Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
07S4006
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: SOUSA PEIXOTO
Descritores: GREVE
EMPRESA DE SERVIÇOS DE LIMPEZA
PRÉ-AVISO DE GREVE
FALTAS INJUSTIFICADAS
Nº do Documento: SJ20080213040064
Data do Acordão: 02/13/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE
Sumário :
1. É de 10 dias o pré-aviso de greve que abrange trabalhadores que, num hospital, prestem serviços de limpeza ao abrigo de um contrato de prestação de serviços celebrado entre o hospital e a empresa de prestação de serviços de limpeza a que se encontram contratualmente vinculados por contrato de trabalho.
2. O que releva para efeitos do pré-aviso a observar não é a actividade da empresa a que os trabalhadores estão vinculados, mas sim a actividade da empresa ou estabelecimento onde os trabalhadores prestam serviço.
3. A greve é ilícita, se o pré-aviso não tiver sido inteiramente respeitado e faz incorrer os trabalhadores grevistas no regime de faltas injustificadas.
4. Tais faltas constituem infracção disciplinar, desde que a entidade empregadora prove que os trabalhadores grevistas tinham conhecimento da ilicitude da greve.
Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

1. O STAD – Sindicato dos Trabalhadores de Portaria, Vigilância, Limpeza, Domésticas e Actividades Diversas propôs no Tribunal do Trabalho de Lisboa a presente acção contra a AA – Sociedade de Limpezas Industriais, S. A., pedindo que a ré fosse condenada a reconhecer a legalidade das greves por ele decretadas nos dias 16 de Maio e 11 e 12 de Junho de 2002, com a consequente nulidade dos procedimentos disciplinares por causa delas instaurados a 38 dos seus associados, que identificou, e a pagar a cada um deles as quantias de € 25,14 e de € 88,60, acrescidas de juros de mora até integral pagamento, a primeira respeitante à sanção disciplinar de três dias de suspensão com perda de retribuição e a segunda a diferenças salariais relativas ao subsídio de refeição.

Em resumo, o autor alegou o seguinte:
A ré é uma empresa que se dedica à prestação de serviços de limpeza e que, em Fevereiro de 2002, lhe foi adjudicada a prestação de serviços de limpeza no Hospital do Barreiro, sucedendo nesse empreitada à outras empresas prestadores de serviços que ali executavam a mesma actividade.
Por força do disposto na Cl.ª 17.ª do CCT para as Empresas Prestadoras de Serviços de Limpeza (publicado no BTE n.º 7/2001, com PE publicada no BTE n.º 32/2001), os trabalhadores que executavam serviços de limpeza no Hospital do Barreiro, ao serviço das empresas que antecederam a ré, mantiveram com esta os seus contratos de trabalho.
Em 3 de Agosto de 1990, o autor celebrou com a Climpe, empresa que então tinha a seu cargo a execução dos serviços de limpeza no dito Hospital, um acordo nos termos do qual aquela empresa se obrigou a pagar, naquele local, o subsídio de alimentação pelos valores aplicáveis à função pública, sendo actualizados na medida em que o fossem os subsídios de alimentação que vigorassem na função pública.
Nos termos da Cl.ª 17.ª, aquele acordo sempre foi cumprido pelas empresas que, naquele Hospital, se foram sucedendo na prestação de serviços de limpeza.
Nos termos das Portarias n.º 88/2002, 303/2003 e 205/2004, os valores daquele subsídio na função pública foram respectivamente de € 3,49, € 3,58 e € 3,70.
Durante o período em que prestou serviços de limpeza no Hospital do Barreiro (desde Fevereiro de 2002 até 30 de Abril de 2004), a ré recusou-se a pagar aqueles montantes, tendo pago apenas a € 3,39, a título de subsídio de alimentação.
No uso do direito previsto nos artigos 2.º e 5.º da Lei da Greve (Lei n.º 65/77, de 26/8), na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 30/92, de 20/10, em 10 de Maio d 2002, o autor efectuou um pré-aviso de greve para o dia 17 do mesmo mês e ano e, em 4 de Junho de 2002, efectuou outro pré-aviso de greve para os dias 11 e 12 de Junho de 2002.
A ré comunicou aos trabalhadores que prestavam limpeza no Hospital que aquelas greves eram ilegais e que se reservava o direito de instaurar procedimentos disciplinares aos trabalhadores que a elas aderissem, o que veio efectivamente a fazer relativamente aqueles 38 trabalhadores que foram acusados de faltas injustificadas.
Os trabalhadores em causa foram acusados pela ré de faltas injustificadas, por terem aderidos às aludidas greves que a ré considerou ilegais, por não ter sido respeitado o pré-aviso de 10 dias e, posteriormente, punidos disciplinarmente com três dias de suspensão com perda de retribuição.
As referidas sanções disciplinares são ilícitas, não só porque o aviso prévio a observar era de 5 e não de 10 dias, uma vez que a actividade da ré não está abrangida pela previsão do art.º 8.º da Lei n.º 65/77, mas também porque, ainda o disposto no art.º 11.º da referida Lei não permite a instauração de procedimento disciplinar por actos praticados durante a greve, ainda que esta seja ilegal.

A ré contestou alegando, em resumo, que as faltas dadas pelos trabalhadores, durante os dias de greve, eram injustificadas, por não ter sido observado o pré-aviso legal que, no caso, era de dez dias, por força do disposto nos artigos 5.º, n.º 2 e 8.º, n.º 1 e n.º 2, al. b), da Lei n.º 65/77, uma vez que o normal funcionamento dos hospitais pressupõe a indispensabilidade de condições de higiene nas suas instalações.

Na 1.ª instância, a acção foi julgada procedente, mas apenas no que toca ao subsídio de alimentação, tendo a ré sido condenada a pagar a cada um dos 38 trabalhadores identificados na petição inicial a quantia de € 88,60, acrescida de juros de mora desde a citação.

A ré recorreu, mas o recurso não foi admitido.

O autor também recorreu, mas o Tribunal da Relação de Lisboa negou provimento ao recurso e confirmou a sentença.
Mantendo o seu inconformismo, o autor interpôs o presente recurso de revista, concluindo as suas alegações da seguinte forma:
1. O A. intentou acção contra a ré, impugnando os processos disciplinares instaurados aos seus associados que aderiram às greves, por si convocadas, nos dias 17 de Maio e 11 e 12 de Junho de 2002, e as sanções de multa que, em consequência, lhes foram aplicadas, invocando que a R. instaurara aqueles processos disciplinares com o fundamento de que as greves tinham sido ilegais, por não respeitarem o pré-aviso legalmente estabelecido.
2. Pedia ainda o autor a condenação da ré:
a) No reconhecimento de que as greves declaradas o haviam sido com observância das exigências legais, com a consequente nulidade dos processos disciplinares instaurados e o pagamento a essas trabalhadoras dos valores indevidamente descontados;
b) No pagamento de vários subsídios devidos a trabalhadores seus associados;
3. A autora é uma Associação Sindical regularmente constituída, que representa, entre outros, os trabalhadores de limpeza que prestam a sua actividade ao serviço de empresas prestadoras de serviços de limpeza, sendo, de há muito, o Sindicato Nacional com maior expressão de representatividade destes trabalhadores e a ré é uma empresa que se dedica à prestação de serviços de limpeza.
4. Em Fevereiro de 2002, à ré foi adjudicada a prestação de serviços de limpeza no Hospital do Barreiro, sucedendo na execução daquela empreitada a outras empresas prestadoras de serviços de limpeza que ali executavam a mesma actividade.
5. No uso do direito previsto nos art.os 2.º e 5.º da Lei da Greve (Lei 65/77 na redacção dada pela Lei 30/92), o autor efectuou, em 10 de Maio de 2002, um pré-aviso de greve a ter lugar no dia 17 de Maio de 2002, com início às 0h00 desse dia e com a duração de 24 horas, conforme documento que se juntou (doc. 1, junto com a petição inicial ) e, em 4 de Junho de 2002, o autor efectuou novo pré-aviso de greve a ter lugar nos dias 11 e 12 de Junho de 2002, com início às 0h00 do primeiro daqueles dias e termo às 24h00 do dia 12 (doc. 3, junto com a petição inicial).
6. A instauração daqueles procedimentos disciplinares pela ré aos associados do autor que aderiram àquelas greves, com fundamento no facto de não ter sido observado o pré-aviso de 10 dias previsto no art. 5.º da Lei da Greve, para os casos de empresas destinadas à satisfação de necessidades sociais impreteríveis, foi ilícita, quer por não poder existir procedimento disciplinar por actos praticados durante a greve, quer por a greve não ter sido declarada com inobservância dos formalismos legais aplicáveis.
7. Não existindo uma definição legal do conceito de greve, a doutrina e a jurisprudência têm entendido aquele conceito como correspondendo a uma actuação colectiva e concertada de um grupo de trabalhadores que, em regra, implica uma abstenção total ou parcial da prestação de trabalho, como um instrumento de pressão para realizar interesses comuns – ver, por todos, o Parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria da República homologado em 22/1/98 (disponível em www.dgsi.pt), J. Canotilho e Vital Moreira (in Constituição da República Portuguesa Anotada, Coimbra, 1984) e Bernardo Lobo Xavier (in Direito de Greve, Lisboa, 1984).
8. Quer isto dizer que, cumprindo ou não os formalismos legalmente previstos, havendo uma actuação colectiva e concertada de um grupo de trabalhadores que, em regra, implica uma abstenção total ou parcial da prestação de trabalho, como um instrumento de pressão para realizar interesses comuns, existe uma greve e a essa greve são aplicados os arts. 7.º e 10.º da Lei da Greve, o que implica que se suspendem as relações decorrentes do contrato de trabalho, estando proibidas as formas de punição dos trabalhadores grevistas, por actos praticados durante a greve.
9. Assim, sendo embora verdade que o art. 11.º da Lei da Greve previa que as greves declaradas com inobservância do previsto nas suas normas sujeitava os trabalhadores grevistas ao regime das faltas injustificadas, tal norma deve ser entendida, por conjugação com os arts. 7.º e 10.º da Lei da Greve, como não possibilitando o exercício de acção disciplinar do empregador por actos praticados pelo trabalhador durante o período da greve.
10. Deste modo, para não entrar em contradição com os citados arts. 7.º e 10.º da Lei da Greve, aquele art. 11.º deve ser entendido unicamente como relevando para o cômputo da assiduidade do trabalhador e eventual repercussão decorrente do somatório com outras faltas, com os efeitos disciplinares previstos nos arts. 27.º do Dec.-Lei 874/76 e 9.º, n.º 2, do Dec.-Lei 64-A/89, não permitindo, no entanto, o art. 11.º citado que os dias de adesão a uma greve, ainda que ilicitamente declarada, possam, autonomamente considerados, fazer incorrer o trabalhador em infracção disciplinar, sob pena de ficarem vazios de conteúdo os arts. 7.º e 10.º da Lei da Greve.
11. E, como se descortina das notas de culpa e das sanções aplicadas às trabalhadoras em questão nos autos, estas foram punidas somente por haverem deixado de trabalhar nos dias de greve, uma vez que sabiam que a greve era ilegal, por não ter sido cumprido o pré-aviso legalmente exigido, violando, por essa forma, os deveres de lealdade e obediência.
12. O acórdão recorrido, ao decidir que os procedimentos disciplinares eram lícitos à luz do art. 11.º da Lei da greve, então em vigor, e que não tinham aqui aplicação os arts. 7.º e 10.º da mesma Lei da Greve, violou aqueles normativos.
13. O n.º 2 do art. 5.º da Lei da Greve, na redacção ao tempo vigente, era perfeitamente claro, ao confinar a necessidade desse aviso prévio de dez dias aos “casos” das alíneas do n.º 2 do art. 8.º da mesma Lei.
14. Deste modo, e ao contrário do que consta do acórdão recorrido, é completamente irrelevante a ponderação de que a enumeração do n.º 2 do art. 8.º era meramente exemplificativa e de que, ainda que as empresas de limpeza não constassem de tal enumeração, sempre estariam vinculadas ao n.º 1 do art. 8.º citado, porquanto, para efeitos do pré-aviso de 10 dias, só nas empresas ou actividades descritas nas alíneas do n.º 2 do art. 8.º estava tal pré-aviso previsto no n.º 2 do art. 5.º da Lei da Greve.
15. Não há dúvida nenhuma que o sector da limpeza não enquadra nenhuma daquelas alíneas, não havendo, pois, que observar o pré-aviso de dez dias.
16. A norma do art. 8.º destina-se a prevenir que as necessidades sociais impreteríveis deixem de ser satisfeitas com prejuízo de interesses sociais que têm de ser preservados, atenta a sua importância, e, por isso, o legislador impõe, nesses casos, o pré-aviso de 10 dias, assegurando-se, por outro lado, que, em caso de incumprimento dos serviços mínimos, possa ser declarada a requisição civil prevista no art. 8.º, n.º 9, da Lei da Greve.
17. E o legislador, por um lado, apenas exigia, na redacção ao tempo vigente, o pré-aviso de 10 dias úteis nos casos previstos nas alíneas do n.º 2 do art. 8.º, como já se viu, inviabilizando, fora de tais casos, o cumprimento dos prazos de definição dos serviços mínimos nos termos previstos nos n.os 4 a 8 do citado art. 8.º.
18. Deste modo, em circunstância alguma, com o quadro legal que estava em vigor, poderia considerar-se que a greve declarada pela recorrente tinha que ser declarada com 10 dias úteis de antecedência e teria que se sujeitar ao cumprimento dos serviços mínimos.
19. E, sendo o direito à greve um direito fundamental, só pode ser restringido nos termos e pela forma previstos no art. 18.º, n.º 2, sendo que tal limitação se tem de adequar ao mínimo necessário para solução de interesses conflituantes, para não afectar o conteúdo essencial do direito à greve.
20. Por essa razão, qualquer interpretação extensiva de qualquer norma restritiva daquele direito – como é o caso do art.º 8.º da Lei da Greve – seria inconstitucional, por força da previsão do art. 18.º da Constituição.
21. Inconstitucionalidade que é evidente na interpretação do acórdão recorrido, ao estender a obrigatoriedade do pré-aviso de dez dias e ao cumprimento dos serviços mínimos, fazendo uma interpretação extensiva da alínea do n.º 2 do art. 8.º que se refere aos “Serviços Médicos, hospitalares e medicamentos”, como englobando a universalidade dos trabalhadores que em tais empresas ou estabelecimentos prestem serviço, quer estejam vinculados directamente aos mesmos, quer ali prestem actividade, por força de um contrato de prestação de serviços celebrado entre o estabelecimento e a empresa a que estão directamente vinculadas.
22. À luz do art. 8.º da Lei da Greve, após definir quais são as empresas que podem ser qualificadas como destinadas à satisfação de necessidades sociais impreteríveis, prevê no seu n.º 9 que, em caso de incumprimento de serviços mínimos, pode o Estado promover a requisição dos trabalhadores nos termos previstos na lei.
23. E essa lei é o Dec.-Lei 637/74 que, no seu art. 3.º, contém a enumeração taxativa (e não já exemplificativa) de quais os serviços públicos e empresas que podem ser objecto de requisição civil, aí se definindo que são aquelas que tenham a actividade prevista nas suas diversas alíneas e no caso dos presentes autos “A prestação de cuidados hospitalares, médicos e medicamentosos”.
24. Ora, parece manifesto que uma empresa prestadora de serviços de limpeza não tem por objecto social a prestação de cuidados hospitalares, médicos e medicamentosos, nem se dedica a essa actividade e não estaria, pois, nunca sujeita à requisição civil por falta de quadro legal.
25. Deste modo, ainda que válida fosse a interpretação extensiva de uma norma limitadora do direito à greve – e tal validade obviamente não ocorre – ainda assim não lhe poderia ser aplicada a previsão do art. 8.º da Lei da Greve, não lhe sendo igualmente aplicável a obrigatoriedade do pré--aviso de dez dias, nem a obrigatoriedade de prestação de serviços mínimos durante a greve, nem obviamente caindo os trabalhadores que aderiram à greve no regime de faltas injustificadas por força do art. 11.º da Lei da Greve;
26. Sucede até que o Estado renunciou à tutela da prestação dos serviços de limpeza nos hospitais, quando, não obstante a previsão do art. 64.º da Constituição, lhe cabia, no âmbito das suas tarefas prioritárias, assegurar o funcionamento dos serviços de saúde, e, se o Estado abdica voluntariamente do controle da prestação de serviços de limpeza aos Hospitais, adjudicando-os a empresas privadas, sem o estabelecimento de qualquer tutela estatal, como efectivamente sucede, está seguramente a entender que esse sector de actividade não assume relevância para ser directamente tutelado e controlado pelo Estado;
27. O douto acórdão recorrido, ao decidir como decidiu violou, pois, os art.os 5.º, 7.º, 8.º, 10.º e 11.º da Lei da Greve e os art.os 17.º, 18.º e 57.º, n.º 3, da Constituição.

A ré não contra-alegou e, neste Supremo Tribunal, a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta pronunciou-se pela improcedência do recurso, em “parecer” a que o recorrente respondeu.

Colhidos os vistos dos juízes adjuntos, cumpre apreciar a decidir.

2. Os factos
Os factos que, desde a 1.ª instância, vêm dados como provados sem qualquer impugnação, são os seguintes:
1 - A Ré dedica-se à prestação de serviços de limpeza.
2 – Em Fevereiro de 2002, à Ré foi adjudicada a prestação de serviços de limpeza no Hospital do Barreiro, sucedendo, naquela empreitada, a outras prestadoras de serviços de limpeza que ali executavam a mesma actividade.
3 – O Autor efectuou, em 10 de Maio de 2002, um pré-aviso de greve, a ter lugar no dia 17 de Maio de 2002, com início às 00h00 desse dia, e com a duração de 24 horas.
4 – Por fax, datado de 16/5/2002, a Ré comunicou ao Autor que aquela greve era ilícita, por não ter sido declarada com o pré-aviso mínimo de 10 dias nem prever a prestação de serviços mínimos nos termos dos art.os 5.º n.º 2 e 8.º da Lei da Greve.
5 – Em data não concretamente apurada, mas não anterior a 4 de Junho nem posterior a 5 de Junho de 2002, o Autor efectuou novo pré-aviso de greve, a ter lugar nos dias 11 e 12 de Junho de 2002, com início às 00h00 e termo às 24h00 do dia 12.
6 – Face a essa convocatória de greve, a Ré comunicou aos trabalhadores de limpeza que prestavam serviço por sua conta no Hospital do Barreiro que aquelas greves eram ilegais e que, como tal, se reservava o direito de instaurar procedimentos disciplinares aos trabalhadores que aderissem às mesmas.
7 – Procedimentos disciplinares que veio a instaurar contra os trabalhadores de limpeza a seguir indicados, todos eles associados do Autor:
- MR,
- MP,
- MG,
- RM,
- AL,
- AD,
- AP,
- MB,
- MS,
- MZ,
- LM,
- MA,
- MF,
- MM,
- AM,
- ZQ,
- MN,
- VM,
- AJ,
- ML,
- AF,
- MPM,
- MSS,
- IP,
- MG,
- MJJ,
- OP,
- VF,
- CV,
- MCG,
- AGCS,
- CP,
- CPCC,
- RMJD,
- MASAB,
- JJDMAC,
- FJ,
- AEV.
8 – Naqueles procedimentos disciplinares, as notas de culpa são todas iguais, com o teor constante do documento de fls. 23 a 25 que se dá aqui por reproduzido.
9 – Como consequência dos processos disciplinares instaurados, a Ré aplicou a cada um a sanção disciplinar de suspensão por três dias, com perda de vencimento.
10 – Perda de vencimento que se traduziu num desconto, na retribuição do mês de Dezembro de 2002, de cada um deles, no montante de 25,14 €.
11 – Quando a Ré iniciou a prestação de serviços de limpeza no Hospital do Barreiro, com ela se mantiveram os contratos de trabalho que vigoravam anteriormente na empresa que ali prestava a mesma actividade.
12 – E, designadamente, tal sucedeu com os associados no Autor acima identificados.
13 – Em 3 de Agosto de 1990, o Autor celebrou com a Climpe, empresa que então tinha a seu cargo a execução de serviços de limpeza no Hospital do Barreiro, o acordo junto como doc. 8, de fls. 28 a 35, que aqui se dá por reproduzido, no âmbito do qual aquela empresa se obrigou a pagar o subsídio de alimentação naquele local de trabalho pelos valores aplicáveis à função pública, sendo actualizados na medida em que o fossem os subsídios de alimentação que vigorassem na função pública.
14 – As empresas prestadoras de serviços de limpeza, a quem foi adjudicada a prestação de serviços no Hospital do Barreiro e que antecederam a Ré, pagaram o subsídio de alimentação aos trabalhadores acima identificados.
15 – A Ré recusou-se a pagar o subsídio de alimentação nos termos do referido documento 8 de fls. 28 a 35, tendo pago o montante de 3,39 €, desde o início da execução da prestação de serviços de limpeza no Hospital do Barreiro e até ao seu termo no dia 30 de Abril de 2004.
16 – Como consequência das ausências dos associados do Autor, as tarefas que lhes estavam cometidas não foram desempenhadas.
17 - O Hospital do Barreiro não pagou o valor mensal acordado com a Ré, descontando a quantia correspondente aos trabalhos de limpeza não efectuados nas instalações, nos dias 17 de Maio e 11 e 12 de Junho de 2002.

3. O direito
Como decorre das conclusões apresentadas pelo recorrente, as questões suscitadas no recurso são as seguintes:
- saber se as greves decretadas pelo recorrente estavam sujeitas a um pré-aviso de cinco ou de dez dias;
- saber se o acórdão recorrido fez uma interpretação extensiva do n.º 2 do art.º 8.º da Lei n.º 65/77 e, na hipótese afirmativa, se essa interpretação é inconstitucional por violação do disposto no art.º 18.º, n.º 2, da Constituição;
- saber se as faltas dadas ao serviço por adesão a greves ilegais constituem infracção disciplinar.

3.1 Do pré-aviso
Nos termos do n.º 1 do art.º 5.º da Lei n.º 65/77, de 26/8, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 30/92, de 20/10, em vigor à data dos factos em apreço nos presentes autos, “as entidades com legitimidade para decidirem do recurso à greve, antes de a iniciarem, têm de fazer por meios idóneos, nomeadamente por escrito ou através dos meios de comunicação social, um pré-aviso, com o prazo mínimo de cinco dias, dirigido à entidade empregadora ou à associação patronal e ao Ministério do Emprego e da Segurança Social”.

Todavia, nos casos previstos no n.º 2 do art.º 8.º da Lei n.º 65/77, o pré-aviso terá de ser feito com um prazo mínimo de 10 dias, por força do disposto no n.º 2 do referido art.º 5.º.

Por sua vez, nos termos do n.º 1 do art.º 8.º da referida Lei n.º 65/77, na sua redacção original e não na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 30/92, uma vez que esta foi declarada inconstitucional, pelo T.C., com força obrigatória geral (Acórdão n.º 868/96, in D.R., I.ª Série, de 16/10.96), “nas empresas ou estabelecimentos que se destinem à satisfação de necessidades sociais impreteríveis ficam as associações sindicais e os trabalhadores obrigados a assegurar, durante a greve, a prestação dos serviços mínimos indispensáveis para ocorrer à satisfação daquelas necessidades”.

E, nos termos do n.º 2 do mesmo artigo, “para efeitos do disposto no número anterior, consideram-se empresas ou estabelecimentos que se destinam à satisfação de necessidades sociais impreteríveis os que se integram, nomeadamente, em alguns dos seguintes sectores: a) Correios e telecomunicações; b) Serviços médicos, hospitalares e medicamentosos; c) Salubridade pública, incluindo a realização de funerais; d) serviços de energia e minas, incluindo o abastecimento de combustíveis; e) Abastecimento de águas; f) Bombeiros; g) Transportes, cargas e descargas de animais e géneros alimentares deterioráveis”.

Como decorre da matéria de facto provada, o autor decretou duas greves, uma para o dia 17 de Maio de 2002 e outra para os dias 11 e 12 de Junho de 2002. A primeira foi anunciada em 10 de Maio de 2002 e a segunda foi comunicada em data não concretamente apurada, mas não anterior a 4 de Junho nem posterior a 5 de Junho de 2002, o que vale por dizer, que os avisos prévios dados pelo autor foram superiores a cinco dias, mas inferiores a dez.

A ré considerou as greves ilegais, por entender que as mesmas estavam sujeitas a um pré--aviso de dez dias, nos termos do disposto no n.º 2 do art.º 5.º da Lei n.º 65/77, conjugado com o disposto no n.º 2 do art.º 8.º da mesma lei.

A decisão recorrida, tal como já havia sucedido na 1.ª instância, deu razão à ré, com o fundamento de que a ré prestava serviços de limpeza no Hospital do Barreiro e com o fundamento de que os hospitais faziam parte do elenco previsto no n.º 2 do art.º 8.º.

O recorrente discorda, alegando, em resumo, o seguinte:
- O n.º 2 do art.º 5.º só remete para o n.º 2 do art.º 8.º, de cujo elenco não fazem parte as empresas que, como a ré, se dedicam à prestação de serviços de limpeza;
- O direito à greve é um direito fundamental e só pode ser restringido nos termos do n.º 2 do art.º 18.º da Constituição;
- A interpretação extensiva de qualquer norma restritiva daquele direito, como é o caso do art.º 8.º da Lei n.º 65/77, seria inconstitucional;
- O acórdão recorrido, ao estender a obrigatoriedade do pré-aviso de dez dias à universalidade dos trabalhadores que prestam serviços nas empresas ou estabelecimentos cujo objectivo é a satisfação de serviços médicos, hospitalares e medicamentosos, quer eles estejam vinculados directamente a essas empresas ou estabelecimentos, quer ali prestem a sua actividade por força de um contrato de prestação de serviço celebrado entre o estabelecimento e a empresa a que estão directamente ligados, fez uma interpretação extensiva do n.º 2 do art.º 8.º, cuja inconstitucionalidade é evidente;
- Se o espírito do legislador fosse o de abranger na previsão do art.º 8.º da Lei da Greve todos os trabalhadores que prestam serviços nos hospitais, teria certamente modificado o Dec.-Lei n.º 637/74, que no seu art.º 3.º contém a enumeração taxativa dos serviços públicos e das empresas que podem ser objecto de requisição civil, no elenco das quais se incluem as que prestam cuidados hospitalares, médicos e medicamentosos, mas não as de prestam serviços de limpezas;
- Se o Estado abdicou do controlo da prestação de serviços de limpeza dos hospitais, adjudicando-os a empresas privadas sem o estabelecimento de qualquer tutela estatal, é porque entende que aquele sector de actividade não assume relevância para ser tutelado e controlado pelo Estado, tanto mais que as empresas prestadoras de serviços de limpezas não estão integradas na estrutura hospitalar onde prestam serviços, não usufruindo os respectivos trabalhadores das normas protectoras dos trabalhadores do sector saúde, nem lhe são aplicáveis as normas reguladoras da respectiva prestação de trabalho.

Entendemos, porém, que a argumentação do recorrente não merece acolhimento. Vejamos porquê.

Como já foi referido, nos casos previstos no n.º 2 do art.º 8.º da Lei n.º 65/77, o pré-aviso de greve é de dez dias. O disposto no n.º 2 do art.º 5.º da mesma Lei é categórico a esse respeito. Por sua vez, como decorre do disposto no n.º 2 do art.º 8.º, as empresas ou estabelecimentos que se integram no sector dos serviços hospitalares fazem parte do elenco, embora não taxativo, das empresas e estabelecimentos que, segundo o legislador, se destinam à satisfação de necessidades sociais impreteríveis.

Os associados do recorrente, identificados na petição inicial, prestavam serviços de limpeza nos Hospital do Barreiro. Não vemos, por isso, como é que o disposto no n.º 2 do art.º 5.º pode deixar de lhes ser aplicável.
O recorrente alega que a actividade da ré não faz parte do elenco das actividades referidas no n.º 2 do art.º 8.º, mas o que, a nosso ver, releva, para efeitos do disposto no n.º 2 do art.º 8.º e, consequentemente, para efeitos do disposto no n.º 2 do art.º 5.º, não é a actividade da empresa a que os trabalhadores estão contratualmente ligados, mas a actividade da empresa ou estabelecimento em que os mesmos prestam serviço. E, quando a actividade da empresa ou estabelecimento em que prestam serviço se integrar no elenco dos sectores referidos no n.º 2 do art.º 8.º, o pré-aviso de greve relativamente aos trabalhadores que aí trabalham passa a ser de dez dias.

O disposto no n.º 2 do art.º 8.º tem de ser interpretado à luz do teor e da razão de ser do disposto no seu n.º 1 do mesmo artigo.

Ora, segundo o disposto naquele n.º 1, nas empresas ou estabelecimentos que se destinem à satisfação de necessidades sociais impreteríveis, as associações sindicais e os trabalhadores ficam obrigados a assegurar, durante a greve, a prestação dos serviços mínimos indispensáveis para ocorrer à satisfação daquelas necessidades. E, como do seu teor decorre (nas empresas ou estabelecimentos), aquela obrigação recai sobre todos os trabalhadores que prestem serviços nessas empresas ou estabelecimentos e não apenas sobre os trabalhadores que mantenham um vínculo laboral com a empresa ou com o dono do estabelecimento. A letra do preceito não contém qualquer indício neste último sentido e a razão de ser dos serviços mínimos não seria eventualmente atingida se só alguns dos trabalhadores estivessem sujeitos àquela obrigação.

Esta é a interpretação que, à luz do disposto no art.º 236.º, n.º 1, do C.C., directamente decorre dos normativos em causa, não carecendo os mesmos de qualquer interpretação extensiva, para se chegar à conclusão de que o recorrente estava obrigado a dar à ré um pré-aviso de greve de dez dias, uma vez que alguns dos seus associados prestavam serviços no Hospital do Barreiro.

3.2 Da interpretação extensiva do n.º 2 do art.º 8.º e da eventual inconstitucionalidade da mesma
Como já foi referido, o recorrente alega que o acórdão recorrido fez uma interpretação extensiva do n.º 2 do art.º 8.º, ao estender a obrigatoriedade do pré-aviso de dez dias à universalidade dos trabalhadores que prestam serviços nas empresas ou estabelecimentos cujo objectivo é a satisfação de serviços médicos, hospitalares e medicamentosos, quer eles estejam vinculados directamente a essas empresas ou estabelecimentos, quer ali prestem a sua actividade por força de contrato de prestação de serviço celebrado entre essas empresas ou estabelecimentos e a empresa a que eles estão directamente ligados por vínculo laboral.

E mais alega que a referida interpretação extensiva é inconstitucional, uma vez que o direito à greve é um direito fundamental e só pode ser restringido nos termos do n.º 2 do art.º 18.º da Constituição.

Como decorre do que já foi dito a propósito da questão anterior, o acórdão recorrido não fez uma interpretação extensiva do n.º 2 do art.º 8.º da Lei da Greve, ficando, assim, prejudicada a questão da inconstitucionalidade invocada pelo recorrente.

Todavia, ainda que se entendesse que a recorrente queria reportar o juízo de inconstitucionalidade à subsunção das empresas de limpeza nos conceitos de empresas ou estabelecimentos a que se reporta o n.º 1 do art.º 8.º, sempre se dirá que uma tal questão também não seria procedente.

Na verdade, o n.º 3 do art.º 57.º da Constituição é explícito ao remeter para a lei ordinária a definição das condições de prestação, durante a greve, de serviços necessários à segurança e manutenção de equipamentos e instalações, bem como de serviços mínimos indispensáveis para ocorrer à satisfação de necessidades sociais impreteríveis e, deste modo, a lei ordinária, ao estabelecer quais as empresas e estabelecimentos sujeitos aos procedimentos nela previstos, não exorbita o disposto no n.º 3 do art.º 57.º da Constituição, quer individualmente considerado, quer em conjugação com o art.º 18.º da Constituição.

3.2 Da sanção disciplinar aplicada aos trabalhadores por terem aderido à greve
Nos termos do art.º 11.º da Lei n.º 65/77, “a greve declarada com inobservância do disposto no presente diploma faz incorrer os trabalhadores grevistas no regime de faltas injustificadas”.

A ré considerou as greves ilegais e injustificadas as faltas dadas pelos trabalhadores aderentes e puniu-os com três dias de suspensão, com perda de retribuição, após a instauração do respectivo procedimento disciplinar.

Nas instâncias entendeu-se que as faltas eram injustificadas e que, como tal, eram passíveis de sanção disciplinar.
Por seu turno, o recorrente entende que a ré não podia agir disciplinarmente contra os trabalhadores com esse fundamento, uma vez que o disposto no art.º 11.º tem de ser compatibilizado com o disposto nos artigos 7.º e 10.º da Lei n.º 65/77.

Com efeito, diz o recorrente, dispondo o art.º 7.º (leia-se art.º 7.º, n.º 1), que, durante a greve, ficam suspensas as relações emergentes do contrato de trabalho, e estipulando o art.º 10.º que é nulo de nenhum efeito todo o acto que implique coacção, prejuízo ou discriminação sobre qualquer trabalhador, por motivo de adesão, ou não, à greve, há que compatibilizar o disposto nestes artigos com o disposto no art.º 11.º, e, não existindo uma definição legal de greve, tem de entender-se, como a doutrina e a jurisprudência têm defendido, que aquele conceito corresponde a uma actuação colectiva e concertada de um grupo de trabalhadores que, em regra, implica uma abstenção total ou parcial da prestação de trabalho, como um instrumento de pressão para realizar interesses comuns, o que significa que, cumprindo ou não os formalismos legalmente previstos, haverá greve quando aquela actuação colectiva e concertada se verifique. E a essa greve são aplicados os artigos 7.º e 10.º da Lei da Greve, o que implica que se suspendam as relações decorrentes do contrato de trabalho, estando proibidas as formas de punição dos trabalhadores grevistas por actos praticados durante a greve.

Deste modo, continua o recorrente, para não entrar em contradição com os citados artigos 7.º e 10.º, deve entender-se que o art.º 11.º só releva para o cômputo da assiduidade do trabalhador e eventual repercussão decorrente do somatório com outras faltas, como os efeitos disciplinares previstos no art.º 27.º do Decreto-Lei n.º 874/76 e no art.º 9.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 64-A/89, não permitindo que os dias de adesão à greve, ainda que ilicitamente declarada, possam ser autonomamente considerados e fazer incorrer o trabalhador em infracção disciplinar, sob pena de ficarem vazios de conteúdo os artigos 7.º e 10.º da Lei da Greve.

A argumentação referida é uma mera repetição da que foi produzida na petição e no recurso de apelação. E, quer na 1.ª instância, quer na Relação, entendeu-se que o disposto nos artigos 7.º e 10.º reportam-se aos efeitos da greve com observância das formalidades legais e que o disposto no art.º 11.º diz respeito à greve declarada sem observância daquelas formalidades.

Mais concretamente, no acórdão recorrido escreveu-se o seguinte:
«Enquanto aqueles artigos (7º e 10º) pressupõem a adesão a uma greve lícita, estabelecendo os respectivos efeitos a nível do conteúdo da relação laboral, este art. 11º pressupõe a adesão a uma greve ilícita (“A greve declarada com inobservância do disposto no presente diploma…”) e estabelece a respectiva consequência para o trabalhador (“… faz incorrer os trabalhadores grevistas no regime de faltas injustificadas”).
Não há, pois, qualquer contradição entre aqueles preceitos, não tendo base legal a interpretação que o recorrente faz deles e pretende que este tribunal faça também.
Aquele art. 11º da lei da greve é bem expresso e claro, no sentido de que, se a greve for declarada com inobservância do disposto naquela lei, faz incorrer os trabalhadores grevistas no regime de faltas injustificadas.» (fim de transcrição)

Dissertando sobre as consequências das greves ilícitas, Pedro Romano Martinez - (1) diz que, em caso de greve ilícita, o art. 11.º da Lei da Greve manda aplicar o regime das faltas injustificadas. E, acrescenta que “[t]ratando-se de faltas injustificadas, estar-se-á perante uma infracção disciplinar grave se forem três as faltas consecutivas ou seis interpoladas durante o período de um ano (art.º 27.º, n.º 3, alínea a) LFFF)” e que “[e]ssa infracção disciplinar pode constituir justa causa de despedimento, em particular se as faltas não justificadas determinarem prejuízos ou riscos graves para a empresa ou se o número de faltas atingir cinco seguidas ou dez interpoladas em cada ano (art.º 9.º, n.º 2, alínea g) LCCT). Além disso, como consequência da adesão a uma greve ilícita, pela sua gravidade e consequências, pode tornar-se imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho (art. 9.º, n.º 1 LCCT)”.

Como se constata do excerto transcrito, aquele autor é peremptório no sentido de que as faltas injustificadas decorrentes da adesão a greves ilícitas integram infracção disciplinar.

E essa é, também, a posição claramente assumida pela doutrina, em geral, nomeadamente por Monteiro Fernandes -(2), Maria do Rosário Palma Ramalho -(3), Menezes Cordeiro - (4) e Bernardo Lobo Xavier - (5). .

Ora, constituindo as faltas injustificadas decorrentes da adesão à greve ilícita uma infracção disciplinar, poderia parecer, à primeira vista, que a sanção disciplinar aplicada aos trabalhadores em causa não era merecedora de qualquer censura.

Todavia, numa análise mais atenta da questão, as coisas não são assim tão simples, pois bem pode acontecer que os trabalhadores tenham aderido às greves sem terem conhecimento da sua ilicitude.

Na verdade, a doutrina, em geral, admite a relevância do erro, por parte do trabalhador grevista, acerca da ilicitude da greve.

A este respeito, Pedro Romano Martinez - (6) diz o seguinte:
«Porém, mesmo no caso de greve ilícita, em determinadas circunstâncias, admite-se que os trabalhadores tenham aderido na ignorância da ilicitude das mesmas, e essa ignorância deve ser tutelada. Nem sempre se pode exigir por parte do trabalhador grevista um conhecimento efectivo da situação real; ele pode não saber se o pré-aviso foi feito com antecedência devida ou não ter consciência da ilicitude.
Provando-se o desconhecimento da ilicitude da greve, a respectiva adesão não deveria ser caracterizada como ilícita, não ficando o trabalhador sujeito ao regime de faltas injustificadas.
O regime das faltas só encontraria aplicação relativamente aos trabalhadores que aderissem com conhecimento da ilicitude da mesma, mas se o trabalhador aderiu em desconhecimento da ilicitude, mormente porque não terá sido convenientemente informado pelo sindicato, não deve suportar as consequências da ilicitude da greve. Não deve, contudo, relevar o desconhecimento negligente.»

E, no mesmo sentido, diz A. Menezes Cordeiro - .(7) «A greve que não observe o disposto na LG faz incorrer os “aderentes” no regime das faltas injustificadas ─ artigo 11.º da LG ─ que podem, inclusive, constituir justa causa de despedimento (-). Julga-se, no entanto, que nos termos gerais haverá que ressalvar a posição dos «grevistas de boa fé», isto é, dos trabalhadores que, tendo usado da diligência exigível, tivessem sustado a laboração, convictos de regularidade formal da greve anunciada.»

Por sua vez, Bernardo Lobo Xavier - (8)., dissertando sobre o erro acerca da licitude da greve, e depois de concluir que esse erro é irrelevante no plano do ilícito, uma vez que “o não cumprimento determinado por uma greve ilegal não é lícito, nem o passará a ser pelo facto de os trabalhadores terem sobre a matéria representações erróneas”, acaba por admitir a relevância do erro para excluir os efeitos disciplinares na participação da greve ilícita, apesar de, no domínio do cumprimento contratual da prestação de trabalho devida, não se poder deixar de levar em conta que o devedor responde pelo adimplemento da obrigação, presumindo-se a culpa quando porventura aquela se mostre inexecutada, dizendo que “não nos parece de afastar que o trabalhador seja admitido a justificar as faltas dadas durante a greve, invocando erro relativamente ao qual não se possa fazer juízo de censura”. Assim, continua aquele autor, “a prova de não imputabilidade da abstenção ─ estabelecida em processo disciplinar ─ descaracteriza essa abstenção como falta injustificada”.

E, na mesma sintonia, Maria Rosário Palma Ramalho - (9) diz o seguinte: “Provando o trabalhador que a sua ausência por greve se deveu a falta de consciência da ilicitude, poderá essa falta ser descaracterizada como injustificada”.

Como decorre dos excertos transcritos, os autores citados admitem a relevância do erro não culposo acerca da licitude da greve, mas fazem impender sobre o trabalhador grevista o ónus probatório do erro.

Não nos parece, porém, que assim deva ser quando em jogo estejam os efeitos disciplinares das faltas decorrentes da adesão a greves ilícitas.

Na verdade, embora a falta de cumprimento, em sede da responsabilidade contratual, se presuma culposa, por força do disposto no art.º 799.º, n.º 1, do C. C., entendemos que essa presunção não pode funcionar em sede do direito disciplinar. Em sede do direito sancionatório, tem de ser o empregador a provar a infracção disciplinar e, consequentemente, todos os elementos que a integram, incluindo a culpa do trabalhador.

Nesta matéria, acompanhamos Pedro Sousa Macedo - (10). que, a esse respeito, diz o seguinte:
«A greve decretada com inobservância do disposto na Lei da Greve (Lei n.º 65/77, de 2.08) faz incorrer os trabalhadores grevistas no regime de faltas injustificadas, nos termos do respectivo art.º 11.º. Como a infracção disciplinar exige uma imputação a título de culpa, há aqui que considerar a possibilidade de ocorrer uma situação putativa ─ o trabalhador estar convencido da legalidade da greve e, portanto, de não haver um comportamento culposo do trabalhador. A prova da culpa que recai sobre a entidade patronal, não se faz de modo directo, mas com base em indícios exteriores e em juízos de normalidade e de exigibilidade. Assim, um convencimento generalizado da legalidade da greve exclui, em princípio, uma actuação culposa.»

E, sendo assim, cabia à ré alegar e provar que as trabalhadoras, por ela punidas com três dias de suspensão com perda de retribuição, por terem aderido às greves ilícitas, por não ter sido respeitado, pelo recorrente, o pré-aviso de dez dias, tinham conhecimento da ilicitude das greves. E, não tendo a ré cumprido aquele ónus, o recurso terá de ser julgado procedente, nesta parte.

4. Decisão
Nos termos expostos, decide-se, na procedência parcial do recurso, anular as sanções disciplinares aplicadas às trabalhadoras identificadas nos autos e condenar a ré a pagar a cada uma delas a importância de € 25,14, acrescida dos respectivos juros de mora, contados desde a data em que em que a importância em causa lhes foi descontada pela ré.
Custas a meias, nas instâncias e no Supremo.

LISBOA, 13 de Fevereiro de 2008

Sousa Peixoto (relator)
Sousa Grandão
Pinto Hespanhol


_________________________________
(1) - Direito do Trabalho”, Almedina, Abril 2002, p. 1103.
(2) - Direito do Trabalho, 11.ª edição, p. 913 e 12.ª edição, p. 934.
(3) - Lei da Greve Anotada, 1994, p. 77, nota 4.
(4) - Manual de Direito do Trabalho, p. 410.
(5)- Direito da Greve, p.275-278
(6) - Ob. cit., p. 1103 e 1104.
(7) - Ob. cit., p. 410.
(8)- Ob. cit., p. 275 a 278
(9) - Ob. cit., p. 79, nota 8.
(10)- Poder Disciplinar Patronal, p. 103