Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 6.ª SECÇÃO | ||
Relator: | ANTÓNIO BARATEIRO MARTINS | ||
Descritores: | ADMISSIBILIDADE DE RECURSO RECURSO DE REVISTA DUPLA CONFORME APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO REGIME TRANSITÓRIO PROPOSITURA DA AÇÃO PROCESSO PENDENTE DESPACHO DO RELATOR CONHECIMENTO DO MÉRITO RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA PRESSUPOSTOS NULIDADE DE ACÓRDÃO EXCESSO DE PRONÚNCIA | ||
Data do Acordão: | 03/01/2023 | ||
Votação: | MAIORIA COM * VOT VENC | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | RECLAMAÇÃO DEFERIDA. | ||
Sumário : | Com a expressão “com exceção do disposto no n.º 3 do artigo 671.º do Código de Processo Civil” (constante do art. 7.º, n.º 1, da Lei n.º 41/2013, de 01-09) quer-se dizer e significar que o pressuposto negativo da “Dupla Conforme”, seja na versão inicial (do DL n.º 303/2007), seja na atual versão “suavizada” (da Lei n.º 41/2013), não é aplicável às ações instauradas antes de 01-01-2008, ou seja, quer-se dizer e significar que a “Dupla Conforme” continua a não constituir obstáculo, em tais ações (instauradas antes de 01-01-2008), à admissibilidade do recurso de revista. | ||
Decisão Texto Integral: |
Processo n.º 12927/94.2TVLSB.L1.S1 6.ª Secção ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA I – Relatório «Sofin – Sociedade Financeira Internacional de Corretagem (Dealers), S.A.», depois «Caixa Valores – Sociedade Financeira de Corretagem, S.A.», tendo na sua posição sido habilitada a «Caixa – Banco de Investimento, S.A.», instaurou ação declarativa sob forma de processo ordinário contra «BSN Dealer – Sociedade Financeira de Corretagem, S.A.», objeto de fusão e depois passando a integrar a «Banco Santander Totta, S.A», AA, BB, CC, DD (entretanto falecido e representado pelos seus herdeiros habilitados, CC, EE, FF e GG) e EE, pedindo a condenação solidária dos Réus a pagar-lhe a quantia de 1.203.509.628$00 de capital, acrescida de juros à taxa legal de 15% desde 30/6/1993, vencidos até à data da propositura da ação no montante calculado de 225.661.804$ e vincendos àquela taxa. Em breve síntese, a Autora alegou (após invocar as atividades que constituem o objeto social de A. e 1.ª R.) que a 1.ª Ré teve, no ato de constituição, como administradores entre outros o 2.º Réu, este até final de Março de 1992, tendo o 3.º Réu trabalhado desde 10/4/1991 para a 1.ª Ré, assumindo a direção efetiva e a gestão diária daquela, sendo os restantes Réus clientes da 1.ª Ré desde início e simultaneamente titulares de contratos de conta corrente de operações na bolsa. Sucedendo que a 1.ª Ré, sob a direção e representação do 3.º Réu, a partir de determinada data, solicitou à Autora operações de compra e venda de títulos cotados, para vários clientes, na Bolsa de Lisboa, tendo a Autora cumprido ou mandado cumprir tais operações em nome e por conta da 4.ª, 5.º e 6.ª Réus, debitando e creditando diretamente as contas bancárias dos clientes da 1.ª R., e recebendo os pagamentos e títulos que os clientes da 1.ª R., 4.º a 6.º RR. lhes deviam entregar, num volume diário de milhões de contos, efetuando a Autora a compensação de créditos das operações com depósito do saldo financeiro em conta indicado pelo 3.º R., em representação da 1.ª R., com o respetivo conhecimento. Operações de compra e venda de títulos que, pelas circunstâncias e razões detalhadamente alegadas pela A., lhe vieram a causar danos, encontrando-se todos os Réus constituídos no dever solidário de pagar à Autora o crédito equivalente às despesas que teve de efetuar para evitar prejuízos de terceiros, em resultado direto e necessário dos atos dos RR.. Foram apresentadas contestações pela 1.ª e 2.º Réus («BSN Leader» e AA), por um lado, e pelos 3.º a 6.º Réus, por outro, finalizando todos com a absolvição do pedido e requerendo-se a condenação em má-fé da Autora. Foi admitida a intervenção de HH como assistente da Autora. Foi proferido despacho saneador, seguido de especificação e questionário. Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença em que se julgou a ação improcedente, absolvendo-se os Réus do pedido e condenando-se a Autora como litigante de má fé em multa de 10 UCs e em indemnização no valor de € 3.000 a favor dos Réus. Inconformada, veio a Autora interpor recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa, que, por acórdão de 10/11/2016, julgou improcedente o recurso e confirmou a sentença recorrida. Ainda inconformada, veia a Autora interpor o presente recurso de revista, pugnando pela revogação do acórdão recorrido e pela sua substituição por decisão a julgar procedente a ação. Foram apresentadas contra-alegações pelos RR/recorridos, em que, no essencial, se sustentou que o presente recurso não é admissível (por aplicação do art. 671.º/3 do CPC 2013) e se pugnou, quanto ao mérito, pela improcedência do recurso e pela manutenção do acórdão recorrido. Distribuídos os autos neste STJ, foram as partes, por se entender que o Acórdão da Relação não é passível de revista nos termos interpostos, convidadas a pronunciar-se, nos termos do art. 655.º do CPC, sobre a inadmissibilidade da revista interposta. A A./Recorrente respondeu, pugnando pela não aplicação do regime da “dupla conformidade decisória”, seja qual for o regime legal convocado, em função da interpretação sustentada para o art. 7º, 1, da Lei 41/2013, de 26 de Junho; e, subsidiariamente, para o caso de prevalecer a solução conducente à inadmissibilidade da revista, requereu o julgamento ampliado da revista nos termos do art. 686º e ss do CPC. Os RR./Recorridos apresentaram igualmente pronúncias, batendo-se pela inadmissibilidade da revista. Após o que foi proferida decisão singular pelo Exmo. Conselheiro Relator a não admitir o recurso interposto e a, “de harmonia com o preceituado no art. 652º, 1, b) e h), aplicável ex vi art. 679º, do CPC, julgar findo o recurso por não haver lugar ao conhecimento do respetivo objeto.” No seguimento de tal decisão singular do Exmo. Conselheiro Relator, foi requerido pela A/recorrente que sobre a mesma recaia acórdão, requerimento/reclamação sobre o qual se pronunciaram os RR./recorridos. * II – Fundamentação “Ao relator compete verificar se alguma circunstância obsta ao conhecimento do objeto do recurso, isto é, se estão verificados os pressupostos processuais específicos dos recursos que são a recorribilidade da decisão e a legitimidade para recorrer (…). Este controlo é realizado num despacho de saneamento.”1 É neste despacho de saneamento da fase de preparação de julgamento (que antecede a fase de julgamento que é aquela em que, caso o recurso haja sido admitido na fase anterior, o tribunal ad quem profere decisão sobre a procedência ou improcedência do recurso) em que nos encontramos. Sendo que, no âmbito de tal fase de preparação do julgamento, o Exmo. Conselheirp Relator relator proferiu despacho a considerar inadmissível a revista interposta e, em função disso, a julgar findo o recurso por não haver lugar ao conhecimento do respetivo objeto; tendo a recorrente requerido, nos termos do art. 652.º/3 do CPC, que “sobre a matéria do despacho recaia Acórdão”, sucedendo que, submetido o caso – a questão da admissibilidade ou não da presente revista – a esta Conferência, fez vencimento a posição contrária à expendida pelo Exmo. Relator no despacho reclamado, ou seja, fez vencimento o entendimento de a revista interposta ser admissível. Estava/está pois unicamente em causa, nesta Conferência, a questão da admissibilidade (ou não) da revista. Sendo relevantes, para a sua resolução, os seguintes elementos: A presente ação deu entrada em juízo em 29/9/1994. A sentença de 1.ª instância foi proferida em 14/10/2013. O acórdão da Relação de Lisboa foi proferido em 10/11/2016. O recurso de revista foi interposto em 7/12/2016. E sendo evidente, face a tais elementos, que no decurso do presente processo (com mais de 28 anos) foram estando em vigor várias leis processuais, o que nos coloca, quanto à questão da admissibilidade da presente revista, perante um problema de aplicação de leis processuais no tempo. Ao invés do que sucede com o direito substantivo – em que a regra é a nova lei só reger para o futuro (cfr. art. 12.º do C. Civil), não se aplicando a factos pretéritos – outra é a orientação que tem prevalecido na doutrina em relação às norma do processo, ou seja, tem-se entendido “que a nova lei processual deve aplicar-se imediatamente, não apenas às ações que venham a instaurar-se após a sua entrada em vigor, mas a todos os atos a realizar futuramente, mesmo que tais atos se integrem em ações pendentes (…)”2. Mas, sendo esta a orientação geral em relação às normas do processo, um pouco diverso é (ou pode ser) o entendimento da doutrina quanto às leis processuais sobre recursos, designadamente quando estão em causa normas que fixam as condições de admissibilidade do recurso. Como referia o Prof. Antunes Varela3, “(…) relativamente às normas que fixam as condições de admissibilidade do recurso, considerando que a sua aplicação pode ter uma influência decisiva na relação substantiva pleiteada, a doutrina tem distinguido criteriosamente os diversos tipos de situações que podem verificar-se. A nova lei que admita recurso de decisões que anteriormente o não comportavam, é ponto assente que não deve aplicar-se às decisões já proferidas à data da sua entrada em vigor. De outro modo, a nova lei destruiria retroativamente a força de caso julgado, que a decisão adquirira à sombra da antiga legislação. A nova lei que afaste a possibilidade de recurso, em casos onde era anteriormente admitido, não deve aplicar-se aos recursos já interpostos à data da sua entrada em vigor. De contrário, ofenderia gravemente as legítimas expetativas do recorrente, fundadas na lei vigente à data da interposição do recurso. (…) Se o recurso ainda não está interposto na data em que a nova lei (negando para tais casos a sua admissibilidade) entra em vigor, a solução é mais duvidosa. Porém, na dúvida, a solução mais criteriosa é a de não aplicabilidade da nova lei às decisões que admitissem recurso, de acordo com o direito em vigor à data em que foram proferidas. De contrário, a nova lei atribuiria (retroativamente) força de caso julgado a decisões que a não possuíam, no momento capital em que foram tomadas. (…) Em relação às decisões que venham a ser proferidas (no futuro) em ações pendentes, a nova lei é imediatamente aplicável, quer admita recurso onde anteriormente o não havia, quer negue o recurso em relação a decisões anteriormente recorríveis. As expetativas criadas pelas partes ao abrigo da legislação anterior já não tinham razão de ser na altura capital em que a decisão foi proferida e, por isso, já não justificam o retardamento da aplicação da nova lei. (…)” Ciente disto – dos dilemas e embaraços colocados pela aplicação no tempo das leis processuais sobre recursos, principalmente quando estão em causa as suas condições de admissibilidade – o legislador, quando procede a significativas alterações às leis processuais, não se tem furtado a incluir disposições transitórias especiais, destinadas a definir o campo temporal de aplicação das leis processuais em confronto. Foi justamente o que aconteceu com o DL 303/2007, de 24 de Agosto, cujas disposições entraram em vigor no dia 1 de Janeiro de 2008, e com a Lei 41/2013, de 26 de Junho, cujas disposições entraram em vigor no dia 1 de Setembro de 2013; diplomas em cujo âmbito foram introduzidas alterações às condições de admissibilidade do recurso de revista. Alterações que, para o que aqui interessa, se resumem ao seguinte: Até ali, até 1 de Janeiro 2008, o pressuposto negativo da “Dupla Conforme” não era um obstáculo ao acesso ao terceiro grau de jurisdição, ou seja, se a causa tivesse valor para tal e houvesse sucumbência, era sempre admissível recurso de revista; e, além disto, em termos procedimentais, num primeiro momento e prazo, o recorrente limitava-se a interpor requerimento de recurso e, este admitido, então, num segundo momento e prazo, é que tinha que apresentar a sua alegação. Em 1 de Janeiro de 2008, foi introduzido o pressuposto negativo da “Dupla Conforme”, passando, nos termos do então art. 720.º/3 do CPC, a não ser admitido recurso de revista do acórdão da Relação que confirmasse, sem voto de vencido e ainda que por diferente fundamento, a decisão proferida na 1.ª Instância (ressalvados os casos de revista excecional, hipótese/situação que não vem ao caso); e, além disto, em termos procedimentais, a interposição de recurso e a apresentação da alegação, passaram a acontecer concentradamente num primeiro e único momento (cfr. art. 684.º-B do CPC). Posteriormente, em 1 de Setembro de 2013, manteve-se o pressuposto negativo da “Dupla Conforme”, porém, foi-lhe introduzida uma suavização/nuance, passando, nos termos do agora art. 671.º/3 do CPC, a deixar de existir “Dupla Conforme” quando a Relação, para a confirmação da decisão da 1.ª Instância, empregue “fundamentação essencialmente diferente”; e, além disto, em termos procedimentais, manteve-se a concentração da interposição do recurso e da inclusão da alegação. Sucedendo, passando às disposições transitórias especiais, que o legislador do DL 303/2007, de 24 de Agosto, resolveu o problema da aplicação da lei no tempo (em relação, designadamente, ao ter sido introduzido o pressuposto negativo da “Dupla Conforme” para aceder ao 3.º grau de jurisdição e à referida “concentração”) dum modo simples e claro, ao dispor, no art. 11.º/1 do DL 303/2007 (sem prejuízo do seu n.º 2, que não vem ao caso) que «as disposições do presente decreto-lei não se aplicam aos processos pendentes à data da sua entrada em vigor», ou seja, num processo como o presente (entrado em juízo em 29/09/1994 e pendente em 01/01/2008) o recurso de revista, a interpor após 1 de Janeiro de 2008, continuou, mesmo em casos de Dupla Conforme, a ser admissível e a contemplar os dois referidos momentos (interposição de recurso e, posteriormente, alegação). Identicamente, também a Lei 41/2013, de 26 de Junho, estabeleceu disposições transitórias especiais destinadas a definir o seu campo temporal de aplicação, porém, não no mesmo sentido e não com idêntica clareza. Veio dizer, no seu art. 5.º/1 (da Lei 41/2013) que, «sem prejuízo do disposto nos números seguintes, o Código de Processo Civil, aprovado em anexo à presente lei, é imediatamente aplicável às ações declarativas pendentes.», ou seja, veio fixar em letra de lei (e sem prejuízo do disposto nos demais números de tal art. 5.º) a tal orientação prevalente na doutrina em relação às norma de processo: o tal entendimento de “que a nova lei processual deve aplicar-se imediatamente, não apenas às ações que venham a instaurar-se após a sua entrada em vigor, mas a todos os atos a realizar futuramente, mesmo que tais atos se integrem em ações pendentes (…) Porém, logo a seguir, no seu (da mesma Lei 41/2013) art. 7.º/1, veio determinar que «aos recursos interpostos de decisões proferidas a partir da entrada em vigor da presente lei em ações instauradas antes de 1 de janeiro de 2008 aplica-se o regime dos recursos decorrente do Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de agosto, com as alterações agora introduzidas, com exceção do disposto no n.º 3 do artigo 671.º do Código de Processo Civil, aprovado em anexo à presente lei.» E é em tal art. 7.º/1 que surge a dificuldade e divergência interpretativas, mais exatamente, em relação ao sentido a conferir à expressão “com exceção do disposto no n.º 3 do artigo 671.º do Código de Processo Civil”. Expressão esta que, com todo o respeito por opinião diversa, só pode ter o sentido de querer significar que o pressuposto negativo da “Dupla Conforme”, seja na versão inicial, seja na atual versão “suavizada”, não é aplicável aos recursos de revista intentados nas ações instauradas antes de 01 de Janeiro de 2008 (como é o caso dos presentes autos), ou seja, que a “Dupla Conforme” não constitui obstáculo, em tais ações, ao acesso ao terceiro grau de jurisdição. Não faz qualquer sentido, mais uma vez com todo o respeito, que a expressão “com exceção do disposto no n.º 3 do artigo 671.º do Código de Processo Civil” se refira às “alterações agora introduzidas” e que, por via disso, às “ações instauradas antes de 1 de janeiro de 2008” se aplique, como se sustenta no despacho reclamado, o obstáculo da “Dupla Conforme” e na versão inicial (do Decreto-Lei n.º 303/2007) sobre a “Dupla Conforme”. Se assim fosse, se tal interpretação fosse a correta, teria o legislador caído num incompreensível contra senso. Repare-se: As ações intentadas após 1 de Janeiro de 2008, sujeitas ab initio à versão inicial (do Decreto-Lei n.º 303/2007) da “Dupla Conforme”, passaram a ficar sujeitas à versão “suavizada” da “Dupla Conforme”, ou seja, passaram a ver aumentadas as possibilidades de aceder ao 3.º grau de jurisdição. As ações intentadas antes de 1 de Janeiro de 2008 – que até à entrada em vigor da Lei 41/2013 estavam sujeitas, como já se referiu, ao art. 11.º/1 do DL 303/2007 – em que o recurso de revista, a interpor até 01 de Setembro de 2013, continuava, mesmo em casos de Dupla Conforme, a ser admissível, passariam a ver diminuídas as possibilidades de aceder ao 3.º grau de jurisdição e, mais do que isso, passariam mesmo a ter menos possibilidades de acesso ao terceiro grau de jurisdição que as ações intentadas após de 1 de janeiro de 2008 (sendo certo que, até ali, era exatamente o oposto que sucedia4). E é esta “ultrapassagem” – se se entendesse que a expressão em causa quer significar que às ações instauradas antes de 1 de janeiro de 2008 se aplica o obstáculo da “Dupla Conforme” e na versão inicial (do Decreto-Lei n.º 303/2007) da “Dupla Conforme” – que exprime o contra senso que não pode/deve ser imputado ao legislador. Ações que, quando foram intentadas, estavam sujeitas a uma regra “rígida” de Dupla Conforme viam ser-lhe aplicável a regra “suavizada”; ações que, quando foram intentadas (e depois disso), não estavam sujeitas a qualquer regra de Dupla Conforme, passavam a ficar sujeitas à “Dupla Conforme” mais rígida e abrangente (e menos possibilitadora da revista). Sem prejuízo da redação do art. 7.º/1 em causa não ser feliz e inequívoca, a harmonia do sistema, o histórico das disposições transitórias (o que já vinha do art. 11.º do DL 303/2007) e a presunção de acerto de que goza o legislador (art. 9.º do C. Civil), apontam para o sentido e interpretação supra referidos, de com a expressão “com exceção do disposto no n.º 3 do artigo 671.º do Código de Processo Civil” se ter querido dizer que o pressuposto negativo da “Dupla Conforme”, seja na versão inicial, seja na atual versão “suavizada”, não é aplicável às ações instauradas antes de 01 de Janeiro de 2008, ou seja, que a “Dupla Conforme” continua a não constituir obstáculo, em tais ações, ao acesso ao terceiro grau de jurisdição. É claro, reconhece-se, que teria sido fácil dizer isto mesmo – era fácil redigir uma disposição transitória dizendo que «aos recursos interpostos de decisões proferidas a partir da entrada em vigor da presente lei em ações instauradas antes de 1 de janeiro de 2008 não se aplica o obstáculo da dupla conforme constante do n.º 3 do artigo 671.º do Código de Processo Civil» – porém, qualquer outra interpretação, designadamente a que conduz e encerra a descrita “ultrapassagem” (em que, sem razão compreensível, as possibilidades de revista passam de mais a menos, na comparação com os recursos de revista das ações intentadas após 1 de Janeiro de 2008), fere a racionalidade e harmonia interpretativas. Como supra se referiu, não repugna à doutrina sobre a aplicação no tempo das leis sobre recursos que uma lei que negue o recurso (a decisões anteriormente recorríveis) seja imediatamente aplicável, todavia, a questão não é esta: a questão é que a lei, seguindo-se a interpretação sustentada no despacho reclamado, estaria a distinguir processos (as suas condições de recurso), determinando a aplicação imediata da lei a uns processos antigos e mandando aplicar a outros processos antigos – ao arrepio de qualquer razão compreensível – uma “lei intermédia” (mais restritiva do recurso de revista, quando tais processos, quando foram intentados, até gozavam dum regime mais aberto de recurso de revista). Em síntese: O legislador de 2013 (da Lei 41/2013) veio suavizar a regra/obstáculo da Dupla Conforme e entendeu que tal “suavização” passava a ser aplicável aos processos que já estavam sujeitos à regra mais rígida da Dupla Conforme. Sendo este o “movimento legislativo” (de abrir as possibilidades da revista), a que propósito – com que lógica ou racionalidade – é que o legislador passaria a sujeitar à regra mais rígida da Dupla Conforme os processos que até ali não estavam sequer sujeitos a uma qualquer regra de Dupla Conforme? A que propósito – com que lógica e racionalidade – é que os passava a sujeitar a uma regra/conceito de Dupla Conforme que ele próprio, legislador, acabava de alterar? A que propósito tal regra/conceito (que, segundo o legislador, deixava de ser boa para os processos a que até ali era aplicável) passava a ser boa e aplicável aos processos a que nunca antes fora aplicada? Enfim, se o legislador se “deu ao trabalho”, perdoe-se-nos a expressão, de acrescentar uma disposição transitória como a do art. 7.º/1, não foi certamente para, ao arrepio do “movimento legislativo” que desenhara, restringir as possibilidades de revista para as ações instauradas antes de 1 de janeiro de 20185: foi sim, como é evidente, sempre com todo o respeito por opinião diversa, para frisar que se mantinham as condições de admissibilidade de revista de que até ali gozavam as ações instauradas antes de 1 de Janeiro de 2018. Em conclusão, não sendo aplicável – por ação ter dado entrada em juízo em 29/09/1994 e atenta interpretação que deve ser feita do disposto no art. 7.º/1 da Lei 41/2013 – ao presente recurso de revista (interposto pela A.) o obstáculo da “Dupla Conforme (constante do atual 671.º/3 e do anterior 721.º/3), é tal recurso admissível, nos termos dos art. 671.º e 629.º do CPC. O que não é admissível é o julgamento ampliado de tal revista (nos termos do art. 686º e ss do CPC) a requerimento da A/recorrente, uma vez que tal requerimento da A/recorrente, para poder ser apreciado, devia ter sido – e não foi – apresentado com a interposição de recurso (ou seja, não se entra sequer na apreciação do que se invoca – “para o caso de prevalecer a solução conducente à inadmissibilidade da revista” – para requerer o julgamento ampliado da revista). * III – Decisão Pelo exposto, julga-se procedente a presente reclamação (do art. 652.º/3 do CPC), revoga-se o despacho reclamado e, em sua substituição, sendo o recurso próprio (de revista), interposto tempestivamente, por quem tem legitimidade e nada havendo que obste ao conhecimento do seu objeto, admite-se o mesmo. Sem custas. Lisboa,01/03/2023
António Barateiro Martins (Relator) Luís Espírito Santo Ricardo Costa, vencido nos termos da declaração junta.
Sumário, art.º 663, n.º 7, do CPC.
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1. Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Novo Processo Civil, pág. 549. 2. ↩︎ 3. Antunes Varela, Manual de Processo Civil, pág. 45.↩︎ 4. Obra e local citado, pág. 53.↩︎ 5. São facilmente concebíveis hipóteses em que, até 01/09/2013, da ação intentada antes de 01/01/2008 havia revista do Ac. da Relação (por, embora com fundamentação diferente, não lhe ser aplicável a Dupla Conforme) e da ação intentada após 01/01/2008 não havia revista do Ac. da Relação (por, embora com fundamentação diferente, estar sujeita à Dupla Conforme na versão inicial), sendo que, a partir de 01/09/2013, estando certa a interpretação defendida no despacho reclamado, tudo passava a ser ao contrário nessas mesmas ações: onde antes havia revista deixava agora de haver revista e onde antes não havia revista passava agora a haver revista. 6. ↩︎ 7. Se não se tivesse dado a tal trabalho, valeria o art. 5.º/1 supra referido e às ações intentadas antes de 01 de Janeiro de 2018 seria aplicável a regra/obstáculo da Dupla Conforme na nova versão, suavizada; e isto, sim, seria bastante compreensível, mas para ser assim não se poderia ter dado ao trabalho de acrescentar uma disposição transitória como a do art. 7.º/1. 8. ↩︎
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