Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
99/06.6TTFAR.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: PEREIRA RODRIGUES
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO A TERMO
FORMA ESCRITA
CADUCIDADE
COMUNICAÇÃO
REVOGAÇÃO
DECLARAÇÃO
EFICÁCIA
IRREVOGABILIDADE
Data do Acordão: 11/23/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Sumário :
I. A celebração do contrato de trabalho a termo, para ser válida, carece de obedecer, entre outros, ao requisito da forma escrita, o mesmo sucedendo com a declaração de caducidade do contrato para o final do termo, quer feita pelo empregador, quer pelo trabalhador (artigos 103.º, n.º 1, al. d), e 131.º, n.º 4, e 388.º, n.º 1 do Código do Trabalho de 2003).

II. A revogação da comunicação da não renovação do contrato de trabalho a termo por parte da entidade empregadora terá também que obedecer à forma escrita, por as razões da exigência especial da forma escrita lhe serem aplicáveis (artigo 221.º, n.º 2 do CC).

III. A declaração de vontade que tem um destinatário torna-se eficaz logo que chega ao seu poder, ou é dele conhecida, e torna-se irrevogável a partir dessa ocorrência (artigos 224°, n° 1, e 230°, n° 1, do CC).

IV. O empregador, que pretenda efectuar a revogação da declaração da caducidade do contrato a termo, carece não só de a fazer por escrito, como também de fazer chegar esse escrito ao trabalhador antes ou ao mesmo tempo que a declaração da caducidade, como sucede, em termos gerais, com a revogação da aceitação ou da rejeição da proposta contratual (artigo 235.º do CC).

Decisão Texto Integral:

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

I. OBJECTO DO RECURSO E QUESTÕES A SOLUCIONAR.

No Tribunal do Trabalho de Faro, AA intentou a presente acção, com processo comum, emergente de contrato de trabalho, contra BB - Manutenção e Serviços Em Imóveis, Lda., pedindo que esta seja condenada a pagar-lhe o montante de € 91.258, acrescido da diferença entre € 6.887,91 e € 10.000 e o montante correspondente a 3.5% dos lucros anuais da mesma em 2003 e 2004 e 4% desses lucros em 2005, respectivamente, mas neste caso num montante nunca inferior a € 4.167 e juros de mora, à taxa legal, desde a data de citação até integral pagamento.

Alegou para tanto, em síntese, que entre 07.04.2003 e 12.04.2005, trabalhou a prazo certo por conta da Ré e que, não tendo o contrato sido renovado por vontade dela, a mesma não lhe pagou parte da retribuição acordada, violou o direito a gozar as férias que lhe cabiam e não lhe pagou o subsídio de Natal proporcional do ano da cessação do contrato.

Contestou a Ré, por excepção, invocando a compensação parcial do crédito alegado pelo Autor com um outro por ela titulado contra ele por danos causados no veículo que lhe estava distribuído; e, por impugnação, sustentou que o contrato cessou por despedimento do Autor e não por caducidade do contrato, pois que muito embora tivesse mandado uma carta ao Autor, em 12 de Abril de 2005, a comunicar a intenção de não renovar o contrato, em 26 de Abril apresentou ao Autor uma proposta [verbal] de continuidade do contrato, o que aquele não aceitou, pelo que através daquela proposta revogou a anterior declaração. Porque o Autor deixou de se apresentar ao serviço a Ré procedeu ao seu despedimento.

E invoca que o mesmo gozou as férias a que legalmente tinha direito e que só não lhe pagou parte do subsídio de Natal peticionado, porquanto deixou de comparecer ao trabalho.

Foi elaborado o despacho saneador, com dispensa da selecção da matéria de facto, e procedeu-se ao julgamento da causa, em cujo decurso se proferiu despacho a decidir que não seria possível a produção de prova testemunhal relativamente à revogação da comunicação de não renovação do contrato de trabalho a termo certo operada pela Ré e constante de fls. 21 dos autos.

Inconformada com este despacho, dele agravou a Ré, tendo concluído na sua alegação que:

«1. O artigo 393.°, n.º 1, do Código Civil, não é aplicável à questão sub judice, pois, a declaração negocial que a Ré pretende provar por testemunhas (revogação da comunicação de não renovação do contrato de trabalho a termo certo) não tem de ser reduzida a escrito por força da lei ou estipulação das partes, porque a lei é totalmente omissa quanto à forma que deve revestir a revogação da comunicação de não renovação do contrato de trabalho a termo certo e as partes (Autor e Ré) não estipularam que a revogação da comunicação de não renovação do contrato de trabalho a termo certo tinha de ser reduzida a escrito.

2. A jurisprudência tem sido unânime no sentido de que a validade da revogação pelo empregador da sua anterior declaração de caducidade não depende da observância de forma especial, devendo, portanto, aplicar-se o princípio da consensualidade da forma, estabelecida como regra geral no artigo 219.°, do Código Civil, sendo, portanto, admitida para a sua prova, quando verbal, a prova testemunhal.

3. A revogação da declaração de caducidade do contrato de trabalho a termo, sendo uma declaração unilateral receptícia, não carece também de acordo do trabalhador, produzindo os seus efeitos com a sua comunicação a este, como tem decidido pacificamente a jurisprudência que apenas tem estabelecido como condição indispensável para a sua validade que, quando a revogação se efectua, a declaração de caducidade não tenha ainda produzido seus efeitos, ou seja, não se tenha ainda atingido o termo do contrato.

4. A revogação da declaração de caducidade do contrato de trabalho a termo traduz-se numa declaração unilateral receptícia, cuja produção de efeitos não carece do acordo do trabalhador nem exige a forma escrita, pois, quanto a ela, não concorrem as razões determinantes de uma especial protecção do trabalhador, uma vez que a mesma vem manter a estabilidade do emprego, pelo que as exigências que lhe poderiam ser feitas apenas afectariam o próprio trabalhador, estariam em desacordo com as razões que ditaram a forma escrita e cairiam na previsão legal do artigo 221.°, n.º 2 do Código Civil, não estando, assim, tal revogação sujeita à forma legal prescrita para a declaração de caducidade do contrato de trabalho a termo.

5. O artigo 394.°, n.º 1, do Código Civil, não é igualmente aplicável à questão sub judice, pois, o que se pretende provar por testemunhas (revogação da comunicação de não renovação do contrato de trabalho a termo certo) não é uma convenção, mas apenas uma declaração unilateral receptícia cuja produção de efeitos não carece do acordo do trabalhador nem de forma escrita,

6. E a revogação da comunicação de não renovação do contrato de trabalho a termo certo não seria uma convenção com um objecto contrário ou adicional ao conteúdo de documento autêntico ou particular, pois, não existe qualquer documento autêntico ou particular do qual conste que a comunicação de não renovação do contrato de trabalho a termo certo seria irrevogável.

7. Ao decidir que não é possível nos autos a produção de prova testemunhal relativamente à revogação verbal efectuada pelo Dr. CC da denúncia contratual constante de fls. 21 dos autos, o douto despacho recorrido, salvo o devido respeito, fez uma errada aplicação dos artigos 393.°, e 394.°, do Código Civil, e violou o disposto nos artigos 219.° e 221.°, n.º 2, do mesmo Código Civil.»

Termina pedindo a revogação do despacho recorrido, admitindo-se a produção de prova testemunhal relativamente à revogação verbal efectuada pelo Senhor Dr. CC da denúncia contratual constante de fls. 21 dos autos.

O Autor contra-alegou pugnando pela manutenção do decidido.

O processo prosseguiu e, realizada a audiência de julgamento, foi proferido despacho fixando a matéria considerada provada, que foi objecto de reclamações, na altura decididas.

Proferida sentença, foi a acção julgada parcialmente procedente e condenada a Ré a pagar ao Autor a retribuição equivalente aos remanescentes a três dias de férias não gozadas do ano de 2003, aos vinte e dois dias de férias do ano de 2004, aos remanescentes cinco dias de férias do ano de 2005, aos nove dias proporcionais ao trabalho do ano da cessação do contrato e, por fim, dois dias de retribuição base e diuturnidades por cada mês de duração do vínculo.

Inconformadas, ambas as partes apelaram e, tendo os autos prosseguido seus termos, veio a ser proferido Acórdão pelo Tribunal da Relação de Évora, no qual se acordou, por unanimidade, em a) considerar inútil a procedência do agravo, dado se concluir que o contrato do A cessou por caducidade operada pela R; b) julgar totalmente improcedente a apelação da R; c) julgar parcialmente procedente a apelação do A. sendo assim a R condenada a pagar-lhe a quantia de 4.745 euros a título de subsídio de Natal proporcional ao tempo de trabalho prestado em 2005: d) quanto ao mais manteve-se a decisão recorrida, devendo os direitos do A. ser fixados em função do vencimento mensal de € 11.387 que auferia.

Mais uma vez inconformada, veio a Ré interpor recurso de Revista para este STJ, na parte em que considerou inútil a procedência do recurso de agravo e na parte em que julgou totalmente improcedente a apelação da Ré, apresentando doutas alegações, com as seguintes CONCLUSÕES:

«1. Quanto à matéria do agravo o douto Ac. Recorrido, pela transcrição dos parágrafos 2.° a 5.° que a alegação de recurso faz a fls. 1, quase deu razão à Recorrente.

2. E só não a deu, devido à aplicação que fez dos artigos 224.°, n.º 1 e 230.°, n.º 1 do Código Civil.

3. Quanto ao artigo 224.°, n.º 1 apenas define a eficácia da declaração negocial que tem um destinatário.

4. Porém é indispensável distinguir a eficácia da declaração negocial que tem o destinatário quando como no caso dos autos se trata de um acto unilateral e recipiendo.

5. Neste caso, o efeito da declaração ao destinatário é condição da perfeição do acto, vinculando este à vontade unilateral do declarante. Só neste aspecto tem a eficácia referida no preceito.

6. A produção de efeitos da declaração negocial só se verificará, porém, no caso do contrato a termo certo, no termo deste (artigo 288.° do Código de Trabalho de 2003 e da legislação imediatamente anterior).

7. O elemento essencial para a justa solução desta situação jurídica reside na circunstância da declaração negocial constituir um acto unilateral para a perfeição do qual é apenas necessária a manifestação de uma vontade — a da entidade empregadora — nos termos da lei laboral bem como a comunicação à parte contrária.

8. Trata-se, pois, de um acto unilateral e recipiendo como já foi referido.

9. Aliás o carácter recipiendo do acto não exclui a sua unilateralidade (Galvão Teles, citação a fls. 3 da alegação de recurso).

10. E se a declaração negocial é unilateral a sua revogação sê-lo-á também, desde que produzida até ao termo do prazo do contrato.

11. A jurisprudência do Venerando Tribunal a quem tem entendido, uniformemente, que a declaração revogatória da entidade empregadora quanto à declaração negocial atrás caracterizada, é igualmente unilateral, não está sujeita a forma escrita e pode provar-se testemunhalmente.

12. Por todos veja-se o Ac. do STJ de 06.01.1993 e no mesmo sentido os Acórdãos do mesmo Venerando tribunal de 09.03.1990 e 30.10.2002, citados no Acórdão de 27.05.2006, Acórdão este devidamente citado a fls. 4 desta alegação de recurso.

13. O único limite estabelecido pela jurisprudência acima referida é a de que a revogação seja feita até ao termo do prazo do contrato.

14. E não se diga que pelo facto de o Ac. do STJ de 27.04.2006 decidir no mesmo sentido para um caso de acordo entre as partes tal signifique a alteração da sua jurisprudência sobre o assunto.

15. A transcrição de parte do Acórdão de 2006 feita no último parágrafo de fls. 4 desta alegação de recurso e segundo e terceiros parágrafos de fls. 5, evidência claramente que o STJ admite quer a revogação unilateral quer a revogação por acordo das partes.

16. Quanto ao artigo 230.°, n.º 1 do Código Civil, tal norma é da espécie das declarações negociais para a conclusão de um contrato, como, aliás, os artigos 227.° a 235°, o que obviamente não é o caso dos autos, pelo que não lhe é aplicável.

17. Quanto à restante matéria do acórdão recorrido a Recorrente requer a rectificação do erro material constante do ponto de facto n.º 35 ou, preferivelmente se assim for superiormente entendido, a eliminação do mesmo.

18. Na verdade, o ponto de facto n.º 35, a fls. 5 do Acórdão Recorrido, dá como provado que o contrato a termo do Autor teve como duração 48 meses;

19. Ora, o ponto de facto n.º 1 refere que o contrato foi celebrado em 07.04.2003 embora o Autor só tenha iniciado as suas funções ao serviço da Ré em 01.05.2003 (ponto de facto n.º 5).

20. No ponto de facto n.º 15 vem provado que o contrato foi renovado em 30.04.2004 por mais um ano.

21. Finalmente, os pontos de factos números 16 e 17 provam que a ora Recorrente em 12.04.2005 dirigiu ao Autor uma carta em que comunicou a sua intenção de não renovar o contrato de trabalho a termo certo;

22. Portanto, mesmo na hipótese pretendida pelo Acórdão Recorrido de que o contrato caducou em 30.04.2005 não há dúvida de que este durou apenas 24 meses, ou seja, dois anos;

23. Requer-se, preferivelmente, a eliminação do ponto 35, porquanto o facto dele constante é conclusivo, embora erradamente, dos pontos de facto números 2, 5, 15, 16 e 17.

24. Na alternativa de não se provar a revogação da comunicação da Ré atinente à caducidade do contrato de trabalho, os dias que são devidos ao Recorrido, a título de férias e de compensação por cessação do contrato de trabalho a termo, terão de ser liquidados em execução de sentença.

25. Na verdade, o Tribunal da 1.ª instância tinha os elementos para a liquidação e não o fez, em violação do artigo 75.° do Código de Processo de Trabalho aplicável, conforme salienta o próprio acórdão recorrido.

26. Na alternativa do Venerando Tribunal a[d] quem deferir a prova testemunhal requerida, ordenar a baixa do processo à 1.ª instância para o efeito, e a prova for favorável à Recorrente apenas são devidos ao Autor os dias de férias também a liquidar em execução de sentença.

27. Na verdade, a verificar-se esta alternativa o despedimento do Autor resulta lícito por evidente justa causa pois este faltou mais de 5 dias seguidos sem qualquer justificação (ponto de facto n.º 41) não tendo assim direito a qualquer compensação indemnizatória (artigo 396.°, n.º 3, última parte da al. g) do Código do Trabalho de 2003).

28. O Tribunal Recorrido violou o n.º 1 do artigo 224.° e o n.º 1 do artigo 230.° do Código Civil».

O A. contra-alegou, pugnando pela manutenção da decisão recorrida e concluindo:

«1.° A comunicação da caducidade do contrato de trabalho a termo constitui uma declaração unilateral receptícia, pelo que lhe é aplicável o regime previsto nos artigos 224.° e ss. do CC.

2.° Assim, a comunicação da caducidade do contrato de trabalho ganha eficácia logo que chegue ao poder do destinatário ou dele é conhecida.

3.° O efeito da comunicação de caducidade do contrato de trabalho consiste apenas no efeito impeditivo de renovação do termo ou convolação em contrato por tempo indeterminado.

4.° E este efeito produz-se assim que a comunicação é recebida pelo seu destinatário e não apenas no termo do contrato.

5.° A caducidade do contrato é um efeito jurídico que decorre do tempo.

6.° O termo do contrato não é determinado pela comunicação da caducidade do contrato de trabalho a termo, antes resulta do próprio contrato de trabalho.

7.° O aviso prévio não tem o efeito de fazer caducar o contrato, mas apenas o de dar a conhecer ao trabalhador que o contrato não se renovará nem se manterá como contrato por tempo indeterminado.

8.° A alegada revogação da comunicação de caducidade do contrato de trabalho é posterior à data em que a primeira comunicação foi recebida pelo Recorrido, pelo que já a Recorrente não poderia proceder à sua revogação, uma vez que a mesma havia já produzido os seus efeitos jurídicos.

9.° Com a solução pretendida pela Recorrente, poderia o empregador obstar ao exercício, por parte do trabalhador, de igual direito que lhe é conferido pelo artigo 388.°, n.º 1 do CT de 2003, caso a revogação se desse em data em que já não fosse possível ao trabalhador respeitar o prazo de aviso prévio.

10.° Foi o que aconteceu no caso dos autos, pois a provar-se que tal revogação ocorreu em 26 de Abril de 2005, sendo que o termo do contrato se verificou a 30 de Abril de 2005, já o Recorrido não poderia comunicar a caducidade do contrato de trabalho no prazo legal de oito dias, se assim o pretendesse.

11.° O aviso prévio tem a função social de permitir ao trabalhador a procura de novo emprego, o que ficaria abalado pela incerteza da definitividade da comunicação de caducidade pelo empregador.

12.° Durante o período de aviso prévio, as relações entre as partes ficam prejudicadas, visto nenhuma delas contar com a manutenção do vínculo laboral, sendo que o trabalhador inicia mesmo as diligências necessárias para encontrar novo emprego, podendo desde logo comprometer-se perante o novo empregador.

13.° Assim, a manutenção do contrato de trabalho decorrente da revogação da comunicação da caducidade do contrato de trabalho a termo pode ser prejudicial ao trabalhador.

14.° A solução pretendida pela Recorrente é contrária ao princípio da boa fé, constituindo abuso de direito.

15.° Não existe qualquer fundamento legal para a afirmação de que a revogação da declaração negocial é unilateral porque a própria declaração também o é.

16.° A revogação implica a frustração de uma expectativa legitimamente criada na esfera jurídica do destinatário através da primeira declaração negocial.

17.° A lei não dispõe sobre o regime da revogação de declarações negociais que não tenham em vista a conclusão de um contrato.

18.° Existe, portanto, uma lacuna nesta matéria, que deve ser integrada de acordo com o disposto no artigo 10.° do CC.

19.° Da mesma forma que uma proposta contratual implica uma modificação da esfera jurídica do destinatário ou, pelo menos, uma expectativa jurídica, a declaração negocial que comunica a caducidade do contrato de trabalho tem o mesmo efeito na esfera jurídica do destinatário.

20.º Tanto a comunicação da caducidade do contrato de trabalho a termo como a proposta contratual são declarações recipiendas e, como tal, tomam-se eficazes logo que cheguem ao seu destinatário ou dele sejam conhecidas (artigo 224.°, n.º 1 do CC).

21.º Existe, portanto, uma identidade entre as duas situações descritas.

22.º Com o regime constante do artigo 230.° do CC, pretendeu-se manter a coerência com o regime do artigo 224.° do mesmo diploma legal e tutelar as legítimas expectativas jurídicas que tal declaração produz na esfera jurídica do destinatário, impedindo que o proponente possa pôr e dispor da vontade do destinatário e responsabilizando quem actue de forma não séria.

23.º Existe, portanto, uma protecção do destinatário, nos mesmos moldes em que importa proteger o destinatário da comunicação da caducidade do contrato de trabalho a termo.

24.º Assim, por via do artigo 10.° do CC, o artigo 230.°, n.º 1 do mesmo diploma é aplicável ao caso em análise.

25.º Pelo que não poderia a Recorrente proceder à revogação da comunicação de caducidade do contrato de trabalho.

26.º Não estava em causa uma verdadeira revogação, mas antes uma nova proposta contratual.

27.° O Recorrido rejeitou de imediato tal proposta, pelo que não se iniciou novo contrato de trabalho após o termo do primeiro.

28.° Os Acórdãos citados pela Recorrente nas suas alegações decidem sobre situações com contornos factuais diferentes dos do caso sub judice que implicam a impossibilidade de aplicação de soluções semelhantes.

29.° A pretensa revogação da comunicação da caducidade do contrato de trabalho a termo não é admissível, nos termos do artigo 230.°, n.º 1 do CC, pelo que é nula, segundo o disposto no artigo 294.° do mesmo diploma.

30.° Caso assim não se entenda, admitir a revogação de tal comunicação até ao termo do contrato de trabalho consiste em violação do princípio da boa fé, na vertente da tutela da confiança, incorrendo o empregador em abuso de direito, nos termos do artigo 334.° do CC.

31.° Consequentemente, fica prejudicada a questão da admissibilidade da prova testemunhal sobre a revogação da comunicação da caducidade do contrato de trabalho a termo.

32.° Caso fosse admissível a revogação da declaração de caducidade do contrato de trabalho, tal deveria ser reduzida a escrito e, em consequência, ser provada por documento idóneo e nunca por testemunhas.

33.° De acordo com o Ac. da RL, de 7-10-87 (Cfr. CJ, Ano XII, Tomo IV, 1987, pág. 198), como para a comunicação de caducidade do contrato de trabalho a termo é exigida forma escrita, também para a abolição da denúncia é exigida a mesma forma. De acordo com este Ac. "Note-se que a denúncia é, face ao contrato, um negócio abolitivo; para ela foi a lei expressa em exigir a forma escrita, o que demonstra que  se  teve por  essencial  esta  exigência para  todos  os  termos determinativos do contrato dependentes de posteriores declarações de vontade. A desconfiança posta pelo legislador a este tipo de contrato tal justifica."

34.° Por outro lado, o artigo 221.°, n° 2, do CC, dispõe que: "As estipulações posteriores ao documento só estão sujeitas à forma legal prescrita para a declaração se as razões da exigência especial da lei lhe forem aplicáveis."

35.° MENEZES CORDEIRO aplica a forma legal aos actos que determinam a cessação dos efeitos do negócio jurídico inicial. No caso em análise, na linha deste Autor, a revogação da comunicação da caducidade do contrato de trabalho a termo está sujeita à mesma regra de forma cfr. MENEZES CORDEIRO, Tratado de Direito Civil Português, I, Parte Geral, Tomo I, Almedina, 1999, pág. 284).

36.° Só com este entendimento se assegura a reflexão do declarante e se evitam decisões repentinas, impulsivas e contraditórias, como aconteceu no caso em análise.

37.° Segundo PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA "Quando a declaração negocial deva ser reduzida a escrito e não o seja, o acto é nulo (Art. 220°; cfr. art. 364°), sendo, portanto, irrelevante qualquer espécie de prova." (cfr. PIRES DE LIMA / ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, Vol I, 4a edição, Coimbra Editora, 1987, pág.342).

38.° De acordo com PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA O artigo 394.°, n.º 1, do CC, é aplicável "às convenções contrárias aos documentos na parte em que estes não têm força probatória plena e às convenções adicionais, ou acessórias, como, lhes chama o artigo 221.°". (cfr. PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, Vol 1, 4.ª edição, Coimbra Editora, 1987, pág. 343).

39.° Revogar é destituir de validade e eficácia um determinado acto jurídico e como tal só pode ser entendido como um acto ou estipulação de cariz contrário.

40.° A declaração negocial que a Recorrente pretende provar, a ser admitida a prova testemunhal, seria nula por violação de preceito imperativo, por aplicação conjunta dos artigos 220.°, 294.° e 364.°, todos do CC.

Termos em que deve o recurso ser julgado totalmente improcedente e, em consequência, ser mantido o Acórdão recorrido, como é de inteira JUSTIÇA!»

A Exma. Procuradora-Geral-Adjunta emitiu douto parecer no sentido da negação da Revista.

Foram colhidos os legais vistos, pelo que cumpre enunciar as questões, essenciais, que se colocam à apreciação, que se passam a discriminar, pela ordem em que abaixo se conhecerão, e que são as de saber:

a) Se a matéria de facto vertida no ponto n.º 35, ao dar como provado que o contrato a termo do Autor teve como duração 48 meses deve ser eliminada do elenco por conclusiva ou, pelo menos, rectificada a duração para 24 meses;

b) Se é admissível, ou não, a revogação, unilateral e verbal, da comunicação da não renovação do contrato de trabalho a termo por parte da entidade empregadora; E, na negativa,

b) Se os dias que são devidos ao Recorrido, a título de férias e de compensação por cessação do contrato de trabalho a termo, terão de ser liquidados em execução de sentença.

II.   FUNDAMENTOS DE FACTO.

Os factos considerados provados nas instâncias são os seguintes:

1. No dia 7 de Abril de 2003 o Autor celebrou com a Sociedade BB- Empreendimentos Urbanísticos, S.A. um contrato de trabalho a termo certo, de 1 ano.

2. No aludido contrato de trabalho a termo certo, a referida Sociedade BB - Empreendimentos Urbanísticos, S. A., assumiu-se como sócia dominante da então sociedade a constituir e, hoje, a ora Ré.

3. Tal como previsto no supra mencionado contrato de trabalho a termo certo, a Ré assumiu a posição contratual da entidade empregadora naquele contrato de trabalho.

4. Assim as condições daquele contrato de trabalho a termo certo, foram, em pleno e sem alterações, assumidas pela Ré, salvo as alterações constantes da carta da Ré datada de 7 de Abril de 2003.

5. Em cumprimento do acordado, o Autor iniciou as suas funções ao serviço da Ré no dia 1 de Maio de 2003.

6. O Autor exerceu as suas funções correspondentes à categoria profissional de Director de Unidade Hoteleira.

7. O vencimento do Autor veio a ser posteriormente alterado na mencionada carta da Ré datada de 7 de Abril de 2003.

8. À remuneração anual ilíquida foram acrescidas despesas relativas a deslocações, ajudas de custo e despesas de representação e prémio de seguro.

9. O Autor tinha, ainda, direito a utilizar, como utilizou, para seu uso exclusivo, um telemóvel fornecido pela Ré e cuja facturação era por esta suportada.

10. O Autor também tinha direito a utilizar, como utilizou, uma viatura para seu uso pessoal.

11. Essa viatura era utilizada exclusivamente pelo Autor.

12. Ao Autor foi atribuído o direito a receber anualmente uma percentagem de 3,5% sobre os lucros anuais da Ré.

13. Todas estas condições foram confirmadas ao Autor por carta pela Ré, endereçada com data de 7 de Abril de 2003.

14. Assim, o Autor começou por receber uma remuneração anual, líquida das retenções e descontos para a Segurança Social, de € 90.000.

15. No fim do seu termo (30 de Abril de 2004) o referido contrato de trabalho foi renovado por mais um ano.

16. No dia 12 de Abril de 2005, a Ré dirigiu ao Autor a carta cuja cópia se junta […] - doc. n.º 3.

17. Nessa carta, a Ré comunicou ao Autor a sua intenção de não renovar o contrato de trabalho a termo certo.

18. O autor aceitou o termo do contrato de trabalho.

19. À data do termo do contrato de trabalho, o Autor auferia um vencimento mensal de € 11.387, acrescido de um subsídio de alimentação de 40 euros.

20. (….) à data do termo do contrato de trabalho, o Autor tinha direito a utilizar um veículo automóvel.

21. À data do termo do contrato de trabalho, o Autor utilizava um telemóvel, com despesas exclusivamente suportadas pela Ré.

22. Durante o ano de 2003, o Autor apenas gozou 5 dias úteis de férias, no mês de Dezembro de 2003.

23. O Autor não gozou qualquer dia de férias durante o ano de 2004, relativamente às férias vencidas em 1 de Janeiro de 2004.

24. O Autor gozou férias, no ano de 2005, entre 14.02.2005 e 08.03.2005.

25. O autor não gozou as férias no ano de 2004, de Janeiro a Setembro porquanto a Ré, à data, alegou não haver condições para o dispensar.

26. A Ré nesse ano alegou que o acréscimo de actividade e a absoluta e imprescindível colaboração do Autor não permitiam a dispensa deste, até à abertura do Hotel que ocorreu em 02.09.2004.

27. No termo do contrato de trabalho, o Autor também não recebeu a parte proporcional ao subsídio de Natal de 2005.

28. Nos anos de 2003 e 2004, o Autor havia recebido a totalidade daquele subsídio de Natal, tal subsídio correspondeu a um mês de salário ilíquido.

29. Por conta da parte proporcional desse subsídio de Natal de 2005, o Autor tem direito a receber o montante de € 4.745.

30. O Autor recebeu em 2003 o montante de € 6.887,91.

31. E no ano de 2004, o Autor recebeu o montante de € 10.000.

32. No ano de 2005, o autor nada recebeu por conta dos 3,5 % de lucro da Ré.

33. Assim, o Autor tem direito a receber a totalidade do prémio anual de 2003 e 2004 num montante correspondente a 3,5% do lucro da Ré.

34. O Autor nos termos do contrato atrás referido teria direito a receber a parte proporcional (4/12) desse mesmo prémio anual relativamente ao ano de 2005, o qual incidiria sobre 3,5% dos lucros anuais da Ré em 2005.

35. O contrato de trabalho a termo do Autor teve uma duração de 48 meses.

36. A reparação de danos na viatura, que estava distribuída ao Autor, foi debitado à Ré no valor de € 273,70.

37. À Ré foi debitado o valor de € 81,72, por reparação de danos na viatura que estava afecta ao Autor.

38. A Ré adiantou ao Autor, como despesas para viagens, os valores de € 2.206,88 e  € 66,05.

39. O Autor não recebeu a carta registada com aviso de recepção datada de 11 de Julho de 2005 e expedida em 14 de Julho de 2005, para a morada no ........ Lote....- ..... Dto., ......., 2675 Estoril, contendo a decisão proferida pela Ré em 11 de Julho de 2005 de proceder ao despedimento do Autor com invocação de justa causa, na sequência do processo disciplinar com intenção de despedimento que lhe foi instaurado.

40. Em 12 de Abril de 2005 a Ré comunicou ao Autor a sua intenção de não proceder à renovação do seu contrato de trabalho a termo certo, pelo que o mesmo cessaria no dia 30 de Abril de 2005.

41. O Autor não compareceu ao serviço a partir de 01.05.2005, nem apresentou qualquer justificação para essas faltas.

42. Por despacho de 09.06.2005, a Ré determinou a instauração de um procedimento disciplinar com intenção de despedimento contra o Autor.

43. Através de carta registada com aviso de recepção datada de 09.06.2005 e expedida no dia 13.06.2005 para a morada no ..........., ...............°.......... Caparide, 2675 Estoril.

44. A Ré comunicou ao Autor a sua intenção de proceder ao seu despedimento, juntando nota de culpa, datada de 09.06.2005.

45. A carta registada com aviso de recepção datada de 09.06.2005 e expedida no dia 13.06.2005, contendo a comunicação da intenção da Ré de proceder ao despedimento do Autor e a nota de culpa, datada de 09.06.2005, foi devolvida à Ré pelos CTT - Correios de Portugal, com várias indicações, nomeadamente a de que o Autor, em 15.06.2005, não atendeu e a de que a carta não foi reclamada.

46. O Autor não respondeu à Nota de Culpa.

47. Em 11 de Julho de 2005, a Ré proferiu a decisão de despedimento do Autor com invocação de justa causa, fundada nos factos, que foram objecto de descrição circunstanciada na nota de culpa e que constam da decisão de fls. 94 dos autos.

48. Em 20.03.2005 o autor informou a Ré que iria estar ausente dois dias para compensar o serviço prestado num fim-de-semana e num domingo.

49. (…), em 2003, a Ré obteve resultados negativos no valor de € 55.025,72.

50. Em 2004, a Ré obteve resultados negativos no valor de € 162.647,75.

51. No que respeita às quantias pagas pela Ré ao Autor em 2003 e 2004, as mesmas foram-lhe pagas a título de gratificação eventual relacionadas com o desempenho ou mérito profissionais do Autor, designadamente com a abertura do BB Hotel, em Setembro de 2004.

52. O Tribunal designou o dia 08.05.2005, às 10.00 horas, para a realização da Audiência de Partes.

53. A Ré fez-se representar por mandatário judicial, munido de procuração forense com os poderes especiais necessários para a representar, confessar, transigir e desistir.

54. (…) à referida Audiência de Partes, nem o Autor compareceu pessoalmente, nem se fez representar por mandatário judicial com poderes especiais para confessar, desistir ou transigir.

55. O Autor jamais recebeu a carta datada de 9 de Junho de 2005, o mesmo se passando com a carta datada de 11 de Julho de 2005 e respectiva documentação.

III.  FUNDAMENTOS DE DIREITO.

Antes de se entrar na análise das questões que acima se deixaram anunciadas, importa trazer à colação que em face das conclusões das alegações da presente Revista, a Recorrente dava a entender que juntamente com a matéria da Revista pretendida também continuar a sindicar a matéria do Agravo interposto para a Relação. Por isso se proferiu despacho liminar do seguinte teor:

«O presente recurso é de Revista, mas contém, igualmente, matéria de agravo, atento o recurso interposto a fls. 274.

Com efeito, invoca a Recorrente na sua douta alegação, na parte referente à matéria do agravo, em conclusão, que:

«1. Quanto à matéria do agravo o douto Ac. Recorrido, pela transcrição dos parágrafos 2.° a 5.° que a alegação de recurso faz a fls. 1, quase deu razão à Recorrente.

2. E só não a deu, devido à aplicação que fez dos artigos 224.°, n.º 1 e 230.°, n.º 1 do Código Civil.

3. Quanto ao artigo 224.°, n.º 1 apenas define a eficácia da declaração negocial que tem um destinatário.

4. Porém é indispensável distinguir a eficácia da declaração negocial que tem o destinatário quando como no caso dos autos se trata de um acto unilateral e recipiendo.

5. Neste caso, o efeito da declaração ao destinatário é condição da perfeição do acto, vinculando este à vontade unilateral do declarante. Só neste aspecto tem a eficácia referida no preceito.

6. A produção de efeitos da declaração negocial só se verificará, porém, no caso do contrato a termo certo, no termo deste (artigo 288.° do Código de Trabalho de 2003 e da legislação imediatamente anterior).

7. O elemento essencial para a justa solução desta situação jurídica reside na circunstância da declaração negocial constituir um acto unilateral para a perfeição do qual é apenas necessária a manifestação de uma vontade - a da entidade empregadora - nos termos da lei laboral bem como a comunicação à parte contrária.

8. Trata-se, pois, de um acto unilateral e recipiendo como já foi referido.

9. Aliás o carácter recipiendo do acto não exclui a sua unilateralidade (Galvão Teles, citação a fls. 3 da alegação de recurso).

10. E se a declaração negocial é unilateral a sua revogação sê-lo-á também, desde que produzida até ao termo do prazo do contrato.

11. A jurisprudência do Venerando Tribunal a quem tem entendido, uniformemente, que a declaração revogatória da entidade empregadora quanto à declaração negocial atrás caracterizada, é igualmente unilateral, não está sujeita a forma escrita e pode provar-se testemunhalmente.

12. Por todos veja-se o Ac. do STJ de 06.01.1993 e no mesmo sentido os Acórdãos do mesmo Venerando tribunal de 09.03.1990 e 30.10.2002, citados no Acórdão de 27.05.2006, Acórdão este devidamente citado a fls. 4 desta alegação de recurso.

13. O único limite estabelecido pela jurisprudência acima referida é a de que a revogação seja feita até ao termo do prazo do contrato.

14. E não se diga que pelo facto de o Ac. do STJ de 27.04.2006 decidir no mesmo sentido para um caso de acordo entre as partes tal signifique a alteração da sua jurisprudência sobre o assunto.

15. A transcrição de parte do Acórdão de 2006 feita no último parágrafo de fls. 4 desta alegação de recurso e segundo e terceiros parágrafos de fls. 5, evidência claramente que o STJ admite quer a revogação unilateral quer a revogação por acordo das partes.

16. Quanto ao artigo 230.°, n.º 1 do Código Civil, tal norma é da espécie das declarações negociais para a conclusão de um contrato, como, aliás, os artigos 227.° a 235°, o que obviamente não é o caso dos autos, pelo que não lhe é aplicável».

Em face do recurso interposto, importa, pois, proceder ao exame preliminar a que alude o artigo 701.º do Código de Processo Civil, aplicável ao julgamento dos recursos de agravo na 2.ª instância interpostos no processo laboral, por força dos artigos 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho, e 762.º e 749.º do Código de Processo Civil, na redacção aqui aplicável, anterior à conferida pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto, nos termos dos artigos 11.º, n.º 1, e 12.º, n.º 1, deste diploma legal.

Ora, parece que o recurso é inadmissível, na parte referente à matéria do agravo.

Na verdade, por despacho proferido a fls. 264 a 266, dos autos, foi indeferida a produção de prova testemunhal relativamente à alegada revogação verbal efectuada pelo Dr. CC da denúncia contratual constante de fls. 21.

Desse despacho foi interposto recurso de agravo, a fls. 274 (original a fls. 293), sendo certo que o Tribunal da Relação conheceu da questão aí suscitada.

Assim, atendendo ao disposto, quanto ao agravo em 2.ª instância, no art. 754.°, n.º 2, do CPC, e sendo certo que se não coloca nenhuma das situações a que alude o n.º 3, do mesmo preceito, parece não ser admissível o recurso nesta parte, visto que a questão que é seu objecto foi conhecida por ambas as instâncias.

Na verdade, por força do que dispõe o n.º 2 do artigo 754.º do Código de Processo Civil, «[n]ão é admitido recurso [de agravo para o Supremo Tribunal de Justiça] do acórdão da Relação sobre decisão da primeira instância, salvo se o acórdão estiver em oposição com outro, proferido no domínio da mesma legislação pelo Supremo Tribunal de Justiça ou por qualquer Relação, e não houver sido fixada pelo Supremo, nos termos dos artigos 732.º-A e 732.º-B, jurisprudência com ele conforme», sendo que não se verifica qualquer das excepções previstas na segunda parte do n.º 2 do artigo 754.º, nem no n.º 3 do mesmo preceito, que excepciona do preceituado na primeira parte do n.º 2 daquele artigo, «os agravos referidos nos números 2 e 3 do artigo 678.º e na alínea a) do número 1 do artigo 734.º».
Efectivamente, a decisão da primeira instância que está aqui em causa não se configura como uma decisão que ponha «termo ao processo», conforme esta vem perspectivada na alínea a) do n.º 1 do artigo 734.º do Código de Processo Civil.
Assim, em face do que prescreve o n.º 2 do citado artigo 754.º, tudo aponta no sentido de se considerar inadmissível o recurso interposto quanto à matéria do agravo acima descrita, o que obstará ao conhecimento do respectivo objecto.
É certo que o recurso foi recebido na 2.ª instância, contudo, a decisão que admite o recurso tem carácter provisório, não vinculando o tribunal superior (artigo 687.º, n.º 4, do Código de Processo Civil).
Em face do que se deixa exposto, notifiquem-se as partes para que se pronunciem, querendo, no prazo de dez dias, sobre a questão prévia suscitada no presente despacho, nos termos do n.º 1 do artigo 704.º do Código de Processo Civil».

Porém, a Recorrente, notificada deste despacho, veio alegar que terá dado origem a ser incorrectamente interpretada a sua alegação, pois que não pretende que a matéria do Agravo seja apreciada novamente neste Supremo Tribunal e a sua referência teve intuito meramente introdutório, pois que o que pretende é que se aprecie a matéria da admissibilidade da revogação, unilateral e verbal, da comunicação da caducidade do contrato de trabalho a termo após este chegar ao seu destinatário, mas antes do termo do contrato e da matéria da duração total do contrato de trabalho a termo certo do Autor, ora Recorrido.

Ora, em face da explicação dada pela Recorrente, que se mostra aceitável perante a alegação que havia produzido, verifica-se que não há, efectivamente, que conhecer da matéria do Agravo, como parece que não se podia conhecer em face dos normativos aplicáveis e que acima se deixaram invocados, o que a Recorrente também parece admitir, sendo que, em todo o caso, sempre a mesma podia renunciar ou desistir do recurso (art. 681.º, n.ºs 1 e 5 do CPC).

Pelo que exposto se deixa, se não conhece da matéria do recurso de Agravo, que a Recorrente havia interposto para a Relação.

Vejamos, pois, as questões de que cabe conhecer.

a) Coloca a Recorrente a questão de saber se a matéria de facto vertida no ponto n.º 35, — em que se considera como provado que o contrato a termo do Autor teve como duração 48 meses — deve ser eliminada do elenco por conclusiva ou, pelo menos, se deve ser rectificada a duração para 24 meses.

O ponto 35 da matéria de facto consigna o seguinte:

«O contrato de trabalho a termo do Autor teve uma duração de 48 meses».

Antes de mais importa saber se o Supremo Tribunal pode conhecer desta questão, atinente à matéria de facto.

Dos termos conjugados dos artigos 729.º, nºs 2 e 3 e 722.º, n.º2 do CPC, decorre que a decisão em matéria de facto proferida pelo tribunal recorrido, não pode ser conhecida pelo Supremo Tribunal de Justiça, salvo se houver ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou ofensa de disposição que fixe a força probatória de determinado meio de prova ou quando entenda que a decisão de facto pode e deve ser ampliada, ou quando ocorrem contradições da matéria de facto que inviabilizem a decisão jurídica do pleito.

Por outras palavras, e em termos pragmáticos, pode dizer-se que o que o Supremo pode conhecer em matéria de facto é de autênticos erros de direito cometidos pelo tribunal recorrido na fixação da prova realizada em juízo.

Ora, estão nesse caso as situações em que se fixam factos com conteúdo de matéria conclusiva ou de direito, pois que aí não pode o Supremo Tribunal de Justiça deixar de exercer os seus poderes de cognição, por estar precisamente em causa um erro de direito. E pode fazê-lo mesmo oficiosamente.

Regressando à matéria em apreciação, tem de se conceder razão à Recorrente, quando diz que a mesma é de natureza conclusiva.

Com efeito, saber qual foi a duração do contrato dos autos é uma mera inferência da conjugação da data do início do contrato com a data da sua cessação, datas que no caso se encontram comprovadas, delas decorrendo a duração efectiva e exacta do contrato.

Daí que a matéria do ponto 35, por ser de natureza conclusiva e no caso até traduzir uma ilação que se não harmoniza com as premissas, tem de ser havida por não escrita e eliminada do elenco factual.

b) Suscita a Recorrente a questão de saber se é admissível, ou não, a revogação, unilateral e verbal, da comunicação da não renovação do contrato de trabalho a termo por parte da entidade empregadora.

A celebração do contrato de trabalho a termo, para ser válida, carece de obedecer, entre outros, ao requisito da forma escrita, tal como decorre dos artigos 103.º, n.º 1, al. d), e 131.º, n.º 4, do Código do Trabalho de 2003, aplicável ao caso dos autos.

Também a declaração de caducidade do contrato para o final do termo, quer feita pelo empregador, quer pelo trabalhador, terá de ser efectuada por escrito, como resulta do artigo 388.º, n.º 1, do mesmo Código.

Sobre a exigência da forma escrita para as situações descritas, dúvida se não suscita, por a lei ser de uma clareza tal que não deixa margem para diferente interpretação.

Mas, a ser admissível (o que abaixo se tratará) a revogação da comunicação da não renovação do contrato de trabalho a termo por parte da entidade empregadora, terá esta também que obedecer à forma escrita ou poderá ser feita de modo verbal?

Esta questão não é nova e foi tratada com muita lucidez no Acórdão da Relação de Lisboa de 07.10.1987 (in CJ, 1987, Tomo 4, pg.198) nos seguintes termos:

«Em data anterior ao aviso prévio de denúncia do contrato de trabalho a prazo os serviços locais solicitaram autorização para renovar o contrato. Como não havia ainda autorização para renovar o contrato, fez-se o ofício a denunciar. Ao receber-se a autorização, os serviços da R. comunicaram verbalmente a revogação da denúncia e a renovação do contrato.

Quid iuris?

Resulta do n.º 2 do art. 221.° do C. Civil que «as estipulações posteriores ao documento só estão sujeitas à forma legal prescrita para a declaração se as razões da exigência especial da lei lhes forem aplicáveis».

O n.º 1 do art. 2.° do Decreto-Lei n.º 781/76, de 28 de Outubro, exige forma escrita para a denúncia do contrato a prazo pela entidade patronal.

Põe-se o problema de saber se é exigível também a forma escrita para o negócio abolitivo. A este propósito, escreveu o Prof. Vaz Serra, in «Contrato de modificação ou de substituição da relação obrigacional», BMJ 80, p. 130: «Parece que a esta hipótese é de aplicar a solução preconizada para os pactos modificativos: os pactos extintivos são também contrários ou vão além, tal como os modificativos das estipulações constantes do documento e devem, portanto, submeter-‑se à mesma doutrina». Antes, para o pacto modificativo, entende que deve exigir-se forma escrita se para o negócio era esta forma exigida, salvo se houver previsão expressa.

Deste modo, como para a denúncia é exigida forma escrita, também para a abolição da denúncia é exigida a mesma forma.

Não são abrangidas pela razão da exigência de forma cláusulas como as que fixam o lugar ou o tempo do cumprimento da obrigação, a forma do cumprimento (quando não previstas no contrato inicial) ou a quitação - Pires de Lima e Antunes Varela, «Código Civil Anotado», p. 142.

Note-se que a denúncia é, face ao contrato, um negócio abolitivo; para ela foi a lei expressa em exigir a forma escrita, o que demonstra que se teve por essencial esta exigência para todos os termos determinativos do contrato dependentes de posteriores declarações de vontade. A desconfiança posta pelo legislador a este tipo de contrato tal justifica».

Ora, este entendimento é de sufragar sem qualquer hesitação, porque as razões pelas quais o legislador exigiu a forma escrita, quer para a celebração do contrato a termo, quer para a declaração da não renovação do mesmo contrato, são as mesmas pelas quais deve ser exigida a forma escrita para a revogação daquela declaração. São razões de segurança no tratamento desta matéria do contrato a termo, pelas quais se pretende uma clareza de procedimentos que não permita dúvidas ou discussões inúteis ou inconsequentes, nomeadamente sobre as datas do início e termo do contrato, sobre a observância do prazo da comunicação da não renovação e, se porventura esta vier a ser revogada, sobre a sua tempestividade.

Aliás, para as partes da relação de trabalho, o interesse e relevância da declaração da caducidade do contrato a termo é igual ao da revogação desta declaração, porque ambas contendem com a manutenção, ou não, daquela relação.

Por isso, se o legislador preveniu expressamente a forma escrita para a primeira também a exigiu, por aplicação de princípios gerais, para a segunda.

No caso em análise, está provado que no dia 7 de Abril de 2003 o Autor celebrou com a Sociedade BB - Empreendimentos Urbanísticos, S.A. um contrato de trabalho a termo certo, de um ano, e que em cumprimento do acordado, o Autor iniciou as suas funções ao serviço da Ré no dia 1 de Maio de 2003. No fim do seu termo (30 de Abril de 2004) o referido contrato de trabalho foi renovado por mais um ano, tendo a Ré, no dia 12 de Abril de 2005, dirigido ao Autor a carta que consta de fls. 21, onde lhe comunicava a sua intenção de não renovar o contrato de trabalho a termo certo.

A Recorrente alega que a declaração revogatória da entidade empregadora quanto à declaração da não renovação do contrato é unilateral e não está sujeita a forma escrita, podendo provar-se testemunhalmente, tendo como único limite, estabelecido pela jurisprudência, o de que a revogação seja feita até ao termo do prazo do contrato. E pretendeu na acção realizar prova testemunhal de ter feito, no caso, tal revogação de forma verbal.

Sucede que, pelo que se deixou expresso, tal revogação carece de ser efectuada através da forma escrita, não sendo admissível a prova testemunhal para a comprovar.

Acresce que, quando a Ré comunicou ao Autor a sua intenção de não renovar o contrato de trabalho a termo certo, o autor aceitou o termo do seu contrato de trabalho.

Ora, conforme resulta do artigo 224°, n° 1, do CC, a declaração de vontade que tem um destinatário torna-se eficaz logo que chega ao seu poder ou é dele conhecida.

Por outro lado, esta declaração de vontade torna-se irrevogável depois de ser recebida ou conhecida pelo destinatário, conforme resulta do artigo 230°, n° 1, também do CC.

Por isso, a partir do momento em que o Autor tomou conhecimento da declaração de caducidade do contrato, que a Ré operou com aquela carta, só por acordo do trabalhador é que se operaria a revogação de tal declaração.

Quer dizer, a Recorrente não só tinha de fazer a revogação da declaração da caducidade do contrato por escrito, como também teria de fazer chegar ao Recorrido esse escrito antes, ou ao mesmo tempo, que a declaração da caducidade, como sucede, em termos gerais com a revogação da aceitação ou da rejeição da proposta contratual (artigo 235.º do CC).

A invocada revogação da comunicação de caducidade do contrato de trabalho do Recorrido foi não só verbal como também posterior à data em que a primeira comunicação foi recebida por aquele, pelo que já a Recorrente não a poderia emitir, uma vez que a comunicação havia já produzido os seus efeitos jurídicos.

O que bem se compreende, atentas as vicissitudes a que está sujeito o contrato a termo.

Como bem salienta o Recorrido, com a solução pretendida pela Recorrente, poderia o empregador obstar ao exercício, por parte do trabalhador, de igual direito que lhe é conferido pelo artigo 388.°, n.º 1, do CT de 2003, caso a revogação se desse em data em que já não fosse possível ao trabalhador respeitar o prazo de aviso prévio, como aconteceu no caso dos autos, pois que a provar-se que tal revogação ocorreu em 26 de Abril de 2005 — sendo que o termo do contrato se verificou a 30 de Abril de 2005 — já o Recorrido não poderia comunicar a caducidade do contrato de trabalho no prazo legal de oito dias, se assim o pretendesse.

A comunicação da não renovação do contrato dirigida ao trabalhador tem também uma função social, que é de permitir ao trabalhador a procura de novo emprego, o que ficaria abalado pela incerteza da definitividade da comunicação de caducidade pelo empregador, caso este pudesse após tal comunicação proceder à sua revogação.

Durante o período de aviso prévio, as relações entre as partes ficam, efectivamente, prejudicadas, visto nenhuma delas contar com a manutenção do vínculo laboral, sendo que o trabalhador poderá iniciar até as diligências necessárias para encontrar novo posto de trabalho e até comprometer-se perante novo empregador.

De resto, se a entidade empregadora depois de comunicada a não renovação do contrato, pudesse livremente revogar a declaração emitida, estaria ao seu alcance a utilização de processo de inviabilizar o direito do trabalhador de, também ele, emitir declaração de não renovação do contrato e, por tal via, fazer operar a sua renovação contra o interesse do trabalhador, sendo que nunca o legislador poderia aceitar tão perverso efeito.

Donde resulta que a revogação da caducidade operada pela Recorrente apenas produziria efeitos se o Recorrido lhe tivesse dado o seu acordo, mas porque este se não verificou, operou a caducidade no termo do contrato, em 30 de Abril de 2005, pelo que, como bem se concluiu na decisão recorrida, não se verificou a cessação por despedimento com justa causa, como a Recorrente pretendeu defender na acção.

b) Coloca-se finalmente a questão de saber se os dias que são devidos ao Recorrido, a título de férias e de compensação por cessação do contrato de trabalho a termo, terão de ser liquidados em execução de sentença.

Alega a Recorrente que na alternativa de não se provar a revogação da comunicação da Ré atinente à caducidade do contrato de trabalho, os dias que são devidos ao Recorrido, a título de férias e de compensação por cessação do contrato de trabalho a termo, terão de ser liquidados em execução de sentença. Na verdade, o Tribunal da 1.ª instância tinha os elementos para a liquidação e não a fez, em violação do artigo 75.° do Código de Processo de Trabalho aplicável, conforme salienta o próprio acórdão recorrido.

Ora, sobre esta questão pronunciou-se o tribunal recorrido do seguinte modo:

«Uma nota final quanto à sentença:

Limitou-se esta a condenar a R. em dias de férias em falta e nos dias que lhe são devidos a título de compensação devida pela caducidade do contrato, não se tendo condenado em montante pecuniário.

Apesar desta posição do tribunal recorrido constituir uma violação do disposto no artigo 75.º do CPT de 1999, o certo é que ninguém arguiu esta irregularidade.

Por isso, não pode este Tribunal de recurso supri-la.

De qualquer forma para o seu cálculo não pode deixar de se atender ao último salário mensal do A, sendo em função do vencimento mensal de 11.387,00 € que devem ser calculados os seus direitos, face à improcedência das questões suscitadas pelo A quanto à retribuição auferida.»

Como se constata, para a questão que a Recorrente coloca, já o tribunal recorrido deu a resposta devida e que vai no sentido pretendido pela Recorrente de se proceder em posterior liquidação dos dias que são devidos ao Recorrido, a título de férias e de compensação por cessação do contrato de trabalho a termo, uma vez que essa liquidação não foi efectuada na sentença da 1.ª instância e a Relação também entendeu não a dever fazer oficiosamente. De resto, dependendo a liquidação de meros cálculos aritméticos, nem se vislumbra da necessidade de ser efectuada no processo, já que as partes se podem entender extrajudicialmente.

Improcedem, no essencial, as conclusões do recurso, excepto quanto à eliminação do ponto 35 da matéria de facto.

IV.  DECISÃO:

Em conformidade com os fundamentos expostos, nega-se a Revista e confirma-se a decisão recorrida, sem prejuízo de se considerar eliminada a matéria do ponto 35 da matéria de facto.

Custas pela Recorrente.

Lisboa, 23 de Novembro de 2011. 

        

Pereira Rodrigues (Relator)

Pinto Hespanhol

Fernandes da Silva