Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2916/13.5TBTVD.L1.S2
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: TOMÉ GOMES
Descritores: FALSIDADE
DOCUMENTO ELECTRÓNICO
DOCUMENTO ELETRÓNICO
DECLARAÇÃO
REGISTO AUTOMÓVEL
NULIDADE
PRESUNÇÃO LEGAL
TRÂNSITO EM JULGADO
ARGUIÇÃO DE NULIDADE
ÓNUS DE ALEGAÇÃO
ÓNUS DA PROVA
CONTRATO DE COMPRA E VENDA
DOCUMENTO AUTENTICADO
ACTO NOTARIAL
ATO NOTARIAL
ACÇÃO DE REGISTO
AÇÃO DE REGISTO
ININTELIGIBILIDADE DA CAUSA DE PEDIR
CAUSA DE PEDIR
PEDIDO
INEPTIDÃO DA PETIÇÃO INICIAL
PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
RECONVENÇÃO
FACTO CONTROVERTIDO
Data do Acordão: 02/07/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL – RELAÇÕES JURÍDICAS / EXERCÍCIO E TUTELA DOS DIREITOS / PROVAS / PROVA DOCUMENTAL / DOCUMENTOS PARTICULARES / FORÇA PROBATÓRIA.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / ARTICULADOS / EXCEÇÕES / REQUISITOS DE LITISPENDÊNCIA E DO CASO JULGADO / SENTENÇA / EFEITOS DA SENTENÇA.
Doutrina:
- Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, Volume II, Almedina, 1982, p. 219 e ss.;
- Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 2.ª Edição, 1985, p. 515;
- Isabel Ferreira Quelhas Geraldes, Código do Registo Predial Anotado e Comentado, Almedina, 2018, p. 129;
- Isabel Pereira Mendes, Código de Registo Predial Anotado e Comentado, Almedina, 12.ª Edição, 2002, p.100;
- Pires de Lima e Antunes Varela Código Civil Anotado, Volume I, Coimbra Editora, 4.ª Edição, 1987, p. 332;
- Seabra Lopes, Direito dos Registos e do Notariado, Almedina, 5.ª Edição, 2009, p. 426.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 376.º, N.º 1.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 5.º, N.º 3, 581.º, N.º 4, 619.º, N.º 1, E 621.º.
CÓDIGO DO REGISTO PREDIAL (CRP): - ARTIGOS 7.º, 16.º, ALÍNEA A) E 17.º, N.º 1.
Sumário :
I. A indicação e a inteligibilidade da causa de pedir revestem a natureza de pressuposto processual com a função de conferir idoneidade ao objeto da ação para proporcionar um adequado exercício do contraditório pela contraparte e possibilitar o julgamento de mérito.

II. À luz do disposto no artigo 581.º, n.º 4, do CPC, a causa de pedir consiste no facto jurídico de que procede o efeito prático-jurídico pretendido pelo impetrante, consubstanciando-se na alegação de determinada factualidade que, atento o quadro normativo suscetível de ser aplicado pelo tribunal com a latitude preconizada no artigo 5.º, n.º 3, do mesmo Código, possa sustentar juridicamente aquele efeito pretendido, ou seja, o pedido formulado.

III. Assim, ocorrerá falta de causa de pedir quando não sejam alegados quaisquer factos relevantes para tal ou quando sejam alegados de forma tão vaga, genérica ou conclusiva que não permita, segundo um juízo de prognose, delimitar minimamente o alcance objetivo do caso julgado material que venha a recair, positiva ou negativamente, sobre a pretensão deduzida, em termos de evitar ulterior repetição de causas, em conformidade com o disposto nos artigos 619.º, n.º 1, e 621.º do CPC. De igual modo, verificar-se-á ininteligibilidade da causa de pedir quando a factualidade alegada não seja suscetível de qualquer significação jurídica, positiva ou negativa, na perspetiva dessa pretensão. 

IV. Tendo a autora alegado, como fundamento da pretensão de declaração de nulidade do registo, a inexistência do ato aquisitivo levado a registo, bem como a falsidade do título em que tal registo se baseou, por não ter manifestado a declaração de venda dele constante que ali lhe é atribuída, tal factualidade é suscetível de ser integrada na previsão do artigo 16.º, n.º a), do Código de Registo Predial e de, a ser provada, determinar a nulidade do referido ato de registo e o seu cancelamento, traduzindo-se em causa de pedir inteligível.

V. Provado que, no requerimento único para registo automóvel online assinado pela autora, com posterior certificação desta assinatura por notário, que o assinou também eletronicamente, do qual consta a declaração de venda impressa atribuída à mesma autora na qualidade de vendedora do referido veículo, mas sinalizada em quadrícula por pessoa diferente desta já depois da aposição assinatura da mesma autora, deve considerar-se tal documento viciado nessa parte, nos termos e para os efeitos do artigo 376.º, n.º 1, parte final, do CC.

VI. Assim, essa viciação é passível de ser qualificada como falsidade daquele requerimento, naquela parte, cujo alegação e prova, por qualquer meio probatório legalmente admitido, incumbe à pessoa contra quem o documento é apresentado.

VII. Provando-se tal viciação e também que nem sequer ocorreu o facto levado a registo, tem-se por verificada a previsão do artigo 16.º, alínea a), do Código do Registo Predial com a consequente nulidade desse ato de registo.

VIII. O preceituado no artigo 17.º, n.º 1, do Código de Registo Predial veda a invocação dessa nulidade, antes de ser declarada judicialmente com trânsito em julgado, para obstar ao funcionamento da presunção estabelecida no artigo 7.º do mesmo Código, mas não impede a própria arguição da mesma nulidade com vista à respetiva declaração judicial, como se verifica claramente no caso presente.

IX. Tendo o réu deduzido pretensão reconvencional subsidiária fundada na sua impugnação dos factos alegados como causa de pedir pela autora, tais factos devem ser tidos por controvertidos, mesmo que esta não tenha respondido à matéria da reconvenção.

Decisão Texto Integral:
Acordam na 2.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça:



I – Relatório


1. AA (A.), que também usa o nome de casada BB, intentou, em 16/10/ 2013, ação declarativa, sob a forma de processo declarativo comum, contra CC (1.ª R.), notária privada, e DD (2.º R.), alegando, no essencial, que:  

. A A. foi surpreendida com o facto de ter sido efetuado pela 1.ª R., na qualidade de notária, o registo online da venda do seu veículo automóvel de marca Mercedes-Benz, com a matrícula 21-...-35, a favor do 2.º R., porquanto não lhe vendeu tal veículo, não existindo qualquer contrato de compra e venda, verbal ou escrito, que tivesse sido celebrado entre a A. e este 2.º R.;  

. Tal transmissão foi levada a registo através do requerimento único reproduzido a fls. 21-24, datado de 09/05/2011, preenchido e elaborado pela 1.ª R. ou a seu mando e pela mesma assinado eletronicamente, alegadamente em nome da A.;

. Porém, a A. nunca produziu as declarações constantes daquele requerimento nem subscreveu qualquer documento em que manifestasse a vontade de vender o referido automóvel;

. Assim, a inexistência do ato levado a registo torna este registo falso e, consequentemente, nulo nos termos do artigo 16.º, n.º 1, alínea a), do Código de Registo Predial, devendo o mesmo ser cancelado.

Pediu a A. que fosse:

a) – Reconhecida a inexistência jurídica do contrato verbal de compra e venda subjacente ao registo em causa, bem como a falsidade do título em que este se baseou;

b) – Declarada a nulidade daquele registo;

c) – E, consequentemente, ordenado o respetivo cancelamento. 

2. A 1.ª R. contestou a invocar a sua ilegitimidade e, subsidiariamente, a impugnar a ação, esclarecendo as condições e o modo como o registo fora efetuado.

3. Por sua vez, o 2.º R. apresentou contestação-reconvenção, em que, além de arguir a ineptidão da petição inicial, apresentou uma versão diferente dos factos, a sustentar, em resumo, que:

. A A. entregou a viatura em causa para venda a um comerciante de automóveis;

. A mesma assinou o documento que titula a transmissão desse veículo com a menção “declaração para registo de propriedade (contrato verbal de compra e venda)”; 

. Entregou os seus elementos de identificação para se proceder ao registo de aquisição a favor do 2.º R.;

. E entregou também as duas únicas chaves do veículo ao aludido comerciante de automóveis.    

Concluiu o 2.º R., em primeira linha, pela sua absolvição da instância e, subsidiariamente, no sentido da improcedência da ação, pedindo, para o caso de a ação ser julgada procedente, a condenação da A. a pagar-lhe a quantia de € 28.000,00 correspondente ao preço por ele pago.  

4. Findos os articulados, foi fixado à causa o valor de € 58.000,01, resultante da soma do valor atribuído pela A. (€ 30.000,01) e o valor da reconvenção (€ 28.000,00), conforme o despacho de fls. 116 a 118, de 19/ 11/2014.

5. Após a audiência prévia, proferiu-se despacho saneador, no âmbito do qual foi julgada improcedente a exceção de ineptidão da petição inicial invocada pelo 2.º R. e procedente a exceção de ilegitimidade da 1.ª R. com a consequente absolvição desta da instância, seguindo-se a identificação do objeto do litígio e a enunciação dos temas da prova.  

6. Realizada a audiência final, foi proferida a sentença de fls. 299 a 310, datada de 07/09/2016, a julgar:

    A – A ação procedente, tendo-se decidido:

a) – Reconhecer a inexistência jurídica do contrato verbal de compra e venda subjacente ao registo de transmissão da propriedade do veículo pedido online e efetuado a favor do 2.º R, bem como a falsidade do título levado a registo;

b) – Declarar a nulidade desse registo, efetuado através da ap. 02741, de 10/05/2011;

c) – Ordenar o cancelamento desse registo.

B – E a reconvenção improcedente com a consequente absolvição da A./Reconvinda dessa pretensão.

7. Inconformado, o 2.º R., DD, interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, em sede de impugnação de facto e de direito, no âmbito do qual foi proferido o acórdão de fls. 412 a 423, datado de 11/01/2018, a julgar, por unanimidade, a apelação improcedente, mantendo a sentença recorrida.

8. De novo irresignado, o mesmo R. veio interpor revista excecional, que foi admitida pelo colégio dos juízes da formação deste Supremo Tribunal a que se refere o artigo 672.º, n.º 3, do CPC, com fundamento na sua relevância jurídica, conforme acórdão de fls. 463 a 467, tendo o Recorrente formulado as seguintes conclusões: 

   I – Quanto à violação da presunção do registo

   1.ª - A aplicação e interpretação dos artigos 7.º e 17.º, n.º 1, do Código do Registo Predial (CRP), aplicáveis ex vi artigo 29.º do Código do Registo Automóvel (CRA), e do disposto nos artigos 347.º e 350.º do CC assume relevância jurídica na medida em que a presunção de titularidade derivada do registo tem vindo a ser considerada como a efetiva vantagem do registo e é nela que têm vindo a ser fundamentadas a grande maioria das decisões judiciais atinentes a esta matéria, assim como é nela que assenta todo o regime legal em matéria de registos vigente no nosso ordenamento jurídico.

2.ª - No acórdão recorrido é atribuído à declaração de nulidade o efeito de afastar a presunção de titularidade derivada do registo ainda na pendência do processo, antes mesmo de a nulidade ser declarada pelo tribunal, em clara violação do disposto no artigo 17.º, n.º 1, do CRP.

3.ª - Importa, assim, apreciar a questão relevante que é a de saber se é admissível que a nulidade do registo produza efeito no próprio processo, mesmo antes de ser proferida a sentença que a vem a declarar para afastar a presunção de titularidade derivada do registo;

4.ª - Esta questão assume relevância autónoma e independente relativamente ao caso em apreço e às partes nele envolvidas e a sua apreciação por este STJ reveste relevância para a aplicação e interpretação da lei, uma vez que o acórdão recorrido faz uma interpretação que não encontra no texto da lei um mínimo de correspondência, violando o disposto do artigo 9.º, n.º 2, do CC;

5.ª - No caso sub judice, convém salientar que:

(í) - a viatura em questão foi registada definitivamente a favor do Recorrente, tendo este efetuado o registo com base numa declaração assinada pela Recorrida e cuja assinatura esta não impugnou;

(ii) - o Recorrente tinha na sua posse a viatura, as respetivas chaves e documentos;

(iii) - a Recorrida nada disse quanto à forma como a viatura foi parar à posse do Recorrente, nem quanto à alegação de o Recorrente lhe ter pago a quantia total de € 28.000,00, a título de preço pela aquisição da viatura;

6.ª - Tendo em conta que a viatura se encontrava registada a favor do Recorrente, este goza da presunção de que é o titular do direito de propriedade, nos termos do art.º 7.º do CRP “ex vi” do art.º 29.º do CRA;

7.ª - A presunção do artigo 7.º do CRP, aplicável ao registo automóvel, sendo “juris tantum”, importa a inversão do ónus da prova, fazendo recair sobre a outra parte a prova do contrário do facto que serve de base à presunção ou do próprio facto presumido, nos termos do disposto nos artigos 347.º e 350.º do CC;

8.ª - Porém, o tribunal “a quo” considerou que a nulidade do registo põe em causa a presunção de titularidade podendo ser arguida, por via de exceção, com o objetivo de ilidir a presunção derivada do mesmo registo.

9.ª - Este entendimento constitui uma clara violação do disposto no artigo 17.º, n.º 1, do CRP que determina que a nulidade do registo só é oponível depois de declarada por decisão judicial transitada em julgado.

10.ª - Na verdade, com base na interpretação feita pela Relação, temos que quem invocasse a nulidade do registo passaria a gozar de presunção de titularidade, invertendo toda a lógica do sistema de registo;

11.ª - Em nome da segurança jurídica e da legalidade, se pode atribuir à alegação da nulidade do registo qualquer efeito antes de esta ser declarada judicialmente, muito menos o efeito de afastar a presunção de titularidade e a consequente inversão do ónus da prova;

12.ª - Para evidenciar o resultado da errada interpretação feita pelo tribunal “a quo”, veja-se que, no caso sub judice, o ora Recorrente teria que provar que comprou o veículo à Recorrida, enquanto que esta gozou da presunção de que não vendeu o veículo ao Recorrente (apesar de a Recorrida ter assinado uma declaração de venda e o Recorrente ter a viatura, as respetivas chaves e documentos na sua posse e de ter pago o preço da viatura;

13.ª - O acórdão recorrido viola, assim, o disposto nos artigos 7.º e 17.º, n.º 1, do CRP, aplicáveis “ex vi” do artigo 29.º do CRA e o disposto nos artigos 347.º e 350.º do CC, devendo ser revogado e substituído por outro que interprete e aplique as referidas normas legais de acordo com o artigo 9.º, n.º 2, do CC e, em consequência, julgue a ação improcedente por não provada.

II - Quanto à questão da ineptidão da petição inicial

14.ª - A  A., em 03/11/2011, instaurou contra o R. uma ação em quase tudo idêntica à presente, a qual correu termos no 1.o Juízo do Tribunal Judicial de … sob o n.º 2328/11.5TBTVD, tendo os RR. sido absolvidos da instância;

15.ª - Perante essa decisão, a A. voltou à “carga” através do presente processo com algumas subtilezas, nomeadamente veio agora alegar apenas que não terá vendido o carro em questão

16.ª - Porém, os problemas de sustentação que fizeram claudicar a primeira ação parecem continuar a existir, de tal modo que a petição inicial ora apresentada permanece inepta, pelos fundamentos já aduzidos no âmbito do primeiro processo;

17.ª – Assim, deverá ser declarada a nulidade de todo o processo, por ineptidão da petição inicial com fundamento em falta ou ininteligibilidade da causa de pedir;

III – Quanto à errada qualificação ao considerar-se falsificado o documento de transmissão do veículo

18.ª - Na 1.ª Instância entendeu-se que o documento que serviu de base ao registo de aquisição da viatura, embora assinado pela A., será nulo por não ter sido a mesma a colocar a cruz na quadrícula da venda e, no seu entender, tal documento é ainda nulo porque igualmente falso, por não corresponder à realidade, ao ter sido o pedido de registo requerido com aprovação pelo sujeito passivo (a A., indicada como vendedora), o que implica a falsidade do título em que se baseou o registo.

 19.ª - Contudo, no ponto 15, deu como provado que:

“Sempre que ao ser elaborado o registo online, seja assinalado nas declarações que o notário age em representação do comprador, surge automaticamente a menção que representa igualmente o vendedor”

20.ª – Essa dupla menção à representação do comprador e do vendedor surge nos registos automóveis online de forma automática;

21.ª – A forma como está criado o sistema dos registos automóveis on-line determina que o notário (ou o conservador) aja em representação do sujeito passivo, sendo que a aprovação deste resulta do ato de assinar o impresso que serve de base ao registo;

22.ª – Assim, não há qualquer falsificação do documento, pois é o próprio sistema criado por via legislativa que origina tal situação;

23.ª – Segundo o entendimento do Instituto dos Registos e Notariado:

“A Lei, para além de genericamente presumir os poderes de representação do advogado, solicitador ou notário que subscrevam requerimento de registo automóvel, isto é, em que sejam requerentes ou representantes, incluindo assim também a representação do comprador no caso do registo de propriedade adquirida em contrato verbal de compra e venda, determina que essa presunção é aplicável à representação do vendedor, no caso da subscrição da venda, confirmativa do requerimento.”

24.º - Segundo os n.ºs 4 e 5 do Regulamento de Registo Automóvel:

4 - O requerimento para registo pode ser subscrito por advogado, solicitador ou notário, cujos poderes de representação se presumem.

5 - O disposto no número anterior é aplicávei à declaração de venda a que se refere a alínea a) do n.º 1 do artigo 25.º

25.º - Por sua vez, o art.º 25.º prescreve, sob a epígrafe "documentos para outros registos de propriedade”:

O registo posterior de propriedade adquirida por contrato verbal de compra e venda pode ser efetuado em face de:

a) - Requerimento subscrito pelo comprador e confirmado pelo vendedor, através de declaração de venda apresentada com o pedido de registo;

b) Requerimento subscrito conjuntamente pelo vendedor e pelo comprador

26.ª - Logo, ao configurar-se este ato efetuado nos termos legais como uma falsificação de documento, está-se a violar o art.º 4.º, 5.º e 25.º do Dec. n.º 55/75 com as respetivas alterações;

27.ª - Como tal, não se verifica qualquer falsificação do documento em questão, sendo que as consequências a extrair não será a nulidade do negócio, mas antes a sua anulabilidade nos termos do art.º 247.º do CC;

28.ª - Porém, o declaratário (aqui Recorrente) não conhecia nem tinha que conhecer esse eventual erro por parte da declarante, pois a primeira vez que a viu foi na sala de audiências;

29.ª - Para si, face à presença daqueles elementos, o negócio de compra e venda terá ocorrido de forma natural e sem suspeitas de qualquer irregularidade;

30.ª - O tribunal “a quo” errou, violando o disposto nos artigos 247.º e 372.º do CC;

31.ª - Esta questão, que deriva da possibilidade de se efetuarem registos online, deverá ser clarificada superiormente, de modo a acautelar os interesses jurídicos dos milhares de cidadãos que a ela recorrem anualmente, sendo tal clarificação fundamental à superior aplicação do direito e à subsistência do primado da Lei.

IV – Quanto às consequência da falta de contestação da reconvenção e da falta de resposta às exceções por parte da Recorrida

32.ª - O R. contestou os factos alegados na PI e, além disso, deduziu uma reconvenção, mas a A. nunca respondeu ou tomou qualquer posição perante estes factos alegados pelo R.;

33.ª – Quanto a esta questão, na sentença recorrida, sustentou estarmos perante uma impugnação antecipada, o que admitimos possa existir em relação a parte dos factos alegados;

34.ª – Porém, existem vários factos alegados pelo R. / Reconvinte sobre os quais a A./Reconvinda nem sequer se pronunciou direta ou indiretamente;

35.ª - Não cabe aqui dentro desta impugnação indireta:

- O preço de € 28.000 foi pago nos termos sobreditos ao comerciante de automóveis. (art.º 33 da contestação) - a A. nada diz quanto ao não recebimento de qualquer quantia;

- A A. nem tão pouco impugnou a sua assinatura que consta no documento de transmissão do veículo (art.º 40 da contestação) - dizer que não subscreveu um documento onde manifestasse o propósito de o vender e afirmar que não assinou aquele documento em concreto não é a mesma coisa, sendo certo que a mesma não impugnou a sua assinatura;

- A A. entregou os seus elementos de identificação para proceder ao registo de aquisição a favor do 2.o R. (art.º 50.º da contestação);

- A A. entregou as duas únicas chaves da viatura ao comerciante de automóveis. (art° 50 da contestação);

- O 2.º R. adquiriu a viatura pelo preço de € 28.000,00, que pagou na íntegra, já que o seu pai lhe doou tal quantia para aquisição da viatura. (art.º 54.º da contestação);  

 - Pois a mesma ficaria com o dinheiro que recebeu da parte do 2.º R. e, em simultâneo, com a viatura que lhe vendeu. (art.º 58.º da contestação);

36.ª - Logo, a Recorrida não impugnou vários factos determinantes e, ainda assim, o tribunal “a quo” entendeu que tal impugnação cobria toda a matéria de exceção e do pedido reconvencional;

37.ª - Não obstante a “história” levada aos autos pela Recorrida ser nitidamente falsa, incoerente e ao total arrepio das regras de experiência comum;

38.ª - Assim sendo, dever-se-ão ter por confessados para todos os devidos efeitos legais os factos constantes nos seguintes artigos da contestação / reconvenção: artigos 33.º, 40.º, 50.º, 54.º e 58.º com as legais consequências daí decorrentes;

39.ª - A questão do ónus da impugnação é dos principais meios de aplicar a justiça, já que, na verdade, configura uma admissão dos factos por parte de quem não os impugna, pelo que a violação deste princípio reveste necessariamente um elevado interesse social e a sua clarificação é fundamental para a melhor aplicação do Direito.

40.ª - É essa definição justificada paradoxalmente pelos interesses em função dos quais se atua - o interesse de ambas as partes em prognosticar com certeza a previsão quer as exigências dos normativos, que toma evidente que a matéria em causa se liga intimamente à segurança da vida em sociedade e aos valores e interesses com ela conexos e está, por isso, inserida no domínio dos princípios consagrados nos artigos 2.o e 20.º da Constituição, comumente reconhecidos como pilares do nosso ordenamento jurídico.

41.ª - A relevância social dos interesses em causa é manifesta, pois que grande parte da vida familiar e social se organiza em torno dos valores da certeza do direito; e de tal dimensão fundamenta! e estruturante da existência humana.

42.ª - A solução da questão deste recurso envolve a interpretação e aplicação de uma norma legal que: tutela interesses socialmente relevantes; envolve a concreta definição da extensão do direito de igualdade e do princípio da clareza e transparência processual e, nessa medida, concretiza direitos, liberdades e garantias, constitucionalmente consagrados. Vai muito para além do caso dos autos, envolve questões de relevante complexidade e que implica a elucidação de diversos problemas conexos que requerem a realização de operações interpretativas complexas; Trata-se de uma questão que, tanto quanto sabemos, o STJ nunca tratou no âmbito da legislação aplicável na situação dos autos;

9. Não foram apresentadas contra-alegações.


  Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.


II - Delimitação do objeto do recurso


Do teor das conclusões recursórias em função das quais se delimita o objeto do recurso, extrai-se que o objeto da presente revista excecional incide sobre as seguintes questões:   

 i) – A questão da invocada ineptidão da petição inicial;  

 ii) – A questão de saber se o “requerimento único” que serviu de base ao registo do automóvel em referência a favor do 2.º R. deve ser tido por falso;

 iii) – Caso tal requerimento seja tido como falso, a questão de saber se a nulidade do registo daí decorrente pode ser invocada neste processo, nomeadamente para efeitos de ilidir a presunção estabelecida no artigo 7.º do Código do Registo Predial;

 iv) – Em caso de procedência da ação, a questão de saber se devem ser tidos como confessados, por não impugnados pela A., os factos alegados sob os artigos 33.º, 40.º, 50.º, 54.º e 58.º da contestação-reconvenção;

 v) – Neste caso, ajuizar sobre a procedência da pretensão reconvencional. 


III - Fundamentação


1. Factualidade dada como provada pelas instâncias


  Vem dada como provada pelas instâncias a seguinte factualidade:

1.1. No Cartório Notarial de … em que a 1.ª R. exerce funções como notária, foi efetuado o registo online da venda ao 2.º R. DD do veículo automóvel MERCEDES-BENZ, matrícula 21-...-35, cuja propriedade se encontrava inscrita a favor da A. - doc. n.º 1 junto com a petição inicial – fls. 14;

1.2. Tendo sido lavrada inscrição de transmissão a favor do 2.º R. em 10/05/2011 - doc. n.º 1 junto com a petição inicial – fls. 14;

1.3. Jamais a A. contatou ou conheceu o 2.º R., pessoal ou por qualquer outra forma, direta ou indiretamente, por interposta pessoa ou representante;

1.4. Não lhe tendo vendido o seu veículo automóvel MERCEDES-BENZ, matrícula 21-...-35.

1.5. Não obstante a inexistência de qualquer contrato de compra e venda, verbal ou escrito a favor do 2.º R., foi a transmissão levada a registo através de requerimento de registo automóvel - cópia junta como doc. 2 com a p.i. – fls. 21-24.

1.6. O requerimento foi assinado eletronicamente pela notária e 1.ª R., CC, que consta desse documento como representante do sujeito passivo, a ora A. - doc. 2 junto com a p.i. – fls. 21-24;

1.7. Do mesmo documento consta ainda designadamente no espaço destinado a declarações:

“O contraente indicado como sujeito passivo (vendedor) declara que em 9­05-2011 efectivamente celebrou nessa qualidade o contrato nele especificado e por isso confirma-o sem quaisquer restrições”.

1.8. Bem como ter sido o pedido de registo online em causa requerido com a aprovação da A.;

1.9. A A. não produziu tais declarações no dia 9/5/2011, como foi feito constar no requerimento único que a notária e 1.ª R. assinou eletronicamente e que foi apresentado a registo.

1.10. Ou noutra altura, lugar ou local que seja.

1.11. A A. não se deslocou ao Cartório da 1.ª R., no dia 9/5/2011.

1.12. A A. não subscreveu o documento n.º 3, intitulado Requerimento de Registo Automóvel, junto a fls.160-161, manifestando a vontade ou o propósito de vender o veículo em causa, não se encontrando preenchida a quadrícula que precede a menção “Declaração para registo de propriedade (contrato verbal de compre e venda)”, quando assinou tal documento.

1.13. No dia 9/5/2011, o 2.º R. dirigiu-se ao cartório notarial da 1.ª R., com o propósito de registar a seu favor uma viatura automóvel.

1.14. Quem o atendeu foi uma funcionária do cartório que em face dos documentos que lhe foram exibidos pelo 2.º R. e, sendo a assinatura da pessoa identificada como vendedora na declaração para registo de propriedade idêntica à constante do seu elemento de identificação, tratou de proceder ao registo solicitado.

1.15. Sempre que, ao ser elaborado o registo online, seja assinalado nas declarações que o notário age em representação do comprador, surge automaticamente a menção que representa igualmente o vendedor.

1.16. Relativamente à aprovação do sujeito passivo, a dita funcionária tomou como boa uma declaração de venda com uma assinatura no documento de compra e venda apresentado pelo 2.º R. que não lhe suscitava qualquer reserva ou desconfiança.

1.17. Existiram contactos entre EE (pai do 2.º R.) e o comerciante de automóveis FF, tendo por objeto o veículo acima identificado;

1.18. Antes do registo de propriedade efetuado a favor do 2.º R., a propriedade do referido veículo encontrava-se registada a favor da A., sem quaisquer ónus;

1.19. Além da declaração de venda da viatura e dos elementos de identificação da então proprietária e ora A., o comerciante de automóveis FF tinha em sua posse o veículo, os documentos do mesmo e as chaves;

1.20. O 2.º R. adquiriu, por intermédio do comerciante FF, os documentos necessários ao registo do veículo.


2. Factos não provados


Vem dado como não provado o seguinte:

2.1. A matéria constante do artigo 10.º da petição inicial, bem como dos artigos 13.º a 29.º, 31.º, 33.º, 53.º e 54.º da contestação-reconvenção do 2.º R.;

2.2. Que tenha sido a 1.ª R. a preencher e elaborar o requerimento de registo reproduzido na cópia junta como doc. 2 com a petição inicial;

2.3. Que o veículo tenha sido entregue pela A. ao comerciante de automóveis FF para que fosse vendido.   



3. Do mérito do recurso


  3.1. Quanto à alegada ineptidão da petição inicial


O 2.º R., ora Recorrente, invocou, logo na sua contestação, o vício de ineptidão da petição inicial por falta de causa de pedir, tal como fora julgado em anterior ação instaurada em 03/11/2011, que correu termos entre as mesmas partes sobre objeto idêntico ao da presente causa, mas que terminou com a absolvição do réu da instância estribada naquele fundamento. 

    A referida exceção dilatória foi então apreciada pela 1.ª instância em sede do despacho saneador de fls. 186 e seguintes, sendo ali decidida no sentido da respetiva improcedência.

 Posteriormente, veio aquele R. impugnar essa decisão interlocutória no âmbito do recurso de apelação por ele interposto da sentença final, tendo a Relação concluído pela improcedência de tal exceção.

 Novamente inconformado, vem agora o mesmo R., na presente revista, persistir na tese da verificação do sobredito vício, pedindo, em primeira linha, que seja absolvido da instância por nulidade de todo o processo por ineptidão da petição inicial decorrente da falta ou ininteligibilidade da causa de pedir.


  Cumpre, pois, apreciar essa questão, sem que para tal releve o que fora decidido na referida anterior ação, que, de resto, não tem eficácia de caso julgado fora desse processo como decorre do artigo 620.º, n.º 1, do CPC.   


      Vejamos.


  Segundo os artigos 5.º, n.º 1, e 552.º, n.º 1, alínea d), do CPC, no que aqui releva, cabe ao autor alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir, devendo, na petição inicial, expor tais factos e as razões de direito que servem de fundamento à ação.

   Por sua vez, das disposições conjugadas dos artigos 186.º, n.º 1 e 2, alínea a), 278.º, n.º 1, alínea b), 576.º, n.º 2, 577.º, alínea b), e 578.º do mesmo Código resulta que a falta ou ininteligibilidade da causa de pedir torna inepta a petição inicial, implicando a nulidade de todo o processo, o que se reconduz a uma exceção dilatória, de conhecimento oficioso, obstativa da apreciação do mérito da causa e determinativa da absolvição do réu da instância.

   Assim, a indicação e a inteligibilidade da causa de pedir revestem a natureza de pressuposto processual com a função de conferir idoneidade ao objeto da ação de modo a proporcionar um adequado exercício do contraditório pela contraparte e a viabilizar um julgamento de mérito[1].

   Como é sabido, à luz do disposto no artigo 581.º, n.º 4, do CPC, a causa de pedir consiste no facto jurídico de que procede o efeito prático-jurídico pretendido pelo impetrante, consubstanciando-se na alegação de determinada factualidade que, atento o quadro normativo suscetível de ser aplicado pelo tribunal com a latitude preconizada no artigo 5.º, n.º 3, do mesmo Código, possa sustentar juridicamente aquele efeito pretendido, ou seja, o pedido formulado.

   Nessa medida, ocorrerá falta de causa de pedir quando não sejam alegados quaisquer factos relevantes para tal ou quando sejam alegados de forma tão vaga, genérica ou conclusiva que não permita, segundo um juízo de prognose, delimitar minimamente o alcance objetivo do caso julgado material que venha a recair, positiva ou negativamente, sobre a pretensão deduzida, em termos de evitar ulterior repetição de causas, em conformidade com o disposto nos artigos 619.º, n.º 1, e 621.º do CPC. De igual modo, verificar-se-á ininteligibilidade da causa de pedir quando a factualidade alegada não seja suscetível de qualquer significação jurídica, positiva ou negativa, na perspetiva dessa pretensão. 


No caso presente, a A. deduziu uma pretensão declarativa destinada a reconhecer judicialmente:

. A inexistência de um pretenso contrato verbal de compra e venda do veículo automóvel em referência, tido como celebrado entre ela e o 2.º R., na base do qual o mesmo veículo fora registado a favor deste R.;

. Bem como, a falsidade do título em que o registo se baseou.

    E, nessa decorrência, pediu a consequente declaração de nulidade daquele registo e o respetivo cancelamento.

   Tal pretensão subsume-se, pois, à situação prevista e provida nos artigos 16.º, alínea a), e 17.º, n.º 1, do Código de Registo Predial.  


Para tanto, alegou a A., no essencial, que:

- Nunca “existiu” qualquer contrato de compra e venda, verbal ou escrito, daquele veículo que tivesse sido celebrado entre ela e o 2.º R.;

- A transmissão da propriedade do veículo da A. para o 2.º R. foi levada a registo através do requerimento único reproduzido a fls. 21-24, datado de 09/05/2011, preenchido e elaborado pela 1.ª R. ou a seu mando e pela mesma assinado eletronicamente, alegadamente em nome da A.;

- Porém, a A. nunca produziu as declarações constantes daquele requerimento nem subscreveu qualquer documento em que manifestasse a vontade de vender o referido automóvel.


  Em síntese, a A. alegou como causa de pedir da pretensão deduzida a inexistência do ato aquisitivo - contrato de compra e venda – levado a registo, bem como a falsidade do título em que tal registo se baseou, por não ter manifestado a declaração de venda dele constante e que ali lhe é atribuída.

  Trata-se, portanto, de uma factualidade clara, como tal suscetível de ser subsumida à previsão do artigo 16.º, n.º a), do Código do Registo Predial e de, a ser provada, determinar a nulidade do referido ato de registo e o seu cancelamento, conforme vem peticionado.

    Nestas circunstâncias, mostra-se evidente que não ocorre qualquer falta ou ininteligibilidade da causa de pedir.

    Termos em que improcedem, nesta parte, as razões do Recorrente.

        

  3.2. Quanto à questão de saber se o documento que serviu de base ao registo do automóvel em referência a favor do 2.º R. deve ser tido por falso


Neste capítulo, sustenta o Recorrente que as instâncias incorreram em erro de qualificação ao considerar como falso o documento que serviu de base ao registo em causa, porquanto, em síntese, tal documento se mostra subscrito pela A. e foi utilizado para efetuar o registo online do ato de aquisição do veículo em referência com base nos elementos identificativos por ela própria fornecidos de modo a permitir o seu controlo eletrónico pela entidade competente para tal – no caso, o notário – com as garantias asseguradas pelo sistema de registo online legalmente estabelecido.


Antes de mais, importa ter presente que o Dec.-Lei n.º 178-A/2005, de 28-10, que criou o “documento único automóvel”, introduziu também alterações na legislação do registo de automóveis, mais precisamente em sede do regime estabelecido no Dec.-Lei n.º 54/75, de 12-02, e do Regulamento do Registo dos Automóveis constante do Dec. n.º 55/75, de 12-02, de modo a possibilitar a apresentação de pedidos de registo on-line e a sua tramitação por via eletrónica na conservatória.

Assim, desde logo, o artigo 1.º do Dec.-Lei n.º 54/75, na redação dada pelo Dec.-Lei n.º 178-A/2005, passou a dispor o seguinte:

«1 – O registo de veículos tem essencialmente por fim dar publicidade à situação jurídica dos veículos a motor e respectivos reboques, tendo em vista a segurança do comércio jurídico.

2 – O registo de veículos é submetido a tratamento informático.»

   E o artigo 27.º-J aditado pelo mesmo diploma veio estabelecer que:

    «Todas as comunicações e notificações previstas no presente decreto-lei, bem como no Decreto n.º 55/75, de 12 de Fevereiro, podem ser efectuadas por via electrónica, nos termos fixados em portaria do Ministro da Justiça.»

    Posteriormente, outro passo foi dado com o Dec.-Lei n.º 20/2008, de 31-01, no sentido de alargar as possibilidades do registo automóvel on line e de favorecer a celeridade na sua tramitação.

    Nessa linha, este Dec.-Lei veio dar nova redação ao artigo 9.º do Regulamento do Registo de Automóveis, aprovado pelo Dec. n.º 55/75, passando a constar dele, no que aqui releva, o seguinte:

«4 – O requerimento para registo pode ser subscrito por advogado, solicitador ou notário, cujos poderes de representação se presumem.

5 – O disposto no número anterior é aplicável à declaração de venda a que se refere a alínea a) do n.º 1 do artigo 25.º.

6 – Nos pedidos de registo de propriedade adquirida por contrato verbal de compra e venda subscrito por advogado, solicitador ou notário deve ser indicada a parte representada.»

    Além disso, o mesmo Dec.-Lei alterou o artigo 25.º do referido Regulamento dele passando a constar, no que aqui releva, o seguinte teor:

«1 – O registo posterior de propriedade adquirida por contrato verbal de compra e venda pode ser efectuado em face de:

a) Requerimento subscrito pelo comprador e confirmado pelo vendedor, através de declaração de venda apresentada com o pedido de registo;

b) Requerimento subscrito conjuntamente pelo vendedor e pelo comprador;

(…)

   Por sua vez, a Portaria n.º 99/2008, de 31-01, veio “criar condições para se intensificar a utilização dos meios electrónicos no relacionamento com os serviços do registo automóvel”, no sentido de simplificar os procedimentos e de agilizar a promoção online de atos de registo de veículos.

Assim, o artigo 2.º dessa Portaria, sob a epígrafe designação e funções do sítio, provendo sobre o sítio da Internet, dispõe o seguinte:

«1 – A promoção online de actos de registo de veículos e o acesso à certidão online de registo de veículos realizam-se através do sítio Internet com o endereço www. automovelonline.mj.pt mantido pelo Instituto dos Registos e do Notariado, I.P. (IRN, I.P.).

2 – O sítio deve permitir, designadamente, as seguintes funções:

   a) A autenticação dos utilizadores através de certificados digitais;

   b) A indicação dos dados de identificação dos interessados;

  c) O preenchimento electrónico dos elementos necessários ao requerimento do registo e ao pedido de certidão;

   d) A entrega dos documentos necessários à apreciação do pedido de registo;

   e) A assinatura electrónica dos documentos entregues, quando seja necessária;

   f) O pagamento dos serviços por via electrónica;

   g) A recolha de informação que permita o contacto entre os serviços competentes e os interessados e seus representantes;

   h) A certificação da data e hora em que o pedido de registo foi concluído;

   i) – O envio de avisos por correio electrónico e short message service (sms) aos utilizadores, quando o registo tenha sido efectuado ou a certidão online disponibilizada.

      Nos termos do artigo 3.º da mesma Portaria, sob a epígrafe pedido online de actos de registo de veículos, preceitua que:

«1 – O interessado na promoção online de actos de registo de veículo formula o seu pedido e envia, através do sítio na Internet a que se refere o artigo anterior, os documentos necessários ao registo, designadamente:

   a) Os documentos comprovativos dos factos constantes do pedido de registo;

b) Os documentos comprovativos da sua capacidade e dos seus poderes de representação para o acto.

2 – Todos os documentos entregues através do sítio da Internet referido no artigo anterior, desde que tenham sido correctamente digitalizados, sejam integralmente apreensíveis e tenham sido enviados por quem tenha competência para a conferência de documentos electrónicos com os respectivos originais em formato de papel, têm o mesmo valor probatório dos originais.

3 – Os documentos que não tenham sido enviados pelas entidades referidas no número anterior têm de ser assinados electronicamente, com excepção dos requerimentos de modelo aprovado destinados ao registo de qualquer facto, relativamente aos quais podem ser utilizados formulários electrónicos.»   


Quanto à autenticação eletrónica, o artigo 6.º do mesmo diploma estabelece que:

«1 – Para efeitos da promoção online de actos de registo de veículos, a autenticação electrónica dos utilizadores faz-se mediante a utilização de certificado digital qualificado, nos termos previstos no regime jurídico dos documentos electrónicos e da assinatura electrónica, aprovado pelo Dec.-Lei n.º 290-D/99, de 2 de Agosto, alterado pelos Decretos-Leis n.ºs 62/2003, de 3 de Abril, 165/2004, de 6 de Julho, e 116-A/2006, de 16 de Julho.

2 – Para efeitos do disposto no número anterior, os requerentes que sejam pessoas singulares podem utilizar o certificado digital do Cartão de Cidadão.»

          

Da factualidade provada acima descrita resulta que:

i) - DD, aqui 2.º R., obteve, por intermédio FF, comerciante de automóveis, os documentos necessários a registar em seu nome o automóvel MERCEDES-BENZ, matrícula 21-...-35, então propriedade da A. AA, designadamente os documentos do veículo, um documento com a declaração de venda e os elementos de identificação da A. – pontos 1.19 e 1.20;

ii) – Em 09/05/2011, o referido R. dirigiu-se ao Cartório Notarial da 1.ª R., notária em …, com o propósito de registar a seu favor a referida viatura, onde foi atendido por uma funcionária que, em face dos documentos exibidos por aquele R. e verificando que a assinatura da pessoa indicada como vendedora na declaração para registo de propriedade era idêntica à constante do respetivo elemento de identificação, tratou de proceder ao registo solicitado – pontos 1.13 e 1.14;

iii) - No mencionado Cartório, foi efetuado o registo online da venda àquele 2.º R. do sobredito veículo automóvel, cuja propriedade se encontrava inscrita a favor da A., sem quaisquer ónus, tendo sido lavrada inscrição de transmissão a favor desse R. em 10/05/2011, conforme documento de fls. 14 – pontos 1.1, 1.2 e 1.18;

 iv) – Tal transmissão foi levada a registo através de requerimento do registo automóvel assinado eletronicamente pela notária CC, aqui 1.ª R., que consta desse documento como representante do sujeito passivo, a ora A., conforme documento de fls. 21-24 – pontos 1.5 e 1.6;

 v) - Do mesmo documento constava, no espaço destinado a declarações, o seguinte: “O contraente indicado como sujeito passivo (vendedor) declara que em 9-05-2011 efectivamente celebrou nessa qualidade o contrato nele especificado e por isso confirma-o sem quaisquer restrições”, bem como ter sido o pedido de registo online em causa requerido com a aprovação da A. – pontos 1.7 e 1.8;

 vi) – Porém, a A. não produziu tais declarações no dia 9/5/2011, nem noutra altura ou local, como foi feito constar no requerimento único que a referida notária assinou eletronicamente e que foi apresentado a registo, – pontos 1.9 e 1.10;

vii) - Quando assinou o documento intitulado Requerimento de Registo Automóvel, junto a fls.160-161, a A. não manifestou a vontade nem o propósito de vender o veículo em causa, não se encontrando nele preenchida a quadrícula que precede a menção “Declaração para registo de propriedade (contrato verbal de compre e venda)” – ponto 1.12;

 viii) - A A. não se deslocou ao Cartório da 1.ª R., no dia 9/5/2011 – ponto 1.11;

ix) - Sempre que, ao ser elaborado o registo online, seja assinalado nas declarações que o notário age em representação do comprador, surge automaticamente a menção que representa igualmente o vendedor – ponto 1.15

x) - Relativamente à aprovação do sujeito passivo, a sobredita funcionária tomou como boa uma declaração de venda com uma assinatura no documento de compra e venda apresentado pelo 2.º R. que não lhe suscitava qualquer reserva ou desconfiança – ponto 1.16;

xi) - Jamais a A. contatou ou conheceu o 2.º R., pessoal ou por qualquer outra forma, direta ou indiretamente, por interposta pessoa ou representante, não lhe tendo vendido o seu veículo automóvel MERCEDES-BENZ, matrícula 21-...-35 – pontos 1.3 e 1.4;

xii) - Não obstante a inexistência de qualquer contrato de compra e venda, verbal ou escrito a favor do 2.º R., a referida transmissão foi levada a registo através de requerimento de registo automóvel – ponto 1.5;

xiii) - Existiram contactos entre EE (pai do 2.º R.) e o comerciante de automóveis FF, tendo por objeto o veículo acima identificado – ponto 1.17.

xiv) - Além da declaração de venda da viatura e dos elementos de identificação da A. então proprietária, o comerciante de automóveis FF tinha em sua posse o veículo, os documentos do mesmo e as chaves – ponto 1.19.


Estamos, pois, perante a promoção do registo automóvel online, por intermédio de notário, de um ato de aquisição mediante compra verbal do veículo em referência, tida por celebrada entre o 2.º R., como comprador, e a A. como vendedora.

Tal promoção foi desencadeada por aquele R., sem a presença da A., mas com a apresentação por ele dos documentos do veículo, do requerimento único para tal registo, assinado pela A., donde constava a declaração, que ali lhe era atribuída, de que a venda se havia realizado em 09/05/2011, bem como de que o pedido de registo online era requerido com a sua aprovação.  

Em face de tudo isso, encontravam-se aparentemente reunidos os requisitos formais para que a 1.ª R., na qualidade de notária, conferindo, como conferiu, o teor dos documentos apresentados e as respetivas assinaturas, assumisse a representação nomeadamente da vendedora indicada no requerimento único para registo online, lhe apusesse à sua assinatura eletrónica e procedesse à respetiva transmissão para efetivação do registo, nos termos do artigo 9.º, n.ºs 4 a 6, e 25.º, n.º 1, alíneas a) e b), do Regulamento do Registo dos Automóveis aprovado pelo Dec. n.º 55/75, de 12-02, e em conformidade com o disposto nos artigos 2.º, 3.º e 6.º, n.º 1, da Portaria n.º 99/ 2008, de 31-01, na redação acima transcrita.

Importa salientar que o referido requerimento único consistiu num requerimento-formulário, segundo o modelo aprovado, previamente preenchido e assinado pelos particulares interessados e depois apresentado pelo 2.º R. à notária para certificação do seu teor e das respetivas assinaturas, subsequente autenticação eletrónica e transmissão à conservatória competente para a realização do registo, em conformidade com os citados normativos.

De referir que a entidade ou profissional – advogado, solicitador ou notário - que procede a tal certificação e expedição assume, presumidamente, poderes de representação dos signatários particulares, nomeadamente quanto à declaração de venda por parte do vendedor, nos termos dos artigos 9.º, n.º 4 a 6, e 25.º, n.º 1, alínea a), do Regulamento do Registo dos Automóveis aprovado pelo Dec. n.º 55/75, de 12-02.   

Nestas circunstâncias, o prévio preenchimento e assinatura do referido requerimento único pelos particulares, fora da presença da notária que depois o certificou, não beneficiam da presunção de autenticidade nem são, portanto, providos da eficácia probatória dos documentos autênticos, respetivamente estabelecidas nos artigos 370.º e 371.º, n.º 1, do CC.

Nem tão pouco a certificação notarial do teor e das assinaturas dos particulares inseridas nesse requerimento único, naquelas condições, se traduz em autenticação de documento particular, dado não se tratar de confirmação do seu conteúdo pelas partes (no caso a aqui A.) perante o notário, nos termos dos artigos 150.º e 151.º do Código do Notariado. 

Nessa parte, ser-lhe-á então aplicável o regime dos documentos particulares constante dos artigos 373.º a 376.º do mesmo Código. Por exemplo, a “certificação” das assinaturas por semelhança com assinatura constante de outros elementos identificativos valerá como mero juízo pericial nos termos do artigo 375.º, n.º 3, daquele diploma.


No caso dos autos, a assinatura aposta pela A. no requerimento único para registo em referência, depois certificada pela notária mediante confronto com a assinatura da mesma constante do respetivo elemento identificativo exibido pelo 2.º R., não foi sequer por aquela impugnada, como se alcança do ponto 1.12 dos factos provados.

Consequentemente, ter-se-ia por estabelecida a autoria das declarações que ali são atribuídas à A, como signatária desse requerimento, fazendo prova plena das mesmas, sem prejuízo da arguição e prova da sua falsidade, nos termos do artigo 376.º, n.º 1, do CC.

Nessa medida, a declaração de venda ali atribuída à A. traduzir-se-ia em confissão dessa venda, com força probatória plena, nos termos do artigo 376.º, n.º 2, com referência aos artigos 352.º, 357.º, n.º 1, e 358.º, n.º 2, do CC, a qual só poderia ser ilidida por meio de prova que mostrasse não ser verdadeiro o facto, com exclusão da prova testemunhal ou por presunção judicial, de acordo com o disposto nos artigos 347.º, 393.º, n.º 2 e 3, 394.º e 351.º do mesmo diploma      


Porém, a A. alegou e provou que não produziu tal declaração de venda constante do requerimento único (pontos 1.9 e 1.10 dos factos provados) e que, quando assinou esse requerimento, não manifestou a vontade nem o propósito de vender o veículo em causa, não se encontrando nele preenchida a quadrícula que precede a menção “Declaração para registo de propriedade (contrato verbal de compre e venda)” (ponto 1.12 dos factos provados).

Neste contexto, isto só pode significar que a assunção daquela declaração mediante sinalização da quadrícula em que tal declaração se encontrava impressa foi feita por pessoa que não a A. como signatária daquele requerimento, o que se reconduz a uma adulteração do referido documento, nesse particular, posterior à assinatura aposta pela A..

Tal viciação é, por isso, passível de ser qualificada como falsidade do documento, nessa parte, nos termos e para os efeitos do artigo 376.º, n.º 1, parte final, do CC, cujo ónus probatório incumbe àquele contra quem o documento é apresentado, podendo fazê-lo mediante qualquer meio de prova legalmente permitido.

A este propósito, Pires de Lima e Antunes Varela[2] observam que:

«A falsidade do documento particular é normalmente posterior à sua assinatura, como se se introduzem entrelinhas ou se substituem ou riscam palavras.”

Também Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora[3] esclarecem que, provada a autoria da letra e assinatura ou apenas a assinatura do documento particular, à parte contra quem o documento é oferecido incumbe alegar e provar a sua viciação ou falsidade material, nos termos do artigo 376.º, n.º 1, in fine, do CC.       

É precisamente o que se afigura ocorrer no presente caso, em que a A. contra quem o documento vem apresentado alegou e provou a viciação do mesmo na parte em que lhe é atribuída uma declaração que ela não produziu nem incorporou nele, apesar de o assinar.

Assim sendo, tal declaração deixa de valer como declaração confessória atribuída à mesma A., o que, só por si, lhe retira a respetiva eficácia probatória plena.

De notar que não está aqui posta em causa qualquer irregularidade no acionamento do sistema de promoção do registo online, como o Recorrente pretende fazer crer, já que se verificavam, aparentemente, os requisitos formais constantes do requerimento apresentado pelo comprador ao notário para efeitos da sua certificação e da sua subsequente transmissão à conservatória.

O que está em causa é tão só a assunção da declaração de venda por parte da A., na qualidade de vendedora, com base na sinalização da quadrícula referente àquela declaração impressa no sobredito requerimento.

E, quanto a isto, foi dado como provado pelas instâncias que a A., quando assinou esse requerimento, não produziu tal declaração nem a respetiva quadrícula fora por ela sinalizada.

Tal juízo probatório, baseado como está, na valoração da prova livre sem colidir com qualquer elemento relevante provido de eficácia probatória legal plena, nos termos acima expostos, não é sindicável por este tribunal de revista, conforme decorre do preceituado no artigo 674.º, n.º 3, a contrario sensu, do CPC, só restando concluir, como se concluiu, em sede de direito, pela verificação da viciação do mencionado requerimento na parte, aqui essencial, da sinalização da referida quadrícula.           


Acresce que a A. alegou que não existiu o contrato de compra e venda do veículo automóvel MERCEDES-BENZ, matrícula 21-...-35, entre ela e o 2.º R., levado a registo, o que, não obstante os factos dados por provados acima descritos sob os pontos 1.17 a 1.20, como base na análise crítica de toda a demais prova livre, foi dado como provado pelas instâncias, tal como decorre dos pontos 1.3 a 1.5.

Também aqui impõe-se a este tribunal de revista acatar aquele juízo probatório por imperativo do preceituado no artigo 682.º, n.º 1 e 2, do CPC.

 

De tudo isto resulta que o registo em causa se baseou em título viciado, na parte respeitante à dita declaração de venda, e que, a par disso, o ato aquisitivo sobre que incidiu nem sequer ocorreu, o que preenche perfeitamente toda a previsão do artigo 16.º, alínea a), do Código de Registo Predial, determinando a nulidade desse registo, tal como foi decidido pelas instâncias.     


Termos em que improcede a revista nesta parte.


3.3. Quanto à questão da invocação da nulidade do registo e da sua relevância no sentido de ilidir a presunção estabelecida no artigo 7.º do Código de Registo Predial


Neste capítulo, vem o Recorrente sustentar que a mencionada nulidade do registo só poderia ser invocada depois de declarada por decisão judicial com trânsito em julgado, nos termos do artigo 17.º, n.º 1, do Código do Registo Predial, não podendo relevar no sentido de ilidir a presunção estabelecida no artigo 7.º do mesmo Código.

Na verdade, o referido normativo assim o determina, o que significa que, enquanto não for declarada definitivamente tal nulidade, funcionará a presunção legal estabelecida no artigo 7.º do Código do Registo Predial[4], no sentido de que existe o direito emergente do ato registado e que pertence ao titular ali inscrito.

Assim, o que o artigo 17.º, n.º 1, do Código do Registo Predial veda é a invocação dessa nulidade, antes de ser declarada judicialmente, para obstar ao funcionamento daquela presunção legal, que não para impedir a própria arguição de tal nulidade, como se verifica claramente no caso presente. Não obstante isso, a nulidade do registo é invocável a todo o tempo e tem efeito retroativo, respetivamente nos termos dos artigos 286.º e 289.º, n.º 1, do CC[5].

Nessa conformidade, uma vez definitivamente declarada a nulidade do ato de registo, ficará então afastada a presunção legal estabelecida no artigo 7.º do Código do Registo Predial, a não ser que a existência de aquisição posterior, a favor de subadquirente a título oneroso e de boa fé, o impeça, nos termos do n.º 2 do mencionado art.º 17.º, o que não está aqui em causa[6]


De resto, o que vem equacionado na presente ação não é propriamente a ilisão da presunção legal emergente do ato registado, pressupondo a validade do correspetivo ato de registo, mas antes a declaração de nulidade deste.

Recorde-se que vem pedido precisamente o mero reconhecimento da inexistência do contrato verbal de compra e venda levado a registo, bem como da falsidade do título em que este se baseou, com vista à pretendida declaração de nulidade e cancelamento do próprio ato de registo, o que se configura como uma pretensão declarativa de simples apreciação e reconhecimento dessa nulidade.

Torna-se, pois, evidente que ao sujeito passivo daquele ato de registo (a aqui A.) assistia, desde logo, legitimidade para invocar a nulidade deste ato. Uma vez declarada por decisão transitada em julgado, proceder-se-á ao consequente cancelamento desse registo, deixando, por via disso, de operar a presunção estabelecida no artigo 7.º do Código de Registo Predial.


Ora, o que a 1.ª instância decidiu, com confirmação pela Relação, foi o seguinte:

a) - Reconhecer a inexistência jurídica do contrato verbal de compra e venda subjacente ao registo de transmissão da propriedade do veículo pedido online e efetuado a favor do 2.º R, bem como a falsidade do título levado a registo;

b) - Declarar a nulidade desse registo, efetuado através da ap. n.º 0000 de 10/05/2011;

c) – Ordenar o cancelamento desse registo.


 Em suma, foi assim julgada inteiramente procedente a pretensão de declaração de nulidade do ato de registo em causa, nos termos do artigo 16.º, alínea a), do Código do Registo Predial, ao que não obsta, como foi dito, o preceituado no artigo 17.º, n.º 1, do mesmo Código.

Termos em que não assiste razão ao Recorrente.


3.4. Quanto à questão de saber se os factos alegados sob os artigos 33.º, 40.º, 50.º, 54.º e 58.º da contestação-reconvenção devem ser tidos como assentes por não impugnados


No respeitante à pretensão reconvencional, sustenta o Recorrente que devem ser tidos como assentes, por falta de impugnação da A., os factos por ele alegados sob os artigos 33.º, 40.º, 50.º, 54.º e 58.º do seu articulado de contestação-reconvenção e que forma tidos como matéria controvertida e não provada pelas instâncias.


Ora, perante a alegação da A. de que não celebrou com o 2.º R. nenhum contrato de compra e venda, verbal ou escrito, do veículo em referência, mormente o que fora levado a registo, veio aquele R., na sua contestação sustentar versão contrária no sentido de que teria existido tal contrato.

Nessa linha, alegou, além do mais, que:


Art.º 33º


O negócio fez-se e o preço de € 28.000,00 foi pago ao comerciante de automóveis.

Art.º 40.º


A A. nem tão pouco impugnou a sua assinatura que consta do documento de transmissão do veículo.

Art.º 50.º


O que aqui efetivamente releva é a vontade de alienar o veículo por parte da A., a qual resulta inequivocamente de:

   a) – ter entregue a viatura para venda ao comerciante de automóveis;

   b) – ter assinado o documento que titula a transmissão do veículo com a menção “declaração para registo de propriedade (contrato verbal de compra e venda)”;

   c) – ter entregue os seus elementos de identificação para proceder ao registo de aquisição a favor do 2.º R.;

   d) – ter entregue as duas únicas chaves da viatura ao comerciante de automóveis.


Art.º 54.º


O 2.º R. pagou na íntegra [o preço de € 28.00,00], já que o seu pai lhe doou tal quantia para aquisição da viatura.

Art.º 58.º 


Pois a mesma [a A.] ficaria com o dinheiro que recebeu da parte do 2.º R. e, em simultâneo, com a viatura que lhe vendeu.


 Nessa base, o mesmo R. deduziu reconvenção, para a eventualidade de a ação vir a ser julgada procedente, pedindo que a A. fosse condenada a pagar-lhe a referida quantia de € 28.000,00 correspondente ao preço pago pela viatura.

     A A. não respondeu a essa matéria.

        

   Sucede que a causa de pedir da referida pretensão reconvencional subsidiária circunscreve-se precisamente à matéria da defesa por impugnação de facto, contradizendo frontalmente e de forma motivada os factos alegados como causa de pedir pela A..

Melhor dizendo, no essencial, a A. alegou que não celebrou o contrato de compra e venda do veículo levado a registo, enquanto que o 2.º R. defendeu que tal contrato fora celebrado, conforme expõe, nomeadamente, em sede de factos essenciais, sob os artigos 33.º, 40.º, 54.º e 58.º e, a título de factos instrumentais, sob o art.º 50.º, acima transcritos.

Desse modo, tal impugnação traduz numa incompatibilidade de facto entre a versão da A. e a contraversão do 2.º R., donde resulta, obviamente, que os factos assim aduzidos por este não constituem factos novos como sucederia se acaso se tratasse de factos excetivos, pelo que não careciam de ser impugnados pela A., nos termos do artigo 587.º, n.º 1, do CPC, posto que já contrariados pelo alegado na petição inicial, constituindo, portanto, matéria controvertida a submeter a prova, como sucedeu.   

Termos em que também aqui improcedem as razões do Recorrente, ficando prejudicada qualquer apreciação do mérito da reconvenção.

 

  IV – Decisão


  Nos termos expostos, acorda-se em negar a revista, confirmando-se a decisão recorrida.

  As custas do recurso ficam a cargo do Recorrente.    


Lisboa, 7 de fevereiro de 2019

                                           

Manuel Tomé Soares Gomes (Relator)

Maria da Graça Trigo

Maria Rosa Tching

__________

[1] Sobre a caracterização da ineptidão da petição inicial por falta de indicação ou ininteligibilidade do pedido ou da causa de pedir como falta de um pressuposto processual relativo ao objeto da ação, vide Anselmo de Castro, in Direito Processual Civil Declaratório, Vol. II, Almedina, 1982, pp. 219 e seguintes.   
[2] In Código Civil Anotado, Vol. I, Coimbra Editora, 4.ª Edição, 1987, p. 332, nota 2.
[3] In Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 2.ª Edição, 1985, p. 515, nota 2.
[4] Vide Isabel Ferreira Quelhas Geraldes, Código do Registo Predial Anotado e Comentado, Almedina, 2018, p. 129, nota 1.
[5] A este propósito, vide Seabra Lopes, Direito dos Registos e do Notariado, Almedina, 5.ª Edição, 2009, p. 426.
[6] Neste sentido, vide Isabel Pereira Mendes, in Código de Registo Predial Anotado e Comentado, Almedina, 12.ª Edição, 2002, p.100.