Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
12927/94.2TVLSB.L1.S1
Nº Convencional: 6.ª SECÇÃO
Relator: ANTÓNIO BARATEIRO MARTINS
Descritores: ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
RECURSO DE REVISTA
DUPLA CONFORME
APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO
REGIME TRANSITÓRIO
PROPOSITURA DA AÇÃO
PROCESSO PENDENTE
DESPACHO DO RELATOR
CONHECIMENTO DO MÉRITO
RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA
PRESSUPOSTOS
NULIDADE DE ACÓRDÃO
EXCESSO DE PRONÚNCIA
Data do Acordão: 03/01/2023
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: RECLAMAÇÃO DEFERIDA.
Sumário :
Com a expressão “com exceção do disposto no n.º 3 do artigo 671.º do Código de Processo Civil” (constante do art. 7.º, n.º 1, da Lei n.º 41/2013, de 01-09) quer-se dizer e significar que o pressuposto negativo da “Dupla Conforme”, seja na versão inicial (do DL n.º 303/2007), seja na atual versão “suavizada” (da Lei n.º 41/2013), não é aplicável às ações instauradas antes de 01-01-2008, ou seja, quer-se dizer e significar que a “Dupla Conforme” continua a não constituir obstáculo, em tais ações (instauradas antes de 01-01-2008), à admissibilidade do recurso de revista.
Decisão Texto Integral:

Processo n.º 12927/94.2TVLSB.L1.S1

6.ª Secção

ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

I – Relatório

«Sofin – Sociedade Financeira Internacional de Corretagem (Dealers), S.A.», depois «Caixa Valores – Sociedade Financeira de Corretagem, S.A.», tendo na sua posição sido habilitada a «Caixa – Banco de Investimento, S.A.», instaurou ação declarativa sob forma de processo ordinário contra «BSN Dealer – Sociedade Financeira de Corretagem, S.A.», objeto de fusão e depois passando a integrar a «Banco Santander Totta, S.A», AA, BB, CC, DD (entretanto falecido e representado pelos seus herdeiros habilitados, CC, EE, FF e GG) e EE, pedindo a condenação solidária dos Réus a pagar-lhe a quantia de 1.203.509.628$00 de capital, acrescida de juros à taxa legal de 15% desde 30/6/1993, vencidos até à data da propositura da ação no montante calculado de 225.661.804$ e vincendos àquela taxa.

Em breve síntese, a Autora alegou (após invocar as atividades que constituem o objeto social de A. e 1.ª R.) que a 1.ª Ré teve, no ato de constituição, como administradores entre outros o 2.º Réu, este até final de Março de 1992, tendo o 3.º Réu trabalhado desde 10/4/1991 para a 1.ª Ré, assumindo a direção efetiva e a gestão diária daquela, sendo os restantes Réus clientes da 1.ª Ré desde início e simultaneamente titulares de contratos de conta corrente de operações na bolsa.

Sucedendo que a 1.ª Ré, sob a direção e representação do 3.º Réu, a partir de determinada data, solicitou à Autora operações de compra e venda de títulos cotados, para vários clientes, na Bolsa de Lisboa, tendo a Autora cumprido ou mandado cumprir tais operações em nome e por conta da 4.ª, 5.º e 6.ª Réus, debitando e creditando diretamente as contas bancárias dos clientes da 1.ª R., e recebendo os pagamentos e títulos que os clientes da 1.ª R., 4.º a 6.º RR. lhes deviam entregar, num volume diário de milhões de contos, efetuando a Autora a compensação de créditos das operações com depósito do saldo financeiro em conta indicado pelo 3.º R., em representação da 1.ª R., com o respetivo conhecimento.

Operações de compra e venda de títulos que, pelas circunstâncias e razões detalhadamente alegadas pela A., lhe vieram a causar danos, encontrando-se todos os Réus constituídos no dever solidário de pagar à Autora o crédito equivalente às despesas que teve de efetuar para evitar prejuízos de terceiros, em resultado direto e necessário dos atos dos RR..

Foram apresentadas contestações pela 1.ª e 2.º Réus («BSN Leader» e AA), por um lado, e pelos 3.º a 6.º Réus, por outro, finalizando todos com a absolvição do pedido e requerendo-se a condenação em má-fé da Autora.

Foi admitida a intervenção de HH como assistente da Autora.

Foi proferido despacho saneador, seguido de especificação e questionário.

Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença em que se julgou a ação improcedente, absolvendo-se os Réus do pedido e condenando-se a Autora como litigante de má fé em multa de 10 UCs e em indemnização no valor de € 3.000 a favor dos Réus.

Inconformada, veio a Autora interpor recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa, que, por acórdão de 10/11/2016, julgou improcedente o recurso e confirmou a sentença recorrida.

Ainda inconformada, veia a Autora interpor o presente recurso de revista, pugnando pela revogação do acórdão recorrido e pela sua substituição por decisão a julgar procedente a ação.

Foram apresentadas contra-alegações pelos RR/recorridos, em que, no essencial, se sustentou que o presente recurso não é admissível (por aplicação do art. 671.º/3 do CPC 2013) e se pugnou, quanto ao mérito, pela improcedência do recurso e pela manutenção do acórdão recorrido.

Distribuídos os autos neste STJ, foram as partes, por se entender que o Acórdão da Relação não é passível de revista nos termos interpostos, convidadas a pronunciar-se, nos termos do art. 655.º do CPC, sobre a inadmissibilidade da revista interposta.

A A./Recorrente respondeu, pugnando pela não aplicação do regime da “dupla conformidade decisória”, seja qual for o regime legal convocado, em função da interpretação sustentada para o art. 7º, 1, da Lei 41/2013, de 26 de Junho; e, subsidiariamente, para o caso de prevalecer a solução conducente à inadmissibilidade da revista, requereu o julgamento ampliado da revista nos termos do art. 686º e ss do CPC.

Os RR./Recorridos apresentaram igualmente pronúncias, batendo-se pela inadmissibilidade da revista.

Após o que foi proferida decisão singular pelo Exmo. Conselheiro Relator a não admitir o recurso interposto e a, “de harmonia com o preceituado no art. 652º, 1, b) e h), aplicável ex vi art. 679º, do CPC, julgar findo o recurso por não haver lugar ao conhecimento do respetivo objeto.”

No seguimento de tal decisão singular do Exmo. Conselheiro Relator, foi requerido pela A/recorrente que sobre a mesma recaia acórdão, requerimento/reclamação sobre o qual se pronunciaram os RR./recorridos.

*

II – Fundamentação

Ao relator compete verificar se alguma circunstância obsta ao conhecimento do objeto do recurso, isto é, se estão verificados os pressupostos processuais específicos dos recursos que são a recorribilidade da decisão e a legitimidade para recorrer (…). Este controlo é realizado num despacho de saneamento.”1

É neste despacho de saneamento da fase de preparação de julgamento (que antecede a fase de julgamento que é aquela em que, caso o recurso haja sido admitido na fase anterior, o tribunal ad quem profere decisão sobre a procedência ou improcedência do recurso) em que nos encontramos.

Sendo que, no âmbito de tal fase de preparação do julgamento, o Exmo. Conselheirp Relator relator proferiu despacho a considerar inadmissível a revista interposta e, em função disso, a julgar findo o recurso por não haver lugar ao conhecimento do respetivo objeto; tendo a recorrente requerido, nos termos do art. 652.º/3 do CPC, que “sobre a matéria do despacho recaia Acórdão”, sucedendo que, submetido o caso – a questão da admissibilidade ou não da presente revista – a esta Conferência, fez vencimento a posição contrária à expendida pelo Exmo. Relator no despacho reclamado, ou seja, fez vencimento o entendimento de a revista interposta ser admissível.

Estava/está pois unicamente em causa, nesta Conferência, a questão da admissibilidade (ou não) da revista.

Sendo relevantes, para a sua resolução, os seguintes elementos:

A presente ação deu entrada em juízo em 29/9/1994.

A sentença de 1.ª instância foi proferida em 14/10/2013.

O acórdão da Relação de Lisboa foi proferido em 10/11/2016.

O recurso de revista foi interposto em 7/12/2016.

E sendo evidente, face a tais elementos, que no decurso do presente processo (com mais de 28 anos) foram estando em vigor várias leis processuais, o que nos coloca, quanto à questão da admissibilidade da presente revista, perante um problema de aplicação de leis processuais no tempo.

Ao invés do que sucede com o direito substantivo – em que a regra é a nova lei só reger para o futuro (cfr. art. 12.º do C. Civil), não se aplicando a factos pretéritos – outra é a orientação que tem prevalecido na doutrina em relação às norma do processo, ou seja, tem-se entendido “que a nova lei processual deve aplicar-se imediatamente, não apenas às ações que venham a instaurar-se após a sua entrada em vigor, mas a todos os atos a realizar futuramente, mesmo que tais atos se integrem em ações pendentes (…)2.

Mas, sendo esta a orientação geral em relação às normas do processo, um pouco diverso é (ou pode ser) o entendimento da doutrina quanto às leis processuais sobre recursos, designadamente quando estão em causa normas que fixam as condições de admissibilidade do recurso.

Como referia o Prof. Antunes Varela3, “(…) relativamente às normas que fixam as condições de admissibilidade do recurso, considerando que a sua aplicação pode ter uma influência decisiva na relação substantiva pleiteada, a doutrina tem distinguido criteriosamente os diversos tipos de situações que podem verificar-se.

A nova lei que admita recurso de decisões que anteriormente o não comportavam, é ponto assente que não deve aplicar-se às decisões já proferidas à data da sua entrada em vigor. De outro modo, a nova lei destruiria retroativamente a força de caso julgado, que a decisão adquirira à sombra da antiga legislação.

A nova lei que afaste a possibilidade de recurso, em casos onde era anteriormente admitido, não deve aplicar-se aos recursos já interpostos à data da sua entrada em vigor. De contrário, ofenderia gravemente as legítimas expetativas do recorrente, fundadas na lei vigente à data da interposição do recurso. (…)

Se o recurso ainda não está interposto na data em que a nova lei (negando para tais casos a sua admissibilidade) entra em vigor, a solução é mais duvidosa. Porém, na dúvida, a solução mais criteriosa é a de não aplicabilidade da nova lei às decisões que admitissem recurso, de acordo com o direito em vigor à data em que foram proferidas. De contrário, a nova lei atribuiria (retroativamente) força de caso julgado a decisões que a não possuíam, no momento capital em que foram tomadas. (…)

Em relação às decisões que venham a ser proferidas (no futuro) em ações pendentes, a nova lei é imediatamente aplicável, quer admita recurso onde anteriormente o não havia, quer negue o recurso em relação a decisões anteriormente recorríveis. As expetativas criadas pelas partes ao abrigo da legislação anterior já não tinham razão de ser na altura capital em que a decisão foi proferida e, por isso, já não justificam o retardamento da aplicação da nova lei. (…)”

Ciente disto – dos dilemas e embaraços colocados pela aplicação no tempo das leis processuais sobre recursos, principalmente quando estão em causa as suas condições de admissibilidade – o legislador, quando procede a significativas alterações às leis processuais, não se tem furtado a incluir disposições transitórias especiais, destinadas a definir o campo temporal de aplicação das leis processuais em confronto.

Foi justamente o que aconteceu com o DL 303/2007, de 24 de Agosto, cujas disposições entraram em vigor no dia 1 de Janeiro de 2008, e com a Lei 41/2013, de 26 de Junho, cujas disposições entraram em vigor no dia 1 de Setembro de 2013; diplomas em cujo âmbito foram introduzidas alterações às condições de admissibilidade do recurso de revista.

Alterações que, para o que aqui interessa, se resumem ao seguinte:

Até ali, até 1 de Janeiro 2008, o pressuposto negativo da “Dupla Conforme” não era um obstáculo ao acesso ao terceiro grau de jurisdição, ou seja, se a causa tivesse valor para tal e houvesse sucumbência, era sempre admissível recurso de revista; e, além disto, em termos procedimentais, num primeiro momento e prazo, o recorrente limitava-se a interpor requerimento de recurso e, este admitido, então, num segundo momento e prazo, é que tinha que apresentar a sua alegação.

Em 1 de Janeiro de 2008, foi introduzido o pressuposto negativo da “Dupla Conforme”, passando, nos termos do então art. 720.º/3 do CPC, a não ser admitido recurso de revista do acórdão da Relação que confirmasse, sem voto de vencido e ainda que por diferente fundamento, a decisão proferida na 1.ª Instância (ressalvados os casos de revista excecional, hipótese/situação que não vem ao caso); e, além disto, em termos procedimentais, a interposição de recurso e a apresentação da alegação, passaram a acontecer concentradamente num primeiro e único momento (cfr. art. 684.º-B do CPC).

Posteriormente, em 1 de Setembro de 2013, manteve-se o pressuposto negativo da “Dupla Conforme”, porém, foi-lhe introduzida uma suavização/nuance, passando, nos termos do agora art. 671.º/3 do CPC, a deixar de existir “Dupla Conforme” quando a Relação, para a confirmação da decisão da 1.ª Instância, empregue “fundamentação essencialmente diferente”; e, além disto, em termos procedimentais, manteve-se a concentração da interposição do recurso e da inclusão da alegação.

Sucedendo, passando às disposições transitórias especiais, que o legislador do DL 303/2007, de 24 de Agosto, resolveu o problema da aplicação da lei no tempo (em relação, designadamente, ao ter sido introduzido o pressuposto negativo da “Dupla Conforme” para aceder ao 3.º grau de jurisdição e à referida “concentração”) dum modo simples e claro, ao dispor, no art. 11.º/1 do DL 303/2007 (sem prejuízo do seu n.º 2, que não vem ao caso) que «as disposições do presente decreto-lei não se aplicam aos processos pendentes à data da sua entrada em vigor», ou seja, num processo como o presente (entrado em juízo em 29/09/1994 e pendente em 01/01/2008) o recurso de revista, a interpor após 1 de Janeiro de 2008, continuou, mesmo em casos de Dupla Conforme, a ser admissível e a contemplar os dois referidos momentos (interposição de recurso e, posteriormente, alegação).

Identicamente, também a Lei 41/2013, de 26 de Junho, estabeleceu disposições transitórias especiais destinadas a definir o seu campo temporal de aplicação, porém, não no mesmo sentido e não com idêntica clareza.

Veio dizer, no seu art. 5.º/1 (da Lei 41/2013) que, «sem prejuízo do disposto nos números seguintes, o Código de Processo Civil, aprovado em anexo à presente lei, é imediatamente aplicável às ações declarativas pendentes.», ou seja, veio fixar em letra de lei (e sem prejuízo do disposto nos demais números de tal art. 5.º) a tal orientação prevalente na doutrina em relação às norma de processo: o tal entendimento de “que a nova lei processual deve aplicar-se imediatamente, não apenas às ações que venham a instaurar-se após a sua entrada em vigor, mas a todos os atos a realizar futuramente, mesmo que tais atos se integrem em ações pendentes (…)

Porém, logo a seguir, no seu (da mesma Lei 41/2013) art. 7.º/1, veio determinar que «aos recursos interpostos de decisões proferidas a partir da entrada em vigor da presente lei em ações instauradas antes de 1 de janeiro de 2008 aplica-se o regime dos recursos decorrente do Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de agosto, com as alterações agora introduzidas, com exceção do disposto no n.º 3 do artigo 671.º do Código de Processo Civil, aprovado em anexo à presente lei.»

E é em tal art. 7.º/1 que surge a dificuldade e divergência interpretativas, mais exatamente, em relação ao sentido a conferir à expressão “com exceção do disposto no n.º 3 do artigo 671.º do Código de Processo Civil”.

Expressão esta que, com todo o respeito por opinião diversa, só pode ter o sentido de querer significar que o pressuposto negativo da “Dupla Conforme”, seja na versão inicial, seja na atual versão “suavizada”, não é aplicável aos recursos de revista intentados nas ações instauradas antes de 01 de Janeiro de 2008 (como é o caso dos presentes autos), ou seja, que a “Dupla Conforme” não constitui obstáculo, em tais ações, ao acesso ao terceiro grau de jurisdição.

Não faz qualquer sentido, mais uma vez com todo o respeito, que a expressão “com exceção do disposto no n.º 3 do artigo 671.º do Código de Processo Civil” se refira às “alterações agora introduzidas” e que, por via disso, às “ações instauradas antes de 1 de janeiro de 2008” se aplique, como se sustenta no despacho reclamado, o obstáculo da “Dupla Conforme” e na versão inicial (do Decreto-Lei n.º 303/2007) sobre a “Dupla Conforme”.

Se assim fosse, se tal interpretação fosse a correta, teria o legislador caído num incompreensível contra senso.

Repare-se:

As ações intentadas após 1 de Janeiro de 2008, sujeitas ab initio à versão inicial (do Decreto-Lei n.º 303/2007) da “Dupla Conforme”, passaram a ficar sujeitas à versão “suavizada” da “Dupla Conforme”, ou seja, passaram a ver aumentadas as possibilidades de aceder ao 3.º grau de jurisdição.

As ações intentadas antes de 1 de Janeiro de 2008 – que até à entrada em vigor da Lei 41/2013 estavam sujeitas, como já se referiu, ao art. 11.º/1 do DL 303/2007 em que o recurso de revista, a interpor até 01 de Setembro de 2013, continuava, mesmo em casos de Dupla Conforme, a ser admissível, passariam a ver diminuídas as possibilidades de aceder ao 3.º grau de jurisdição e, mais do que isso, passariam mesmo a ter menos possibilidades de acesso ao terceiro grau de jurisdição que as ações intentadas após de 1 de janeiro de 2008 (sendo certo que, até ali, era exatamente o oposto que sucedia4).

E é esta “ultrapassagem” – se se entendesse que a expressão em causa quer significar que às ações instauradas antes de 1 de janeiro de 2008 se aplica o obstáculo da “Dupla Conforme” e na versão inicial (do Decreto-Lei n.º 303/2007) da “Dupla Conforme” – que exprime o contra senso que não pode/deve ser imputado ao legislador.

Ações que, quando foram intentadas, estavam sujeitas a uma regra “rígida” de Dupla Conforme viam ser-lhe aplicável a regra “suavizada”; ações que, quando foram intentadas (e depois disso), não estavam sujeitas a qualquer regra de Dupla Conforme, passavam a ficar sujeitas à “Dupla Conforme” mais rígida e abrangente (e menos possibilitadora da revista).

Sem prejuízo da redação do art. 7.º/1 em causa não ser feliz e inequívoca, a harmonia do sistema, o histórico das disposições transitórias (o que já vinha do art. 11.º do DL 303/2007) e a presunção de acerto de que goza o legislador (art. 9.º do C. Civil), apontam para o sentido e interpretação supra referidos, de com a expressão “com exceção do disposto no n.º 3 do artigo 671.º do Código de Processo Civil” se ter querido dizer que o pressuposto negativo da “Dupla Conforme”, seja na versão inicial, seja na atual versão “suavizada”, não é aplicável às ações instauradas antes de 01 de Janeiro de 2008, ou seja, que a “Dupla Conforme” continua a não constituir obstáculo, em tais ações, ao acesso ao terceiro grau de jurisdição.

É claro, reconhece-se, que teria sido fácil dizer isto mesmo – era fácil redigir uma disposição transitória dizendo que «aos recursos interpostos de decisões proferidas a partir da entrada em vigor da presente lei em ações instauradas antes de 1 de janeiro de 2008 não se aplica o obstáculo da dupla conforme constante do n.º 3 do artigo 671.º do Código de Processo Civil» – porém, qualquer outra interpretação, designadamente a que conduz e encerra a descrita “ultrapassagem” (em que, sem razão compreensível, as possibilidades de revista passam de mais a menos, na comparação com os recursos de revista das ações intentadas após 1 de Janeiro de 2008), fere a racionalidade e harmonia interpretativas.

Como supra se referiu, não repugna à doutrina sobre a aplicação no tempo das leis sobre recursos que uma lei que negue o recurso (a decisões anteriormente recorríveis) seja imediatamente aplicável, todavia, a questão não é esta: a questão é que a lei, seguindo-se a interpretação sustentada no despacho reclamado, estaria a distinguir processos (as suas condições de recurso), determinando a aplicação imediata da lei a uns processos antigos e mandando aplicar a outros processos antigos – ao arrepio de qualquer razão compreensível – uma “lei intermédia” (mais restritiva do recurso de revista, quando tais processos, quando foram intentados, até gozavam dum regime mais aberto de recurso de revista).

Em síntese:

O legislador de 2013 (da Lei 41/2013) veio suavizar a regra/obstáculo da Dupla Conforme e entendeu que tal “suavização” passava a ser aplicável aos processos que já estavam sujeitos à regra mais rígida da Dupla Conforme.

Sendo este o “movimento legislativo” (de abrir as possibilidades da revista), a que propósito – com que lógica ou racionalidade – é que o legislador passaria a sujeitar à regra mais rígida da Dupla Conforme os processos que até ali não estavam sequer sujeitos a uma qualquer regra de Dupla Conforme? A que propósito – com que lógica e racionalidade – é que os passava a sujeitar a uma regra/conceito de Dupla Conforme que ele próprio, legislador, acabava de alterar? A que propósito tal regra/conceito (que, segundo o legislador, deixava de ser boa para os processos a que até ali era aplicável) passava a ser boa e aplicável aos processos a que nunca antes fora aplicada?

Enfim, se o legislador se “deu ao trabalho”, perdoe-se-nos a expressão, de acrescentar uma disposição transitória como a do art. 7.º/1, não foi certamente para, ao arrepio do “movimento legislativo” que desenhara, restringir as possibilidades de revista para as ações instauradas antes de 1 de janeiro de 20185: foi sim, como é evidente, sempre com todo o respeito por opinião diversa, para frisar que se mantinham as condições de admissibilidade de revista de que até ali gozavam as ações instauradas antes de 1 de Janeiro de 2018.

Em conclusão, não sendo aplicável – por ação ter dado entrada em juízo em 29/09/1994 e atenta interpretação que deve ser feita do disposto no art. 7.º/1 da Lei 41/2013 – ao presente recurso de revista (interposto pela A.) o obstáculo da “Dupla Conforme (constante do atual 671.º/3 e do anterior 721.º/3), é tal recurso admissível, nos termos dos art. 671.º e 629.º do CPC.

O que não é admissível é o julgamento ampliado de tal revista (nos termos do art. 686º e ss do CPC) a requerimento da A/recorrente, uma vez que tal requerimento da A/recorrente, para poder ser apreciado, devia ter sido – e não foi – apresentado com a interposição de recurso (ou seja, não se entra sequer na apreciação do que se invoca – “para o caso de prevalecer a solução conducente à inadmissibilidade da revista” – para requerer o julgamento ampliado da revista).

*

III – Decisão

Pelo exposto, julga-se procedente a presente reclamação (do art. 652.º/3 do CPC), revoga-se o despacho reclamado e, em sua substituição, sendo o recurso próprio (de revista), interposto tempestivamente, por quem tem legitimidade e nada havendo que obste ao conhecimento do seu objeto, admite-se o mesmo.

Sem custas.

Lisboa,01/03/2023

António Barateiro Martins (Relator)

Luís Espírito Santo

Ricardo Costa, vencido nos termos da declaração junta.

Sumário, art.º 663, n.º 7, do CPC.

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Processo n.º 12927/94.2TVLSB.L1.S1
Revista – Tribunal recorrido: Relação de Lisboa, 8.ª Secção



DECLARAÇÃO DE VOTO



A) Votei vencido, na sequência da decisão singular de não conhecimento do objecto do recurso, que agora se revoga, e após mudança do Relator por vencimento do anterior projecto de acórdão para decisão desta Reclamação, pelas razões que reitero e exponho.

1. A presente acção entrou em juízo (Tribunal Cível da Comarca de Lisboa) em 29/9/1994.
A sentença de 1.ª instância foi proferida em 14/10/2013.
O acórdão da Relação de Lisboa foi proferido em 10/11/2016.
O recurso de revista foi interposto em 7/12/2016.
O actual CPC foi aprovado pela Lei 41/2013, de 26 de Junho, e entrou em vigor no dia 1 de Setembro de 2013.
O CPC de 1961 foi aprovado pelo DL n.º 44 129, de 28 de Dezembro, e entrou em vigor no dia 24 de Abril de 1962.
O CPC de 1961 foi modificado pelo DL 303/2007, de 24 de Agosto, cujas disposições entraram em vigor no dia 1 de Janeiro de 2008.

2. No art. 11º, 1, do DL 303/2007 prescreve-se como regra (sem prejuízo do n.º 2) que «as disposições do presente decreto-lei não se aplicam aos processos pendentes à data da sua entrada em vigor».

3. No art. 5º, 1, da Lei 41/2013, prescreve-se que, «sem prejuízo do disposto nos números seguintes, o Código de Processo Civil, aprovado em anexo à presente lei, é imediatamente aplicável às ações declarativas pendentes

4. No art. 7º, 1, da Lei 41/2013, determina-se que «aos recursos interpostos de decisões proferidas a partir da entrada em vigor da presente lei em ações instauradas antes de 1 de janeiro de 2008 aplica-se o regime dos recursos decorrente do Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de agosto, com as alterações agora introduzidas, com exceção do disposto no n.º 3 do artigo 671.º do Código de Processo Civil, aprovado em anexo à presente lei

5. Da conjugação das disposições transitórias do DL 303/2007 e da Lei 41/2013, resulta que, em matéria de regime legal dos recursos a interpor:

(i) Nas acções instauradas após 1 de Janeiro de 2008, às quais era aplicável o regime de recursos previsto no DL 303/2007, aplica-se a lei nova de 2013 sem quaisquer limitações;
(ii) Nas acções instauradas antes de 1 de Janeiro de 2008 (“pendentes” na entrada em vigor do DL 303/2007), em que o recurso é interposto (em referência ao seu prazo legal de interposição) antes de 1 de Setembro de 2013, aplica-se a lei vigente à data da instauração da acção;
(iii) Nas acções instauradas antes de 1 de Janeiro de 2008, em que o recurso é interposto (em referência ao seu prazo legal de interposição) em ou depois de 1 de Setembro de 2013, aplica-se o regime dos recursos decorrente do DL 303/2007, com as alterações (com renumeração no novo CPC aprovado) introduzidas pela Lei 41/2013 – ou seja, os arts. 627º a 702º do CPC 2013, em “substituição” dos arts. 676º a 800º –, com excepção do disposto no art. 671º, 3, isto é, sem a alteração operada no art. 721º, 3, do CPC 1961 na versão introduzida pelo DL 303/2007;
(iv) Nas acções instauradas em ou depois de 1 de Setembro de 2013, aplica-se a lei nova de 2013 (arts. 5º, 1, e 6º, 1, da Lei 41/2013; 12º, 1, CCiv., devidamente aplicado ao processo civil).

6. Decorre desta interpretação literal, sistemática e racional que o presente recurso de revista, cujo prazo de interposição ocorreu e foi interposto após ter sido proferido o acórdão recorrido em 10/11/2016, em acção declarativa proposta em 1994 (antes de 1 de Janeiro de 2008), segue (de acordo com o indicado supra, 5., (iii)) a disciplina de recursos do actual CPC 2013, com excepção do n.º 3 do art. 671º.
De todo o modo incluindo, para o regime da “dupla conformidade decisória”, o art. 672º do CPC 2013 (que não foi ressalvado pelo art. 7º, 1, da Lei 41/2013, como seria de fazer se o intuito do legislador fosse afastar todo o regime obstativo da “dupla conforme”) regulador da revista “excepcional” (já existente, aliás, no art. 721º-A, e parte final do art. 721º, 3, decorrente da reforma operada pelo DL 303/2007).

Logo.
A única ressalva ao regime de recursos do CPC 2013 para os recursos de decisões proferidas em acções instauradas antes de 1 de Janeiro de 2008 é a aplicação do regime da dupla conformidade com a feição contemplada no art. 721º, 3, do CPC 1961 e não a exclusão pura e simples do regime da dupla conformidade, a saber e nestes termos:

«Não é admitida revista do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e ainda que por diferente fundamento, a decisão proferida na 1.ª instância, salvo nos casos previstos no artigo seguinte.»[1]

7. Tal regime e sua aplicação não frustra as legítimas expectativas das partes, eventualmente adquiridas no momento da instauração da acção (antes de 1 de Janeiro de 2008), pelo menos no que respeita aos recursos interpostos depois de 1 de Setembro de 2013 (não para os interpostos entre 1 de Janeiro de 2008 e 31 de Agosto de 2013).
Para esses – este, o dos autos –, aplicar-se-ia o princípio geral em matéria de aplicação no tempo:
“Em relação às decisões que venham a ser proferidas (no futuro) em acções pendentes, a nova lei é imediatamente aplicável, quer admita recurso onde anteriormente o não havia, quer negue o recurso em relação a decisões anteriormente recorríveis.
As expectativas criadas pelas partes ao abrigo da legislação anterior já não tinham razão de ser na altura capital em que a decisão foi proferida e, por isso, já não justificam o retardamento da aplicação nova lei”[2].

Seja como for, e tendo em conta a conjugação dos arts. 11º, 1, do DL 303/2007 e 5º, 1, e 7º, 1, da Lei 41/2013, tais expectativas são claramente tidas em conta, seja para o regime de recursos entrado em vigor em 1 de Janeiro de 2008, seja para o regime de recursos entrado em vigor em 1 de Setembro de 2013. Na verdade, em síntese:
— não tendo sido aplicado o regime recursivo de 2007 às acções pendentes em 1 de Janeiro de 2008;
— aplica-se de imediato o regime recursivo de 2013, sob o formato de serem convocadas todas as alterações introduzidas ao regime recursivo de 2007, a essas mesmas acções pendentes em 1 de Janeiro de 2008;
— excepcionando-se tão-só a aplicação imediata do regime do art. 671º, 3, entrado em vigor em 1 de Setembro de 2013, por força do comando transitório do legislador (art. 7º, 1, da Lei 41/2013), fazendo aplicar em ressalva o regime imediatamente anterior de 2007.  
O que é inteligível na lógica da sucessão concreta das leis processuais em causa e – pode ser discutível mas – nada tem de absurdo, contraditório ou irrazoável – enquanto opção transitória do legislador, sendo ponto de partida que a regra sempre seria aplicar in totum todo o novo regime recursivo a partir de 1 de Setembro de 2013.
Em face da alteração do regime da dupla conformidade, operada justamente pelo art. 671º, 3, introduzido em 2013, numa versão mais restritiva e necessitada de juízo racional sobre a coincidência fundamental de fundamentação – no acórdão proferido agora por maioria, apelidada de dupla conforme “suavizada” –, compreende-se que o legislador tenha confirmado a regra e feito aplicar todas as modificações operadas em 2013 no que respeita à alteração do regime de recursos (incluindo em sede de revista excepcional, reitere-se, caminho subsequente à preliminar verificação de “dupla conformidade”), pois expectativas diversas já não eram tuteláveis, daqui divergindo apenas – quanto ao princípio geral da aplicação imediata da lei nova – para permitir como salvaguarda o regime sobre o impedimento recursivo colocado pela “dupla conformidade” (introduzida em 2007 e em vigor desde 1 de Janeiro de 2008 no art. 721º, 3), naturalmente por ser o que esteve imediatamente antes em vigor e não se ter aplicado até 2013 às acções pendentes em 1 de Janeiro de 2008.
Tal opção parece ser a concessão de tutela, pelo menos mitigada, de uma expectativa de todas as partes em que, não sendo de manter o regime existente à data da instauração da acção – pois esse regime acabara literal e liminarmente com a Lei 41/2013: art. 5º, 1 –, pelo menos ficariam, por ser diferente do novo em matéria obstativa do recurso de revista, com o regime intermédio que esteve em vigor entre 1 de Janeiro de 2008 e 31 de Agosto de 2013, assim aplicável a um processo que acabou por não terminar até esse dia 31 de Agosto de 2013 (e, portanto, deixara de ter o respaldo do art. 11º, 1, do DL 303/2007).

8. O art. 721º, 3, do CPC 1961, na versão do DL 303/2007, determina a existência de “dupla conformidade” no dispositivo decisório da Relação e da 1.ª instância como obstáculo ao conhecimento do objecto do recurso de revista normal ou regra junto do STJ, em relação a todos os segmentos decisórios em que se verifica identidade de julgados sem voto de vencido, independentemente das fundamentações acolhidas nas decisões das instâncias[3].

Assim sendo.

9. Verifica-se que a revista normal não é admissível ao abrigo do art. 671º, 1, do CPC, tendo em conta a existência de “dupla conformidade decisória” no dispositivo decisório das instâncias no que toca à questão de mérito relativa ao segmento reapreciado pela Relação, sem voto de vencido, nos termos do aludido art. 721º, 3, do CPC 1961 na versão entrada em vigor em 1 de Janeiro de 2008, sem que para tal interesse ou seja necessária a coincidência essencial da fundamentação usada.

Razão pela qual se entende que:

(i) não poderia ser conhecido o objecto do recurso;
(ii) a inadmissibilidade da revista prejudicaria o conhecimento do pedido de condenação de litigância de má fé da Autora e Recorrente deduzido nesta instância recursiva pelos 1.ª a 3.º Réus, sendo de considerar este pedido dependente da admissibilidade da revista (art. 608º, 2, CPC);
(iii) estaria igualmente prejudicada a rectificação de erro material do acórdão recorrido peticionada pela Autora e Recorrente, agora nos termos da aplicação do art. 614º, 2, CPC.


B) Votei igualmente vencido no que respeita à questão da oportunidade e legitimidade processual para ser proferido o presente acórdão em conferência, em que se enveredou por julgar imediatamente a Reclamação deduzida da anterior decisão singular do Relator (art. 652º, 3, CPC: «requerer que sobre a matéria do despacho recaia um acórdão»).
Fundamento, com o respeito que é devido a interpretação diversa.
           
O art. 652º, 4, do CPC prescreve que «[a] reclamação deduzida é decidida no acórdão que julga o recurso, salvo quando a natureza das questões suscitadas impuser decisão imediata, sendo, neste caso, aplicável, com as necessárias adaptações, o disposto nos n.os 2 a 4 do art. 657.º».
O art. 652º, 4, é norma imperativa quanto ao diferimento do julgamento da reclamação para a conferência das decisões singulares tomadas pelo Relator no exercício dos seus poderes-deveres, atribuídos, em geral e em particular, pelo n.º 1. Estamos perante competências funcionais de correcção, aperfeiçoamento, saneamento e decisão, em ordem predisposta ao andamento regular da impugnação e ao julgamento (ou não) do recurso. Nestas competências incluem-se poderes de decisão final, como seja os de julgar extinta a instância por causa diversa do julgamento, declarar findo o recurso por não conhecimento do seu objecto e julgar sumariamente o objecto do recurso[4].
Excepcionalmente, o art. 652º, 4, 2ª parte, determina que a regra do diferimento seja afastada sempre que a matéria ou questão decidida tenha natureza que, na marcha da tramitação do recurso, implique decisão imediata e, por isso, deva ser (em princípio) de submeter, com autonomia, até pelo seu carácter preliminar, à conferência.
Neste contexto, a reclamação da decisão singular de declarar findo o recurso por não conhecimento do seu objecto, sendo questão prévia nuclear, será decidida imediatamente, desde que seja de confirmar em conferência, uma vez que tal decisão impede a admissibilidade do recurso e a sua prossecução para julgamento.
Porém, se a reclamação para a conferência, uma vez colocado o projecto de decisão à apreciação do colectivo de juízes decisores pelo relator que decidiu singularmente (arts. 657º, 659º, 2 e 3, CPC), conduzir ao vencimento de decisão contrária de conhecimento do objecto do recurso, tal reclamação passa a estar inexoravelmente abrangida pela regra imperativa do diferimento para o «acórdão que julga o recurso»: terá que ser decidida necessariamente no acórdão que julga o objecto do recurso[5], a elaborar pelo Relator por vencimento, incluindo-se a decisão singular reclamada no objecto do projecto de acórdão que a este cabe elaborar para a decisão final do recurso (art. 663º, 1 e 3 («Quando o relator fique vencido relativamente à decisão ou a todos os fundamentos desta, é o acórdão lavrado pelo primeiro adjunto vencedor, o qual defere ainda aos termos que se seguirem, para integração ou reforma do acórdão.»), CPC).
Em termos análogos, aliás, sempre será assim que, salvo melhor opinião, se julga e decide quando, oficiosamente ou por alegação das partes recorridas, se esclarece a inexistência de causas de inadmissibilidade, ou seja, antes de conhecido o objecto do recurso, se toma posição no acórdão sobre essa questão prévia ainda como fundamento da decisão – pois este é o prius sem o qual não há posterius.
Foi objectivamente este o caso dos autos, originado pela Reclamação para a Conferência da Recorrente de revista e da posição por último expressa pela maioria do colectivo decisório.
A “ratio” da regra imperativa do diferimento aplica-se justamente – e exemplarmente – a essa decisão (ditada pela orientação da maioria, oposta à decisão do Relator originário) de conhecimento do objecto do recurso: por razões de celeridade processual[6]; por razões de concentração do caso julgado formado pela decisão final conjunta da (i) reclamação interlocutória sobre questão processual prévia relativa à admissibilidade da revista (julgada positivamente) e do (ii) mérito do próprio recurso de revista cujo conhecimento se decide previamente em sentido afirmativo.
Não tendo assim sido feito, creio que o acórdão proferido sofre de vício processual que contamina a própria decisão tomada no acordão agora proferido, susceptível de preencher a previsão do art. 615º, 1, d), 2ª parte (“excesso de pronúncia”), ex vi arts. 666º, 1, e 685º do CPC.


STJ/Lisboa, 1 de Março de 2023

O Relator Vencido

Ricardo Costa

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1. Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Novo Processo Civil, pág. 549.

2. ↩︎

3. Antunes Varela, Manual de Processo Civil, pág. 45.↩︎

4. Obra e local citado, pág. 53.↩︎

5. São facilmente concebíveis hipóteses em que, até 01/09/2013, da ação intentada antes de 01/01/2008 havia revista do Ac. da Relação (por, embora com fundamentação diferente, não lhe ser aplicável a Dupla Conforme) e da ação intentada após 01/01/2008 não havia revista do Ac. da Relação (por, embora com fundamentação diferente, estar sujeita à Dupla Conforme na versão inicial), sendo que, a partir de 01/09/2013, estando certa a interpretação defendida no despacho reclamado, tudo passava a ser ao contrário nessas mesmas ações: onde antes havia revista deixava agora de haver revista e onde antes não havia revista passava agora a haver revista.

6. ↩︎

7. Se não se tivesse dado a tal trabalho, valeria o art. 5.º/1 supra referido e às ações intentadas antes de 01 de Janeiro de 2018 seria aplicável a regra/obstáculo da Dupla Conforme na nova versão, suavizada; e isto, sim, seria bastante compreensível, mas para ser assim não se poderia ter dado ao trabalho de acrescentar uma disposição transitória como a do art. 7.º/1.

8. ↩︎

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[1] Neste sentido, v. RUI PINTO, Notas ao Código de Processo Civil, Coimbra Editora, Coimbra, 2014, págs. 12-13 (o art. 7º, 1, “faz estender aos processos mais antigos o regime do monismo recursório e da dupla conforme”).
[2] ANTUNES VARELA/J. MIGUEL BEZERRA/SMAPAIO E NORA, Manual de processo civil, 2.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 1985, pág. 57.
[3] V. JOSÉ LEBRE DE FREITAS/ARMANDO RIBEIRO MENDES, Código de Processo Civil anotado, Volume 3.º, Artigos 676.º a 800.º, Tomo I, 2.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 2008, sub art. 721º, pág. 144; JOSÉ LEBRE DE FREITAS/ARMANDO RIBEIRO MENDES/ISABEL ALEXANDRE, Código de Processo Civil anotado, volume 3.º, Artigos 627.º a 877º, 3.ª ed., Almedina, Coimbra, 2022, sub art. 671º, págs. 201-202.
[4] Realçando esta ampliação dos poderes do relator, v. JOSÉ LEBRE DE FREITAS/ARMANDO RIBEIRO MENDES/ISABEL ALEXANDRE, Código de Processo Civil anotado, volume 3.º cit., sub art. 652º, págs. 147-148.
[5] Julgar o recurso, como diz a lei, é obviamente julgar o objecto do recurso, sendo a deliberação em conferência “inserida no acórdão que vier a incidir sobre o objeto do recurso, seguindo a tramitação que for ajustada ao seu julgamento”, sendo que “é sobre o projecto elaborado pelo relator que o coletivo irá incidir, com manutenção, revogação ou alteração da decisão reclamada, de acordo com o entendimento que se revelar maioritário”: ABRANTES GERALDES, Recursos no novo Código de Processo Civil, 5.ª ed., Almedina, Coimbra, 2018, sub art. 652º, pág. 260.
[6] JOSÉ LEBRE DE FREITAS/ARMANDO RIBEIRO MENDES/ISABEL ALEXANDRE, Código de Processo Civil anotado, volume 3.º cit., sub art. 652º, pág. 150.