Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
06A4115
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: SEBASTIÃO PÓVOAS
Descritores: QUESTIONÁRIO
RESPOSTAS AOS QUESITOS
EXCESSO DE PRONÚNCIA
LIQUIDAÇÃO EM EXECUÇÃO DE SENTENÇA
Nº do Documento: SJ200612190041151
Data do Acordão: 12/19/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA.
Sumário : 1) Aquando a selecção de factos a quesitar, no momento do artigo 511º CPC terá de atentar-se no "distinguo" entre facto, direito e conclusão, acolhendo, apenas, o facto simples e arredando da base instrutória os conceitos de direito - salvo as que transitaram para a linguagem corrente, por assimiladas pelo cidadão comum por corresponder a um facto concreto - e conclusões, que mais não são do que a lógica ilação de premissas.
2) O questionário deve constituir um todo coerente, não dicotómico com moderação de formulações alternativas, sendo os quesitos redigidos com precisão e clareza, procurando reproduzir o alegado tal qual, com eventuais acertos terminológicos que melhor evidenciem o núcleo perguntado.
3) As respostas serão claras, congruentes, coerentes, minuciosas e pormenorizadas, podendo ser simples - por meramente afirmativas ou negativas - restritivas e explicativas.
4) As respostas explicativas têm de conter-se nos factos articulados, não podendo criar novos factos como consequência de excesso ou de exuberância. Então, e sendo possível a cisão, deve ter-se por não escrito o segmento excrescente.
5) Formulado um pedido genérico por a demandante entender que o "quantum" indemnizatório deve ser relegado para execução de sentença, o tribunal não pode proceder a uma condenação líquida, até por desconhecer o tecto do pedido que o Autor deduziria se formulasse pedido concreto.
6) A condenação ilíquida, se não pedida, pode surgir "ex officio", mas não é possível a situação inversa, sob pena de comissão da nulidade da alínea e) do artigo 668º CPC.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

"AA" intentou acção, com processo ordinário, contra "Empresa-A" pedindo a sua condenação a pagar-lhe a quantia de 8 776 359$00 (correspondendo a 6 000 000$00 dos danos não patrimoniais e o restante de danos patrimoniais já apurados) acrescido do que se liquidar em execução de sentença relativa a danos patrimoniais decorrentes de IPP, sofridos em acidente de viação ocorrido a 13 de Outubro de 1998.

No Circulo Judicial de Aveiro a acção foi julgada procedente e a Ré condenada a pagar 126.654,00 euros de danos patrimoniais e 30.000,00 euros de danos morais.

Apelou a Ré, tendo a Relação de Coimbra confirmado o julgado.

Pede, agora, revista para concluir:

- A douta sentença é nula, dado que o Tribunal pronunciou-se sobre matéria cujo conhecimento lhe estava vedado (artigo 668º nº1 d) do Código de Processo Civil), no que respeita à resposta dada ao quesito 24º da douta base instrutória, e ainda condenou a Ré em valor superior ao pedido (artigo 668º nº1 e) do CPC.

- A resposta ao quesito 24º é excessiva e contraditória, em clara violação do disposto nos artigos 646º nº4 (por interpretação analógica), 653º nº2 e 664º do CPC.

- A dita "resposta" mostra-se contraditória em relação ao perguntado. À pergunta: "A A. Ficará acometida de uma IPP que hoje ainda não é possível de quantificar?" foi respondido: "Provado que a Autora ficou com uma incapacidade permanente geral global de 40% e impedida de exercer a sua actividade profissional habitual." Respondeu-se o contrário, ou seja, que ficou com uma incapacidade de X, pressupondo-se por isso que já é possível de quantificar. Mas, note-se, nada disso foi perguntado. A Autora apenas pretendia (foi isso que alegou) provar que se encontrava afectada com uma IPP.

- Trata-se também de uma resposta deveras excessiva, formulada muito para além do perguntado. Salta as barreiras da pergunta, como facilmente se atesta pela leitura da parte final da resposta. A questão era apenas saber se estava acometida de IPP que "ainda hoje não é possível de quantificar"? Nada mais. O tribunal de 1ª instância vem acrescentar à resposta que a Autora também estava "impedida de exercer a sua actividade profissional habitual".

- As respostas aos quesitos podem ser afirmativas (provado), negativas (não provado), restritivas ou explicativas, mas não podem ir além do perguntado e, acima de tudo, não podem subverter por completo a questão: "As respostas aos quesitos podem ser afirmativas, negativas, restritivas e, eventualmente explicativas, mas não pode responder-se a um quesito dizendo estar provado o contrário do perguntado" - Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 14/3/90, BMJ, 395,684.

- Deverão, assim, ser tidas como não escritas as expressões que não se encontrem incluídas no objecto da pergunta: "Constitui questão de Direito saber se o nº 4 do artigo 646º do CPC é aplicável quando as respostas excedem o âmbito dos respectivos quesitos. Devem ter-se por não escritas as respostas dadas pelo Tribunal colectivo que excedam o âmbito dos respectivos quesitos" - Acórdão do STJ de 27/10/94, BMJ, 440-478, sem prescindir de se entender que a resposta ao quesito deveria ser outra, como se dirá infra.

- Não se diga que a resposta é explicativa. Uma resposta explicativa tem de se conter dentro do perguntado, e isso não se verificou. Nem se diga que "assim" tudo foi mais prático. As regras processuais e os direitos das partes não podem ser postergados desta forma.

- Por conseguinte, a resposta ao quesito 24º é nula, por contraditória e excessiva. Deve ser tida por não escrita, nos termos do disposto nos artigos 646º nº4 (por interpretação analógica) e 653º nº2 do CPC, 654º do CPC, ou então, em homenagem ao principio da economia processual, deverá ser reduzida, de modo a ser dado como provado que a A. se encontra acometida de IPP, por ser esta a única forma de responder à questão.

- A douta sentença recorrida é nula porque contém uma condenação ultra vel petitum. A autora fixou o seu pedido, na parte final da douta PI e indicou como valor da acção o montante de 8 776 359$00, ou seja, €43.776,29. Porém, a condenação da Ré eleva-se a €169.005,61 (33.882.582$70) acrescida de juros, contados diferentemente, desde a citação, e desde a data da decisão (estes quanto aos danos morais).

- "O limite quantitativo da condenação é o da importância global pedida" - Acórdão do STJ de 15/6/89, AJ, 0º, 89, pág. 13, sendo ainda certo que "o tribunal não podes condenar para além da quantia em dinheiro que foi pedido" - Acórdão da Relação de Lisboa, 5 de Novembro de 1992, in BMJ nº 421, p.481, torna-se manifesto que condenação ultrapassa em muito o valor do pedido.

- Foi pedido que se relegassem para liquidação em execução de sentença determinados danos mas, mesmo assim, a condenação vai para além do pedido, porque a condenação não relega a liquidação do dano A ou B para liquidação em execução da sentença, como a Autora pediu. Faz muito mais do que isso. Acresce que a Ré tem o direito de exercer o contraditório em relação a determinadas questões, o que poderá suceder na liquidação em execução de sentença, havendo contestação.

- Deverá, salvo o devido respeito, ser decretada a nulidade da douta sentença também por via da manifesta condenação da Ré para lá do pedido, em clara violação do disposto no artigo 668º nº1 alínea e) do CPC.

- Sem prescindir, e no que respeita à medida da obrigação de indemnizar, a recorrente concorda com o montante atribuído à Autora a titulo de dano moral, mas já não pode concordar com o montante de 125 mil euros, ou seja, 25.060.250$00, atribuído a titulo de indemnização pela IPP global de 40% com afectação total da sua profissão habitual.

- Os precursores do método de cálculo de fixação da indemnização pela IPP usados na douta decisão recorrida foram, entre outros, os Acórdãos do STJ de 10 de Maio de 1977, in BMJ nº 267, p. 144, e de 18 de Janeiro de 1979, in BMJ nº 283, p.275. Só que os anos foram passando, e os tribunais, na fixação deste tipo de indemnizações, atenderam à baixa generalizada das taxas de juro praticadas pelos Bancos, principalmente nos anos mais recentes. Daí que não se estranhe a taxa de 4% ou mesmo de 3% usadas em muitas decisões ou, como no caso concreto, uma taxa de 3.5%. Concorda-se com tal metodologia.

- A recorrente já não pode concordar com os cálculos usados no douto acórdão recorrido, onde se registam três nuances que alteram por completo a verba justa a conceder:

- Entende-se que período médio de esperança de vida das mulheres em Portugal é 73,93 anos quando é notório que a média de vida activa dos portugueses e portuguesas tem como limite os 65 anos, havendo mesmo muitos casos, na função pública, na banca ou seguros, em que a vida activa termina antes dos 60 anos de idade.

- Não de desconta adequadamente e correctamente o beneficio decorrente da antecipação do capital face aos dados da questão, ou seja, face aos anos de vida activa que restavam à lesada, in casu, 40 anos (65 (limite vida activa) - 25 (idade à data da propositura da acção) = 40)

- Não se atende à circunstancia da IPP ser de 40% com afectação da profissão habitual, mas antes se ficciona que a A. se encontra totalmente incapacitada para toda e qualquer profissão (não é o caso).

- O primeiro ponto tem influência decisiva na concessão da verba final. A nosso ver, só deverão ser contados os anos desde a data da propositura da acção (pois até aí a A. encontra-se indemnizada) até ao limite da vida activa, ou seja, os 65 anos de idade. É certo que a esperança de vida das mulheres, em Portugal, é a indicada no douto acórdão recorrido, mas no caso concreto discute-se uma indemnização que cubra as perdas derivadas de uma incapacidade de trabalho, até à idade que é tida como limite da vida activa, e a vida activa termina aos 65 anos, em média.

- A partir dos 65 anos a lesada passa a receber a sua pensão de reforma. Foi para isso que andou a descontar. Assim, não faz sentido atribuir à lesada uma compensação para além dos 65 anos, ou seja, num período em que esta já recebe a sua pensão de reforma.

- O segundo dos invocados pontos provoca uma alteração tremenda no resultado final. A correcta quantificação do montante a atribuir como indemnização por uma incapacidade parcial permanente tem sempre de incluir um desconto derivado do benefício da antecipação do capital face ao número de anos de vida activa que restam ao lesado. A verba a atribuir é muito diferente consoante sejam os anos de vida activa que restam à vítima.

- No douto acórdão recorrido, embora venha referido que seria esta a metodologia, não se aplicou o devido desconto derivado do benefício da antecipação do capital. A indemnização tem de representar um capital que se extinga no fim da vida activa da lesada (ou se assim se entender no fim da esperança média de vida) e seja susceptível de garantir, durante a mesma, as prestações periódicas correspondentes à sua perda de ganho. No douto acórdão recorrido construiu-se a "casa" do telhado para os alicerces, e com manifesto "defeito de construção". Segundo o pressuposto do Acórdão recorrido (incapacidade de 100%) teríamos: 58900$00 (rendimento mensal) x 14 (meses) x 100% (grau de IPP) x 25 (factor atendível para uma esperança de vida de 53 anos, considerando uma taxa de juro anual de 3.5%) = €102 826,50 euros. Este montante é muito diferente dos €125 000,00 fixados.

- A grande questão "sub judice" é que a Autora não se encontra afectada de uma incapacidade de 100%.

- É este o terceiro ponto atrás citado: não se atendeu, no douto Acórdão recorrido, à circunstancia da IPP ser de 40% com afectação da profissão habitual, mas antes se ficciona que a A. se encontra totalmente incapacitada para toda e qualquer profissão.

- No entender da recorrente, deve-se partir da incapacidade provada de 40%, e só depois, por recurso a juízos de equidade, deverá a Autora ser compensada com uma verba que atenda à especificidade do caso, mas que sempre será - deverá ser - inferior à que se fixaria para a situação de incapacidade para toda e qualquer profissão.

- No caso concreto, deve atender-se ao salário da autora (58 900$00), ao tempo de vida activa (40 anos - 25 anos para 65 anos), e acima de tudo, deve ser considerado o exacto grau de IPP com que a Autora se encontra afectada (40%) e não a situação de 100% considerada no douto acórdão recorrido. Lançando mão de juízos de equidade, deverá ser atendido o facto das lesões que afectam a autora serem incompatíveis com o exercício da sua profissão, o que eleva o montante em causa.

- É neste ponto que o douto acórdão recorrido contém um erro de julgamento que beneficia de sobremaneira a autora e prejudica a Ré.

- A autora não se encontra incapaz a 100% para toda e qualquer profissão. A indemnização foi calculada com base na incapacidade de 100%, como se a Autora tivesse ficado paraplégica, mas não foi isso que, felizmente, sucedeu.

- No entender da recorrente, a indemnização a atribuir à autora deverá ser calculada nos seguintes termos, sem considerar, para já, a incompatibilidade profissional acima referida: aplicando um factor que pressuponha uma taxa de juro anual de 3-4%, temos: 58900$00 (rendimento mensal) x 14 (meses) x 40% (grau de IPP) x 21 (factor atendível para uma esperança de vida activa de 40 anos, considerando uma taxa de juro anual de 3.5%) = 6 926 640$00, ou seja, cerca de €35 000,00 euros.

- Face à incompatibilidade com a profissão habitual, deverá porventura, ser adoptada a regra dos acidentes de trabalho, quando a uma determinada incapacidade geral acresce a incapacidade total para essa profissão, ou seja, somando-se 50% ao grau de incapacidade geral que afecta a sinistrada.

- Assim, somando 50% aos referidos €35 000,00, tudo perfaz a quantia de €52 500,00 euros. Poderá, por recurso a juízos de equidade, ser usado outro tipo de metodologia.

- O que se mostra fundamental, e não foi tido em conta pelas instâncias, é que se faça a destrinça entre um sinistrado afectado a 100% para toda e qualquer profissão, e um sinistrado afectado com uma IPP de 40%, incompatível com a sua profissão habitual.

- Pelo exposto, a fixada indemnização de €125 000,00 deverá ser reduzida com base em tudo o exposto, para o montante global de €52 500,00 euros, ou outro, a fixar com o alto suprimento deste tribunal, mas tendo sempre em conta os pressupostos acima enunciados. Não repugnará á Ré, atendendo a todos os circunstancialismos do caso, que essa indemnização possa ser fixada em €55 000,00, ou mesmo €60 000,00 recorrendo a juízos de equidade.

- A douta decisão recorrida violou, nomeadamente, o disposto nos artigos 342º nº1, 483º, 487º nº2, 563º, 570º nº1 do CC e 264º, 586º nº1, 646º nº4, 653º nº2, 655º, 659º nºs 2 e 3, 668º nº1 alíneas d) e e), 660º nº2, 661º nº 2 do CPC.

Contra alegou a recorrida em defesa do julgado.

A Relação deu por assente a seguinte matéria de facto:

- No dia 13/10/98 pelas 18.30 horas, na EN 320-2 ocorreu um embate entre os veículos ciclomotor 1-ALB, propriedade da Autora, e o ligeiro de passageiros HJ, propriedade de BB (este, bem como os demais a seguir indicados sem qualquer outra menção sobre a sua fonte, constava já dos factos assentes da selecção da matéria de facto).

- No dia da ocorrência o tempo estava bom; no local a via descreve uma recta com cerca de 6 metros de largura e com mais de 400 metros de extensão, precedida de uma ampla curva, com óptima visibilidade e com piso de asfalto.

- O HJ circulava no sentido S. João de Loure - Angeja; o 1 - ALB encontrava-se parado (com o motor a funcionar) junto à berma do lado direito da via no sentido S. João de Loure - Angeja.

- O 1-ALB sofreu estragos que foram peritados e orçamentados pela Ré - Seguradora no valor de 271.599$00.

- A Autora nasceu em 19/10/1976.

- A Autora foi submetida a 4 intervenções cirúrgicas.

- Por contrato de seguro titulado pela Apólice nº 505234152 em vigor na data do acidente o proprietário transferiu para a Ré seguradora a responsabilidade civil pelos danos causados a terceiros com a circulação do veículo.

- Ambos os veículos circulavam no sentido S. João de Loure - Angeja (este facto e bem assim os seguintes resultaram das respostas dadas à base instrutória).

- No momento em que o "HJ" embateu no ciclomotor, na parte lateral esquerda deste (considerando o sentido de marcha S. João de Loure - Angeja), este ciclomotor estava junto á linha que separa a estrada da berma direita (sentido referido), estando a Autora junto do mesmo e no controle da direcção deste veiculo.

- A sobrinha da Autora, de 7 anos de idade, estava também perto do ciclomotor.

- O "HJ" embateu com a frente do lado direito (óptica e capôt) na parte lateral esquerda do ciclomotor.

- O "HJ" seguia pela hemi-faixa da direita, a uma velocidade aproximada de 50 kms/hora.

- A faixa de rodagem era marginada por bermas com terra e erva com cerca de meio metro de largura cada uma.

- A posição da Autora na via permitia a passagem normal de veículos.

- O embate ocorreu junto á linha que separa a estrada da berma direita (sentido referido).

- Em consequência directa e necessária do supracitado embate a Autora sofreu fractura do crânio, do maxilar e vários dentes, da clavícula, do braço esquerdo, das costelas (9) e da perna esquerda (em 3 sítios), e perfuração grave dos pulmões que a colocou em risco de vida.

- A autora foi de urgência e em estado de coma profundo, conduzida ao Hospital de Aveiro que, atento o teor das múltiplas e gravíssimas lesões sofridas, a remeteu para o Hospital Universitário de Coimbra onde permaneceu até 20/12/98 (mais de 2 meses seguidos).

- A Autora manteve-se com incapacidade para o trabalho até 18/8/2002.

- Andando de hospital para hospital, onde vai realizando tratamento ambulatório, fisiátrico e outros, que ainda se mantêm e deles ainda não teve alta definitiva.

- À data do acidente a Autora era uma jovem em pleno uso das suas faculdades físicas e psíquicas, saudável, arguta e jovial.

- A Autora sofreu dores durante a hospitalização e durante o tratamento fisiátrico, e ainda sofre dores.

- Após o acidente a Autora esteve em coma 2 dias, vislumbrando o seu futuro recheado de incerteza, quer a nível pessoal, quer a nível profissional.

- A Autora jamais voltará a ser uma mulher saudável, tendo ficado de forma irremediável a padecer de graves mazelas quer do foro intelectual (tem sofrido cefaleias constantes) e psicológico, quer ainda, do foro ortopédico e estético (ficou com cicatrizes extensas na perna esquerda e anca, a qual está mais curta 2 cm.)

- A autora ficou com uma incapacidade permanente geral global de 40% e impedida de exercer a sua actividade profissional habitual.

- A autora tem e terá sérias limitações da capacidade de execução normal e natural da sua função laboral, não podendo jamais executar tarefas medianamente forçadas, e também correr, saltar e até dobrar o membro mais atingido (perna esquerda).

- Por isso a autora tem a sua carreira e eventual ascensão profissional seriamente comprometidas.

- Por via da forçada e longa permanência quer no hospital, quer depois em tratamento ambulatório, a autora perdeu o seu emprego (trabalhava na Distrave).

- À data do acidente a Autora auferia na sua actividade laboral o salário mínimo nacional.

- Até á data de interposição desta acção a Autora deixou de auferir a quantia de 2.473.800$00 (58900$00 x 42 meses) a título de salários não recebidos.

- Para tratamento e recuperação das suas lesões a autora despendeu pelo menos 62 555$00, em consultas, meios de diagnostico, "canadianas" e medicamentos.

- Custeou e pagou ainda do seu bolso a reparação do motociclo, no valor de 271.559$00.

Foram colhidos os vistos.

A recorrente limita o objecto do recurso a três questões:

- nulidade da resposta ao quesito 24º;

- nulidade do Acórdão por condenação "ultra petitum";

- indemnização pelo dano patrimonial resultante da IPP.

Assim, e tratando-se de efectivar a responsabilidade civil extra contratual, ficam, definitivamente, julgados os pressupostos evento, culpa e nexo de causalidade.
Outrossim quedarão intocados os "quanta" atribuídos a título de dano patrimonial imediato e de dano não patrimonial.

Tudo nos termos dos nºs 2 e 4 do artigo 684º do CPC.

Assim, e conhecendo.

1- Respostas aos quesitos.
2- Condenação "ultra petitum".
3- Conclusões.

1- Respostas aos quesitos.

1.1- No momento do artigo 511 do CPC o juiz selecciona, de entre os factos alegados, e ainda controvertidos, os que, a titulo principal ou instrumental, interessam para a decisão da causa, na ponderação das várias e plausíveis soluções de direito.
Então, terá de atentar no "distinguo" entre facto, direito e conclusão, acolhendo tão somente o puro facto e arredando da quesitaria os conceitos de direito - salvo se já transitados para a linguagem comum, por assimilação pelo cidadão vulgar como correspondente a um facto concreto - e conclusões, que mais não são do que a ilação lógica de premissas não correspondendo ao facto, em si mesmo.
Apelando para o conceito lógico, dir-se-á que o facto é a premissa menor do silogismo judiciário a que, afinal, se reconduz qualquer lide.

Mas para que não surjam duvidas a final, há que encarar o questionário - base instrutória - como um todo coerente, evitando o dicotómico e moderando as formulações alternativas.
O quesito em si deve ser redigido com precisão e clareza, procurando reproduzir o que a parte alegou, mas acertando o alegado terminologicamente (apenas para melhor evidenciar o cerne do perguntado).
Aquando das respostas há que lograr que as mesmas sejam claras, coerentes, congruentes, minuciosas e pormenorizadas, para definir com rigor o sentido do perguntado no quesito.
Mas, para alcançar esse objectivo, a resposta pode surgir como simples ("está provado" ou "não está provado") que é a meramente afirmativa ou negativa mas pode, ainda, ser restritiva ("está provado apenas que...") ou, até, explicativa ("está provado, com o esclarecimento que...").
Estas ultimas têm que obedecer a dois princípios rigorosos: conterem-se nos factos articulados; a explicação não cair, por exuberância, na criação de um novo facto.
A resposta excessiva ou exuberante deve ter-se por não escrita, que não toda mas apenas na parte excrescente se for possível cindi-la.
Decidir se há excesso passa por uma cuidada interpretação do principio do artigo 664º do CPC segundo o qual, e para além da interpretação, aplicação e indagação das normas jurídicas ou outras regras de direito, o juiz só pode servir-se de factos articulados pelas partes. (cf., ainda, o artigo 264º).
A tendência vai no sentido de, e para prosseguir também a verdade material, o juiz dever atentar nos factos instrumentais e de "outros que as partes hajam oportunamente alegado e resultem da instrução e discussão da causa, desde que a parte interessada manifeste vontade de deles se aproveitar e à parte contrária tenha sido facultado o exercício do contraditório" (nº 3 do artigo 264º CPC).
Esta ponderação pode ser feita aquando da redacção da resposta explicativa que, assim, e se contida naqueles precisos limites e com garantia de contraditório, não seria de considerar excessiva.

1.2- Feito este breve bosquejo, analisemos o quesito posto em crise.
Perguntava-se: "A Autora ficará acometida de uma IPP que hoje não é possível quantificar?"

Respondeu-se: "Provado que a Autora ficou com uma incapacidade permanente global de 40% e impedido de exercer a sua actividade profissional habitual".
Diga-se antes de mais que o quesito poderia ter sido desdobrada, perguntando-se se a Autora sofreria de IPP e noutro quesito (agora reportado ao alegado nos artigos 23º e 24º da petição inicial) se "ainda hoje" - expressão do articulado - não é possível quantificar. (Este facto serviu de suporte ao pedido de liquidação em fase executiva).
A Relação considerou que pode "estar-se perante uma situação limite" e que "a resposta poderia ficar mais fácil".
E tem razão neste ponto.
Respondendo afirmativamente à existência da incapacidade, a resposta contém-se nos limites estritos do perguntado.
Na parte em que quantifica a IPP, poderá aceitar-se (atendendo à prova produzida, ao contraditório sobre a mesma - fls. 184/199, 200 a 202) o seu não excesso.
Mas já a conclusão de incapacidade "para exercer a sua actividade profissional habitual" é manifestamente excessiva e exuberante, por se tratar de um facto não alegado (a Autora limitou-se a dizer que sofreria - e tal iria ser apurado em momento ulterior - de "serias limitações da capacidade de execução normal e natural da sua função laboral...") sendo que o que se respondeu em muito excede o alegado, por estender a incapacidade ao exercício da actividade profissional.
Deve, em consequência, ter-se por não escrita esta parte excrescente quedando, apenas, o grau de IPP, sendo que este Supremo Tribunal tal pode conhecer e determinar por se tratar de matéria de direito - errada aplicação das normas legais sobre a formulação e as respostas aos quesitos. (cf. o Acórdão do STJ de 27 de Outubro de 1994 - BMJ 440-478).
Procede, assim, parcialmente o primeiro segmento das alegações da recorrente.

2- Condenação "ultra petitum".

A recorrente insurge-se contra a sua condenação ao considerar que foi excedido o "quantum pedido".

Daí o imputar ao Acórdão - como, aliás, já fizera a sentença da 1ª instância - a nulidade da primeira parte da alínea e) do nº1 do artigo 668º do CPC.
Diga-se, desde já, que tem razão.
Vejamos,
A Autora formulou dois pedidos cumulados: um pedido liquido - consistente no pagamento de 8.776.359$00, a titulo de indemnização por danos patrimoniais imediatos e pelo dano não patrimonial (este, desde logo, computado em 6.000.000$00) - e um pedido ilíquido - para ressarcir o seu dano patrimonial mediato (perda de capacidade de ganho, resultante de IPP).
As instâncias condenaram a Ré no pagamento de 126.654,00 euros (mais ou menos 25 000 000$00) a título de danos patrimoniais e 30 000 euros (6 000 000$00) para reparação do dano moral, sendo que 125 000,00 euros foram atribuídos a título de dano patrimonial mediato (ou futuro).
Ora, a condenação tem de conter-se nos limites do pedido, ou seja, da pretensão material (artigo 661º nº1 CPC).
O pedido mais não é do que "o objecto imediato material do processo", para usar a expressão do Prof. Castro Mendes (apud, "Direito Processual Civil", II, 1969, 7).
Se a condenação surgir em quantidade superior (ou em objecto diverso) do pedido ocorre nulidade da decisão já que "ne eat judex ultra vel extra petita partium", por infracção dos limites.
A autora pediu a condenação em quantia ilíquida quanto ao dano patrimonial mediato.
A condenação em montante a liquidar na fase executiva pode surgir ou, como pedido genérico (alínea b) do artigo 471º do Código adjectivo, isto é, quando não seja ainda possível determinar de modo definitivo as consequências do facto ilícito - cf. ainda artigo 569º do CC) ou como consequência de um "non liquet" que se deparou ao julgador, nos termos do nº2 do artigo 661º do CPC - cf., ainda, o nº2 "in fine" do artigo 564º do Código Civil.
Se o juiz pode - deve - remeter "ex officio" para fase executiva ulterior a liquidação, quando lhe foi pedida condenação em quantia certa, não pode fazer o contrário, isto é, liquidar oficiosamente um "quantum" que a parte entendeu dever ser diferido para a fase executiva.
Isto por várias razões.
Desde logo, porque é o demandante que deve conhecer o montante e extensão do seu dano e as consequências que o mesmo terá no seu património financeiro ou moral. Por outro lado, o princípio do dispositivo não autoriza o julgador a substituir-se à parte na caracterização e quantificação do prejuízo.

Finalmente, sempre a parte terá de formular um pedido concreto (e relegou-o para momento ulterior) que seja o tecto, o limite, de eventual condenação. (Imagine-se - sem que tal seja tomado como argumento "ad terrorem" - que o Autor só pretenderia ser ressarcido com 20 mil euros - que depois liquidaria - e o tribunal condena em 100 mil, procedendo a liquidação oficiosa).
Houve, em consequência, decisão "ultra petitum", geradora da nulidade referida, por ter sido formulado pedido genérico, por indeterminação do "quantum". (cf., a propósito, e quanto a pedidos genéricos, o Prof. Manuel de Andrade, in "Lições de Processo Civil", 390).
O Acórdão é nulo na parte em que condenou a titulo de dano patrimonial mediato, subsistindo quanto à restante condenação - cujo pedido foi formulado de forma liquida - devendo, nos termos do nº1 do artigo 731º do CPC, considerar-se que também condenou a Ré a indemnizar a Autora em quantia a liquidar em execução de sentença, pelo dano patrimonial de perda de capacidade de ganho (IPP).
Aqui chegados, não se conhecerá aqui da parte referente ao cômputo desses danos por ser, precisamente, a parte anulada.

3- Conclusões.

Pode concluir-se que:

a) Aquando a selecção de factos a quesitar, no momento do artigo 511º CPC terá de atentar-se no "distinguo" entre facto, direito e conclusão, acolhendo, apenas, o facto simples e arredando da base instrutória os conceitos de direito - salvo as que transitaram para a linguagem corrente, por assimiladas pelo cidadão comum por corresponder a um facto concreto - e conclusões, que mais não são do que a lógica ilação de premissas.
b) O questionário deve constituir um todo coerente, não dicotómico com moderação de formulações alternativas, sendo os quesitos redigidos com precisão e clareza, procurando reproduzir o alegado tal qual, com eventuais acertos terminológicos que melhor evidenciem o núcleo perguntado.
c) As respostas serão claras, congruentes, coerentes, minuciosas e pormenorizadas, podendo ser simples - por meramente afirmativas ou negativas - restritivas e explicativas.
d) As respostas explicativas têm de conter-se nos factos articulados, não podendo criar novos factos como consequência de excesso ou de exuberância. Então, e sendo possível a cisão, deve ter-se por não escrito o segmento excrescente.
e) Formulado um pedido genérico por a demandante entender que o "quantum" indemnizatório deve ser relegado para execução de sentença, o tribunal não pode proceder a uma condenação líquida, até por desconhecer o tecto do pedido que o Autor deduziria se formulasse pedido concreto.
f) A condenação ilíquida, se não pedida, pode surgir "ex officio", mas não é possível a situação inversa, sob pena de comissão da nulidade da alínea e) do artigo 668º CPC.

Nos termos expostos, acordam conceder a revista, anulando o Acórdão recorrido na parte em que condenou a Ré a pagar à Autora a indemnização a titulo de dano patrimonial mediato (IPP) subsistindo o restante e ficando a Ré ainda condenada a pagar à Autora a quantia a liquidar em execução de sentença por aquele dano.

Custas pela recorrida, sem prejuízo do apoio judiciário.

Lisboa, 19 de Dezembro de 2006
Sebastião Póvoas
Moreira Alves
Alves Velho