Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
291/04.8TBPRD – E.P1.S1
Nº Convencional: 2.º SECÇÃO
Relator: ÁLVARO RODRIGUES
Descritores: CAUSA PREJUDICIAL
SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA
NULIDADE DE GARANTIA
SOCIEDADE COMERCIAL
ÓNUS DA PROVA
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 10/07/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática: DIREITO DE PROCESSO CIVIL - DIREITO COMERCIAL
Doutrina: - A. Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, vol. 3º, pg. 289.
- Carlos Osório de Castro, «Da Prestação de Garantias por Sociedades a Dívidas de Outras Entidades», in Revista da Ordem dos Advogados, 56º, II, Ag./96, pgs. 565 a 593.
- Vaz Serra, em Abílio Neto, «Código Comercial, Código das Sociedades Comerciais, Legislação Complementar, anotados», Ediforum, 12ª edição, 1996, pgs. 465.
- Vaz Serra, RLJ, 103º-27.
Legislação Nacional: CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 294.º, 342.º, N.ºS 1 E 2.
CÓDIGO DAS SOCIEDADES COMERCIAIS (CSC): - ARTIGO 6.º, N.ºS 1 E 3.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 279.º, N.º 2.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
- DE 13-05-2003 ( Pº 03A318, DISPONÍVEL EM WWW.DGSI.PT);
- DE 30-09-2004 ( Pº 04S2540, DISPONÍVEL IN WWW.DGSI.PT).
Sumário : I- Estando a causa adiantada a ponto de o recurso para o STJ já ter entrado na fase de julgamento, enquanto a nova acção instaurada, que se invoca como prejudicial para efeitos do artº 279º do CPC, ainda se encontra na 1ª Instância e no início da fase dos articulados, verifica-se uma situação em que os prejuízos da suspensão superam, de longe, quaisquer eventuais vantagens, o que, nos temos do nº 2 do artº 279º do CPC, determina a não suspensão da instância.
II- Prejuízos para o próprio prestígio da justiça e, necessariamente, para os demais intervenientes processuais que assistiriam ao desnecessário protelamento da lide por vários anos mais, quando a situação sub judicio já se encontra definida nos autos, embora ainda em derradeira fase do último grau de jurisdição.
Neste exacto sentido, se pronunciou Alberto dos Reis ao afirmar:
«Requereu-se a suspensão no momento em que a causa dependente estava prestes a ser discutida e julgada e requereu-se com o fundamento de acabar de ser proposta uma causa prejudicial. O juiz deve indeferir o requerimento porque o deferimento importaria um prejuízo superior à vantagem resultante da suspensão» (A. Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, vol. 3º, pg. 289).
III - A nossa Jurisprudência tem entendido que é à sociedade garante que invoca a nulidade da garantia, por si prestada, com o objectivo de se valer de tal nulidade para não ter de cumprir a obrigação garantida, que compete alegar e provar a inexistência de interesse próprio, ou seja, provar os requisitos da tal nulidade de que se pretende aproveitar.
IV- Isto porque ninguém melhor do que a própria sociedade garante estará habilitada a provar se tal garantia foi ou não efectuada no seu interesse próprio, como se ponderou no Acórdão deste STJ, de 13-05-2003, supra referido, ao ponderar que «não se vê como é que uma sociedade pode provar que os actos praticados por outra foram no interesse próprio desta, tanto mais que por um lado a lei não diz o que entender por tal interesse e, por outro, este teria que ser avaliado com referência à globalidade da actividade social da sociedade e não apreciado o acto de forma isolada» (sublinhado nosso).
Decisão Texto Integral:
Acordam no SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

Incidente de fls. 499 e segs.

Já depois de proferido o despacho preliminar do Relator e ordenada a remessa do processo aos Vistos aos Exmºs Adjuntos, veio o Recorrente AA alegar e requerer, em síntese, o seguinte:
Que intentou contra BB- T... – Construções e Imobiliária, SA, Massa Falida da mesma sociedade comercial e CC-Banco S... T..., SA, uma acção declarativa de condenação, cuja petição inicial e comprovativo da entrega dela em juízo, apresenta.
Que constatou que no âmbito das decisões judiciais proferidas, decidiu-se que o aqui Recorrente é detentor de crédito válido sobre a referida BB- T... proveniente de válidos contratos ( contrato promessa de cessão de quotas e contrato de cessão de quota), no confronto com a BB- T... e a Massa Falida da mesma sociedade comercial, quando nos presentes autos se decidiu que tais contratos são nulos relativamente ao CC-Banco S... T..., SA.
Por isso, o Autor intentou acção «com vista a obter decisão judicial que no confronto de todas as partes com legítimo interesse, dê definitiva solução jurídica à questão».
Considera, assim, que a nova acção proposta «consubstancia uma causa prejudicial para o prosseguimento desta Revista, justificando-se, pois, a suspensão destes autos», o que requer nos termos do artº 279º nº 1 do CPC.
Mostra-se notificada a parte contrária, nada tendo requerido.

Cumpre apreciar e decidir

A presente Oposição à Execução foi intentada em 7 de Julho de 2007 pelo Banco executado, relativamente à execução que lhe fora movida por AA, o ora Recorrente.
Foi proferida sentença da 1ª Instância e, após recurso para a Relação, foi proferido Acórdão que julgou a oposição improcedente.
Do referido Acórdão, trouxe o Exequente, ora Recorrente, recurso de Revista para este Supremo Tribunal, com pedido de revista alargada, pedido este que foi indeferido por douto despacho de S. Ex.ª o Senhor Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, tendo as partes sido notificadas de tal despacho.

Há, portanto, mais de 3 (três) anos que este processo se arrasta penosamente pelos tribunais, sem contar com os antecedentes, o que é susceptível de causar prejuízo às partes, além de desprestígio para a realização da Justiça.
A nova acção, que o Recorrente considera causa prejudicial, foi intentada apenas em 1 de Setembro de 2010, pelo que, natural e necessariamente, longo tempo decorrerá ate que haja uma decisão definitiva, vale dizer, transitada em julgado, na referida nova acção.

Nesta conformidade, é patente que estando a presente causa tão adiantada, pois o recurso para o STJ já entrou na fase de julgamento, enquanto a nova acção ainda se encontra na 1ª Instância e no início da fase dos articulados, verifica-se que os prejuízos da suspensão superam, de longe, quaisquer eventuais vantagens, o que, nos temos do nº 2 do artº 279º do CPC, determina a não suspensão da instância.
Prejuízos para o próprio prestígio da justiça e, necessariamente, para os demais intervenientes processuais que assistiriam ao desnecessário protelamento da presente lide por vários anos mais, quando a situação sub judicio já se encontra definida nos presentes autos em derradeira fase do último grau de jurisdição.
Neste exacto sentido, se pronunciou Alberto dos Reis ao afirmar:
«Requereu-se a suspensão no momento em que a causa dependente estava prestes a ser discutida e julgada e requereu-se com o fundamento de acabar de ser proposta uma causa prejudicial. O juiz deve indeferir o requerimento porque o deferimento importaria um prejuízo superior à vantagem resultante da suspensão» (A. Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, vol. 3º, pg. 289).
Tudo visto e ponderado, vai indeferido o pedido de suspensão da instância.
Custas deste incidente, pelo Requerente com o mínimo de taxa de justiça.

RELATÓRIO

CC- Banco S...T..., S.A., veio deduzir oposição à execução por quantia certa que contra si foi movida por AA, ambos com os sinais dos autos, em que este último pretende a cobrança da quantia de 475.000 euros – montante a que ficou reduzido o pedido inicialmente formulado de 800.000 euros, após o pagamento entretanto feito pela sociedade que também figurava como executada – acrescida de juros moratórios, por força da sentença homologatória de transacção proferida nos autos principais de acção ordinária instaurada pelo referido exequente contra a sociedade "BB- T...", entretanto declarada falida, mas prosseguindo a lide executiva contra o Banco/oponente, por os bens (fracções), cuja penhora foi solicitada, se encontrarem arrestados a favor do Exequente em data anterior ao registo da titularidade dos mesmos a favor do oponente/Banco.

Alegou como fundamento da oposição à execução, por esta envolver a penhora de bens imóveis (fracções) de que é titular, que subjacente à transacção homologada pela sentença, oferecida como título executivo, estavam:

a) por um lado, um conluio entre o ora Exequente e a dita sociedade "BB- T...", no sentido da concretização do arresto sobre os aludidos bens, da instauração da acção principal com a elaboração da dita transacção, bem assim da propositura da consequente execução, tudo em ordem a esvaziar o objecto do negócio de dação em cumprimento celebrado entre aquela sociedade (BB- T...) e o Oponente, por sua vez credor da mesma, negócio esse que envolveu precisamente a entrega das mencionadas fracções já arrestadas; e,

b) por outro lado, negócios, como um contrato-promessa de cessão de quotas e respectivo contrato definitivo, aquele celebrado entre o Exequente e a dita sociedade e o último entre o mesmo Exequente e os sócios que passaram a deter o capital social dessa sociedade, cujo invocado incumprimento havia motivado a instauração da acção principal, que concluiu com a celebração da mencionada transacção homologada, a servir de título executivo - que também padeciam de nulidade, por envolverem o pagamento de preço pela mencionada sociedade ("BB- T..."), devido ao exequente por terceiros (os próprios sócios), tudo em clara violação do disposto no art. 6, n.° l e 3 do CSC.

O Exequente apresentou contestação em que, pondo em causa a validade dos aludidos fundamentos utilizados pelo Banco/Oponente, argumentou no essencial que este último estava a par das negociações tendentes à celebração do dito contrato-promessa de cessão de quotas, o qual visava pôr termo à participação social do contestante na identificada sociedade (BB- T...), face às desinteligências surgidas entre os seus dois únicos sócios (exequente e DD), a reflectirem-se na governabilidade dessa sociedade; para além de que o negócio definitivo da cessão de quotas, nos termos em que foi realizado, iria permitir a entrada na sociedade de fundos por parte dos novos sócios, no montante de 50.000 contos, tudo a sustentar a continuação da sua actividade, dessa forma existindo também um interesse próprio daquela (sociedade) na realização dos mencionados negócios (contrato-promessa de cessão de quotas e respectivo contrato definitivo) nos precisos termos em que foram concretizados.
Findos os articulados, e após outras vicissitudes processuais que não importa aqui registar, realizou-se audiência de julgamento, tendo sido proferida sentença a julgar improcedente a Oposição à Execução, devendo esta prosseguir os seus termos.

Inconformado, interpôs o Banco/Oponente recurso de Apelação da mesma para o Tribunal da Relação do Porto, o qual, dando provimento ao recurso, julgou procedente a oposição deduzida pelo Banco/Executado e, em consequência, declarou extinta a execução.
Foi a vez de o Exequente, inconformado com esta decisão da 2ª Instância, interpor recurso de revista para este Supremo Tribunal de Justiça, rematando as suas alegações, com as seguintes:

CONCLUSÕES

1ª-Este recurso é interposto do douto Acórdão proferido a fls.413 e seguintes, nos termos do qual o distinto Tribunal "a quo" julgou procedente a apelação do banco aqui recorrido, e revogou a sentença de 1° instância, julgando procedente a oposição deduzida pelo referido Banco ao processo executivo, e determinando, por isso, a extinção da execução;

2ª- A sociedade garante, a BB- T..., não pretende fazer-se prevalecer da declaração de nulidade ao abrigo do mencionado art.6° nº 3 do CSC, outrossim o Banco executado, pelo que cabia a este alegar e provar a falta de capacidade da mencionada BB- T... para a prática dos actos que impugna e que tais actos foram prestados sem justificado interesse próprio da sociedade, o que constituem factos constitutivos do seu direito, por aplicação das regras contidas no art. 342 n°s l, 2 e 3 do CC, o que não logrou;

3ª- A correcta interpretação desse segmento – o justificado interesse próprio da sociedade há-de englobar também as situações em que não existe essa contrapartida financeira, imediata ou não, mas em que ocorrem outros factos que permitem a manutenção da sociedade como ente colectivo produtivo, almejando o lucro, enfim os fins imediato e mediato societários que constituem o núcleo e a essência do conceito de sociedade;

4ª- O facto 17 (de fls. 417) provado atribui àquele concreto contrato promessa de cessão de quota uma natureza de exclusividade, excepcionalidade e de insubstituibilidade, pois que, sem a sua outorga, a sociedade entraria em paralisação, o que obviaria, de forma frontal, ao fim (imediato - desempenho de uma actividade, e mediato obtenção do lucro) prosseguido pela sociedade;

5ª- O dito concreto contrato promessa de cessão de quotas tomou-se único e imprescindível para a prossecução da actividade da sociedade, o qual foi reiterado no contrato definitivo como resulta de fls. 310 dos autos, e daí o justificado e relevante interesse próprio da sociedade BB- T..., que o recorrente logrou provar.

O Recorrente havia requerido o julgamento ampliado de Revista, alegando haver oposição entre a doutrina emergente do Acórdão ora recorrido, com a jurisprudência anteriormente firmada, o que não se verifica, pelo que S. Exª o Senhor Presidente deste Supremo Tribunal de Justiça, na sequência da informação prestada pelo Relator e pelas razões constantes do seu douto despacho de fls. 494, que se mostra devidamente notificado às partes, indeferiu o mesmo pedido de revista ampliada.
Assim sendo, o presente recurso segue a tramitação do normal recurso de Revista.

Foram apresentadas contra-alegações, pugnando a parte contrária pela manutenção do decidido.
Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, pois nada obsta ao conhecimento do objecto do presente recurso, sendo que este é delimitado pelas conclusões da alegação do Recorrente, nos termos, essencialmente, do artº 684º, nº 3 do CPC, como, de resto, constitui doutrina e jurisprudência firme deste Tribunal.


FUNDAMENTOS

Das instâncias, vem dada, como provada, a seguinte factualidade:

1 - Por escritura pública de 16.12.04 deu-se a fusão por incorporação do Banco T... & A..., S.A. e Banco S... P..., S.A. na Companhia Geral de Crédito P...Português, S A.

2 - O Crédito P... P..., S.A. alterou a sua denominação social, passando a denominar-se Banco S... T..., S.A, pessoa colectiva n° ---------, com sede na Rua do O..., nº ..., Lisboa, registado na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa sob o n" ..., com o capitai social de € 589.810.510.

3 - O anteriormente denominado Crédito P... Português, S.A., por força da referida fusão e alteração de denominação social, passou a denominar-se Banco S... T..., SA

4- A presente execução emerge da douta sentença proferida nos autos de acção declarativa de condenação, de que esta execução é um apenso.

5 - O executado Banco S... T... não foi parte na referida acção.

6 - O executado Banco S... T... é proprietário inscrito das quatro fracções autónomas penhoradas nos autos.

7 - Na acção declarativa cuja sentença está a ser executada foram partes o exequente e a sociedade executada, de quem aquele, aliás, foi sócio até Agosto de 1995.

8 - O exequente é credor da sociedade executada, por força do não cumprimento das obrigações assumidas por aquele no âmbito do contrato promessa e do contrato definitivo de cessão de quotas juntos ao procedimento cautelar de arresto apenso aos autos como docs. nºs 2 e 3.

9 - No referido contrato promessa, outorgado em 8.8.1995, o aqui exequente prometeu ceder a quota que detinha no capital social da sociedade aqui executada à própria sociedade ou a pessoa singular ou colectiva que esta viesse a indicar,

10 - Tendo, no próprio contrato, sido indicadas cinco pessoas singulares, como adquirentes da quota pertencente ao aqui exequente,

11 - Em 11.8,1995, o exequente dividiu a quota que detinha na sociedade em cinco novas quotas que cedeu, uma ao outro sócio da sociedade e as restantes a quatro novos sócios;

12 - Aquando da celebração do negócio definitivo de cessão de quotas, o exequente, na qualidade de cedente das quotas, declarou que a cedência, era efectuada pelo valor nominal das quotas, valor que já tinha recebido dos adquirentes,

13 - Tendo ficado convencionado que os outorgantes reiteravam «integralmente as declarações, garantias e convénios mutuamente prestados no contrato promessa de cessão de quotas entre si celebrados em 8.8.1995» -(pág. 7 da escritura junta como doe. 3 ao procedimento cautelar de arresto).

14 - As referidas obrigações assumidas no contrato promessa não foram cumpridas, o que deu origem à propositura de uma outra providência cautelar e respectiva acção judicial que terminou por transacção celebrada entre as partes.

15 - As obrigações assumidas pela sociedade executada não foram alegadamente cumpridas, facto que deu origem à propositura de novo procedimento cautelar de arresto, o apenso aos presentes autos, e à propositura de nova acção judicial, cuja sentença está agora a ser executada.

16 - No contrato promessa inicialmente outorgado, ficou estabelecido que o preço da cessão de quotas, a efectuar às cinco pessoas individuais adquirentes das quotas, seria pago através da entrega por parte da sociedade de várias fracções propriedade da executada;

17 - Sem a celebração do contrato promessa a sociedade entraria em paralisação, mercê do facto de os sócios estarem desavindos e da ausência, à data, de fundo de maneio.

Antes do mais, importa equacionar as questões que se levantam no presente recurso para este Supremo Tribunal, delimitado que está o âmbito do mesmo, pelas alegações/conclusões do Recorrente, sendo duas as questões de que importa conhecer:
a) em primeiro lugar a questão do «justificado interesse da sociedade garante» e o respectivo ónus de prova.
b) em segundo lugar, como decorrência da primeira, saber se in casu se tal interesse justificado se encontra provado no facto 17º.
Estas duas questões carecem de solução, porque o problema que subjaz ao presente recurso e, aliás, é a base da própria Oposição à Execução, consiste em averiguar «se o negócio jurídico que está subjacente à transacção lavrada nos autos principais e homologada judicialmente, servindo a respectiva sentença homologatória de título executivo no caso tratado nos autos, padece de nulidade, a ponto de inutilizar a Execução», como se lê no Acórdão recorrido.
Cumpre a este Supremo Tribunal pronunciar-se apenas sobre essas duas questões concretas!
Equacionadas assim as questões decidendas, é tempo de passarmos à apreciação das mesmas.
Relativamente à primeira questão, importa, antes do mais, para além da factualidade provada, ter presente que a Execução a que esta Oposição de Executado diz respeito, foi inicialmente movida pelo Exequente, AA, contra dois executados distintos, a saber:

1ª Sociedade BB- T... – CONSTRUÇÃO E IMOBILIÁRIA, S.A., e

COMPANHIA GERAL DE CRÉDITO P... PORTUGUÊS, SA., como tudo melhor se colhe do requerimento inicial da execução de que o presente processo de Oposição é apenso, e tinha como fundamento, ainda segundo requerimento inicial, relativamente à Executada BB- T..., SA, que esta, interpelada para proceder ao pagamento da quantia ora exequenda, não procedeu a tal pagamento, e quanto à executada Sociedade Crédito P... Português, porque esta era titular inscrita das fracções autónomas identificadas no requerimento inicial, fracções estas arrestadas, como consta dos autos, e cuja conversão em penhora foi requerida no processo executivo, ao abrigo do artº 56º do CPC.
Com efeito, como se escreveu no Acórdão em recurso, o Exequente AA, aqui Recorrente, «pretende a cobrança da quantia de 475.000 euros – montante a que ficou reduzido o pedido inicialmente formulado de 800.000 euros, após o pagamento entretanto feito pela sociedade que também figurava como executada – acrescida de juros moratórios, por força da sentença homologatória de transacção proferida nos autos principais de acção ordinária instaurada pelo referido exequente contra a sociedade «BB- T...», entretanto declarada falida, mas prosseguindo a lide executiva contra o Banco/Oponente, posto que os bens (fracções) cuja penhora foi solicitada se encontravam arrestados a favor do exequente em data anterior ao registo da titularidade dos mesmos a favor do Oponente /Banco».
Entretanto ocorreram as fusões e incorporações, referidas nos factos provados 1º a 3º do acervo factual supra transcrito, com a fusão por incorporação no antigo Crédito P... Português, do Banco T... & A... e do Banco S... Portugal, passando o Crédito P... Português a denominar-se Banco S... T..., SA, figurando como sociedade Executada, nos presentes autos e que, doravante, designaremos brevitatis causa por Banco.
Daí se explica , como consta dos factos provados, que a executada Banco S... T... seja titular inscrita das quatro fracções autónomas penhoradas nos autos (de que era titular inscrita a Cª Crédito P... Português) e também que a referida Executada, sociedade Banco S... T.... SA, não tenha sido parte na acção declarativa, onde foi feita a transacção das partes, homologada pela sentença que ora constitui título executivo na Execução em referência.
Naquela acção – como bem observou a Relação com base na documentação existente no processo e que nos dispensamos de repetir, na medida em que a sua identificação consta do referido acórdão – «o que estava em causa não era senão o não pagamento do preço estabelecido pela cessão da posição social ( quota) que o Exequente AA detinha na sociedade «B...» ( depois denominada «BB- T...»), preço esse que corresponde à entrega dos bens ( fracções autónomas) identificadas no dito contrato-promessa, o que foi reafirmado no aludido contrato definitivo.» (negrito nosso).
Relativamente à 1ª Executada, BB- T...Construção e Imobiliária, S.A., como se colhe da passagem atrás transcrita do acórdão recorrido, resultou da mudança de denominação da B... – Construção e Imobiliária, Lda, (denominação social esta que se lê no aludido contrato-promessa), tendo sido esta sociedade que, através do seu representante, outorgou no contrato-promessa, de 8 de Agosto de 1995, cuja cópia constitui fls. 285 deste processo, e onde ficou convencionado que o preço da cessão das quotas seria pago mediante entrega pela sociedade B... (representada do segundo outorgante, seu único sócio) de várias fracções autónomas, melhor descritas naquele instrumento, cuja cópia certificada consta do presente processo.

De entre essas, aquelas cuja penhora foi pedida, como ficou dito na supra-transcrita passagem, estavam arrestadas, a favor do Exequente, antes do registo da titularidade das mesmas a favor do Oponente /Banco.

Do exposto resulta, com total transparência, que quem assumiu a obrigação do pagamento do preço da cessão das quotas, não foram os adquirentes cessionários, como lhes competiria, mas unicamente a sociedade B..., de que a Executada BB- T... foi sucessora por força da alteração da denominação social daquela, sociedade esta que, ao que consta dos autos, está actualmente falida.
Por isso, sustenta o Banco Oponente que a tal assunção de obrigação foi em violação do disposto nos nºs 1 e 3 do artº 6º do CSC, pelo que a consequência dessa violação é a nulidade do acto praticado, como tudo se colhe, ainda, da decisão da Relação ora em recurso.
Porém, o Banco, aqui Recorrido, também sustentou que dos factos provados « não resulta demonstrado que tenha existido qualquer justificado interesse da sociedade, ao assumir o pagamento do preço da aquisição das quotas do seu capital, por terceiros, sendo certo que o ónus da prova desse justificado interesse incumbe ao interessado na manutenção do negócio».
Esta tese do Banco executado – que tem vindo a esgrimi-la desde o início da presente Oposição – foi acolhida pela Relação do Porto e daí que tenha surgido o presente recurso de Revista.
Ora não se vislumbram razões válidas para se decidir diferentemente do que decidiu a decisão recorrida, como se passa a demonstrar.

Pretende o Recorrente/Exequente estribar-se no argumento de que «cabia ao Banco Executado alegar e provar a falta de capacidade da mencionada BB- T... para a prática dos actos que impugna e que tais actos foram prestados sem justificado interesse próprio da sociedade, o que constituem factos constitutivos do seu direito, por aplicação das regras contidas no artº 342º nºs 1, 2, e 3 do CC, o que não logrou» – cfr. conclusão 2ª das suas alegações do presente recurso.
Isto porque, segundo afirma (na mesma conclusão e no texto das alegações), «a sociedade garante, a BB- T..., não pretende fazer-se prevalecer da declaração de nulidade ao abrigo do mencionado artº 6º, nº 3 do CSC».
Invoca, para tanto, dois arestos deste Supremo Tribunal, o Acórdão de 13-05-2003, e o Acórdão de 30-9-2004, por entender que neles encontra arrimo para a posição que perfilha e que é, como se disse, a de que cabia ao Banco Executado alegar e provar a falta de capacidade da mencionada BB- T... para a prática dos actos que impugna e que tais actos foram prestados sem justificado interesse próprio da sociedade, e que constituem factos constitutivos do seu direito.

Só que a doutrina contida nos sobreditos arestos nada tem a ver – ressalvado sempre o respeito que é devido e merecido – com a situação descrita nos presentes autos e que está na base da questão decidenda.
Com efeito, ambos os acórdãos identificados foram proferidos num quadro factual em que a Sociedade garante pretendia fazer-se valer da nulidade do acto por si praticado.
Assim, por exemplo, no invocado Acórdão deste Supremo Tribunal de 13-05-2003 ( Pº 03A318, disponível em www.dgsi.pt), em que foi Relator o Exmº Conselheiro Pinto Monteiro, ponderou-se, além do mais, o seguinte:

«A sociedade-garante embargou, sustentando que a prestação da garantia é contrária ao fim da sociedade, já que não existiu justificado interesse próprio da sociedade nem se trata de sociedade em relação de domínio ou de grupo.
A prova deste facto impeditivo do direito invocado pelo exequente compete à sociedade embargante.
Afigura-se-nos que não é correcto o entendimento de que o n° 3 do artigo 6º do CS Comerciais para efeitos do ónus da prova deve ser cindido em duas partes, considerando-se que "salvo se existir justificado interesse próprio da sociedade garante" é facto a provar pela pessoa colectiva a quem foi prestada a garantia. Aliás, a entender-se que é a sociedade garantida que tem que provar a existência de interesse próprio por parte da sociedade garante, estar-se-ia perante uma prova que na prática seria muito difícil ou impossível de fazer, salvo, obviamente, se existissem prévias cautelas à prestação da garantia.
Tirando casos limite, não se vê como é que uma sociedade pode provar que os actos praticados por outra foram no interesse próprio desta, tanto mais que por um lado a lei não diz o que entender por tal interesse e, por outro, este teria que ser avaliado com referência à globalidade da actividade social da sociedade e não apreciado o acto de forma isolada.»

Por sua vez, também no invocado Acórdão deste mesmo Tribunal de 30-9-2004, de que foi Relator o Exmº Conselheiro Abílio de Vasconcelos, assim se sentenciou:
« Quando uma sociedade comercial preste garantias reais ou pessoais a dívidas de outras entidades e pretenda obter a declaração da sua nulidade, ao abrigo do disposto no artº 6º, nº 3 do CSC, recai sobre a sociedade garante o ónus da prova da inexistência de interesse próprio e da relação de domínio ou de grupo com a entidade beneficiária» ( Pº 04S2540, disponível in www.dgsi.pt).

O que está portanto na base de todos estes casos em que recaíram os arestos indicados e outros congéneres, é que é a própria sociedade que presta a garantia, que vem pedir a nulidade de tal acto, esgrimindo o argumento de que deve ser a beneficiária da garantia que deve provar que tal acto foi em proveito da sociedade garante, pois não logrando fazer tal prova, o acto está inquinado de nulidade, vício esse de que aquela que o praticou pretende agora fazer valer em seu proveito próprio.

Ora bem! Relativamente à repartição do ónus da prova, atentemos antes do mais na regra geral, segundo a qual, «àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado; a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado compete àquele contra quem a invocação é feita» ( artº 342º, nºs 1 e 2 do C. Civil).
Nesta conformidade, como o beneficiário da garantia pretende fazer valer o seu direito contra a sociedade garante, alguns entendem que é a ele que cabe provar que tal garantia é válida ( já que só se for válida funcionará qua tale), a fim de obter a satisfação do crédito garantido , isto é, que foi prestada no interesse próprio e justificado da sociedade garante, uma vez que a prestação de tais garantias reais ou pessoais, se presume contrária ao fim da sociedade, nos temos do referido nº 3 do artº 6º do CSC, pelo que a sociedade que goza de tal presunção, escusa de provar o facto que a ela conduz, ou seja, que é contrária ao fim da sociedade e, portanto, nula.
Por isso, Osório de Castro defende que «A sociedade que invoque a nulidade da prestação de garantias a dívidas de outras entidade só tem assim de alegar e provar o carácter gratuito do acto: é ao beneficiário da garantia que, ao repelir essa arguição, incumbe o ónus de demonstrar a existência de um justificado interesse da sociedade garante (o qual se presume, júris et de jure, havendo uma relação de domínio ou grupo entre as sociedades garante e garantida( Carlos Osório de Castro, «Da Prestação de Garantias por Sociedades a Dívidas de Outras Entidades», in Revista da Ordem dos Advogados, 56º, II, Ag./96, pgs. 565 a 593).

Esta posição, todavia, não é partilhada por considerável faixa da doutrina jurídico-comercial, designadamente por quem se apoia da lição de Vaz Serra, que considerava que «nestas sociedades, cujos negócios podem ter sido realizados rapidamente e que são muitas vezes numerosos e interessam a vastas áreas e a vastos conjuntos de pessoas, não pode exigir-se dos terceiros que com elas contratam um investigação perfeita e pormenorizada do objecto social.
Portanto o acto, embora alheio ao objecto social, parece que deve ter-se como eficaz ao menos quando o terceiro estava de boa fé», entendendo o renomado civilista que à administração é que cabe saber se o acto é abrangido no objecto social, e os terceiros que com que ela contratam podem confiar em que assim é: consequentemente se o acto é estranho ao objecto social, nem por isso deixa de ser eficaz em relação ao terceiro, mas a administração responde para com a sociedade pela violação da cláusula estatutária relativa ao objecto ou fim social ( RLJ, 103º-27; também se pode ver este excerto daquele Ilustre Professor em Abílio Neto, «Código Comercial, Código das Sociedades Comerciais, Legislação Complementar, anotados», Ediforum, 12ª edição, 1996, pgs. 465.
A Jurisprudência tem acompanhado esta posição de Vaz Serra, nela se enfileirando os arestos supra identificados, que o Exequente invoca em apoio da sua tese, isto é, de que caberia ao Banco a alegação e prova da validade da garantia prestada pela sociedade, mediante a demonstração de que ela tinha sido prestada no interesse justificado da sociedade garante.

Na verdade, como vimos nos extractos transcritos dos referidos arestos, a nossa Jurisprudência tem entendido de que é à sociedade garante que invoca a nulidade da garantia por si prestada com o objectivo de se fazer valer de tal nulidade para não ter de cumprir a obrigação garantida, que compete alegar e provar a inexistência de interesse próprio, ou seja, provar os requisitos da tal nulidade de que se pretende aproveitar.

Isto porque ninguém melhor do que a própria sociedade garante estará habilitada a provar se tal garantia foi ou não efectuada no seu interesse próprio, como se ponderou no Acórdão deste STJ, de 13-05-2003, supra referido, ao ponderar que «não se vê como é que uma sociedade pode provar que os actos praticados por outra foram no interesse próprio desta, tanto mais que por um lado a lei não diz o que entender por tal interesse e, por outro, este teria que ser avaliado com referência à globalidade da actividade social da sociedade e não apreciado o acto de forma isolada» (sublinhado nosso).
No caso da decisão a que respeita o Acórdão atrás referido, tratava-se de uma oposição à execução, em que a sociedade-garante embargou com fundamento de que a prestação da garantia era contrária ao fim da sociedade, já que não tinha existido justificado interesse próprio da sua parte, nem se tratava de sociedade em relação de domínio ou de grupo.
Foi com base na alegação da Embargante de que a prestação da garantia que tinha dado era contrária ao fim da sociedade, já que não existiu injustificado interesse próprio da sociedade, nem se tratava de sociedade em relação de domínio ou de grupo, que o Supremo sentenciou no sentido de que a prova deste facto impeditivo do direito invocado pelo exequente compete à sociedade embargante.
Aditando ainda que «a entender-se que é a sociedade garantida que tem de provar a existência de interesse próprio da sociedade garante, estar-se –ia perante uma prova que na prática seria muito difícil e impossível de fazer, salvo, obviamente, se existissem prévias cautelas à prestação da garantia»
No outro Acórdão a que se refere o Recorrente/Exequente, Acórdão deste STJ, de 30-09-2004, foi idêntico o fundamento aduzido, citando Serpa de Oliveira, ou seja, que «é o órgão da administração da sociedade que tem condições para apurar se esta tem interesse próprio na prestação da garantia, bem como se lhe interessa ou não dar a conhecê-lo».
É, portanto, a reconhecida dificuldade de o beneficiário da garantia fazer prova do interesse da garante, que a Jurisprudência tem decidido no sentido dos arestos deste Alto Tribunal indicados pelo ora Recorrente, tal, aliás, como grande parte da doutrina tributária do entendimento de Vaz Serra atrás referido.

Dito isto, é tempo de dizer que a Jurisprudência citada pelo Recorrente nada tem a ver a com a situação «sub judicio».
Com efeito, no caso em apreço, não é a sociedade garante que invoca a nulidade da garantia prestada, mas o Banco exequente, que é um terceiro, alheio, quer como garante, quer como beneficiário, à assunção da dívida realizada pela sociedade B..., de que a Executada BB- T... foi sucessora.
Assim sendo, diferente é a materialidade substancial entre a decisão proferida pela Relação nos presentes autos e a que está na base dos arestos que o Recorrente invoca como estando em oposição com aquele, não havendo qualquer oposição, visto que se trata de situações materialmente diversas, atenta a diversidade de quem invoca a nulidade da garantia.
Não ocorre no caso sub judicio a maior facilidade de a sociedade demonstrar a falta do seu interesse próprio, pois tal sociedade, segundo rezam os autos, se encontra falida, não sendo, sequer, parte no processo.
É o Banco Exequente que invoca a nulidade da assunção da dívida dos cessionários das quotas, realizada pela sociedade B..., estribado na presunção juris et de jure de que a garantia prestada pela sociedade comercial a dívidas de outras entidades, considera-se (presume-se) contrária ao fim da sociedade (sendo portanto nula nos termos do artº 294º do C. Civil) pelo que inexistindo aquela razão determinante da atribuição do ónus de prova à sociedade garante que pretende invocar a sua nulidade com o fim de se eximir ao cumprimento da obrigação garantida­ – ratio essa que esteve na base dos arestos indicados – no caso vertente apenas há que aplicar as regras gerais sobre o ónus de prova, que constam do Código Civil, como bem procedeu a Relação.

Sendo assim, por isso que a presunção a que se refere o nº 3 do artº 6º do CSC (contrariedade ao fim da sociedade) apenas pode ser ilidida pela demonstração da existência de justificado interesse próprio da sociedade, caberá à parte que tiver interesse em que a obrigação exequenda se considere válida – in casu o Exequente – fazer tal prova, pois o Oponente/Executado beneficia da aludida presunção e, como tal , não tem de provar a factualidade que conduz à nulidade da garantia prestada pela sociedade.
Como facto impeditivo do direito do Oponente/ Executado, caberá ao Exequente demonstrar a validade da garantia prestada, é dizer, de que a mesma foi prestada no «justificado interesse próprio da sociedade garante», nos termos do artº 342º, nº 2 do Código Civil.
Ora foi justamente o que decidiu a Relação, como se colhe da seguinte passagem do acórdão recorrido que, para a completa erradicação de dúvidas, aqui se tem por conveniente transcrever:
«Com efeito, não se estará senão diante da assunção duma dívida que competia a terceiros suportar (no caso aos adquirentes das aludidas quotas), estranha ao objecto ou fim sociais da identificada sociedade, sem que venha apurada factualidade bastante que justifique um interesse para a própria sociedade na assunção dessa mesma obrigação, o que cai na proibição resultante da conjugação do prescrito no n.° l e primeira parte do n.° 3 do art. 6 do CSC.
E, adiante-se, competia no caso ao exequente demonstrar que à obrigação, nos falados termos assumida pela mencionada sociedade, subjazia um justificado interesse por parte desta última, posto tal realidade constituir facto impeditivo ao direito invocado pelo banco/oponente, para quem o respectivo ónus da prova fica satisfeito com a alegação e demonstração de que se está diante de acto estranho à capacidade societária - conjugação do preceituado nos n.° l e 2 do art. 342 do CC.
Ora, no que respeito diz ao dito ónus que incumbia ao exequente, apenas se apurou que "sem a celebração do contrato promessa, a sociedade entraria em paralisação mercê do facto de os sócios estarem desavindos e da ausência, à data, de fundo de maneio", ficando já por comprovar uma outra realidade que poderia interessar para a tese do exequente, qual seja a de que foi no interesse da sociedade que esta optou pela entrada de terceiros que se obrigaram à entrega de 50.000 contos correspondentes à quota do sócio/exequente, o que traria liquidez imediata à sociedade (v. resposta negativa ao último quesito constante da base instrutória, onde vinha perguntada essa mesma matéria).
Mas aquela factualidade dada como apurada (Ponto 17) por si só apresenta-se como manifestamente insuficiente para comprovar o referido interesse justificado para a dita sociedade, a qual assumiu no dito negócio definitivo de cessão de quotas uma obrigação - entrega de fracções - sem qualquer contrapartida visível, quanto é certo que naquele (contrato) os adquirentes das quotas em que se dividiu a pertencente ao exequente foram os sócios da mencionada sociedade e não a própria sociedade.
Caindo fora do âmbito da capacidade societária essa obrigação, a qual, como pensamos ter ficado demonstrado e em face do seu não cumprimento, motivou a instauração da acção onde foi lavrada a transacção, cuja sentença homologatória serve de título à execução a que o apelante/banco se opôs, então padece a mesma (obrigação assumida pela identificada sociedade na dita escritura de cessão de quotas) de nulidade invocável pelo oponente/banco, enquanto interessado em que os bens imóveis (fracções) que lhe foram entregues pela dita sociedade por dação em pagamento não sejam atingidos pela penhora que sobre os mesmos incidiu na acção executiva».
Não poderia ter sido mais explícita a decisão ora em recurso, com a qual se concorda inteiramente!
Claudicam, destarte, as conclusões 2º e 3ª da douta alegação do Recorrente, relativas à questão ora decidida.

Passemos, então, à segunda questão que, como atrás se equacionou, consiste em saber se in casu tal interesse justificado se encontra provado no facto 17º, como sustenta o Recorrente nas suas alegações e cuja matéria condensa nas conclusões 4ª e 5ª.

O facto 17º é do seguinte teor:
17 - Sem a celebração do contrato promessa a sociedade entraria em paralisação, mercê do facto de os sócios estarem desavindos e da ausência, à data, de fundo de maneio.
Também neste aspecto não merece censura a decisão recorrida! Com efeito, decidiu a Relação quanto a este ponto concreto, o seguinte:
«Aquela factualidade dada como apurada (Ponto 17) por si só apresenta-se como manifestamente insuficiente para comprovar o referido interesse justificado para a dita sociedade, a qual assumiu no dito negócio definitivo de cessão de quotas uma obrigação - entrega de fracções - sem qualquer contrapartida visível, quanto é certo que naquele (contrato) os adquirentes das quotas em que se dividiu a pertencente ao exequente, foram os sócios da mencionada sociedade e não a própria sociedade».
Relativamente a este ponto, cumpre dizer que da afirmação conclusiva que consta do facto 17º, nenhum argumento factual ressalta que demonstre qualquer utilidade em a sociedade que assumiu as dívidas dos adquirentes assim ter procedido, designadamente assumindo a obrigação de entregar as fracções sem qualquer contrapartida financeira.
Pretende o Recorrente que « A correcta interpretação desse segmento – o justificado interesse próprio da sociedade há-de englobar também as situações em que não existe essa contrapartida financeira, imediata ou não, mas em que ocorrem outros factos que permitem a manutenção da sociedade como ente colectivo produtivo, almejando o lucro, enfim os fins imediato e mediato societários que constituem o núcleo e a essência do conceito de sociedade» ( cfr. conclusão 3ª).
Porém, não vemos onde se mostrem provados os «outros factos que permitam a manutenção da sociedade como ente colectivo produtivo, almejando o lucro, enfim os fins imediato e mediato societários que constituem o núcleo e a essência do conceito de sociedade».
Como é sabido, tais factos teriam de ser devidamente alegados e provados, não bastando a conclusão genérica de uma «eventual» paralisação se o contrato-promessa não fosse celebrado, pois uma coisa é a necessidade de entrada dos novos sócios, outra, bem diferente, é a necessidade de o valor das quotas que passariam a pertencer a esses novos sócios ser paga pela sociedade e não pelos próprios adquirentes, viabilizando o que, na verdade, aconteceu, que a entrada de novos sócios fosse feita à custa do património da própria sociedade, claudicando, portanto, as conclusões atinentes e o mais que foi alegado.


DECISÃO

Face a tudo quanto exposto fica, acordam os Juízes deste Supremo Tribunal de Justiça em negar a revista, confirmando a decisão recorrida.

Custas pelo Recorrente.

Processado e revisto pelo Relator.



Lisboa e Supremo Tribunal de Justiça, 7 de Outubro de 2010.

Álvaro Rodrigues (Relator)
Teixeira Ribeiro
Bettencourt de Faria