Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
03A1615
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: SILVA SALAZAR
Descritores: BEM COMUM
ÓNUS DA PROVA
CRÉDITO
Nº do Documento: SJ200306030016156
Data do Acordão: 06/03/2003
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL PORTO
Processo no Tribunal Recurso: 1886/01
Data: 01/07/2003
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Sumário : I - A nulidade da sentença consistente em oposição entre os fundamentos e a decisão refere-se apenas aos fundamentos, de facto e de direito, invocados na própria sentença, e não à fundamentação das respostas sobre a matéria de facto.
II -- Não são credores solidários do Banco depositário os depositantes que só possam proceder à movimentação do depósito, efectuado em nome de ambos, com as assinaturas também de ambos, não funcionando por isso em tal hipótese a presunção estabelecida no art.º 516º do Cód. Civil.
III - Depositado determinado montante num Banco em conta conjunta da titularidade de ambos os depositantes, com exclusão da possibilidade de algum deles, isoladamente, movimentar tal conta de depósito por meio de levantamentos de dinheiro, verifica-se a presunção, a ilidir por aquele que se arrogue a qualidade de titular único da propriedade do dinheiro, de que o dinheiro depositado pertencia a ambos em partes iguais na altura do depósito, - por via do qual o dinheiro passou a ser propriedade do Banco -, e de que são, também, titulares em partes iguais do direito de crédito que ficam a ter sobre o Banco depositário, por força do disposto nos art.ºs 1404º e 1403º, n.º 2, do Cód. Civil.
IV - A tradição da coisa doada, referida no art.º 947º, n.º 2, do Cód. Civil, não é qualquer entrega material, mas apenas uma tradição jurídica, ou seja, uma tradição produtora de efeitos jurídicos, consubstanciada numa entrega reveladora da vontade de doar.
V - Tratando-se de dinheiro a ser depositado num estabelecimento bancário, a entrega a um donatário pode ser feita sem colocação de qualquer quantia nas mãos deste, desde que simplesmente seja colocada na sua disponibilidade, por meio do próprio depósito efectuado em seu nome, só ou conjunto.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

"A", instaurou em 10/3/99 contra sua neta, B, acção com processo ordinário, pedindo se declare ser ela autora única e exclusiva dona da quantia de 4.000.000$00 depositados na conta n.º ......., agência de Barcelos do Banco Totta & Açores, (parte do montante global de 5.000.000$00 que lhe fora pago a título de indemnização pela entrega de um andar de que ela autora era arrendatária pela Câmara Municipal de Barcelos), autorizando-se a autora a movimentar por si só a referida conta bancária e retirando-se à ré a co-titularidade que nela apresenta, uma vez que, feito o dito depósito em nome de ambas por facilidades de movimentação e por confiança entre elas, por forma a só poder a conta ser movimentada com a assinatura conjunta de ambas, a ré se recusa a assinar quando a autora pretende levantar o dinheiro.
A ré contestou impugnando, nomeadamente sustentando que da dita quantia lhe pertenciam 2.000.000$00 dados pela autora a troco de ela ré por sua vez lhe dar habitação e refeições e lhe pagar assistência médica, vestuário e outras despesas, para além do que já despendera 2.080.000$00 com sua avó em despesas daquele género, pelo que pretende a improcedência da acção, declarando-se que a ré é proprietária de 2.000.000$00 depositados na dita conta bancária, ou, caso assim se não entenda, que seja efectuada a alegada compensação (certamente com a importância de 2.080.000$00).
Em réplica, a autora rebateu a matéria de excepção e negou ter dado 2.000.000$00 à ré, acrescentando mesmo que lhe pagava uma quantia mensal pelo alojamento e lhe prestava diversos serviços domésticos e suportava várias despesas, além do que tomava conta de uma bisneta, filha da ré, pelo que nada lhe devia.
Proferido despacho saneador que decidiu não haver excepções dilatórias nem nulidades secundárias, foi enumerada a matéria de facto desde logo considerada assente e elaborada a base instrutória.
Oportunamente teve lugar audiência de discussão e julgamento, tendo sido decidida a matéria de facto instruenda, após o que foi proferida sentença que julgou a acção totalmente procedente, dando integral satisfação ao pedido da autora.
A ré apelou, mas a Relação confirmou a sentença ali recorrida, por acórdão de que vem interposta a presente revista, de novo pela ré, que, em alegações, formulou as seguintes conclusões:
1ª - O Tribunal recorrido fez tábua rasa da presunção legal da titularidade de metade da conta depositada no Banco a favor da ré, nos termos do art.º 516º do Cód. Civil;
2ª - Presunção legal que, enquanto não se fizer prova em contrário, cada uma das depositantes é titular de metade do depósito bancário;
3ª - No caso em apreço, cabia à autora ilidir tal presunção, nos termos do art.º 350º do Cód. Civil, o que não conseguiu;
4ª - O que se pode comprovar pela fundamentação das respostas aos quesitos;
5ª - Como a própria fundamentação o refere, o Tribunal "ad quo" (sic) considerou provados os factos constantes no art.º 3º da fundamentação de facto da decisão, com base nos depoimentos das testemunhas que considerou "não credíveis", e considerou não provados outros factos, nomeadamente os constantes no quesito 6º da base instrutória, com base nos mesmos depoimentos;
6ª - Isto é, os depoimentos, apesar de serem não credíveis, foram valorados para fundamentar que "a quantia depositada pertencia unicamente à autora" e ao mesmo tempo não foram valorados para fundamentar que a quantia de 2.000.000$00 pertencia à ré;
7ª - Ora, salvo o devido respeito por opinião em contrário, se os depoimentos das testemunhas não resultaram credíveis para prova do quesito 6º, também não podem ser valorados para prova de outros factos;
8ª - Sendo assim, a sentença é nula, porque os fundamentos estão em oposição com a decisão, nos termos do art.º 668º, n.º 1, al. c), do C.P.C.;
9ª - À cautela, se a prova foi apreciada tendo em conta as regras da experiência, do senso comum e da normalidade do acontecer, outra decisão não poderia ser senão considerar a quantia de 2.000.000$00 como sendo propriedade da recorrente;
10ª - A não ser assim, presume-se que os credores solidários comparticipam em partes iguais no crédito, presunção que não foi ilidida, pertencendo a cada uma (autora e ré) metade do crédito, nos termos do citado art.º 516º;
11ª - Foram violadas as disposições legais constantes dos art.ºs 350º e 516º do Cód. Civil, e do art.º 668º, n.º 1, al. c), do Cód. Proc. Civil.
Termina pedindo se decida em conformidade com o alegado.
Em contra alegações, a autora pugnou pela confirmação do acórdão recorrido.
Colhidos os vistos legais, cabe decidir, tendo em conta que as instâncias deram por assentes os factos seguintes:
1º - No ano de 1998, a autora recebeu da Câmara Municipal de Barcelos a quantia de 5.000.000$00 a título de indemnização pelo facto de aquela entregar livre e devoluta de pessoas e coisas uma fracção de um prédio urbano, sito na Rua Elias Garcia, em Barcelos, que ocupava na qualidade de arrendatária;
2º - Dessa quantia, a autora depositou na agência do Banco Totta & Açores, em Barcelos, a quantia de 4.000.000$00, na conta n.º ........., de que a autora e a ré são co-titulares, e que apenas pode ser movimentada com a assinatura conjunta de ambas;
3º - A ré é neta da autora, tendo habitado juntas a casa desta última;
4º - A ré convenceu a autora a proceder ao depósito referido no n.º 2º;
5º - Apesar de já o ter solicitado à ré por diversas vezes, a autora não pode movimentar a conta;
6º - Pois, sendo necessária a assinatura da ré, esta recusa-se a fazê-lo;
7º - E recusa-se a retirar o seu nome da co-titularidade da conta;
8º - O que causa à autora transtornos e incómodos;
9º - A quantia depositada no Banco Totta & Açores, de 4.000.000$00, pertence unicamente à autora.
Por razões de ordem lógica, há que apreciar em primeiro lugar a questão da invocada nulidade.
Nos termos do art.º 668º, n.º 1, al. c), do Cód. Proc. Civil, a sentença é nula quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão. Trata-se de uma nulidade que, como é sabido, apenas ocorre quando os fundamentos invocados pelo juiz ao proferir a sentença deveriam logicamente conduzir ao resultado oposto ao que vier expresso na respectiva decisão, como aconteceria se, por exemplo, o Juiz, numa acção de dívida, considerasse na sentença provado o pagamento da quantia devida, mas por algum lapso de raciocínio terminasse pela condenação a efectuá-lo.
Ou seja, os fundamentos da sentença são os nela própria invocados, quer respeitantes a matéria de facto, quer respeitantes a matéria de direito, e não os fundamentos das respostas a quesitos, consistindo a oposição integrante da nulidade em causa em desconformidade entre esses fundamentos de facto e/ou de direito da decisão e a parte dispositiva da sentença; a oposição apontada pela recorrente, porém, respeita, não a contradição entre tais fundamentos da sentença ou do acórdão e a decisão neles contida, mas entre a fundamentação da decisão sobre a matéria de facto objecto de instrução e tal decisão.
Daí que seja manifesta a inexistência da nulidade invocada, seja da sentença da 1ª instância, seja do acórdão recorrido, independentemente da eventualidade de erro de julgamento.
Não obstante, entende-se que não pode considerar-se como um facto provado a matéria constante do n.º 9 dos factos assentes, sem embargo de o aí afirmado poder ser exacto. É que, por um lado, tal constitui matéria manifestamente conclusiva, a retirar ou não dos factos provados com base na análise das normas jurídicas aplicáveis, sendo consequentemente qualificável como questão de direito, e, por outro lado, trata-se de matéria que não se encontrava incluída em qualquer das alíneas da base instrutória, extrapolando claramente das mesmas, pelo que não podia ser objecto da instrução nem, consequentemente, das respostas sobre a matéria de facto (art.º 653º, n.º 2, do Cód. Proc. Civil, que como é óbvio se refere apenas à matéria de facto posta em instrução), nem integrada por essa via nos factos assentes. Por isso, e nos termos do art.º 646º, n.º 4, do Cód. Proc. Civil, se tem essa matéria por não escrita, sem que à presente sindicância obste o disposto nos art.ºs 722º, n.º 2, e 729º, n.ºs 1 e 2, do Cód. Proc. Civil, que se referem apenas a matéria de facto submetida a instrução e não a matéria de direito, ou conclusiva, ou de facto não submetida a instrução.
Não pode, porém, face ao disposto nesses artigos, ser alterada a restante matéria de facto no sentido pretendido pela recorrente, uma vez que não se verifica qualquer das hipóteses excepcionais previstas no dito art.º 722º, n.º 2. Isto se refere no que respeita à pretensão dela de ser alterada a resposta dada ao quesito 6º, em que se perguntava se a autora dera à ré, da referida quantia depositada, o montante de 2.000.000$00; tal quesito obteve resposta de "não provado", resposta essa que consequentemente tem de ser mantida, não podendo ser satisfeita a pretensão da recorrente de que seja alterada para "provado".
Para além disso, escuda-se a recorrente na presunção legal consagrada no art.º 516º do Cód. Civil, segundo o qual, "nas relações entre si, presume-se que os devedores ou credores solidários comparticipam em partes iguais na dívida ou no crédito, sempre que da relação jurídica entre eles existente não resulte que são diferentes as suas partes, ou que um só deles deve suportar o encargo da dívida ou obter o benefício do crédito".
Este dispositivo pressupõe, como dele resulta claramente, a solidariedade entre devedores ou credores, solidariedade essa que a recorrente invoca existir entre ela e a autora.
Como resulta, porém, do disposto no art.º 512º, n.º 1, do mesmo Código, "a obrigação é solidária, quando cada um dos devedores responde pela prestação integral e esta a todos libera, ou quando cada um dos credores tem a faculdade de exigir, por si só, a prestação integral e esta libera o devedor para com todos eles".
Ora, dos factos assentes não resulta a verificação deste circunstancialismo, dado que, como ficou provado, a conta de depósito em causa apenas pode ser movimentada com a assinatura conjunta de ambas as titulares, o que pressupõe prévio acordo entre a autora e a ré no sentido de ser efectuado o depósito nesses termos. Por isso, sendo elas credoras do Banco pelo montante depositado, mas não podendo cada uma delas, por si só, exigir a prestação deste, fica afastado o regime jurídico das obrigações solidárias, e portanto a presunção consagrada no transcrito art.º 516º, não se podendo para entender o contrário trazer á colação o decidido no Acórdão deste Supremo Tribunal de 17/6/99, in Col. Jur. - Acs. do S.T.J., Ano VII - Tomo II, 1999, págs. 152-153, invocado na sentença da 1ª instância, pois se refere à hipótese, diferente, em que qualquer dos titulares do depósito pode, isoladamente e sem necessidade de intervenção do seu co-titular, fazer levantamentos e outros movimentos, situação essa em que existe sem dúvida solidariedade activa.
Tal não permite, porém, excluir sem mais a razão que possa assistir à ré.
Com efeito, dos factos provados resulta que o montante depositado pertencia, pelo menos de início, exclusivamente à autora, a quem foi pago pela Câmara Municipal de Barcelos; mas foi depositado em conta conjunta da titularidade de ambas, com exclusão da possibilidade de alguma delas, isoladamente, poder movimentar a conta, ou seja, proceder a levantamentos da mesma. Não se mostrou que a autora tivesse dado à ré qualquer quantia, mas também não se esclareceu o motivo da realização do depósito nos termos em que o foi. Portanto, do facto de inicialmente o montante depositado pertencer exclusivamente à autora não resulta que, a quando da concretização do depósito, ainda fosse sua pertença exclusiva, sendo admissível que não o fosse, por qualquer motivo, nomeadamente a título de pagamento de serviços, ou, apesar de a ré não ter conseguido provar a doação, por força desta, não excluída pela circunstância de não se mostrar provada a entrega material de dinheiro pela autora à ré: é que, não obstante o disposto no art.º 947º, n.º 2, do Cód. Civil, dispensar de qualquer formalidade externa a doação de coisas móveis quando acompanhada de tradição da coisa doada, entende-se que a tradição nesse artigo referida não é qualquer entrega material, mas apenas uma tradição jurídica, ou seja, uma tradição produtora de efeitos jurídicos, consubstanciada numa entrega reveladora da vontade de doar, entrega essa que, quando se trate de dinheiro que seja depositado num estabelecimento bancário, pode ser feita sem consistir na colocação de qualquer quantia nas mãos do donatário, desde que simplesmente seja colocada na sua disponibilidade, ainda que condicional no que respeite ao seu montante. Daí que se conclua haver tradição do dinheiro para o donatário quando o doador constitua um depósito bancário em nome exclusivo daquele, apesar de a propriedade do dinheiro depositado passar simultânea e automaticamente, por força do depósito, a ser da titularidade do Banco ficando o donatário com um direito de crédito sobre este, ou quando doador e donatário constituam um depósito bancário em conta conjunta, hipótese esta última referida no acórdão da Relação do Porto de 21/5/92, in BMJ 417º-821.
O problema só pode, pois, ser resolvido com recurso às regras sobre o ónus da prova, de que há que ter em conta que, nos termos do art.º 350º do Cód. Civil, "quem tem a seu favor a presunção legal escusa de provar o facto a que ela conduz" (n.º 1), e que "as presunções legais podem, todavia, ser ilididas mediante prova em contrário, excepto nos casos em que a lei o proibir" (n.º 2).
Fala-se aqui, de novo, em presunção, apesar de afastada a do art.º 516º referido, porque não deixamos de nos encontrar perante um caso de comunhão de direitos: há duas pessoas, autora e ré, ambas titulares da mesma conta de depósito bancário, e que consequentemente comungam no direito de crédito de que são titulares em relação ao Banco depositário.
Ora, nos termos do art.º 1404º do Cód. Civil, "as regras da compropriedade são aplicáveis, com as necessárias adaptações, à comunhão de quaisquer outros direitos, sem prejuízo do disposto especialmente para cada um deles". E uma dessas regras é a do art.º 1403º, n.º 2, do mesmo diploma: "os direitos dos consortes ou comproprietários sobre a coisa comum são qualitativamente iguais, embora possam ser quantitativamente diferentes; as quotas presumem-se, todavia, quantitativamente iguais na falta de indicação em contrário do título constitutivo".
Aquela expressão genérica "comunhão de quaisquer outros direitos" inculca que a disciplina jurídica ali consagrada, se bem que prevista em princípio para as hipóteses de compropriedade e de outros direitos reais, se aplica mesmo a direitos de outra natureza, sendo localizada na regulamentação da compropriedade por uma questão de sistematização por ser em relação ao domínio, especialmente sobre coisas imóveis, que as situações de contitularidade de direitos surgem com mais frequência e assumem maior relevo. Por isso se entende que essa disciplina se aplica mesmo quando o direito em causa, integrado na titularidade simultânea de mais que uma pessoa, seja de natureza creditória, como é a hipótese do direito dos depositantes sobre o Banco precisamente no caso das contas bancárias conjuntas, referido de forma expressa por Pires de Lima e Antunes Varela ("Código Civil Anotado", Vol. III - 2.ª ed., pgs. 350-351).
Ou seja: apesar de não ser de ter em conta a presunção do art.º 516º, tem de se considerar a deste art.º 1403º, n.º 2, aplicável à hipótese dos autos por não deixarmos de nos encontrar perante um caso de comunhão de direitos, e que, adaptada à presente situação, aponta afinal no mesmo sentido daquela por inexistência de indicação em contrário, sem que, face a tal presunção, se possa fazer recair sobre a ré as consequências da falta de prova da invocada doação, remuneratória ou não, da qual a mesma presunção a dispensa, recaindo por isso sobre a autora o ónus de ilidir a presunção de contitularidade sobre o dinheiro à data em que o depósito foi efectuado.
Ora, se bem que não se mostre demonstrado o motivo pelo qual foi efectuada a tradição do dinheiro revelada através do próprio depósito nos termos em que foi concretizado, afigura-se haver ainda possibilidade de o determinar.
Na verdade, resultando do depósito bancário a transferência de propriedade das quantias depositadas do depositante para o Banco depositário pelo tempo que durar o depósito, - o que significa que, nesse preciso momento em que o depósito é concretizado, o depositante é o dono dessas quantias -, o simples facto de este ser feito em nome de autora e ré faz desde logo valer a presunção de contitularidade: de propriedade sobre essas quantias, no exacto momento do depósito, e no direito de restituição, enquanto ele se mantenha e na altura do respectivo levantamento.
Assim, a presunção agora referida, a que o Tribunal pode livremente atender na medida em que em nada altera os factos invocados e assentes (art.º 664º do Cód. Proc. Civil), conduz forçosamente a que, se não for ilidida pela autora, não se possa considerar assente que o montante depositado fosse, no momento do depósito, pertença exclusiva desta, e a que ambas as titulares do depósito, autora e ré, tenham direito a receber, em partes iguais, o montante depositado, o que originará que a ré tenha direito a manter-se inscrita como titular do depósito e impedirá se reconheça razão à autora.
Há, porém, factos articulados pela autora na petição inicial que não foram integrados na base instrutória e que, por isso, não foram objecto de instrução, dos quais, se provados, poderá resultar que aquela presunção fique ilidida: são os factos de que pode derivar ter o depósito sido feito na titularidade de ambas apenas devido à relação de confiança que existia da autora para com a ré e com vista à obtenção de facilidades na movimentação do depósito, nomeadamente em atenção à idade e dificuldades de deslocação da autora. Como é óbvio, pode daí concluir-se que à data do depósito não se verificara qualquer transferência parcial de propriedade, da autora para a ré, sobre o dinheiro que viria a ser depositado, o que conduzirá a que, ilidida a presunção, deva ser considerada a autora única proprietária do dinheiro nessa data e, em consequência, única pessoa que na altura do levantamento gozará de modo pleno e exclusivo (art.º 1305º do Cód. Civil) do direito à entrega deste, a si própria ou a pessoa que ela própria entenda e que poderá entretanto ter deixado de ser a ré.
Por isso, considera-se necessária a ampliação da matéria de facto, em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito, mediante apuramento dos factos invocados nos art.ºs 3º, 6º, 7º e 8º da petição inicial.
Pelo exposto, acorda-se em determinar que o processo volte ao Tribunal recorrido para os fins indicados, devendo, apurados aqueles factos, ser novamente julgada a causa, nos termos dos art.ºs 729º, n.º 3, e 730º, n.º 1, do Cód. Proc. Civil.
Custas a final.

Lisboa, 3 de Junho de 2003
Silva Salazar
Ponce de Leão
Afonso Correia