de se dizer, face à recompensa e prémio consignados na Instrução) uso de viatura — o que no caso do A. nada veio aos autos. Com o devido respeito, parece-nos pois que o R. não provou que a utilização exclusiva da viatura resultante da sua atribuição contratual tenha sido, ab initio, por mera tolerância (e em face do objecto da acção que acima definimos, é indiferente se o passou a ser).
                      Termos em que procede a alteração pretendida, e se altera a redacção do facto sob o nº 6 para a proposta pelo recorrente e acima indicada.»

Subsequentemente, o tribunal recorrido deliberou que a atribuição de viatura automóvel, com todas as despesas inerentes pagas, integrava a retribuição do autor.

À data em que o contrato de trabalho em causa foi celebrado, 3 de Abril de 2003, vigorava o artigo 82.º do Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho, anexo ao Decreto-Lei n.º 49.408, de 24 de Novembro de 1969, doravante LCT, nos termos do qual, «[s]ó se considera retribuição aquilo a que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito como contrapartida do seu trabalho» (n.º 1), nela se compreendendo «a remuneração de base e todas as outras prestações regulares e periódicas feitas, directa ou indirectamente, em dinheiro ou espécie» (n.º 2), sendo certo que, «até prova em contrário, presume-se constituir retribuição toda e qualquer prestação da entidade patronal ao trabalhador» (n.º 3).

Por sua vez, o artigo 249.º do Código do Trabalho de 2003 estabeleceu que «[s]ó se considera retribuição aquilo a que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito como contrapartida do seu trabalho» (n.º 1), que «[n]a contrapartida do trabalho inclui-se a retribuição base e todas as prestações regulares e periódicas feitas, directa ou indirectamente, em dinheiro ou em espécie» (n.º 2), que, «[a]té prova em contrário, presume-se constituir retribuição toda e qualquer prestação do empregador ao trabalhador» (n.º 3) e, em derradeiro termo, que «[a] qualificação de certa prestação como retribuição, nos termos dos n.os 1 e 2, determina a aplicação dos regimes de garantia e de tutela dos créditos retributivos previstos neste Código» (n.º 4).

No mesmo sentido, o artigo 258.º do Código do Trabalho de 2009 dispõe que se considera retribuição «a prestação a que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito em contrapartida do seu trabalho» (n.º 1), que «[a] retribuição compreende a retribuição base e outras prestações regulares e periódicas feitas, directa ou indirectamente, em dinheiro ou em espécie» (n.º 2), que se presume «constituir retribuição qualquer prestação do empregador ao trabalhador» (n.º 3) e que «[à] prestação qualificada como retribuição é aplicável o correspondente regime de garantias previsto neste Código» (n.º 4).

Sobre a questão de saber se o uso de veículo automóvel atribuído ao trabalhador pelo empregador tem ou não natureza retributiva, este Supremo Tribunal tem seguido a orientação de que a atribuição de veículo automóvel, com despesas de manutenção a cargo do empregador, para o serviço e uso particular do trabalhador, constitui ou não retribuição, conforme se prove que o empregador ficou vinculado a efectuar essa prestação ou a referida atribuição configura um acto de mera tolerância (cf., sobre esta problemática, o Acórdão, de 5 de Março de 1997, em Colectânea de Jurisprudência, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, Ano V, tomo I, p. 290, e, ainda, os Acórdãos, de 3 de Maio de 2000, Processo n.º 342/99, de 24 de Outubro de 2001, Processo n.º 3917/2000, de 20 de Fevereiro de 2002, Processo n.º 1963/2001, de 15 de Outubro de 2003, Processo n.º 281/2003, de 19 de Outubro de 2004, Processo n.º 2601/2004, de 21 de Abril de 2010, Processo n.º 2951/04.4TTLSB.S1, e de 27 de Maio de 2010, Processo n.º 684/07.9TTSTB.S1, todos da 4.ª Secção).

Ora, no caso vertente, apurou-se que «[o] Autor iniciou a sua actividade no sector bancário em 17 de Janeiro de 1991, trabalhou no Banco II, S. A., e no CC e foi contratado pelo Réu nos termos constantes do contrato de trabalho e do complemento ao contrato de trabalho datados de 3 de Abril de 2003», sendo que a ré remeteu ao autor a carta datada de 3 de Abril de 2003, que, juntamente com o contrato mencionado no número anterior, formaliza o respectivo vínculo jurídico-laboral, na qual o autor é informado de que lhe será distribuída uma viatura até ao valor de € 22.500 [factos provados 1) e 2)].

E provou-se, no mesmo plano de consideração, que:

              «2-A)   O Réu distribuiu ao Autor um veículo ligeiro de passageiros para seu uso exclusivo, ficando todos os encargos, manutenção, seguros, portagens e combustível a cargo daquele;
                  3) Concretamente, distribuiu ao Autor, em 2003, o veículo de marca P..., com a matrícula -VC, o qual foi substituído, em 2007, pela viatura da marca V…, com a matrícula -ET-;
                  5)   O Réu procedeu ao:
                   –   Pagamento da retribuição mensal correspondente à categoria de subdirector do nível 13;
                   –   Pagamento correspondente à isenção de horário de trabalho, fixada em 60% no complemento ao contrato de trabalho;
                   –   Pagamento de uma remuneração complementar de € 500;
                   –   Pagamento de um montante mensal de € 375;
                   –   Distribuição de viatura até ao valor de € 22.500;
                  6) O Autor utilizava a viatura para seu uso exclusivo, utilizando-a nas deslocações da sua residência para o local de trabalho, nos fins-de-semana e férias, sendo este uso para efeitos pessoais;
                  7)  O Autor reside na Póvoa do Varzim e trabalha na Agência de Braga do Réu, da qual é gerente, deslocando-se diariamente da Póvoa do Varzim para Braga, onde tem de estar às 8:30 horas da manhã, que é a hora de abertura da Agência;
                 11)  Por mail de 25 de Março de 2011, o superior hierárquico do Autor, Sr. Dr. DD, solicitou o cumprimento da orientação da DRH, decorrente da deliberação do Conselho de Administração do Réu, nos termos constantes de fls. 89/90 do apenso;
                 12)  De acordo com essa deliberação, o Autor teria de entregar a viatura que lhe está atribuída com a matrícula -ET-, no dia 12 de Abril de 2011, na Manheim Porto – …, 448, em ...;
                 13) Na sequência desta deliberação, o Director de Recursos Humanos do Réu remeteu carta ao Autor, confirmando a ordem de entrega da viatura;
                 14) A entrega da viatura significava para o Autor a perda do benefício de utilização da viatura que estava alugada e implicaria passar a suportar as despesas com combustível bem como suportar as despesas com as portagens ou a utilização de transportes públicos.»

Perante a matéria de facto provada, impõe-se concluir que a atribuição ao autor de veículo automóvel assume natureza retributiva, uma vez que a empregadora, ao conferir àquele o direito de utilização do veículo na sua vida particular, incluindo em fins-de-semana e férias, e ao suportar os respectivos encargos, designadamente, com a sua manutenção, seguros, portagens e combustível, ficou vinculada a efectuar, com carácter de obrigatoriedade, essa prestação.

Trata-se de uma prestação em espécie com carácter regular e periódico e um evidente valor patrimonial, que assume natureza de retribuição, nos termos dos artigos 82.º da LCT, 249.º do Código do Trabalho de 2003 e 258.º do Código do Trabalho de 2009, beneficiando, por isso, da garantia de irredutibilidade, prevista nos artigos 21.º, n.º 1, alínea c), da LCT, 122.º, alínea d), do Código do Trabalho de 2003 e 129.º, alínea d), do Código do Trabalho de 2009.

Aliás, assumindo aquela atribuição de veículo automóvel a natureza de uma prestação regular, será de presumir como retribuição, nos termos do preceituado nos artigos 82.º, n.º 3, da LCT, 249.º, n.º 3, do Código do Trabalho de 2003 e 258.º, n.º 3, do Código do Trabalho de 2009. Esta presunção legal é uma presunção juris tantum, que importa desde logo a inversão do ónus da prova, fazendo recair sobre a parte adversa a prova do contrário do facto que serve de base à presunção ou do próprio facto presumido (artigos 344.º, n.º 1, e 350.º, n.os 1 e 2, do Código Civil); portanto, competia à recorrente provar que o uso de veículo automóvel atribuído ao autor se tratava de mera liberalidade ou de um acto de mera tolerância, ónus que não se mostra cumprido.

Improcedem, pois, as conclusões 1) a 13), esta na parte atinente, da alegação do recurso de revista.

Tendo-se concluído que a questionada atribuição de veículo automóvel tem natureza retributiva, fica prejudicado o conhecimento da questão relativa ao erro sobre os motivos determinantes da vontade negocial.

De facto, o n.º 2 do artigo 608.º do Código de Processo Civil, aplicável aos acórdãos proferidos pelo Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do disposto nos conjugados artigos 663.º, n.º 2, e 679.º do mesmo Código, estabelece que o tribunal deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.

                                             III

Pelo exposto, delibera-se negar a revista e confirmar o acórdão recorrido.

Custas do recurso de revista a cargo da recorrente.

Anexa-se o sumário do acórdão.

                               Lisboa, 30 de Abril de 2014


Pinto Hespanhol (Relator)

 Fernandes da Silva

Gonçalves Rocha