Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 6ª SECÇÃO | ||
Relator: | NUNO CAMEIRA | ||
Descritores: | CASO JULGADO PENAL CONDENAÇÃO OPONIBILIDADE A TERCEIROS LEI TUTELAR EDUCATIVA MEDIDAS TUTELARES HOMOLOGAÇÃO JUDICIAL PRESUNÇÕES LEGAIS AMPLIAÇÃO DA BASE INSTRUTÓRIA FACTOS ESSENCIAIS ÓNUS DA PROVA | ||
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Data do Acordão: | 10/27/2015 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | ANULADO O ACÓRDÃO DA RELAÇÃO | ||
Área Temática: | DIREITO CIVIL - LEIS, SUA INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO - RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICOS / EXRCÍCIO E TUTELA DE DIREITOS / PROVAS. DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / BASE INSTRUTÓRIA / SENTENÇA / RECURSOS | ||
Doutrina: | - Anabela M. Rodrigues e António Duarte Fonseca , Comentário da “Lei Tutelar Educativa”, Reimpressão, Coimbra Editora, 2003, p. 37. - Luís Pires de Sousa, Prova por Presunção no Direito Civil, p. 160, Almedina, 2012. | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 11.º, 341.º, 342.º, N.º1, 350.º, N.º1. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 264.º, N.º1, 511.º, N.º1, 674.º-A. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (NCPC) / 2013: - ARTIGOS 623.º, 682.º, N.º3. LEI TUTELAR EDUCATIVA APROVADA PELA LEI N.º 166/99, DE 14-9 (LTE): - ARTIGOS 2.º, 92.º, N.ºS 1 E 2, 104.º, N.ºS 4 E 5, 110.º, N.ºS 1 A 3, 111.º. | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA: -DE 12/10/11 (PROC. N.º 243/10.9T3ETR.C1). -*- ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: -DE 13/11/03, PROC. N.º 03B2998, E DE 11/7/13, PROC. N.º 9966/02.5TVLSB.L1.S1, AMBOS ACESSÍVEIS EM WWW.DGSI.PT . | ||
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Sumário : | I - O art. 623.º do NCPC, referindo-se à condenação definitiva proferida no processo penal, somente em relação a esta estabelece a presunção, que se impõe ao juiz cível, e que é ilidível, no que se refere à existência dos factos que integram os pressupostos da punição e os elementos do tipo legal, bem como dos que respeitam às formas do crime. II - A decisão judicial homologatória de medida tutelar educativa proferida no âmbito do art. 104.º, n.º 4, da LTE, aprovada pela Lei n.º 166/99, de 14-09, não se equipara a sentença penal a que possa aplicar-se o disposto no art. 623.º do NCPC. III - Limitando-se o efeito do caso julgado da decisão homologatória à concordância dada por todos os intervenientes relativamente à medida tutelar educativa proposta pelo MP, não podem nele incluir-se os factos qualificados na lei como crime e imputados ao menor como justificativos da sua aplicação. IV - Se tais factos – constitutivos do direito à indemnização civil peticionada pelos autores –, foram alegados na petição inicial, porém, não levados à base instrutória, mantendo-se controvertidos e pertinentes, impõe-se ordenar a ampliação da base instrutória, em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito, nos termos do art. 682.º, n.º 3, do NCPC, facultando-se aos autores a oportunidade de os provarem, de harmonia com as regras gerais do ónus da prova, que constam dos arts. 341.º e 342.º do CC. | ||
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Decisão Texto Integral: |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
I. Síntese dos termos essenciais da causa e do recurso AA e BB, esta por si e em representação do primeiro autor, propuseram contra CC e seus pais, DD e EE, uma acção ordinária, pedindo a condenação dos Réus a indemnizar o autor por todos os danos causados (patrimoniais - 1.039,22 €; morais - 30.000,00 €), bem como a autora (morais - 10.000,00 €). Alegaram em resumo que: - No dia 19/6/07 o autor foi vítima de actos praticados pelo menor CC, que consistiram na prática de dois crimes de violação agravada previstos e punidos, à data, nos artigos 164º, nº 1, e 177º, nº 4, do Código Penal: - Nesse dia, o réu CC, então com 13 anos de idade, aproveitando-se da superioridade física que tinha sobre o autor, então com 7 anos de idade, obrigou este, em duas ocasiões, a chupar-lhe o pénis; - O autor, logo no dia após a ocorrência dos factos, teve que ir durante a noite com o pai para o trabalho, pois sentia medo em casa, o que ocorreu durante 15 dias; - Recusou-se a ir à escola e teve de submeter-se a consultas de psiquiatria e psicologia, que agora ainda frequenta, sendo as de psiquiatria de seis em seis meses e as de psicologia duas vezes por mês; - Desde 19/6/07 apresenta sintomatologia compatível com quadro de stress pós-traumático, com insónia inicial, pesadelos recorrentes, vivência de imagens intrusivas associadas ao abuso, maior agressividade e instabilidade motora com agravamento do quadro de hiperactividade pré-existente e défice de atenção, verbalizando medo de ficar doente; - Sente vergonha, medo, instabilidade psico-afectiva, afectando o seu desempenho nas várias dimensões do seu quotidiano familiar, escolar e social; - Manifesta grande sofrimento emocional do foro psicológico, com estado depressivo, perda de interesses, desânimo e algum embotamento emocional, comportamentos de evitamento, temendo frequentar locais aos quais associava a presença do réu CC, intensas reacções emocionais face a estímulos que recordem a situação vivida, estado de ansiedade, com respostas de sobressalto e apreensão, instabilidade emocional, irritabilidade fácil, desorganização comportamental, alteração do sono e do apetite; - Teve que iniciar medicação com antidepressivo e neuroléptico, mantendo medicação com Ritalina LA 30, Rubifen 10 e Tricum AC; - Os factos foram fotografados, com conhecimento do réu CC, com a câmara fotográfica de um telemóvel de uma menor que os presenciou, tendo ambos mostrado tais fotografias aos vizinhos e a quem lhes apeteceu, o que fez com que o autor se sentisse envergonhado pelos actos a que foi obrigado e pelo seu conhecimento público, e fortemente humilhado por parte de outros colegas que tomaram conhecimento da situação; - A medicação que toma representa para os seus pais um gasto mensal médio de 30 euros, chegando por vezes a € 73, tendo, até ao momento, a família despendido em medicamentos para o autor a quantia de € 1.039,22; - O acontecimento acima relatado afectou a saúde da autora, que já desde 2003 tinha acompanhamento psiquiátrico, vendo agravado o seu estado depressivo; - A família foi falada por toda a vizinhança, havendo quem fizesse troça do acontecimento, levando a que a autora, mãe do autor, sentisse vergonha e humilhação; - A autora teve de assistir à transformação do seu filho, operada após as práticas descritas, o que implicou a alteração e deterioração dos relacionamentos familiares do seu agregado. Os réus contestaram, por excepção e por impugnação, alegando que: - Há litispendência entre a presente acção e a que corre termos no 3.º Juízo deste mesmo Tribunal, com o n.º 1536/10.0TBFLG, sendo a presente aquela em que a citação ocorreu em segundo lugar; - O réu CC é parte ilegítima, pois é menor e não responde por danos, visto ser inimputável em razão da idade; - O réu CC, na ocasião dos autos, apenas mostrou o pénis ao autor e porque este lho pediu insistentemente; - Os réus EE e DD sempre tiveram diligência e cuidado na vigilância do seu filho e sempre lhe deram a melhor das educações, não sendo exigível uma actuação constante de vigilância, incompatível com a liberdade de movimentos e com as necessidades da vida quotidiana. Houve réplica, a sustentar a improcedência das excepções invocadas. No despacho saneador (fls 231 e 232) foram julgadas improcedentes as excepções de ilegitimidade do réu CC e de litispendência. Realizado o julgamento e estabelecidos os factos, foi proferida em 18.8.14 a seguinte decisão: “Nestes termos e face ao exposto, julgo parcialmente procedente a acção e, em consequência: a) Condeno os Réus, CC, DD e EE, a pagar ao Autor, AA, a quantia de € 25.000,00, acrescida de juros vencidos desde a data da presente sentença e até integral pagamento, sobre o capital em dívida de € 25.000,00, à taxa de 4%; b) Absolvo os Réus do restante peticionado”. Os réus apelaram, de facto e de direito, e por acórdão de 4/5/15 a Relação do Porto deu provimento ao recurso, absolvendo-os do pedido. Agora é o autor AA, representado por sua mãe, a também autora BB, que, inconformado, recorre para o STJ, pedindo a revogação do acórdão da Relação e a reposição da sentença da 1ª instância com base, em resumo, nas seguintes conclusões úteis: 1ª) Deve considerar-se que há caso julgado relativamente aos factos descritos no ponto 2) da sentença da 1ª instância, e revogar-se, consequentemente, o acórdão da 2ª instância; 2ª) A decisão homologatória proferida no processo tutelar educativo deve ser considerada uma sentença condenatória, pois pressupõe necessariamente que o menor praticou os factos descritos na proposta do MP, sob pena de ilegitimidade da medida tutelar; 3ª) A intervenção tutelar educativa implica a prática, em concreto, dum facto considerado pela lei como crime e a necessidade de correcção da sua personalidade no momento da aplicação da medida; 4ª) Foi a verificação destes pressupostos que levou à aplicação das medidas tutelares educativas de admoestação e obrigação de frequentar sessões de orientação em instituição psico-pedagógica na área sexual; 5ª) A sentença homologatória transitou em julgado, tornou-se definitiva e tem a mesma força das demais sentenças; 6ª) A questão, entre as partes, encontra-se resolvida, com valor de caso julgado, ficando apenas por solucionar o pedido cível, conforme dispõe o artº 91º da LTE; 7ª) O entendimento expresso no acórdão recorrido, no sentido de que não existe caso julgado quanto aos factos objecto de decisão consensual e homologatória, leva à conclusão de que o ofendido teria podido posteriormente ao processo tutelar iniciar um novo processo contra o recorrente pelos mesmos factos; 8ª) O trânsito em julgado implica, nos termos do artº 623º do CPC, a presunção ilidível de que o réu CC cometeu os factos que integram os pressupostos da medida tutelar e os elementos do tipo legal, presunção que os recorridos não ilidiram; 9ª) Foram violados pela Relação os artºs 483º, 496º, 563º, 342º, 487º, nº 1, e 491º do CC e 623º do CPC. Os recorridos contra alegaram, defendendo a manutenção do julgado pela Relação.
II. Fundamentação a) Matéria de facto (as letras entre parêntesis referem-se às alíneas da “especificação” e os números aos quesitos da base instrutória): 1) - No 3º Juízo do Tribunal Judicial de ..., correu termos um processo tutelar educativo com o n.º 603/07.2GAFLG, em que o menor visado era CC (A). 2) - No âmbito do processo tutelar educativo referido no artigo antecedente, foi proferida pelo Ministério Público, em 29 de Julho de 2009, a seguinte promoção: “O Ministério Público requer, atento o disposto nos art.ºs 89º e 90º da Lei Tutelar Educativa, a abertura da fase jurisdicional do processo tutelar educativo relativamente ao menor CC, nascido em … de … de 1993, natural da freguesia de .. (…), concelho de …, filho de DD e de EE, estudante, residente em ..., ..., …-..., titular do Bilhete de Identidade nº ..., Porquanto: No dia 19 de Julho de 2007, no pátio da residência da menor FF, sita na Rua …, nº …, ..., neste concelho e comarca de ..., o menor CC, então com 13 anos, aproveitando-se da superioridade física que tinha sobre o menor AA, nascido em … de … de 1999, e na sequência de ambos os menores estarem a brincar dentro dum tanque com água aí existente vestindo ambos os menores apenas cuecas, o menor CC obrigou o menor AA a chupar-lhe o pénis tendo para isso empurrado com as mãos e segurado na cabeça do menor AA em contacto com o seu pénis contra a vontade do menor AA, mas a que não se conseguiu opor atenta a superioridade de força física do menor CC. De seguida os menores secaram-se, vestiram-se e o menor CC convidou o menor AA a ir a sua casa, sita em …, ..., …-..., para jogarem computador, ao que o menor AA acedeu. Chegados a Casa do CC, os menores jogaram um pouco computador e o CC pediu ao AA que este lhe voltasse a chupar o pénis. Como o CC não acedeu a tal pedido o CC, valendo-se da sua superioridade física, voltou a agarrar na cabeça do AA e obrigou-o a chupar mais uma vez o pénis. De seguida o menor CC empurrou o menor AA para um sofá e tirou-lhe as calças contra a sua vontade, altura em que chegou a casa o pai do menor CC pelo que ambos os menores se esconderam e nada mais aconteceu. O menor CC ao agir da forma descrita pretendeu, em duas ocasiões distintas, manter relações de sexuais introduzindo à força o seu pénis na boca do menor AA com vista a satisfazer os seus instintos libidinosos contra a vontade do menor AA e recorrendo à sua superioridade da sua força física para o impedir o menor AA de resistir com sucesso bem sabendo que o menor AA era vários anos mais novo e nessa medida também tirando partido da ingenuidade do menor AA. O menor CC agiu sempre de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas por lei e constituíam crime. O menor AA ficou muito abalado com os referidos factos de que foi vítima, recebeu assistência hospitalar no Hospital de ..., no Hospital de S. João no Porto e no Hospital Maria Pia da mesma cidade, ficando ser seguido em consultas de psicologia e psiquiatria. Pelo exposto o menor CC incorreu na prática de factos qualificados como dois crimes de violação agravada previstos e punidos, actualmente, pelas disposições conjugadas nos artºs 164º, nº1, a) e 177º, nº, nº6 do Código Penal e, à data dos factos, pelas disposições conjugadas dos artºs 164º, nº1 e 177º, nº 4, do Código Penal com a redacção então em vigor. * Conforme consta do relatório social junto aos autos de fls. 100 a 102, o menor CC é filho único de um casal. Os pais do menor auferem rendimentos suficientes para assegurar um estilo de vida compatível com as suas expectativas. O relacionamento familiar é harmonioso assumindo ambos os progenitores do menor as responsabilidades parentais, sendo tidos como pessoas estruturadas e estruturantes relativamente ao modo como vêm conduzindo o seu percurso de vida. Neste contexto o menor CC parece ter interiorizado as normas e regras que lhe foram sendo transmitidas, denotando capacidade de integração nos diferentes contextos, sendo referenciado positivamente relativamente ao comportamento adoptado no contexto familiar e social. Até ao ano lectivo 2007/2008 não teve retenções, embora tendo um baixo nível de aproveitamento que será resultado de défices ao nível dos conhecimentos adquiridos. Nada há a assinalar negativamente relativamente à assiduidade e comportamento na escola, mantendo relações adequadas com os seus pares e com os agentes educativos, a quem respeita, reconhece autoridade e acata as suas orientações. O menor tem um quotidiano organizado entre a escola, a ama e a família, sob supervisão atenta dos seus pais. O menor distingue claramente os comportamentos delituosos dos comportamentos normativos, tendo capacidade para se posicionar criticamente. O presente inquérito constitui o seu primeiro contacto com a justiça, mostrando-se intimidado, não obstante não aceitar a acusação que lhe é imputada. O menor tem tido um processo de desenvolvimento junto dos seus pais, sob a supervisão atenta destes e empenhados em proporcionar-lhe condições de vida e referenciais normativos que lhe permitam um percurso pró-social. O menor mantém uma adequada integração nos contextos familiares e sociais, bem como um comportamento conforme com as normas jurídicas vigentes. * Atento o exposto, acompanhando a conclusão do referido Relatório Social, tendo presente que o menor não assume a autoria dos factos que lhe são imputados e que estes, em termos abstractos, apresentam um grau de desconformidade muito elevado com as normas penais, sendo por isso fortemente penalizados, e embora os factos que são imputados devam também ser lidos num contexto de “experienciação” e desenvolvimento sexual de uma criança com 13 anos, idade do menor à data dos factos, o Ministério Público entende existir a necessidade de educação para o direito do menor, actualmente com 15 anos de idade, assegurando-se por esta via a sua inserção, de forma responsável e digna, na vida em sociedade, propondo-se a aplicação de uma medida tutelar de admoestação nos termos do disposto nos art.ºs. 2º, 4º, nº1, a), e 9º da Lei Tutelar Educativa” (B). 3) - No âmbito do mesmo processo, foi proferido o seguinte despacho, transitado em julgado: “No âmbito do presente processo, foi deduzido contra o menor CC o requerimento de abertura da fase jurisdicional, onde eram imputados, ao menor, factos abstractamente subsumíveis à prática de dois crimes de violação agravada, p. e p. pelas disposições conjugadas nos artigos 164º/1, al. a) e 177º/6, ambos do Código Penal, e, à data dos factos, pelas disposições conjugadas dos art. 164º, n º 1 e 177º, nº 4, do C.P. com a redacção então em vigor. O Digno Magistrado do Mº Pº propôs inicialmente a aplicação da medida tutelar educativa de admoestação. Pelo menor ofendido AA, na pessoa dos seus progenitores, bem como pela sua ilustre mandatária, propuseram que conjuntamente com a medida proposta pelo MºPº, (admoestação) seja o menor CC sujeito à medida proposta no artigo 15º/ 1, al. d), da LTE -"Frequentar sessões de programas formativos de orientação psico-pedagógica na área sexual". Na sequência, o Digno Magistrado do M.º P.º não se opôs que seja aplicada ao menor a medida de obrigação de frequentar sessões de orientação em instituição psicopedagógica e seguir as directrizes que lhe foram fixadas. Por seu turno, o menor CC, seus progenitores, bem como a sua ilustre defensora, foi dito que concordam com o aditamento ora proposto. Nesta sequência, ao abrigo do que dispõem os artigos 104º/2/a)/b)/4, da Lei Tutelar Educativa, não se considerando desproporcionada ou desadequada as medidas propostas, procedo à sua homologação e, em consequência, aplico: a) Ao menor CC as medidas tutelares educativas: - Obrigação de frequentar sessões de orientação em instituição psicopedagógica e seguir as directrizes que lhe foram fixadas, nos termos do artigo 14º/ 1 e 2, al. c), da Lei Tutelar Educativa, pelo período de seis meses; - Admoestação, nos termos do artigo 9º da Lei Tutelar Educativa. * Fixo os serviços de reinserção social com competência na área de residência dos menores como entidade encarregada de acompanhar e assegurar a execução da medida aplicada, a quem se defere, ao abrigo do disposto no artigo 21º/1, da Lei Tutelar Educativa. Custas a cargo dos representantes legais do menor CC, fixando-se a taxa de justiça em 1 UC e a procuradoria em 1/4 (cfr. artigo 79º, 85º/3/c) e 95º, do Código das Custas Judiciais)” (C). 4) - O réu CC, nasceu em 23 de Novembro de 1993 (D). 5) - O autor AA, nasceu em 7 de Dezembro de 1999 (E). 6) - Antes dos factos descritos em 2, o autor AA já frequentava consultas de Pedopsiquiatria e Psicologia pois apresentava um quadro de perturbação de hiperactividade com défice de atenção (F). 7) - Antes dos factos descritos em 2, a autora BB tinha acompanhamento psiquiátrico por depressão reactiva prolongada (G). 8) - Como consequência dos factos descritos em 2) o autor AA sentia medo de estar em casa (1.º). 9) - Como consequência dos factos descritos em 2) o autor AA recusou-se a ir à escola (2º). 10) - Como consequência dos factos descritos em 2) o autor AA teve de se submeter a consultas de Psiquiatria e de Psicologia (3.º). 11) - Como consequência dos factos descritos em 2) o autor AA continua a receber tratamento psicológico e psiquiátrico (4.º). 12) - Como consequência dos factos descritos em 2) o autor AA apresentou sintomatologia compatível com quadro de stress pós traumático, com insónia inicial, pesadelos recorrentes, vivência de imagens intrusivas associadas ao abuso, maior agressividade e instabilidade motora, com agravamento do quadro de hiperactividade e défice de atenção (5.º). 13) - Como consequência dos factos descritos em 2) o autor AA iniciou um estado depressivo, de medo, pânico e agressividade (6.º). 14) - Como consequência dos factos descritos em 2) o autor AA teve que iniciar medicação com antidepressivo e neuroléptico (7.º). 15) - Como consequência dos factos descritos em 2) o autor AA sentiu vergonha, medo e instabilidade psicoafectiva (8.º). 16) - Como consequência dos factos descritos em 2) o autor AA evidenciou comportamentos de evitamento, temendo frequentar locais aos quais associava a presença do réu CC – (9.º). 17) - Como consequência dos factos descritos em 2) o autor AA sentiu instabilidade emocional, irritabilidade fácil e desorganização comportamental (10º). 18) - Como consequência dos factos descritos em 2) o autor AA sentiu alteração do sono e apetite (11º). 19) - O custo da medicação referida em 14 é de € 30,00 mensais, que têm vindo a ser pagos pelos pais do autor desde a data dos factos descritos em 2 (12.º).
b) Matéria de Direito Na sentença da 1ª instância julgou-se que a circunstância de ter sido aplicada ao réu CC uma medida tutelar educativa nos termos que constam dos pontos 1) a 3) dos factos provados impunha a ponderação dos efeitos da decisão ali proferida para a prova dos factos integradores da causa de pedir nestes autos, logo se adiantando que essa ponderação estava “claramente subjacente ao modo como foi condensada a matéria de facto assente e controvertida...”, tornando essencial tomar em consideração o disposto no artº 623º do CPC, segundo o qual “A condenação definitiva proferida no processo penal constitui, em relação a terceiros, presunção ilidível no que se refere à existência dos factos que integram os pressupostos da punição e os elementos do tipo legal, bem como dos que respeitam às formas do crime, em quaisquer acções civis em que se discutam relações jurídicas dependentes da prática da infracção". E neste contexto concluiu-se, de essencial, o seguinte: Em primeiro lugar, que atendendo ao modelo garantístico a que o processo tutelar educativo obedece, ao seu objecto e aos fins que visa, deve o mesmo considerar-se abrangido pelo espírito do artº 623º do CPC, na parte em que se reporta ao processo penal, ou até pela sua letra, entendida esta em sentido lato; em segundo lugar, que a decisão definitiva, proferida no processo tutelar educativo, que aplique uma medida ao menor, deve ser assimilada a uma "condenação”, face aos termos em que a norma se encontra redigida; e em terceiro lugar que uma decisão homologatória na sequência de acordo de todos os intervenientes na audiência preliminar, tal como sucedeu no processo a que aludem os factos provados 1) a 3), deve considerar-se abrangida pela mencionada previsão. Na sequência lógica destas conclusões escreveu-se o que segue: “Também no caso a que se refere o artº 104.°, nº 4, da LTE, se impõe concluir que a decisão vale como sentença condenatória, já que a mesma, ao aplicar uma medida tutelar educativa, pressupõe necessariamente que o menor tenha praticado os factos descritos na proposta do Ministério Público, pois que, na falta destes, é ilegítima a aplicação de qualquer medida. Por tudo o exposto, impõe-se considerar que o trânsito em julgado da decisão a que se refere o ponto 3 dos Factos Provados implica, nos termos do art.° 623.°, do Código de Processo Civil, a presunção ilidível de que o Réu CC praticou os factos que integram os pressupostos da aplicação da medida tutelar e os elementos do tipo legal. Cabia, por isso, aos Réus elidir a referida presunção, provando que tais factos não ocorreram - Cfr., art.° 350.°, n.° 2, do Código Civil. Ora, conforme se constata pela leitura da decisão da matéria de facto, em especial na parte em que se deu como não provada a matéria dos quesitos 14.° e 15.° da Base Instrutória, os Réus não lograram elidir tal presunção. Assente a verificação da factualidade descrita no ponto 2 dos Factos Provados, impõe-se também concluir pela verificação dos restantes pressupostos da responsabilidade civil, no que tange ao Réu CC” (segue-se, depois, a análise desses pressupostos). Apreciando o recurso de apelação dos réus, a Relação viu as coisas de modo assaz diverso. Assim, escreveu-se no acórdão recorrido, no que respeita à questão em apreço: “.... Os recorrentes alegam, em suma, que não se fez prova quer dos sobreditos factos descritos em 2) quer da sua conexão com os referidos nas respostas aos itens 1º a 12º da BI porquanto inexiste caso julgado a considerar no contexto da decisão que homologou a supra referida medida tutelar. Por outro lado, os pais do menor ora réu cumpriram com o seu dever de vigilância, devem ser absolvidos do pedido de indemnização ou então este deve ser fixado no montante de € 2.500,00. O tribunal a quo considerou que se encontrava provada a factualidade descrita no requerimento do MºPº acima transcrito que culminou com a homologação da medida de admoestação e da obrigação de frequência, por seis meses, de sessões de orientação em instituição psicopedagógica. Fundamentou a decisão na aplicação ao caso do processo tutelar do preceituado no art. 623º do CPC que regula a oponibilidade a terceiros da decisão penal condenatória. Neste contexto, conclui o tribunal recorrido que não foi ilidida a presunção a que alude o citado artigo pelo que se tinham como provados os factos descritos pelo Mº Pº no requerimento para abertura da fase jurisdicional (descritos em 2. dos factos provados). O art. 623º do CPC regula a oponibilidade a terceiros da decisão penal condenatória. Terceiros são todos aqueles que não intervieram no processo penal pois em relação a todos aqueles que nele intervieram (arguidos, ofendidos e partes civis) a decisão penal tem eficácia absoluta ou seja faz caso julgado formal e material quanto aos factos constitutivos da infracção e os relativos à culpa. Neste contexto, tais factos são indiscutíveis entre todos aqueles que participaram no processo penal e presumem-se verdadeiros em relação a terceiros. No processo tutelar o pedido cível é deduzido em separado perante o tribunal competente (art. 91º da LTE) sendo que, no caso em apreço, a procedência do mesmo depende da demonstração prévia dos actos ilícitos imputados ao menor ora réu. Se tivesse existido uma decisão tal como se encontra prevista no art. 110º da LTE (com enumeração dos factos provados e não provados) seria de veicular o entendimento que tais factos se encontravam provados entre as partes que intervieram no processo tutelar por força do caso julgado acima referido (nem era necessário invocar qualquer presunção ficando por provar apenas as consequências danosas dos actos do menor). Contudo, o processo tutelar terminou pelo consenso a que alude o art. 104º da LTE pelo que, embora se conceba que não prescinda totalmente da factualidade que lhe subjaz e que foi invocada pelo Mº Pº no requerimento para abertura da fase jurisdicional, não se chegaram a apreciar factos nem na decisão homologatória tomada se fez referência concreta a qualquer deles. De facto, neste tipo de tramitação processual está em causa uma solução consensual que evita o julgamento e que coloca a questão de facto na penumbra pelo que não se pode concluir pela existência de caso julgado quanto aos sobreditos factos que, aliás, nem foram autonomamente descritos mas enquadrados no dito requerimento do Mº Pº. Consequentemente, por inexistir caso julgado na circunstância, não está provado que os danos descritos na matéria de facto idº sob os nºs 7 a 18 tenham sido consequência dos factos descritos em 2. porquanto tais factos não se mostram provados. Como tais factos pressupunham o pedido indemnizatório em causa inexiste fundamento para a condenação no mesmo e mostram-se prejudicadas as demais questões suscitadas. Nestes termos, dá-se provimento ao recurso e, em consequência, absolvem-se os réus do pedido”. *** Como se infere de tudo o que antecede, a questão fundamental, e a bem dizer única, que se coloca no presente recurso é a de saber se por aplicação da norma do artº 623º do CPC, relativa à oponibilidade a terceiros da decisão penal condenatória, deverá entender-se (como se entendeu na sentença da 1ª instância, mas não no acórdão recorrido) que o caso julgado formado pela decisão homologatória ditada no processo tutelar cível abrange os factos delituosos imputados ao ora réu CC na promoção do MP de 29/7/09, subsumíveis à prática de dois crimes de violação agravada, previstos e punidos pelos artºs 164º, nº 1, a), e 177º, nº 6, do C. Penal (ponto de facto nº 2). Ora, a este respeito há que salientar, antes de mais, que o preceito legal em apreço se refere à “condenação definitiva proferida em processo penal”, somente em relação a esta estabelecendo a presunção que se impõe ao juiz cível. Acontece, porém, que a decisão mencionada no ponto de facto nº 3 não é uma sentença penal condenatória, antes uma decisão proferida no âmbito do artº 104º, nº 4, da Lei Tutelar Educativa aprovada pela Lei 166/99, de 14/9 (LTE) – ou seja, uma decisão que, por ter sido obtida a concordância de todos os intervenientes na audiência preliminar e não ter sido considerada pelo juiz desproporcionada ou desadequada a medida que o MP propôs, se limitou a proceder à homologação judicial desta. Afigura-se, por isso, que não pode nem deve aplicar-se-lhe o disposto no artº 623º do CPC, porquanto a situação que esteve na sua base é tudo menos análoga (do ponto de vista jurídico) à que fundamenta uma sentença penal condenatória. Basta ter presente que, muito embora o primeiro e inarredável pressuposto da intervenção tutelar educativa seja, como referem Anabela M. Rodrigues e António Duarte Fonseca (Comentário da Lei Tutelar Educativa – Reimpressão – Coimbra Editora, 2003, - pág. 37) a “existência de uma ofensa a bens jurídicos fundamentais, traduzido na prática de facto considerado por lei como crime”, a sua finalidade consiste “na educação do menor para o direito e não na retribuição pelo crime”; por isso mesmo, a “medida tutelar não pretende constituir um sucedâneo do direito penal” e “é primacialmente ordenada ao interesse do menor: interesse fundado no seu direito à realização de condições que lhe permitam desenvolver a sua personalidade de forma socialmente responsável”; daí que, não visando a intervenção tutelar educativa a punição, ela só deva ocorrer “quando a necessidade de correcção da personalidade subsistir no momento da aplicação da medida. Nos outros casos, a autonomia individual prevalece sobre a defesa dos bens jurídicos e as expectativas da comunidade”. Tudo isto, de resto, está claramente expresso no artº 2º da LTE, onde se diz, preto no branco, que as medidas tutelares educativas visam a educação do menor para o direito e a sua inserção, de forma digna e responsável, na vida em comunidade (nº 1), e que as causas que excluem ou diminuem a ilicitude ou a culpa são consideradas para a avaliação da necessidade e da espécie da medida (nº 2). E há, de igual modo, jurisprudência nacional que de modo muito incisivo e claro traçou a linha divisória entre os objectivos da intervenção estadual no domínio da lei penal, por um lado, e no da lei relativa a menores entre os doze e os dezasseis anos de idade, por outro. Tal o caso do acórdão da Relação de Coimbra de 12/10/11 (Procº 243/10.9T3ETR.C1), onde a dado passo se escreve: “... Num modelo de Justiça como actualmente é o nosso, a restrição de direitos fundamentais inerente à aplicação de uma medida tutelar educativa justifica-se pela prossecução de outros interesses constitucionalmente protegidos, nomeadamente aqueles que integram os objectivos prioritários da política de juventude estadual, nomeadamente, “o desenvolvimento da personalidade dos jovens, a criação de condições para a sua efectiva integração na vida activa e o sentido de serviço à comunidade” – artigo 70º, nº 2 da CRP. Para além disso, o Estado deve assegurar as exigências comunitárias da segurança e da paz social. Encontrando-se a personalidade do jovem ainda em formação, o Estado tem o direito e o dever de intervir correctivamente neste processo sempre que ele, ao ofender valores essenciais da comunidade e as regras mínimas que regem a vida social, revele uma personalidade hostil ao dever-ser jurídico básico. A preocupação sobre as questões de delinquência de crianças e jovens não é um dado novo. ..... A intervenção tutelar educativa – legitimada, em termos de letra de lei, pelo DL 166/99 de 14/9, que aprovou a Lei Tutelar Educativa, entrada em vigor em 1/1/2001) importa restrições a direitos da criança (como o direito à liberdade e à autodeterminação pessoal) e dos progenitores (como o direito à educação e à manutenção dos filhos). Ela deve ser excepcional e obedecer aos princípios da necessidade e da proporcionalidade. Se o jovem entra em ruptura com o mínimo ético e social em que assenta a vida em sociedade, ofendendo bens jurídicos tutelados pelo direito penal, o Estado, através dos Tribunais, deve intervir com o objectivo de fazer compreender ao agente os valores essenciais da comunidade e as regras básicas de convivência social a que qualquer cidadão deve obediência. A intervenção tutelar educativa só se justifica, assim, se o interesse da criança ou do jovem assim o determinar, tendo em vista o direito em “desenvolver a sua personalidade de forma socialmente responsável, ainda que, para esse efeito, a prestação estadual implique uma compressão de outros direitos que titula”. Esta intervenção não visa a punição e só “deve produzir-se quando a necessidade de correcção da personalidade subsista no momento da aplicação da medida. Quando tal não aconteça, a ausência de intervenção representará uma justificada prevalência do interesse da criança ou do jovem sobre a defesa dos bens jurídicos e das expectativas da comunidade”. A intervenção tutelar educativa do Estado justifica-se quando “se tenha manifestado uma situação desviante que torne clara a ruptura com elementos nucleares da ordem jurídica”, legitimando-se o Estado para educar o jovem para o direito, mesmo contra a vontade de quem está investido das responsabilidades parentais Retemos a concepção de um processo tutelar educativo que tem como objectivo primordial a defesa do interesse do jovem, na perspectiva da sua integração social, não podendo ser encarado, nunca, sob uma perspectiva sancionatória ou intimidatória; na realidade, a medida tutelar deverá ser enquadrada em termos da evolução da personalidade do jovem e adequação ao seu desenvolvimento psicológico, devendo o tribunal atender à gravidade da sua conduta, traduzida na prática de actos delituosos. No sentido da responsabilização do jovem prevaricante, deve dar-se prevalência, num âmbito de justiça reparadora, às ideias de restituição, compensação, redução dos conflitos, mediação, participação, reconciliação e prestações comunitárias. ..... O processo tutelar educativo tem muitas afinidades com o processo penal – que não devem passar disso -, dele importando, essencialmente, as garantias constitucionais em matéria de direitos fundamentais e alguns institutos adaptados aos fins do processo tutelar educativo, como, por exemplo, a participação processual do ofendido (muito embora se opine que o mesmo nunca poderá recorrer de uma decisão final já que se considera que o mesmo não é “terceiro” prejudicado com a mesma, atentas as finalidades do processo tutelar educativo)”. Ainda, porém, que fosse possível sustentar-se consistentemente a existência de analogia entre as duas situações ou realidades retratadas – sentença penal condenatória e decisão homologatória no âmbito do artº 104º da LTE – certo é que a norma que estabelece uma presunção legal – tal o caso do artº 623º do CPC - é de natureza excepcional e, nessa exacta medida, insusceptível de aplicação analógica (artº 11º do CC). Tem de afastar-se deste modo, a aplicação do mencionado preceito, uma vez que, contrariamente ao julgado na sentença, nem a sua letra nem o seu espírito apontam minimamente em tal sentido, como se pôs em evidência; e também não se vê qualquer razão atendível, mesmo abstraindo do exposto, para assimilar a decisão proferida no processo tutelar que envolveu o réu CC a uma condenação penal, nos termos adoptados pela 1ª instância. Não verdade, não pode perder-se de vista que segundo o entendimento unânime da doutrina e da jurisprudência o que está em causa no artº 623º do CPC não é a eficácia do caso julgado penal, mas sim a definição da eficácia probatória legal extra processual da própria sentença penal condenatória transitada em julgado, independentemente das provas com base nas quais os factos tenham sido dados como assentes (cfr. Ac. do STJ de 13/11/03, Procº 03B2998, e de 11/7/13, Procº 9966/02.5TVLSB.L1.S1, ambos acessíveis em www.stj.pt; e cfr ainda, por último, Luís Pires de Sousa, Prova por Presunção no Direito Civil, pág. 160, Almedina, 2012). O que se retira, em concreto, da norma em questão é que a lei extrai da decisão penal condenatória a ilação de que os factos aí dados como provados são verdadeiros, transferindo para o terceiro (no caso presente, os réus) o ónus de provar o contrário. Portanto, dizendo o artº 350º, nº 1, do CC que quem tiver a seu favor a presunção legal escusa de provar o facto a que ela conduz, na hipótese dos autos isso significaria – concedendo, em teoria, ser possível a falada assimilação (equiparação) da decisão do processo tutelar a uma sentença penal – que aos autores bastaria provar a existência da decisão homologatória no processo tutelar, o seu trânsito em julgado e o respectivo conteúdo, isto é, os factos concretos ali dados como apurados, ficando dispensados de provar que os mesmos são verdadeiros; à contraparte (os réus/recorridos), nos termos do nº 2 do mesmo preceito, caberia demonstrar que os factos provados na decisão do processo tutelar não correspondem à verdade, não são verdadeiros. Na situação a que este processo se reporta, todavia, e como já se evidenciou, a decisão do processo tutelar limitou-se a homologar a proposta do MP quanto às medidas educativas a aplicar, nos termos consentidos pelo artº 104º, nº 4, da LTE, sem que tenha sido necessário, por a lei o não exigir, elencar os factos provados e não provados; esta enumeração seria indispensável, sob pena de nulidade, se tivesse havido produção dos meios de prova apresentados em audiência, seguida de decisão a determinar o arquivamento do processo ou a aplicação de medida tutelar, o que só acontece quando o juiz considera desadequada ou desproporcionada a medida proposta pelo MP ou não existe consenso sobre ela (cfr. artºs 104º, nº 5, 110º, nºs 1 a 3, e 111º da LTE). Portanto, não é correcto nem rigoroso falar-se na existência de caso julgado quanto aos factos invocados pelo MP no requerimento para abertura da fase jurisdicional do processo tutelar uma vez que terminado este, como se viu, por decisão que homologou as medidas propostas por aquele magistrado, tal significou, em termos práticos, que os factos materiais ali descritos não chegaram a ser apreciados com observância do princípio do contraditório e, consequentemente, incorporados como factos efectivamente provados na decisão homologatória proferida (artº 92º, nºs 1 e 2, da LTE). Numa palavra, dir-se-á que no processo tutelar foi objecto de homologação judicial, com efeito de caso julgado, o acordo (consenso) sobre a medida educativa a adoptar, mas não os factos imputados ao menor justificativos da sua aplicação. Está certa, pois, a decisão do acórdão recorrido no sentido de, por julgar inexistente o caso julgado, considerar não provado que os danos descritos na matéria de facto identificada sob os nºs 7) a 18) tenham sido consequência da descrita em 2), visto que esta não se mostra de igual modo comprovada. A nossa concordância com o julgamento da 2ª instância, no entanto, termina aqui. Efectivamente, os factos delituosos elencados pelo MP na promoção de 29/7/09 que marcou a abertura da fase jurisdicional do processo tutelar educativo são constitutivos do direito à indemnização aqui accionado pelos autores e integram-se na causa de pedir, tendo sido oportunamente alegados na petição inicial, em conformidade com os artºs 342º, nº 1, do CC e 264º, nº 1, do CPC então em vigor. Não foram, porém, levados à base instrutória, como deveria ter sucedido à luz do preceituado no artº 511º, nº 1, do CPC, que manda ter em conta as “várias soluções plausíveis da questão de direito”, certamente porque o julgador considerou na altura que a aplicabilidade do artº 623º do CPC (anterior 674º-A) ao caso dos autos era um dado adquirido, e nesse pressuposto organizou a base instrutória. Mas devendo aplicar-se, como resulta de todo o exposto, as regras gerais sobre o ónus da prova que constam dos artºs 341º e 342º do CC, designadamente a do nº 1 deste último preceito, e porque os factos a que se aludiu são controvertidos e pertinentes, impõe-se ordenar a ampliação da matéria de facto, em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito, nos termos do artº 682º, nº 3, do CPC, concedendo assim aos recorrentes, como a lei determina, o ensejo de demonstrar os factos materiais geradores da responsabilidade civil que exigem dos réus.
III. Decisão Com os fundamentos expostos acorda-se em anular o acórdão recorrido, bem como a sentença da 1ª instância, e, em ordem a evitar maior delonga processual, ordena-se que o processo baixe directamente à 1ª instância para ampliação da base instrutória nos termos sobreditos e posterior julgamento da causa com os factos que resultarem provados. Custas pela parte vencida a final.
Lisboa, 27 de Outubro de 2015
Nuno Cameira (Relator) Salreta Pereira João Camilo
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